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Da imunidade aos templos de qualquer culto

Agenda 01/10/2023 às 17:47

A imunidade tributária é garantida aos templos de qualquer culto pela Constituição Federal, visando a liberdade de crença e o livre exercício dos cultos religiosos.

Introdução

O presente artigo visa realizar um breve estudo acerca da chamada imunidade sobre os templos de qualquer culto, prevista no art. 150, inciso IV, alínea “b” da Carta Magna.

Nesse sentido iniciaremos analisando o seu conceito, hipóteses em que a imunidade é cabível, hipóteses de não enquadramento da imunidade, dentre outras questões.

O objetivo em abordar a indigitada temática é tornar cristalino o debate sobre a imunidade conferida aos templos de qualquer culto, trazendo a deslinde o artigo constitucional que a embasa, bem como, abordar discussões jurisprudenciais cujo objeto sejam o tema em questão.


Da imunidade aos templos de qualquer culto

A Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso VI, assim preceitua:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.

(…)

VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias.

Com efeito, é notório que o Brasil é um país laico, ou seja, uma nação que não professa uma religião tida como oficial, e em razão disto, a Constituição Federal prevê como garantia fundamental a inviolabilidade quanto a liberdade de consciência e de crença, qualquer que seja esta, em território nacional.

Ademais, a imunidade aos templos de qualquer culto é garantista à liberdade de todos os templos, sendo certo que não se prevalecerá uma crença em detrimento de outra.

Logo, visa-se garantir que ao cidadão seja sempre assegurado que sua crença e consciência religiosa, qualquer que seja esta, seja respeitada, bem como, o livre exercício dos cultos e a proteção aos locais em que estes são proferidos.

Indo ao encontro de tal direito, a Carta Magna optou por garantir aos templos de qualquer culto imunidade quanto aos impostos, a qual é expressamente prevista no art. 150, inciso VI, alínea “b”. Tal imunidade visa garantir ao cidadão que possa ter liberdade para disseminar a sua crença, a sua fé, sem que a incidência tributária seja um impeditivo para tal culto religioso.

Segundo aduz Eduardo Sabbag:

Em breve incursão conceitual, seria possível afirmar que culto é a manifestação religiosa cuja liturgia adstringe-se a valores consonantes com o arcabouço valorativo que se estipula, programática e teleologicamente, no texto constitucional.

Assim, o culto deve prestigiar a fé e os valores transcendentais que a circundam, sem colocar em risco a dignidade das pessoas e a igualdade entre elas, além de outros pilares de nosso Estado. Com efeito, é imprescindível à seita a obediência aos valores morais e religiosos, no plano litúrgico, conectando-se a ações calcadas em bons costumes (arts. 1º, III; 3º, I e IV; 4º, II e VIII, todos da CF), sob pena do não reconhecimento da qualidade de imune.1

Com efeito, a Constituição Federal não faz qualquer diferenciação ou estabelece taxatividade acerca de quais religiões e crenças são enquadradas na imunidade prevista em seu teor. Desta feita, considerando-se o princípio da isonomia, toda crença deverá ser respeitada e ter liberdade de propagação, bem como, fará jus a imunidade prevista no art. 150, desde que, conforme supramencionado, obedeça aos valores morais e bons costumes.

Há que se mencionar que há divergência acerca do enquadramento da maçonaria como entidade religiosa. Sobre o tema, Alexandre Mazza assim se manifesta:

A maçonaria é uma organização fechada voltada para a “busca da felicidade geral e paz universal”. Embora muitos textos oficiais da instituição falem em “cultos” e denominem suas lojas de “templos”, a própria organização afirma que a maçonaria não é uma religião, inexistindo razão para ser tributariamente tratada como tal.2

Insta salientar que no julgamento do RE 562351, ocorrido em 04/09/2012, o Supremo Tribunal Federal analisou a questão em comento decidindo que a maçonaria não se enquadra nos requisitos contidos na lei, posto que, a imunidade tributária restringe-se aos templos de qualquer culto e as “lojas” da maçonaria não professam qualquer religião, sendo primordialmente um modo de vida.

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O Supremo Tribunal Federal assim decidiu:

CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. ART. 150, VI, C, DA CARTA FEDERAL. NECESSIDADE DE REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 279 DO STF. ART. 150, VI, B DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. ABRANGÊNCIA DO TERMO “TEMPLOS DE QUALQUER CULTO”. MAÇONARIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO EM PARTE E, NO QUE CONHECIDO, DESPROVIDO.

