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A sentença da Uber e a bomba atômica ultraliberal

Agenda 14/11/2023 às 15:00

No trabalho em plataformas, o vínculo empregatício se deve à subordinação estrutural. A competência é da Justiça do Trabalho, apesar das manobras para driblar a CLT.

Procurando boas leituras, deparo-me, no dia 25 de setembro último, com o texto “A bomba atômica do processo do trabalho”, publicado pelo sítio virtual Migalhas1. Geralmente, antes de iniciar qualquer leitura, começo por identificar o autor e, caso não o conheça, vejo rapidamente o currículo respectivo, a fim de ter uma ideia do que esperar. Habituei-me a fazê-lo nestes tempos de extremismo e ideologia, onde a internet deu vez e voz a todos, embora vê-los e ouvi-los seja decisão nossa. Em se tratando de texto jurídico, porém, especialmente na área trabalhista, não costumo negar leitura.

Enfim, o texto ia assinado por dois doutores em Direito do Trabalho pela USP e transparecia credibilidade. Tão logo conferida a autoria e rapidamente as insígnias, fui ao início e comecei a leitura. Um texto pequeno, simples, de pouco mais de seis mil caracteres; não mais que três minutos de leitura.

Confesso que fui atraído, de início, pelo título chamativo. E, tendo em vista o currículo dos autores, cri tratar-se de algo elogioso ao direito material e processual do trabalho. Fiquei curioso para saber que “bomba atômica” seria essa. Segui. E o texto começava da seguinte forma: “assunto recorrente nos últimos dias é a sentença de juiz do trabalho que determinou a contratação como empregados de todos os motoristas que utilizam aplicativo de uma conhecida empresa de tecnologia (Proc. 1001379-33.2021.5.02.0004). Também impôs indenização por danos morais no valor surpreendente de um bilhão de reais. (...) Em país onde a proteção trabalhista está centrada na figura do emprego (...) surgem ideias criativas como a teoria da subordinação estrutural, a subordinação algorítimica etc. São facetas do chamado ativismo judicial tentando preencher a lacuna legal”.

O susto foi grande. Não acreditei no que li. Voltei ao currículo dos autores, para desta vez lê-lo por completo, ao que vi que ambos prestavam serviço ao poder econômico, membros de um tal ’conselho superior’ de relações de trabalho da FIESP, a Federação dos Industriários de São Paulo. Estava explicado.

Como já explanei em outros artigos23, crença e ideologia não conhecem currículo. O que ocorre com o país, nestes tempos de ultraliberalismo, é cultural e comportamental. É uma questão de identificação, especialmente se o sujeito ganha a vida atuando para o poder econômico (assessorando, advogando, palestrando, etc.), ou fazendo parte do mesmo (sócio de faculdade ou de cursinho preparatório, monetizando na internet, etc.). Nunca se viu tanto texto jurídico escrito por juízes do trabalho e advogados autodenominados trabalhistas contra a Justiça do Trabalho. Dos ministros do Supremo, o desrespeito é semanal, às vezes diário, em sede de reclamações constitucionais, como já escrevi234. Concluí rapidamente que ali se tratava de mais um texto reativo, de cunho ideológico, com o objetivo de vitimizar o poder econômico.

Ler que a teoria da subordinação estrutural-reticular é “ativismo judicial” é estupefaciente. A teoria existe desde o surgimento do toyotismo, há mais de 40 anos. A partir da explosão industrial dos anos 70, e especialmente a partir dos anos 80, com o novo modelo fabril toyotista, deixou de ser possível exigir no dinamismo empresarial o sistema de subordinação clássico. Mas isto não quer dizer que a CLT deixou de ser aplicável.

A subordinação tratada na CLT é jurídica e, como tal, pode se dar de diversas formas. É pueril o pensamento de que a subordinação deve ser aquela em que o empregador ou seu preposto estão de chicote na mão fiscalizando e pressionando pessoalmente o empregado. Tentar restringir o alcance da CLT ao modelo de subordinação fordista é uma falácia ultraliberal (do tipo da que a CLT é antiga, ultrapassada, populista, fascista, ditatorial, etc.). A teoria da subordinação estrutural – qual seja, a de que a subordinação do empregado e a pessoalidade do empregador é institucional – é tão consagrada na doutrina e jurisprudência pátrias que é assombroso que se leia, de uma dupla de doutores, que se trata de “ativismo”, de uma “ideia criativa”. Nunca havia lido algo deste tipo.

