RESUMO: Há situações em que a Lei confere à Administração Pública prerrogativa de realizar contratações diretas, afastando o procedimento licitatório. Essas situações são classificadas como dispensa e inexigibilidade de licitação. Sendo esta última marcada historicamente por recorrentes irregularidades e falhas processuais, e dadas as mudanças introduzidas pela Lei Federal nº 14.133/2021 em relação a Lei Federal n. 8.666/1993, este trabalho se propõe a oferecer uma análise comparativa das inovações que a nova legislação trouxe à baila no tocante à inexigibilidade de licitação, de modo a oferecer uma contribuição aos gestores públicos e aos agentes da iniciativa privada para a futura aplicação deste instituto.
Palavras-chave: Licitação. Inexigibilidade. Inviabilidade de competição. Serviços técnicos profissionais especializados.
INTRODUÇÃO
O Estado, no exercício da sua função administrativa, tem o dever gerir os recursos públicos de modo a atender às expectativas da sociedade. Em outras palavras, deve guiar as suas ações visando atender ao interesse público.
Todavia, nem todos os objetivos da sociedade podem ser atingidos por meio da ação direta do Estado. Isso porque muitas vezes esses objetivos demandam uma ação conjunta com a iniciativa privada, que possui maior expertise em determinadas searas.
Sem dúvida, nenhuma estrutura administrativa, pública ou privada, por mais técnica e eficiente que fosse, conseguiria desempenhar sozinha todas as atividades econômicas e administrativas necessárias para políticas de habitação, saúde, segurança urbana, infraestrutura, urbanismo, seguridade social, entre outras. Ciente desse fato, o constituinte originário concebeu o Estado brasileiro de forma a não o obrigar a ser o executor de todas as funções de interesse público, reconhecendo a grandessíssima dimensão de funções a serem desempenhadas concomitantemente.
Assim, o Estado passa a atuar como um garantidor de direitos, reservando a si próprio o direito de contratar com a iniciativa privada quando julgar necessário, o que não se admite senão para atender ao interesse público, seja ele primário ou secundário.
Neste contexto, a licitação serve de instrumento para a seleção de pessoas jurídicas de direito privado interessadas em atender às necessidades da Administração Pública por meio do fornecimento de bens e prestação de serviços, hipótese em que caberá à Administração fiscalizar o cumprimento da avença.
O dever de licitar, insculpido no art. 37, XXI, da Constituição Federal, obriga a Administração a realizar contratações de serviços e aquisições de bens por meio de um procedimento licitatório “que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes”.
Em contrapartida, há casos em que a Lei confere à Administração a faculdade de afastar a licitação, realizando uma contratação direta. Essas situações são classificadas como dispensa e inexigibilidade de licitação.
A inexigibilidade de licitação, foco deste artigo, estava prevista no antigo Decreto-Lei nº 2.300/1986 e foi posteriormente incorporada à Lei Federal nº 8.666/1993. Atualmente, é tratada pela nova Lei Federal n. 14.133/2021, que regula licitações e contratos administrativos e traz algumas modificações ao instituto, o qual historicamente apresenta índices elevados de irregularidades e deficiências processuais, sendo considerado de difícil aplicação pelos gestores públicos.
Levando em conta que a transição da legislação antiga para a nova será concluída em breve, e considerando histórico problemático que têm as contratações diretas por inexigibilidade de licitação, este artigo tem por objetivo realizar uma análise comparativa das principais inovações relacionadas à inexigibilidade de licitação, abordando também tópicos importantes à aplicação prática dos institutos, com vistas a clarificar o tema aos que lidam com a matéria de licitações.
DA INVIABILIDADE DE COMPETIÇÃO
É importante ressaltar que na contratação por inexigibilidade de licitação não há viabilidade de competição que permita a seleção de uma empresa em detrimento de outra para o fornecimento do bem ou prestação do serviço. Não havendo competição, inexiste também pressuposto fático da licitação, uma vez que ela se destina única e exclusivamente a dar tratamento isonômico aos interessados em contratar com a Administração Pública.
