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Admissibilidade Recursal: um novo requisito em processos repetitivos

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Agenda 10/10/2023 às 16:08

MELO, Valdeci Filho Ribeiro 1

Mestrando em História, Bacharel em Direito 1

RESUMO

Este estudo tem como escopo apresentar hipóteses para melhorar a celeridade processual de segundo grau, excluindo a reanálise de mérito de recursos de situações repetitivas, com base nos tribunais brasileiros. Buscou-se assim, apresentar os principais pontos do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas diante da dinâmica social que gira em torno de interesses massificados e homogêneos, não podendo dessa forma que a tutela seja dispensada de forma individual e distinta possibilitando a existência de sentenças injustas e não idênticas. As câmaras cíveis recebem algumas temáticas que abarrotam o sistema com processos sobre a mesma situação que afetou um grupo inteiro de pessoas, que buscam seus direitos individualmente, gerando a necessidade de reanalisar diversos processos idênticos que poderiam ser resolvidos de forma alternativa. Logo, a criação de um novo requisito de admissibilidade, referente a individualidade dos recursos, geraria baixa de processos de forma mais célere. Estudos realizados através da pesquisa bibliográfica, sendo classificada como pesquisa exploratória e dedutiva.

Palavras-Chave: Celeridade Processual. Eficácia. Segurança Jurídica. Recursos.

ABSTRACT

This study aims to present hypotheses to improve the procedural speed of the second degree, excluding the reanalysis of the merits of appeals from repetitive situations, based on the 2nd civil chamber of the Court of Justice of Rondônia. Thus, we sought to present the main points of the Incident of Resolution of Repetitive Claims in the face of the social dynamics that revolve around massified and homogeneous interests, thus preventing the guardianship from being dispensed in an individual and distinct way, allowing the existence of unfair sentences and not identical. The civil chambers receive some issues that flood the system with lawsuits about the same situation that affected an entire group of people, who seek their rights individually, generating the need to re-analyze several identical lawsuits that could be resolved in an alternative way. Therefore, the creation of a new admissibility requirement, referring to the individuality of the appeals, would generate faster dismissal of cases. Studies carried out through bibliographical research, being classified as exploratory and deductive research.

Keywords: Procedural Celerity. Efficiency. Legal Security. Resources.

1 INTRODUÇÃO

O escopo deste Artigo Científico trata-se do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) e sua aplicabilidade no Brasil Segundo o Código de Processo Civil que tem como base o Art. 976 a 987 do CPC, buscando apresentar hipóteses para melhorar a celeridade processual de segundo grau, excluindo a reanálise de mérito de recursos de situações repetitivas.

No ordenamento pátrio tem-se a figura dos precedentes como forma de uniformização dos entendimentos apresentados pelos tribunais, ou seja, posições jurisprudenciais, para dar maior segurança jurídica aos jurisdicionados. Eles são formados a partir de fatos, da análise entre direito e fatos, como regra, e por meio de uma análise comparativa dos fatos da causa é que se aplica o caso do precedente adequado ao caso atual1.

Desta forma, vale lembrar o quão é importante conceituarmos as partes que compõem esse instituto, visto que, nem toda decisão judicial se torna precedente, sendo necessário a “ratio decidendi”, ou seja, a tese jurídica que motiva a decisão do magistrado no caso concreto. E ainda, o “obter dictum” que são os fundamentos acessórios utilizados para formar o precedente.

Com a Emenda Constitucional n° 45 de 2004, surgem os precedentes judiciais, que estabelecem o efeito vinculante nas decisões do Supremo Tribunal Federal. Essa Emenda remodelou o Poder Judiciário e instituiu a repercussão geral no recurso extraordinário e dos recursos repetitivos2. O Código de Processo Civil “institui o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR, admissível quando presente o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, além da efetiva ou potencial repetição de processos que controvertam sobre a mesma questão. Sendo assim, o poder da força vinculante das decisões enfatiza a obrigatoriedade da utilização dos precedentes pelos juízos e tribunais com o objetivo de uniformizar as decisões, desobstruir os processos judiciais e garantir segurança jurídica à sociedade.

No entanto, podemos notar que a tradição do sistema jurídico brasileiro nos leva a uma Jurisprudência limitada na lei, uma vez que tem na Constituição a sua base jurídica e a partir daí surgem todas as outras leis e atos normativos.

A morosidade processual é um obstáculo enfrentado no sistema judiciário, devido ao grande volume de processos em trânsito, o CNJ em relatório de 2021 finalizou o ano de 2020 com milhares de processos em tramitação. Com tamanho volume, a presente pesquisa irá focar nos processos em andamento nos tribunais brasileiros, analisando o número de entradas e julgamento de processos aproximadamente, buscando melhorar o método de abordagem dos processos pelos serventuários da justiça3. Essa morosidade tem gerado reflexos no sistema judiciário brasileiro, passando a influenciar-se mutuamente, e assim, nesse ponto reside o problema a ser investigado no presente artigo: Quais são as possíveis implicações jurídicas decorrentes do Sistema de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, que está sendo construído no cenário brasileiro?