Meu assombro foi tal que fui pesquisar mais sobre a “tese”, e descobri ser corrente suscitada no meio empresarialista, no sentido de que subordinação estrutural não caracteriza vínculo empregatício do autônomo5, quando uma coisa nada tem a ver com a outra. Se o sujeito é autônomo, não se há de falar em subordinação alguma (clássica, estrutural ou de qualquer tipo), porque simplesmente não há subordinação jurídica: o trabalhador é autônomo. Entrementes, se não houver autonomia e existir subordinação jurídica ao todo do empreendimento (o trabalhador presta serviços pessoalmente, sem se substituir, obedece normativas relativas ao modo de prestar o serviço, sofre sanções disciplinares, é monitorado constantemente, etc.), é evidente que se trata de empregado. É infantilizado o argumento de que, pelo fato de se tratar de grande corporação, a CLT não seria aplicável aos trabalhadores, porque a figura do empregador pessoa natural não aparece. Alguém imagina o Werner Voigt fiscalizando todos os operários das fábricas da WEG ao redor do mundo? Ou o Silvio, os Marinho ou o Edir Macedo anotando quem está chegando na hora em suas emissoras? Ou o Sicupira tomando nota da produção de cada vendedor da Americanas? O Abílio Diniz se certificando de quantos cafezinhos o atendente da padaria do Pão de Açúcar está vendendo? Bezos fiscalizando as lojas da Amazon? Nestes tempos, o que ainda dá para imaginar, pela publicidade já vista, é Luciano Hang se fazendo presente nas lojas da Havan, com suas roupas coloridas, pondo o quadro de empregadas para dançar.

Noutras palavras, e deixando a broma de lado, uma lei tão importante quanto a CLT, uma das mais importantes do país, seguramente a principal para a base da sociedade nacional (classe trabalhadora), não poder ser interpretada para se aplicar ao “novo” modelo empresarial (que já possui 40 anos), unicamente porque elaborada em época de subordinação pessoalizada (anos 40), equivaleria a extingui-la do ordenamento. Decerto que seria esse o sonho do ultraliberalismo.

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O mesmo raciocínio se aplica à subordinação algorítmica. E, aqui, muito menos de ativismo se há de falar. É a lei quem prevê expressamente que “os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio” (CLT, art. 6º, p. único). Se a empresa controla todos os passos do trabalhador, eletronicamente, e não lhe dá poder de decisão algum (como se comentará adiante), é óbvio que estará havendo subordinação jurídica, e não autonomia. O juiz prolator da sentença que está sendo objeto de propaganda negativa por parte do capital, em achincalhe à Justiça do Trabalho, aplicou a lei, tão somente.

Sobre o assunto, a Uber, em nota divulgada após a condenação, disse o seguinte: “[os] motoristas podem escolher, livremente, quando oferecer seus serviços, sem nenhuma exigência de trabalho mínimo”. Ora, onde está a autonomia nisto? Qualquer trabalhador pode escolher se vai trabalhar ou não. E, se não for, não recebe. Que noção estapafúrdia de autonomia é esta? A autonomia diz respeito ao modus operandi na prestação do serviço, e não sobre a faculdade de resolver trabalhar. A empresa que contrata um autônomo paga-lhe o salário contratado, e o trabalhador tem autonomia para prestar o serviço (jornada, modo de trabalho, etc.). Esta é a regra. O que é bem diferente da empresa que diz contratar um autônomo que, se não trabalhar, não recebe, e, quando está trabalhando, tem toda sua rotina controlada.

O texto da dupla segue trazendo o seguinte trecho: “Essa recente sentença de quase cem páginas revela um paradoxo: havendo decisões individuais heterogêneas, que ora negam, ora aceitam o vínculo de emprego em ações individuais, como pode a ação civil pública pleitear o mesmo para uma coletividade? A ação civil pública se transformou na bomba atômica do processo do trabalho. O procurador e o juiz apertam o botão vermelho e a tudo implodem. Há inúmeros exemplos. Há alguns anos, a 3ª Turma do TST (Proc. TST-RR-130300-89.2003.5.02.0058), com amparo na Súmula n. 331, na presunção de submissão direta e na teoria da subordinação estrutural, reformou acórdão regional para condenar um fabricante de elevadores a montar e instalar diretamente os equipamentos em todo o país, vedando a contratação de empresas especializadas. A condenação, em ação civil pública, obviamente impôs obrigações apenas a essa empresa e não a seus então felizes concorrentes. Esse quadro foi revertido apenas em 2023 após vitória em reclamação perante o STF”. A partir daí, faz-se uma digressão entre a origem das class actions e o CDC brasileiro, acusa-se o MPT de praticar forum shopping e envereda-se para o final.