Noutros termos, se a competição entre licitantes não é possível, o processo licitatório, cujo propósito é garantir a imparcialidade na seleção da melhor proposta, torna-se desnecessário.
A inviabilidade de competição pode decorrer da impossibilidade fática de competição, como quando há apenas um fornecedor na praça comercial, ou da impossibilidade jurídica de competição, compreendida como a hipótese em que existe mais de um fornecedor, porém não se pode definir, por meio de critérios objetivos, a melhor proposta.
PONDERAÇÕES EM RELAÇÃO À DISPENSA E À INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO
É crucial diferenciar a inexigibilidade de licitação da dispensa de licitação.
A dispensa de licitação possui um conjunto específico de situações em que é aplicável, geralmente em casos excepcionais, como em situações de guerra, emergência ou calamidade pública, bem como para contratações de baixo valor.
Por seu turno, inexigibilidade, foco principal deste artigo, está relacionada a casos em que a competição é inviável, quer seja fática ou juridicamente.
A diferença fundamental entre os dois está na possibilidade ou não de competição, e essa distinção é crucial na análise e aplicação adequada desses conceitos.
Estabelecidas as diferenças, é de rigor ressaltar que o processo administrativo em que for instruída a contratação direta deverá conter todos os documentos aplicáveis às licitações em termos de caracterização da demanda.
DA JUSTIFICATIVA DE PREÇOS NO CONTEXTO DA INVIABILIDADE DE COMPETIÇÃO
O art. 26, parágrafo único, III, da Lei Federal nº 8.666/1993, determina que o processo de inexigibilidade deverá ser instruído com uma justificativa do preço. A mesma obrigação se encontra prevista no inciso VII do art. 72. do novo diploma.
Com efeito, é dever do gestor público garantir que os preços propostos correspondam à realidade de mercado. Isso porque se comprovado superfaturamento em quaisquer das hipóteses de contratação direta existentes, respondem solidariamente o fornecedor ou o prestador e o agente público responsável.
Nessa esteira, apesar de a inexistência de competição muitas vezes inviabilizar a cotação de preços com outras sociedades empresárias, existe ampla jurisprudência do Tribunal de Contas da União - TCU no sentido de que o valor proposto poderá ser justificado com a apresentação dos preços praticados pelo fornecedor com outros entes públicos ou privados (vide Acórdãos 1.565/2015, 2.616/2015 e 2.931/2016, todos do Plenário do TCU).
Tal entendimento é tão pacificado que, na LF n. 14.133/2023, o legislador optou por fixá-la no § 4º do art. 23 do diploma, a saber:
"§ 4º Nas contratações diretas por inexigibilidade ou por dispensa, quando não for possível estimar o valor do objeto na forma estabelecida nos §§ 1º, 2º e 3º deste artigo, o contratado deverá comprovar previamente que os preços estão em conformidade com os praticados em contratações semelhantes de objetos de mesma natureza, por meio da apresentação de notas fiscais emitidas para outros contratantes no período de até 1 (um) ano anterior à data da contratação pela Administração, ou por outro meio idôneo"
DA DISPENSA DE ANÁLISE JURÍDICA
Conforme art. 38, VI, da LF n. 8.666/1993 todas as licitações devem ser submetidas à assessoria jurídica para controle prévio, o que se aplica à inexigibilidade de licitação.
Por outro lado, a depender da demanda, inclusive nos casos de dispensa e inexigibilidade, o art. 53, § 5º, da nova lei dá ao gestor público a faculdade de dispensar a análise jurídica nas hipóteses previamente definidas pela autoridade máxima competente.
Para isso, deverão ser considerados o baixo valor, a baixa complexidade da contratação, a entrega imediata do bem ou a utilização de minutas de editais e instrumentos de contrato, convênio ou outros ajustes previamente padronizados pelo órgão de assessoramento jurídico.