A solução proposta é a abrangência da admissibilidade recursal para processos repetitivos que possuem um julgamento de primeiro grau já proferido e que seu entendimento na corte em que se encontra é o de não provimento dos pedidos. Ou seja, para recursos que tiveram sentença de improvimento, e que o entendimento da câmara acompanha esta decisão, não entrar ao mérito deste recurso, apenas sendo proferida uma decisão monocrática com base em julgados anteriores que adentraram ao mesmo mérito.

Neste estudo, o tipo de pesquisa será bibliográfico e documental, pois será utilizado material científico publicado, como livros e artigos de periódicos, além de legislação, decisões judiciais e relatórios de órgãos e tribunais para coletar dados e analisar informações. Quanto aos métodos de pesquisa, será dedutivo, passando de premissas gerais para premissas específicas.

O presente trabalho também tenta dotar-se das várias modalidades e técnicas associadas à pesquisa científica para atender à complexidade necessária da pesquisa. Pretende dar-lhe uma abordagem chamada de sistemas, um novo paradigma da ciência que abraça a interdisciplinaridade necessária para o que está por vir.

2 O CÓDIGO PROCESSUAL CIVIL E O ACESSO À JUSTIÇA NO BRASIL

No Brasil, o sistema processual tem se caracterizado pela sua morosidade no que se refere ao provimento jurisdicional. O processo judicial é consagrado na Constituição Federal como instrumento de garantia ao acesso à justiça, sendo uma das prerrogativas dos direitos humanos, com previsão na Convenção Interamericana de Direitos Humanos de São José da Costa Rica no seu artigo 8º, no qual o Brasil figura como signatário. Ainda, é garantia constitucional inserido no rol dos direitos fundamentais inerente a todo ser humano (art. 5º, XXXV, CF/1988), garantindo a todos além do acesso à justiça, efetividade jurisdicional e tutela adequada4

Nessa perspectiva, todos os cidadãos têm direito ao acesso à justiça por ser considerado um Direito Fundamental, sendo de extrema importância a sua efetivação para a garantia dos direitos inerentes à pessoa humana. Faria e Pinheiro5 esclarecem que “Diante do Direito Fundamental do acesso à justiça, a burocratização e o “afogamento” do Poder Judiciário precisaram ser combatidos no intuito de efetivar os serviços oferecidos e prestados ao jurisdicionado”, para o melhor entendimento, esclarecem que6:

Nesse sentido, a noção de efetividade jurisdicional está inteiramente relacionada ao tempo em que ocorre a tramitação do processo e a qualidade do julgamento, com isso, torna-se necessário saber quais são os principais obstáculos, para que assim se encontre soluções viáveis, sem com isso engessar a atividade do magistrado e nem o acesso ao Judiciário. Uma vez que existe, de fato, uma relação direta entre tempo e efetividade. No entanto, a abordagem, do ponto de vista acadêmico, deve ser feita com cautela para não confundir conceitualmente efetividade e celeridade.

Na tentativa de melhorar a situação do Poder Judiciário e adequar o Código de Processo Civil aos fundamentos constitucionais, criaram novos institutos jurídicos para garantir os direitos consagrados na Constituição Federal de 1988. Assim, surgem instrumentos capazes de minimizar a quantidade de processos e recursos que tramitam nos tribunais brasileiros7.

Antes mesmo da criação do Código de Processo Civil de 2015, haviam doutrinadores que defendiam que o efeito vinculante devia estar expressamente previsto no novo código, “uma vez que a divergência nas decisões das ações que possuem fundamentações jurídicas semelhantes faz com que o sistema processual vigore pela insegurança jurídica”8, ainda abre brechas para a interposição de recursos plenamente incabíveis, o que leva a um grande abarrotamento de processos no Poder Judiciário com prejuízos aos princípios da celeridade e economia processual9.

A etimologia da palavra “acesso” remete ao ideal de ingressar, de entrada, possibilidade de alcançar algo. Nesse sentido, na seara do direito o acesso à justiça se traduz nesses conceitos de ingresso, dar entrada e ainda a possibilidade de alcançar a justiça, devendo ser interpretada em um sentido amplo (lato sensu). O acesso à justiça pode ser considerado um princípio fundamental tendo em vista a sua importância no ordenamento jurídico brasileiro. Vale lembrar, que o Código Civil apresenta duas vezes a locução “acesso à justiça”, quando trata da cooperação jurídica internacional e da petição inicial com previsão legal nos artigos 26, II e no 319, § 3º. A Constituição Federal de 1988, também traz no seu arcabouço a norma constante do Título Dos Direitos e das Garantias Fundamentais no seu artigo 5º, XXXV “ao garantir aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, albergou o princípio do “Acesso à Justiça”, muito embora, haja quem possa interpretá-la, simplesmente, como “Acesso ao Poder Judiciário”10. Para Ivan Aparecido Ruiz11, a morosidade na prestação jurisdicional é um fenômeno global, todavia, no Brasil o Decreto 678/199212 que promulgou o Pacto de São José da Costa Rica, incorporou no ordenamento jurídico brasileiro algumas garantias judiciais, por exemplo, estabelecendo a garantia do prazo razoável do processo judicial.