Aqui, deturpam-se vários pontos básicos do direito brasileiro.

Primeiro, que a heterogeneidade ou homogeneidade que importa à tutela coletiva é do direito, e não das decisões judiciais. Não importa quantos órgãos jurisdicionais estão decidindo assim ou assado. Uniformizar a jurisprudência é tarefa dos tribunais superiores. E será uniformizada em breve. Ao contrário dos fakes que os adeptos da ideologia ultraliberal andaram espalhando na internet desde a prolação da sentença do juiz do trabalho paulista, a matéria não está uniformizada. O TST já enviou ao STF ambas as teses, em dois processos diversos de sua SbDI-1 – um julgado pelo vínculo; outro não – e caberá à suprema corte nacional apreciá-la. Até lá, os juízes e TRT´s estão livres para analisar a questão, conforme seus entendimentos, e, especialmente, de acordo com os elementos de prova juntados.

Segundo, que a Justiça do Trabalho não pode se pautar por regime concorrencial para se furtar de julgar os casos que lhe são submetidos. Esse argumento é ainda mais infantil que o da restrição da CLT à mera subordinação clássica. Fosse assim, editar-se-ia lei que estabelecesse proibição ao Judiciário de se condenar empresas, para que as concorrentes não se sobressaíssem às condenadas. Que tal? Aliás, tal lei valeria para todas as condenações impostas pelo Judiciário ou só para as trabalhistas? Porque, se for apenas para estas, que tal extinguir logo a Justiça do Trabalho? Seria um sonho realizado. E onde fica o mesmo raciocínio com relação ao tempo pretérito à condenação? A condenada já não estava concorrendo deslealmente com relação às demais quando descumpria a lei trabalhista?

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Terceiro, que a manobra jurídica de se ofertar perante o STF reclamações constitucionais, quando a matéria é probatória, trabalhista, e de franca competência da Justiça do Trabalho, alegando-se ofensa a precedentes que não existem, para desviar o processo à Justiça Comum – manobra com que os ministros do Supremo vêm acintosamente compactuando – é claramente subreptícia. Sobre isso, já escrevi à exaustão24. Parafraseando Streck, já estou até criando uma LER epistêmica neste tema. Remete-se à leitura das referências.

No caso da Uber, é evidente que a tutela coletiva trata de direitos individuais homogêneos. Toda a lesão social causada pela plataforma – no sentido de precarização do trabalho e burla à legislação trabalhista – tem origem comum. A jurisprudência é pacífica nesse sentido, pouco importando se substituído A ou B deseja o resultado, ou se juiz X ou Y não decide da mesma forma. Aliás, no que tange à tutela coletiva, caso o interessado individual não deseje executar a parte que lhe compete, o sobejo é destinado a um fundo de tutela coletiva. Isto está no próprio CDC (art. 100, p. único).

O texto ainda provoca um confronto do leitor com relação ao Estado, ao acusar o MPT de escolher o foro para ajuizamento das ACP´s, desfavorecendo empresas de sua livre escolha em detrimento de outras. Trata-se de clara intenção de desacreditar as instituições, abalando o princípio da confiança que deve existir entre o cidadão e o Estado. Uma tática bastante utilizada pela extrema direita.


Sobre a Uber e demais plataformas digitais

A competência constitucional para definir acerca da existência ou não dos elementos da relação de emprego, em casos concretos, é da Justiça do Trabalho, doa a quem doer. Não é do STF, do STJ, ou da Justiça Comum. É da Justiça do Trabalho, que está assentada na Constituição da República e não deve subserviência a nenhum ministro ou tribunal superior. Muito menos satisfação ao poder econômico. Ao contrário, este deve obediência (e respeito!) às decisões da Justiça do Trabalho.

Se, à guisa de debate jurídico, não se concorda com o reconhecimento do vínculo, que se discuta a questão, mas com profundidade e embasamento; não com manobras jurídicas ou teses descabidas para driblar a competência da especializada ou a aplicação da legislação trabalhista, seja legal, seja constitucional. Tampouco com construções jurídicas artificial e forçadamente maquinadas para deturpar a imagem do direito do trabalho.

A Constituição da República determina o prestígio do valor social do trabalho e a observância dos direitos fundamentais ali enumerados. Além disso, frisa que é objetivo fundamental da República a construção de uma sociedade justa e solidária. Não se pode compactuar com uma gigante empresarial que, chegada ao país, defronte a vasta mão de obra livre, proceda de forma a precarizar a relação de trabalho, que deveria ser autônomo. E isto vale para todas as empresas que atuam na área de crowdsourcing.