DA EXCLUSIVIDADE DE FORNECEDOR
Em se tratando de impossibilidade fática de competição, caracterizada quando há somente um fornecedor ou prestador, o inciso I do art. 25 da Lei nº 8.666/1993 traz a seguinte redação:
"Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:
I - para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes;"
No novo diploma, foi incluída a mesma disposição no inciso I do art. 74:
Art. 74. É inexigível a licitação quando inviável a competição, em especial nos casos de:
I - aquisição de materiais, de equipamentos ou de gêneros ou contratação de serviços que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivos
(...)
§ 1º Para fins do disposto no inciso I do caput deste artigo, a Administração deverá demonstrar a inviabilidade de competição mediante atestado de exclusividade, contrato de exclusividade, declaração do fabricante ou outro documento idôneo capaz de comprovar que o objeto é fornecido ou prestado por produtor, empresa ou representante comercial exclusivos, vedada a preferência por marca específica.
A exclusividade de fornecedor ocorre quando existe somente um fornecedor na praça comercial, que pode corresponder a todo o território nacional ou limitar-se a determinada região. No primeiro caso, restará configurada a exclusividade absoluta de fornecimento. No segundo, exclusividade relativa.
Tais diferenças, embora sutis, devem ser examinadas com bastante cautela no decorrer da realização de uma contratação por inexigibilidade, pois quando existe um único fornecedor em todo território nacional, sempre será justificada a inexigibilidade por qualquer ente federativo. No entanto, quando a exclusividade fornecimento é relativa, a contratação deverá ser justificada pela exclusividade de fornecimento na praça comercial em que se realizará a contratação.
Para tal comprovação, deve-se analisar a praça comercial em que se enquadra o objeto, o que, na aplicação da LF n. 8.666/1993, será definido pelo valor global orçado pela Administração.
Assim, se o valor global do objeto o enquadra nos limites da modalidade convite (art. 23, I, c), a praça comercial é a localidade onde ocorrerá a licitação; se a modalidade mais apropriada, em função do valor, for a tomada de preços (art. 23, I, b), a praça comercial será o registro comercial (art. 22, § 2º); e se o objeto se enquadrar na concorrência (art. 23, I, a), a praça comercial será o país.
Já na dicção da nova lei, a exclusividade pode ser comprovada por meio de atestado de exclusividade fornecido por órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação, sindicato, federação ou confederação patronal, ou, ainda, por entidades equivalentes.
Também se admitem contrato de exclusividade, declaração do fabricante ou outro documento idôneo capaz de comprovar que o objeto é fornecido ou prestado por produtor, empresa ou representante comercial exclusivos.
Foi escanteada, portanto, a relação existente na LF n. 8.666/1993 entre valor global do objeto e seu enquadramento em determinada modalidade de licitação para a definição da praça comercial, notadamente porque o novo regramento não fixou limites de valor para as modalidades de licitação, as quais se definem agora pela própria natureza do objeto.
Além disso, o novo diploma prevê expressamente a possibilidade de não apenas adquirir bens, mas também de realizar a contratação de serviços por inexigibilidade, desde que, evidentemente, sejam ofertados por prestador exclusivo. Inseridos no contexto da impossibilidade fática de competição, estes serviços nada tem a ver com aqueles denominados “serviços técnicos profissionais especializados”, que serão tratados mais adiante.
