A vaquejada é uma prática tradicional do Nordeste do Brasil, que envolve a perseguição de um boi por vaqueiros a cavalo, com o objetivo de derrubar o animal puxando-o pelo rabo. Essa atividade tem raízes históricas na cultura rural da região e é muitas vezes celebrada como parte da herança cultural do Nordeste brasileiro.
No entanto, a vaquejada tem sido alvo de controvérsia e debate devido às preocupações com o bem-estar animal. A prática frequentemente resulta em lesões sérias ou morte para os bois, e muitas organizações de proteção animal argumentam que ela é cruel e inaceitável.
Em 2016, o Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil decidiu que a vaquejada era inconstitucional, alegando que violava os princípios de proteção aos animais. No entanto, em 2017, uma emenda constitucional foi aprovada pelo Congresso brasileiro, reconhecendo a vaquejada como patrimônio cultural imaterial do Brasil e a tornando legal sob certas condições. Essas condições incluem a regulamentação para garantir o bem-estar dos animais envolvidos na prática.
Apesar dessas regulamentações, a discussão sobre a vaquejada e seu impacto no bem-estar animal continua. Defensores da tradição afirmam que a prática pode ser realizada de forma mais segura e humanitária, enquanto críticos argumentam que não há maneira de torná-la verdadeiramente segura para os animais envolvidos.
DOS ARGUMENTOS EM PROL DA CONSTITUCIONALIDADE DA LEI E DA PRÁTICA DA VAQUEJADA
A defesa para a constitucionalidade da lei e das práticas à vaquejada se sustenta no pilar constitucional do art. 215 da Carta Magna, a qual resguarda, defende e tutela o patrimônio cultural do país.
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.
Argumenta-se que a prática se trata de uma tradição cultural e milenar, além de representar uma atividade recreativa e esportiva que proporciona e gera grande movimentação econômica com geração de empregos para a população local, sobretudo do povo nordestino que são os maiores beneficiadores. É uma atividade econômica que rende ao Estado cerca de 14 milhões de reais por ano.
No que tange ao tratamento dos animais, a própria legislação estadual regulamenta a prática, dispondo-se que há colchões de areia para impedir que o peão e o próprio gado não se machuquem, assim como o interesse do próprio peão em manter o animal saudável e em boas condições para a prática recreativa, já que o gado não é morto, apenas posto numa corrida.
DOS ARGUMENTOS EM PROL DA INSCONSTITUCIONALIDADE DA LEI E DA PRÁTICA DA VAQUEJADA
O principal argumento da inconstitucionalidade da lei e da prática da vaquejada sustenta-se no artigo 225, §1º, XVII da Constituição Federal, a qual põe em proteção do meio ambiente em seu sentido mais amplo, inclusive, ao vedar práticas que comprometam e lesem animais submetendo-os às práticas de crueldade.
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
§1º- Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
Desta forma, não obsta dúvidas de que o animal posto a essas práticas não está em suas condições naturais ao participar ou sendo obrigado a participar desse tipo de manifestação agressiva que compromete e prejudica seus estados psicológicos e físicos.
Tal evidência se deu através de laudos técnicos que comprovaram os danos causados ao boi enquanto partícipe da vaquejada: fraturas e vértebras coccígeas, luxações e sub-luxações, rupturas nos músculos, nos nervos e na face, além de hematomas também causados pelas próprias quedas, já que o intuito maior é a derrubada do gado. Isso ocorre porque antes do gado ser derrubado, o animal é instigado e enclausurado pelo vaqueiro, onde seu rabo é cruelmente torcido para que venha a ser de fato derrubado e fragilizado.
Essa prática não passa de puro entretenimento cruel que visa o empoderamento financeiro ao passo que instiga crueldade e maus tratos aos animais sujeitos à vaquejada.
DOS PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL QUE ENVOLVEM O CASO CONCRETO
Princípio da dignidade animal: O princípio em questão enfatiza a necessidade de proteção do bem-estar, assim como a dignidade dos animais. Como dito anteriormente, a vaquejada enseja a crueldade e o sofrimento dos animais envolvidos.
Princípio da precaução: O princípio da precaução implica que, na ausência de certeza científica, as ações que podem causar danos sérios ao meio ambiente ou aos animais devem ser evitadas ou minimizadas. A vaquejada, devido ao seu histórico de lesões e mortes de animais, pode ser questionada à luz desse princípio.
Princípio da regulamentação e fiscalização: Para conciliar as tradições culturais com as preocupações ambientais e de bem-estar animal, o direito ambiental pode exigir regulamentações estritas e fiscalização rigorosa das práticas de vaquejada. Isso é importante para garantir que os animais não sofram desnecessariamente e que sejam tomadas medidas para mitigar os impactos ambientais.
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Princípio da sustentabilidade: O direito ambiental busca promover o uso sustentável dos recursos naturais. Se a vaquejada resultar em danos ambientais diretos, como degradação do solo ou erosão, ela pode ser vista como contrária ao princípio da sustentabilidade.
Princípio da responsabilidade ambiental: Este princípio implica que aqueles que causam danos ao meio ambiente ou aos animais devem ser responsabilizados pelos seus atos. Se for comprovado que a vaquejada causa sofrimento injustificado aos animais ou danos ambientais, pode haver implicações legais para os envolvidos.
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Princípio da participação pública e acesso à informação: O direito ambiental muitas vezes enfatiza a importância da participação pública nas decisões relacionadas ao meio ambiente. A sociedade deve ter acesso às informações relevantes sobre a vaquejada e ser capaz de expressar suas preocupações e opiniões sobre a prática.
CONCLUSÃO
Sigo pela mesma seara argumentativa da maioria dos votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal, sendo de acordo com a inconstitucionalidade da lei estadual devido à exposição e instigação de crueldade aos animais, em específico os gados, nas práticas de vaquejada.
Essa discussão dicotômica para o ponderamento de duas proteções constitucionais é ilógica, já que por um lado pauta-se a defesa do meio ambiente e, por conseguinte, a proteção dos animais às práticas cruéis; enquanto a outra defende uma prática obsoleta, onde os adeptos tentam justificar como espécie de patrimônio cultural devendo esta ser preservada e contínua.
Numa perspectiva biocêntrica, sendo ultrapassado o antropocentrismo legislativo e ambiental ainda vigente, mas, caminhando espirituosamente para ser superado, é reconhecido pela doutrina e pelo respaldo constitucional – mesmo que por vezes entendido de forma implícita – que todos os seres vivos são interligados e que cada forma de vida possui um valor independentemente do uso e da necessidade do ser humano.
Dito isso, rechaça-se o argumento da extrema necessidade dessas práticas cruéis para fins econômicos, uma vez que os peões e vaqueiros destinam desse “trabalho” aos fins de semana, não sendo a única atividade de subsistência. Entretanto, ainda que fosse não justificaria a omissão legislativa ou a relativização de condutas cruéis e de maus tratos a todo e qualquer animal – ficando provados por laudos técnicos os danos físicos sofridos aos gados, desde a torção do seu rabo às quedas mais bruscas.
Portanto, uma prática milenar, oriunda do século XIX, que gera lesão ao meio ambiente no quesito bem-estar animal, sendo estes expostos a maus tratos e a crueldade, não deve ser relativizada em prol da falsa ideia de que a prática da vaquejada seja um patrimônio cultural que precise ser defendido e protegido pelo Poder Público. A lei em questão, objeto da discussão constitucional, ainda que discipline sobre a segurança do peão e do gado, não protege e muito menos impede os danos supracitados aos animais nesse contexto.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Direito ambiental esquematizado. 5. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018.