Falando especificamente da Uber: a CF/88 estabelece um salário-mínimo para jornada de 8h e duração de 44h. O SM/2023 está em R$1.320,00. Nos dias atuais, frente às margens da empresa (que pode chegar a 40%), o trabalhador teria que ultrapassar em muito o limite constitucional da jornada para tirar o valor do mínimo, o que por si configura um mecanismo de burla ao direito constitucional do trabalho, sem mencionar a legislação violada. A empresa, pelo aplicativo, controla todo o processo. O motorista não pode, por exemplo, começar a recusar viagens por conta do valor (que só aparece depois de aceitar), mesmo que não lhe vá trazer benefício, sob pena de ser banido. A empresa sabe onde o motorista está o tempo todo, e até para encerrar a “jornada” o aplicativo procura barrar o trabalhador, enviando-lhe mensagens de estímulo a continuar.

O poder econômico, em defesa da gigante digital, com as informações falaciosas de costume, afirma ser preciso prestigiar o empreendedorismo, quando de empreendedor o sujeito nada tem. São os “chapas” da modernidade. Pessoas que se matam de trabalhar, sem cobertura trabalhista ou previdenciária, conferindo sua força de trabalho unicamente em troca de salário limpo e seco. Não há empreendedorismo algum nisso.

O mesmo vale para aplicativos de entrega. Quem já se dispôs a conversar com um motoboy cadastrado no iFood, Bee ou Rappi, por exemplo (o que, com certeza, não é o caso de ministros do Supremo nem de advogado de empresa), sabe que aqueles jovens, em tenra idade, têm que acelerar bastante para tirar R$40,00, R$50,00, num expediente noturno. Quando a noite é boa, tiram R$60,00. Depois disso, é repor o combustível e dar manutenção na moto, do próprio bolso, descansar, e ir à luta novamente. Se um cliente reclamar de qualquer futilidade (atraso, esfriou, etc.), o trabalhador pode ser banido da plataforma e perde sua fonte de renda.

Outro fiasco argumentativo é afirmar que há deles que não querem a carteira assinada. Primeiro, que os direitos mistos ou sociais, como o trabalhista e o previdenciário, são de ordem pública. Não está na escolha, nem do trabalhador, nem da empresa, definir os parâmetros de como a relação jurídica deve se dar, à míngua de respaldo legal. Se a relação for de emprego, ou for autônoma, deve ter requisitos a seguir. Segundo, que se trata de questão pessoal ou particular, seja por ignorância, seja por objetivo secundário, como no caso das domésticas que preferem não lhe seja anotada a CTPS para não perderem o bolsa-família, por exemplo. Ocorre que o direito é “dever-ser”, e não o “é”. Isto se aprende no primeiro semestre da faculdade, na disciplina de Introdução. O que está na subjetividade do indivíduo pouco importa. E isto vale também, e especialmente, para o empregador, conquanto denomine a relação jurídica do que quiser. O que define a relação de trabalho são os fatos concretos e seus vieses jurídicos; não a vontade das partes.

É certo que há entregadores que gostam de trabalhar para tais plataformas (com quem este articulista também já conversou), sob o argumento de que tiram mais do que se fossem “fichados” (caso em que, pela escolaridade que possuem, receberiam apenas o salário-mínimo). Entretanto, para conseguirem tal feito (chegam a fazer R$100,00, R$150,00 ou mais, por dia), trata-se do único trabalho que têm, dedicando-se em tempo integral. Isto resulta na possibilidade de ganhos brutos de até o dobro ou triplo do SM, porém, laborando 12, 14 horas diárias, e, novamente, sem contar manutenção e combustível do bolso, e a falta de direitos trabalhistas.

O nome disso tudo é precarização, colocada pelo poder econômico de modo a passar imagem de algo salvador, uma oportunidade de autonomia e de ser empreendedor.

A sentença do magistrado paulista, no caso Uber, está absolutamente sintonizada com a Constituição Federal e a regulamentação até então existente no Brasil, com o registro de que o vínculo de emprego (isto é, o trabalho subordinado, não autônomo) foi reconhecido judicialmente em países como Reino Unido (ou a Inglaterra, como a CLT, seria atrasada porque é antiga?) e Espanha (outro país atrasado, pois não?). O trabalho subordinado foi reconhecido, ainda, e por lei, no estado americano da Califórnia (que, sozinha, seria a quinta economia do planeta). Aliás, o trabalhador de plataforma, nos Estados Unidos, denomina-se popularmente de gig worker: trabalhador de bico.