Embora também fosse admitida a contratação de serviços por inexigibilidade pela lei anterior, esta era realizada com base no caput do art. 25, conforme entendimento do Tribunal de Contas da União – TCU:
“Abstenha-se de realizar a contratação de serviços com fundamento no inciso I do art. 25 da Lei no 8.666/1993, já que este dispositivo e específico para a aquisição de materiais, equipamentos ou gêneros fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo. Contrate serviços diretamente, por inexigibilidade de licitação, somente quando restar comprovada a inviabilidade de competição, em consonância com o disposto nos arts. 25 e 26 da Lei no 8.666/1993”. (Ac. 1096/2007 Plenário)
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NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS TÉCNICOS PROFISSIONAIS ESPECIALIZADOS
Já em relação à impossibilidade jurídica de competição, configurada quando não é possível fixar critérios objetivos para selecionar um fornecedor em detrimento de outro, dispõe o inciso II do art. 25 da Lei Federal nº 8.666/1993 que podem ser contratados por inexigibilidade os serviços técnicos de natureza singular elencados no art. 13 do mesmo diploma, relacionados abaixo:
"I - estudos técnicos, planejamentos e projetos básicos ou executivos;
II - pareceres, perícias e avaliações em geral;
III - assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias;
IV - fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços;
V - patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas;
VI - treinamento e aperfeiçoamento de pessoal;
VII - restauração de obras de arte e bens de valor histórico”
Já na LF n. 14.133/2023, o legislador optou por trazer o rol de serviços técnicos profissionais especializados para o Capítulo VIII – Da Contratação Direta, denominando-os “serviços técnicos profissionais especializados de natureza predominantemente intelectual”. Dentre as hipóteses previstas anteriormente, foi incluída mais uma:
Art. 74. É inexigível a licitação quando inviável a competição, em especial nos casos de:
(...)
III - contratação dos seguintes serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação:
a) estudos técnicos, planejamentos, projetos básicos ou projetos executivos;
b) pareceres, perícias e avaliações em geral;
c) assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias;
d) fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços;
e) patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas;
f) treinamento e aperfeiçoamento de pessoal;
g) restauração de obras de arte e de bens de valor histórico;
h) controles de qualidade e tecnológico, análises, testes e ensaios de campo e laboratoriais, instrumentação e monitoramento de parâmetros específicos de obras e do meio ambiente e demais serviços de engenharia que se enquadrem no disposto neste inciso;
Em termos legais, é considerada notória especialização a do profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.
Entretanto, além de serem prestados por profissional ou empresa de notória especialização, os serviços a serem contratados devem ter natureza técnica e ser dotados de singularidade, vedada a contratação de serviços de publicidade e divulgação por inexigibilidade.
Os serviços técnicos de natureza singular são aqueles que não podem ser prestados por qualquer profissional ou empresa em razão da sua excepcionalidade. São muito diferentes de serviços meramente técnicos que, embora exijam mão de obra qualificada, podem ser prestados por quaisquer profissionais qualificados.
São prestados, portanto, por profissionais que possuem reconhecimento ímpar no seu campo de atuação em razão do seu aprofundamento na prática através da pesquisa científica, instrução formal, ou até mesmo no exercício cotidiano da profissão.
Quando prestados por empresas, o são por aquelas que possuem aparelhamento, equipe técnica ou característica organizacional consideradas adequadas à satisfação do objeto.
Nesse viés, o serviço técnico de natureza singular consiste essencialmente na aplicação dos conhecimentos teóricos e da habilidade pessoal do profissional envolvido para a plena satisfação do objeto.
Porém, como dito alhures, embora sejam notoriamente os mais adequados, não é possível fixar critérios objetivos de julgamento para a comparação deste serviço com outros existentes no mercado, uma vez que a notória especialização pressupõe um trabalho marcado por características distintivas, não comparáveis.
Sobre este tema, destaca-se o entendimento do TCU:
“ENUNCIADO: A inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços técnicos com pessoas físicas ou jurídicas de notória especialização somente é cabível quando se tratar de serviço de natureza singular, capaz de exigir, na seleção do executor de confiança, grau de subjetividade insuscetível de ser medido pelos critérios objetivos. (TCU, Acórdão no. 2.762/2011-Plenário, Rel. Min. Marcos Bemquerer)
Quanto ao rol de serviços técnicos profissionais especializados, parte da doutrina sempre defendeu se tratar de rol meramente exemplificativo, uma vez que os estes serviços teriam sido agrupados unicamente para descrever categorias de possíveis serviços de natureza predominantemente intelectual.
Sem adentrar no mérito da técnica mais adequada à interpretação de normas jurídicas, é interessante observar que a redação dos dispositivos do rol supracitado faz menção a “assessorias, consultorias, pareceres” no plural, o que evidenciaria a sua natureza exemplificativa. A própria vedação à contratação de serviços de publicidade e divulgação parece reconhecer que seria admitida a contratação de serviços que não aqueles positivados na norma.