I – O reconhecimento da imunidade tributária prevista no art. 150, VI, c, da Constituição Federal exige o cumprimento dos requisitos estabelecidos em lei.

II – Assim, para chegar-se à conclusão se o recorrente atende aos requisitos da lei para fazer jus à imunidade prevista neste dispositivo, necessário seria o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos. Incide, na espécie, o teor da Súmula 279 do STF. Precedentes.

III – A imunidade tributária conferida pelo art. 150, VI, b, é restrita aos templos de qualquer culto religioso, não se aplicando à maçonaria, em cujas lojas não se professa qualquer religião.

IV – Recurso extraordinário parcialmente conhecido, e desprovido na parte conhecida.

Resumidamente, enquadrando-se nos requisitos da lei como templos de qualquer crença, sendo um ambiente em que se professe religião, haverá imunidade, contudo, entende-se não aplicável à maçonaria, posto não professar qualquer religião.

Em complemento ao estudo há que se analisar quais os tributos que são englobados na imunidade constitucional.

Acerca da temática Alexandre Mazza assim afirma:

Como se trata de imunidade subjetiva, ou seja, instituída para proteger as instituições religiosas, a norma imunizante tem o poder de afastar todos os impostos que seriam devidos pela pessoa jurídica.

Assim, instituições religiosas não pagam nenhum imposto cujo fato gerador pudesse ser a elas atribuído. Trata-se de imunidade total. Portanto, se é certo que não recolhem IPTU e ITR sobre o templo de sua propriedade, também não pagam IPVA sobe seus carros, IR sobre suas rendas e ofertas recebidas, ICMS sobre itens vendidos aos fiéis. Nenhum imposto é devido. 3

Da análise do tema em questão verifica-se que a imunidade de impostos sobre os templos de qualquer culto, em realidade, estende-se a toda a instituição religiosa, posto que, incidirá também sobre bens que não sejam essencialmente o edifício consagrado como templo de propagação religiosa.

Por tal razão, infere-se que a imunidade em questão beneficiará áreas relacionadas a atividade religiosa, mas não necessariamente o que seria o templo em si, tais quais, carros utilizados pela atividade, casas sacerdotais, cemitério da igreja, dentre outros.

Acerca do tema Mazza afirma:

Considera-se área contígua aquela que seja uma extensão do imóvel onde se localiza o templo, integrando um só terreno e com o mesmo número de matrícula. Tal conclusão justifica-se pela inviabilidade de realizar a cobrança desmembrada, de IPTU e ITR, para partes integrantes de um mesmo terreno. Assim sendo, o templo imune, suas áreas contíguas também serão favorecidas.4

Com efeito, há que se salientar que referida imunidade, conforme já abordado, restringe-se aos impostos, motivo pelo qual, não abrangerá outros tributos que venham a incidir sobre a atividade religiosa, tais quais, taxas, empréstimos compulsórios e contribuições.

Outrossim, insta mencionar que para que possa se valer da imunidade a entidade religiosa deve demonstrar que o montante pecuniário que não sofrerá a cobrança tributária é utilizado para o exercício das atividades religiosas.

Neste ato, incumbe acrescermos que em caso de prova impeditiva, modificativa ou extintiva quanto ao gozo da imunidade, caberá ao Município o ônus de apresenta-las. Sobre o tema assim já se decidiu:

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – IMPOSTO PREDIAL E TERRITORIAL URBANO – ENTIDADE RELIGOSA – IMUNIDADE – ALEGAÇÃO DE DESVIO DE FINALIDADE – ART. 333, II, DO CPC – ÔNUS DO ENTE MUNICIPAL. 1. Impõe-se ao município o ônus de apresentar prova impeditiva, modificativa e extintiva ao gozo da imunidade constitucional assegurada às entidades religiosas, cabendo àquele demonstrar que os imóveis pertencentes a essas entidades estão desvinculados da destinação institucional. 2. De acordo com o inciso II do art. 333 do CPC, “o ônus da prova incumbe ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor”. 3. Agravo regimental não provido.