Trabalhos pesados e extensos, sem a civilidade da lei trabalhista (com jornada extenuante e baixos salários proporcionais), já se sabe a que levam: acidente de trabalho (doença ocupacional ou acidente stricto sensu). Que, no caso das plataformas, seria agravado pela potencialidade de causar, ainda, o acidente de trânsito. Acidentes de trabalho (e de trânsito) levam a doenças, invalidez e morte. Mais gastos públicos. Para depois vir o ultraliberal afirmar que paga muito imposto, que o SUS dá prejuízo e que a saúde nacional deveria ser privatizada. A lorota toda tem método. Esse filme (este sim) é antigo...

E que venha a regulamentação. A Justiça do Trabalho não se colocará contra a lei que eventualmente regulamente o trabalho em plataformas e considere tais profissionais autônomos. Até lá, não há qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade em considerar o vínculo, e, ainda assim, regulamentação alguma poderá se sobrepor à competência constitucional da JT para analisar a presença dos elementos caracterizadores do vínculo de emprego, nos casos concretos.

Por fim, a mensagem de sempre. É preciso filtrar. O ultraliberalismo age de forma atrevida. Debocha. Inventa teses esdrúxulas com vistas a passar uma suposta incoerência do Direito do Trabalho. Intenta ridicularizar a Justiça e os juízes do trabalho. Procura minorar a atuação do Estado-social intervencionista; modelo da Constituição de 1988. Desacredita as instituições. É o mesmo modus operandi de seu braço político, na seara da ideologia extremodireitista. E seus defensores estão em toda parte, em todas as áreas, com os mesmos argumentos persuasivos aos mais românticos. Inclusive “infiltrados” dentro da própria Justiça do Trabalho. Vive-se, no Brasil, uma arte da guerra (“conhece ao seu inimigo”) no dualismo capital x trabalho, quando ambos os valores (livre iniciativa e valor do trabalho) são fundamentos da República.

De fato, são tempos sombrios. Mas a redoma do direito e da Justiça do Trabalho há de proteger a classe trabalhadora, base da sociedade, das “bombas atômicas” ultraliberais da propaganda e desinformação.


Referências

  1. Robortella, L. C. Amorim; Peres, A. Galvão. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/coluna/direito-trabalhista-nos-negocios/394066/a-bomba-atomica-do-processo-do-trabalho>.

  2. Verçosa, Alexandre Herculano. A Justiça do Trabalho ignora o STF? Ou o STF ignora o Direito do Trabalho? Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2023-ago-24/alexandre-vercosa-justica-trabalho-ignora-stf>.

  3. Verçosa, Alexandre Herculano. O Caso da Doméstica Sônia Maria de Jesus e o Show de Horrores Ultraliberal do Judiciário. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/106382/o-caso-da-domestica-sonia-maria-de-jesus-e-o-show-de-horrores-ultraliberal-do-judiciario>.

  4. Verçosa, Alexandre Herculano. Manejo inadequado da analogia e da teoria dos precedentes em matéria trabalhista. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2023-jun-24/alexandre-herculano-teoria-precedentes-materia-trabalhista>.

  5. Disponível em: <https://www.fortes.adv.br/2021/10/06/subordinacao-estrutural-nao-caracteriza-vinculo-empregaticio/>.

  6. Disponível em: <https://contrapontodigital.pucsp.br/noticias/com-aumento-da-precarizacao-motoristas-da-uber-sofrem-com-falta-de-amparo>.

Sobre o autor
Alexandre Herculano Verçosa

Servidor Público Federal, integrante dos quadros do Tribunal Regional do Trabalho da 22ª. Região. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual do Piauí. Pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho e Direito Previdenciário pela Assembléia Legislativa do Piauí. Ex-Assessor da Presidência do TRT22. Ex-Diretor de Vara do Trabalho. Ex-Secretário Geral Judiciário do Tribunal (biênio 2011-2). Ex-Assistente de Gabinete de Desembargador Federal do Trabalho. Atualmente Assistente de Juiz Federal do Trabalho Titular de Vara do Trabalho. Ex-Professor de Cursos Preparatórios para Concurso Público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VERÇOSA, Alexandre Herculano. A sentença da Uber e a bomba atômica ultraliberal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7440, 14 nov. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/106570. Acesso em: 23 nov. 2024.

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