Nesse sentido, sem olvidar da controvérsia que ainda paira sobre o tema, seria possível, ao menos em tese, a contratação de serviços que não constam do texto legal, desde que tenham cariz predominantemente intelectual.
PROFISSIONAL DE SETOR ARTÍSTICO POR INEXIGIBILIDADE
Ainda em relação à impossibilidade jurídica de competição, o art. 25, III, da LF n. 8.666/1993 prevê a contratação por inexigibilidade de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou por meio de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública. Sem inovar, o inciso II do art. 74 da LF n. 14/133/2023 traz o mesmo texto da legislação anterior.
Por se tratar de trabalho artístico, se faz necessária a contratação do próprio artista, principalmente porque seu trabalho não pode ser replicado por outra pessoa de maneira a produzir o mesmo efeito. Tal impossibilidade reside na própria subjetividade inerente à arte, uma vez que a contratação de outro artista, mesmo que para replicar o trabalho deste, descaracterizaria o resultado pretendido, visto que o produto do trabalho artístico é intimamente ligado à personalidade do artista que o desenvolveu.
Os dispositivos legais referidos acima exigem que o artista escolhido seja "consagrado" pela crítica especializada ou pela opinião pública. Sobre isso, cabe delinear que a mencionada consagração varia de acordo com o tempo e o lugar em que se encontra o artista. Observe-se que existem artistas que não mais fazem o mesmo sucesso de outrora, bem como existem outros que são reconhecidos apenas em determinadas regiões do país. Nesse passo, é importante que a análise da notoriedade do artista considere o prestígio que tem o artista no local da prestação dos serviços para que se garanta segurança jurídica da contratação.
DO CREDENCIAMENTO
O credenciamento é considerado uma hipótese de inexigibilidade que, embora não conste explicitamente da redação legal, consiste precisamente na contratação direta do objeto por inviabilidade de competição. Portanto, encontra fundamento no caput do art. 25 da LF n. 8.666/1993.
Pretende-se, pelo credenciamento, a prestação do serviço ou o fornecimento do bem pelo máximo de prestadores ou fornecedores possível, de forma que existe não só uma pluralidade de interessados, mas também uma pluralidade de objetos.
Dessa maneira, todos aqueles que cumprirem os requisitos mínimos definidos em regulamento do Poder Público estarão aptos a prestar os serviços. Dessarte, não há que se falar em competição, tampouco em licitação.
Diferentemente das demais hipóteses abordadas, no credenciamento o serviço a ser contratado ou o bem a ser adquirido não é dotado de nenhuma singularidade que, sozinha, dê causa a uma inviabilidade de competição. A inviabilidade de competição, nesse caso, se origina de própria multiplicidade de objetos, resultando em uma situação na qual os interessados não competem entre si em um certame.
Não obstante, a nova legislação em vigor destinou seção própria ao credenciamento (art. 79, LF n. 14.133/2023), dando-lhe a forma de procedimento auxiliar à licitação, adstrito às hipóteses em que: (i) for “viável” e “vantajosa” a realização de contratações simultâneas em condições padronizadas; (ii) a seleção do contratado está a cargo do beneficiário direto da prestação; e (iii) a flutuação constante do valor da prestação e das condições de contratação inviabiliza a seleção de agente por meio de processo de licitação.
Embora o credenciamento receba tratamento diferente no novo diploma, pode-se notar que a sua ligação com a inexigibilidade subsiste na redação legal. Ao observar o disposto no inciso IV do art. 75 da LF n. 14.133/2023, no qual está prevista a possibilidade de contratação direta por inexigibilidade de objetos que devam ou possam ser contratados por meio do credenciamento, percebe-se que o credenciamento não deixa de ser, por inferência, uma hipótese de inexigibilidade.
DA AQUISIÇÃO E LOCAÇÃO DE IMÓVEIS POR INEXIGIBILIDADE
A aquisição ou locação de imóvel cujas características de instalações e de localização tornem necessária sua escolha estava prevista anteriormente no rol de hipóteses de dispensa de licitação, precisamente no art. 24, X, da LF n. 8.666/1993.
