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Grandes redes varejistas e dependência econômica dos fornecedores.

Prática anticoncorrencial?

Agenda 09/11/2007 às 00:00

RESUMO:

O presente estudo visa investigar a atuação das grandes redes varejistas, especialmente supermercadistas, à luz do direito concorrencial. Analisa o impacto do poder de barganha destas empresas junto aos fornecedores, correlacionando sua dependência econômica e eventual abuso do poder econômico.

PALAVRAS-CHAVE:Grandes redes varejistas; buyer power; dependência econômica; abuso do poder econômico.


Questão tormentosa em matéria de concorrência trata-se do abuso do poder econômico exercido pelas grandes redes de distribuição varejista sobre os fornecedores, ainda que não haja titularidade de posição dominante.

O processo de concentração empresarial por meio de fusões e aquisições, o alto grau de crescimento do setor e o valor agregado pelos distribuidores aos produtos comercializados, especialmente por redes de supermercados (como atendimento 24 horas, serviço delivery, galerias comerciais anexas, estacionamentos, fraldários etc.), implicam em desmedido poder de barganha dos varejistas (buyer´s power), acarretando a imposição aos fornecedores de condições privilegiadas de compra de suas mercadorias, o que não ocorreria se outros fossem os compradores ou se existisse uma estrutura competitiva de mercado.

O poder negocial dos compradores tende a ser maior quanto mais dificultoso o acesso aos canais de distribuição, decorrente da existência de grandes conglomerados econômicos aliada às significativas barreiras à entrada em determinado setor, v.g., conhecimento de mercado pertencente às empresas estabelecidas, contratos com fornecedores, barreiras legais e regulatórias, ponto comercial, economias de escala, e fidelidade dos consumidores às redes instaladas.

Com efeito, se por um lado o poder de compra dos grandes varejistas pode resultar no repasse das vantagens obtidas junto aos fornecedores para os consumidores, chamado poder compensatório (countervailing power), por outro pode ser nocivo tanto aos fornecedores, que se tornam dependentes econômicos das grandes redes de distribuição, quanto à própria competição no mercado, mediante conduta predatória de eliminação dos concorrentes, pelos baixos preços praticados, e aniquilamento dos sistemas de distribuição tradicionais.

Esse poder excessivo dos distribuidores, que tem o condão de acarretar o abuso da situação econômica dos fornecedores, ocorre na medida em que estrangula sua margem de lucros, pelos baixos preços pagos pelos compradores aos fornecedores e pela imposição de condições contratuais prejudiciais, como taxas de parcerias comerciais, exclusividade, colaboração em reformas, descontos financeiros, verbas de fidelidade, garantia de margem de preço, contribuição com promoções etc.

Referido poder de barganha pode ser vislumbrado nas associações de compras, ou seja, varejistas, geralmente de pequeno e médio porte, que se filiam para negociar com melhores condições.

Para analisar o poder econômico detido pelos grandes varejistas supermercadistas, cumpre delimitar o mercado em que se travam as relações de concorrência ou atua o agente econômico (mercado relevante).

Vale dizer, entre distribuidores e consumidores (mercado-alvo), e entre distribuidores e fornecedores (mercado de origem).

As duas dimensões do mercado relevante, portanto, devem ser consideradas, a saber: mercado relevante geográfico (delimitação concreta do espaço físico em que os agentes econômicos atuam sobre a influência de seus concorrentes), e mercado relevante material (que compreende todos aqueles produtos e/ou serviços que são considerados como intercambiáveis ou substituíveis pelo consumidor).

Em linhas gerais, o conceito geográfico no mercado-alvo varejista assume uma feição localizada ou regionalizada. Já o mercado relevante material é constituído por estabelecimentos com sistema de vendas de "cestas" de bens, e não produtos específicos, com serviços e comodidades agregadas.

Por outro lado, o mercado de origem em seu aspecto geográfico é bem mais abrangente, especialmente em função da extensão das negociações travadas entre grandes redes supermercadistas e fornecedores, em nível nacional ou mesmo internacional. Exceção existe no que tange aos produtos perecíveis ou de marcas locais ou regionais, que implicam em mercados mais restritos.

Desta forma, o poder de barganha é tanto maior quanto mais significativa a parcela de mercado detida pelo agente econômico em seu mercado de atuação, o que implica, por corolário, em maior grau de dependência dos fornecedores no mercado de origem, dadas as dificuldades para escoar a produção.

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Fato é, contudo, que ao elevado poder de barganha do agente econômico junto aos fornecedores não corresponde o aumento da eficiência alocativa do mercado, porquanto os preços mais vantajosos obtidos não são geralmente repassados para os consumidores.

Como se infere, a questão reacende a discussão entre os ensinamentos da Escola de Harvard (de que devem ser evitadas as excessivas concentrações que podem gerar disfunções prejudiciais às próprias relações econômicas) e de Chicago (na qual se busca a eficiência alocativa do mercado e ganhos para a sociedade através da aplicação da teoria econômica como fundamento do direito).

Assim, a aludida dependência econômica dos fornecedores pode configurar infração à ordem econômica na medida em que apresenta os efeitos dispostos no art. 20, da Lei nº. 8.884/94, a saber: (i) prejuízo à concorrência, (ii) domínio de mercado relevante, (iii) aumento arbitrário dos lucros ou (iv) abuso da posição dominante.

Verifica-se, portanto, que cabe à autoridade antitruste investigar o impacto produzido pela atuação do agente econômico supermercadista sobre os participantes da cadeia de distribuição (fornecedores, compradores e consumidores), já que mesmo não havendo titularidade de posição dominante, as excessivas concentrações de poder no mercado têm causado disfunções que nem mesmo a consideração da teoria econômica é capaz de afastar.

Por derradeiro, a questão cuja resposta permanece in albis e apenas os tempos vindouros poderão responder é a seguinte: terão as autoridades antitruste força suficiente para coibir as práticas anticompetitivas verticais e concentracionais em confronto ao argumento da eficiência alocativa do mercado? Ou o avanço das grandes redes, especialmente varejistas, além de subordinar economicamente os fornecedores, terá o condão de reduzir definitivamente o fenômeno jurídico à teoria econômica?


BIBLIOGRAFIA

COELHO, Fabio Ulhoa. Direito antitruste brasileiro: comentários à Lei n. 8.884/94. São Paulo: Saraiva,1995.

FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

FONSECA, Júlio Borges da. Direito antitruste e regime das concentrações empresariais. São Paulo: Atlas, 1997.

Sobre o autor
Marcel Thiago de Oliveira

Advogado e Assessor Jurídico da Câmara Municipal de Rio Claro / Graduado em Ciências Jurídicas e Mestrando em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Marcel Thiago. Grandes redes varejistas e dependência econômica dos fornecedores.: Prática anticoncorrencial?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1591, 9 nov. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10625. Acesso em: 23 nov. 2024.

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