(STJ, AgRg no AREsp 380.953/ES, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe de 14/11/2013)

Convém acrescer, ademais, a situação envolvendo os cemitérios. Ricardo Alexandre assim aduz:

É também encampada pelo STF uma interpretação ampla das regras imunizantes ora estudadas, o que é notado, por exemplo, na adoção do entendimento de que a imunidade dos templos de qualquer culto é aplicável aos cemitérios que funcionem como extensões de entidades religiosas, não tenham fins lucrativos e se dediquem exclusivamente à realização de serviços religiosos e funerários. 5

Assim se decidiu no RE 578.562/BA:

Recurso extraordinário. Constitucional. Imunidade tributária. IPTU. Artigo 150, VI, “b”, CF/88. Cemitério. Extensão de entidade de cunho religioso. 1. Os cemitérios que consubstanciam extensões de entidades de cunho religioso estão abrangidos pela garantia contemplada no artigo 150 da Constituição do Brasil. Impossibilidade da incidência de IPTU em relação a eles. 2. A imunidade aos tributos de que gozam os templos de qualquer culto é projetada a partir da interpretação da totalidade que o texto da Constituição é, sobretudo do disposto nos artigos 5º, VI, 19, I e 150, VI, “b”. 3. As áreas da incidência e da imunidade tributária são antípodas. Recurso extraordinário provido.

(RE 578.562/BA – Supremo Tribunal Federal – Relator Ministro Eros Grau, j. em 21/05/2008)

Constata-se que o Supremo Tribunal Federal encampa o entendimento de que o cemitério perfaz uma extensão da entidade religiosa, motivo pelo qual, é abrangido pela garantia constitucional da imunidade.

Neste ato, há que se mencionar que os cemitérios que tenham finalidade comercial, lucrativa, que prestem serviços de forma privada com a finalidade de atingir o lucro, não são beneficiados com a garantia constitucional.

Logo, a imunidade será conferida tão somente àqueles cemitérios que se dediquem a ser uma extensão do templo, sem fins lucrativos.

Por fim, incumbe tratarmos de outra questão acerca desta temática, qual seja, a possibilidade ou impossibilidade de concessão da imunidade sobre imóveis que sejam objeto de locação.

Em primeiro, há que se dividir a questão em duas situações.

A primeira destas seria no caso da instituição religiosa locar seu próprio imóvel ou área contígua para utilização por um terceiro, situação na qual a imunidade será conferida, desde que o valor do aluguel seja revertido para as finalidades da instituição religiosa.

Sobre esta temática Alexandre Mazza afirma:

(…) se a instituição religiosa locar seu templo, ou área contígua, a um terceiro a imunidade permanece, pressupondo-se, também aqui, que o valor do aluguel é revertido para suas finalidades essenciais. O raciocínio vale ainda que o locatário destine o bem a uma finalidade comercial.6

Em contrapartida, em situações nas quais a entidade religiosa seja a locatária de imóvel de um terceiro, ou seja, o proprietário do bem é personalidade diversa da instituição, não haverá imunidade, uma vez que, o contribuinte do tributo incidente sobre o imóvel (IPTU ou ITR) é o locatário, que não será beneficiado por não haver correlação com a atividade religiosa.


Considerações finais

Há que se mencionar que a temática abordada no presente estudo é bastante extensa e por vezes gera alguns debates acerca de sua importância e necessidade, primordialmente quando se trata de instituições religiosas de grande expressividade patrimonial.

Com efeito, há que se salientar que a atividade de tributação do Fisco é regra, sendo certo que, a Constituição Federal, de maneira bastante eficaz, previu alguns casos em que a exceção de não tributação deveria ser estipulada.

Dentre tais, demonstrou-se a real intenção do legislador constituinte acerca da necessidade de se proteger a propagação da liberdade religiosa, sem que a tributação causasse qualquer óbice para a sua ocorrência, motivo pelo qual, instituiu-se a imunidade sobre os templos de qualquer culto.

Por fim, entende-se que se faz primordial o acompanhamento se a finalidade desta garantia constitucional está sendo cumprida, para que os recursos sejam efetivamente destinados a finalidade buscada pelo legislador constituinte.


Bibliografia

MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Tributário – 4ª ed. - São Paulo: Saraiva, 2018, n.p. (epub)

SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário – 9ª ed. - São Paulo: Saraiva, 2017, n.p (epub).

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 24/02/2020.


Notas

  1. SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário – 9ª ed. - São Paulo: Saraiva, 2017, n.p (epub).

  2. MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Tributário – 4ª ed. - São Paulo: Saraiva, 2018, n.p. (epub)

  3. Cf. MAZZA, Alexandre. Op. cit. n.p.

  4. Cf. MAZZA, Alexandre. Op. cit. n.p.

  5. ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário – 11ª ed. - Salvador: Ed. Juspodivm, 2017, p. 221.

  6. Cf. MAZZA, Alexandre. Op. cit. n.p.

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Thaiane. Da imunidade aos templos de qualquer culto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7396, 1 out. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/106488. Acesso em: 22 nov. 2024.

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