Por sua vez, o novo texto contido no inciso V do art. 75 da LF n. 14.133/2023 não traz alterações muito significativas ao comando normativo. Além de alocá-lo entre as hipóteses de inexigibilidade, o § 5º do art. 74 elenca três requisitos para a realização da locação ou aquisição do imóvel:
I - avaliação prévia do bem, do seu estado de conservação, dos custos de adaptações, quando imprescindíveis às necessidades de utilização, e do prazo de amortização dos investimentos;
II - certificação da inexistência de imóveis públicos vagos e disponíveis que atendam ao objeto;
III - justificativas que demonstrem a singularidade do imóvel a ser comprado ou locado pela Administração e que evidenciem vantagem para ela.
A opção do legislador pela transposição do dispositivo se mostra acertada, visto que se os atributos de determinado imóvel suprem perfeitamente às necessidades da Administração, não haverá competição e, como já visto, se não é viável a competição, é configurada a inexigibilidade, não a dispensa.
CONCLUSÃO
A contratação direta por inexigibilidade impõe desafios aos profissionais que lidam com a matéria, sobretudo aos agentes públicos, em razão de sua complexidade, evidenciada pela existência controvérsias ainda não totalmente pacificadas. Entretanto, ao examinar a nova legislação, é possível notar o esforço do legislador no sentido de consolidar em norma certos entendimentos jurisprudenciais, tais como aqueles relacionados à justificativa de preço e à possibilidade de contratação de serviços por inexigibilidade.
Nessa esteira, houve também novidades no tocante à desconsideração da relação entre o valor global do objeto e a sua respectiva modalidade licitatória para fins de identificação da praça comercial do fornecedor e à possibilidade de dispensa de análise jurídica, o que é compreensível, haja vista a nova lei não haver delimitado as modalidades por valor global.
A inclusão do credenciamento como procedimento auxiliar à licitação, por sua vez, é interessante no sentido de permitir à Administração o acesso simplificado a um cadastro amplo de fornecedores. Embora já houvesse instrumento semelhante sob a égide da antiga lei, a criação de hipóteses legais para a sua aplicação significam um importante avanço, notadamente porque torna mais claro o procedimento a ser adotado pelos gestores públicos.
Como medida de menor relevância prática, houve o reposicionamento da hipótese de aquisição ou locação de imóveis para o campo da inexigibilidade de licitação, o que sempre se mostrou, de fato, mais recomendável.
Ao abordar os aspectos destacados acima, este artigo tem a pretensão de contribuir com o debate público visando à ampliação a segurança jurídica das contratações administrativas, elucidando temas relativos à contratação direta por inexigibilidade de licitação, tratados sob a ótica da comparação entre as inovações trazidas pela Lei Federal n. 14.133/2021 em relação à antiga.
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BITTENCOURT, Sidney. Contratando sem Licitação: Contratação Direta por Dispensa ou Inexigibilidade - Lei Nº 14.133, De 1º De Abril De 2021 – Nova Lei De Licitações - Lei Nº 13.303, De 30 De Junho De 2016 – Lei Das Estatais – 3ª ed. – Portugal: Grupo Almedina, 2021.
CHAVES, Luiz Cláudio. Um estudo completo sobre a hipótese de inexigibilidade de licitação para contratação de serviços técnicos especializados. Revista TCU. Brasília, ano 50, n. 143, jan/jun. 2019. Disponível em: https://revista.tcu.gov.br/ojs/index.php/RTCU/article/view/1600, Acesso em: 24 de ago. de 2023.
CHAVES, Luiz Cláudio. A contratação por inexigibilidade de licitação com fornecedor ou prestador de serviço exclusivo. Revista TCU. Brasília, ano 47, n. 134, set/dez. 2015. Disponível em: https://revista.tcu.gov.br/ojs/index.php/RTCU/issue/view/64. Acesso em: 26 de ago. de 2023.