2.1 Aplicação de precedentes no Brasil

A teoria dos precedentes diz que as decisões emanadas pelos tribunais superiores têm natureza vinculante para todos os tribunais inferiores de uma mesma jurisdição. Essa teoria tem como base o princípio do Estado de Direito e sua vinculação ocorre devido ao fato de que ele visa garantir que o direito não será modificado de maneira inesperada13. A Lei nº 13.105/2015 trouxe profundas mudanças na forma de ser, de pensar e de operar o Direito Processual Civil. Entre algumas mudanças, trouxe de maneira fervorosa a discussão envolvendo o ordenamento jurídico brasileiro e questionando a adoção dos precedentes judiciais presentes no direito norte-americano, comuns ao sistema common law14.

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Os Precedentes Judiciais Segundo o Código de Processo Civil, os artigos 926 e 927 do CPC, que traz um rol de decisões judiciais vinculantes, que dão origem aos precedentes e sua eficácia na garantia da Segurança Jurídica, sendo assim, é importante verificarmos alguns institutos jurídicos como o Civil Law e Common Law. Como nos ensina Marioni15 a Revolução Francesa, de 1789, trouxe a ideia de que a legislação clara e completa, por si, seria necessária para a aplicação da lei. Em outros termos, a positivação jurídica seria necessária para que o Juiz proferisse uma decisão, sendo, neste caso, impedido de realizar a interpretação da lei. Noutros termos, depreende-se, neste sentido, que o Juiz é apenas um aplicador da legislação, e de modo implícito, a lei- sob a égide iluminista- seria clara e evidente por si mesma, bastando apenas a sua referida aplicação. Marioni16 nos ensina ainda que mediante casos conflituosos, em que a redação legal não oferecesse clareza para a solução de certas demandas, tal conflito deveria ser reportado ao poder legislativo, a fim de trazer solução ao conflito vigente, seja por meio da interpretação ou até mesmo a criação de uma nova lei. Para asseveramos, segundo Marioni17:

Como dito, a Revolução Francesa pretendeu proibir o juiz de interpretar a lei. Imaginava-se que, com uma legislação clara e completa, seria possível ao juiz simplesmente aplicar a lei, e, desta maneira, solucionar os casos litigiosos sem a necessidade de estender ou limitar o alcance da lei e sem nunca se deparar com a sua ausência ou mesmo com conflito entre as normas. Na excepcionalidade de conflito, obscuridade ou falta de lei, o juiz obrigatoriamente deveria apresentar a questão ao Legislativo para a realização da “interpretação autorizada”.

Assim sendo o civil law é um instituto que carrega profundas heranças da Revolução Francesa e que remete ao poder legislativo a função de analisar a questão conflituosa que supera a redação da lei (a sua positivação). A tradição do civil law carrega certos dogmas que passaram a se descaracterizar com o tempo, uma vez que o constitucionalismo estabelece regras abertas e que necessitam de um novo modelo de atuação por parte do julgador. Ademais, ainda segundo o autor citado, o civil law traz consigo um “juiz natimorto”, cujo dogma da clareza da lei seria o critério suficiente para as demandas judiciais. Além disso, o sistema referido carrega outro dogma: da eficiência do legislativo em superar conflitos por meio da interpretação da lei e da criação de uma outra norma18.

Porém, insta salientar, que este modelo, de fidedignidade à letra (exegese exacerbada da norma positivada) criou um operador do direito na modalidade de transcritor do texto legal, um porta voz, reportando os casos que superavam a concretude do cotidiano ao poder legislativo, fato que foi superado no ano de 1790 ampliando o campo de atuação do Juiz, mas tendo a Corte como instrumento de uniformidade mediante as diferentes interpretações da lei. Nesse diapasão, também observamos, de modo implícito, a necessidade de uniformização da interpretação da lei por meio de uma instituição, a fim de evitar para casos comuns, decisões que destoam completamente do caso concreto, mediante a cada juízo proferido. De modo sintético, a uniformização trouxe um problema de interpretações destoantes entre si para casos parecidos e de mesma natureza, isto é, em a uniformização da interpretação alinha-se à isonomia e à segurança jurídica19

Por outro lado, o common law, também chamado de direito comum, é uma tradição diferente da civil law. Países como a Inglaterra e Estados Unidos utilizam-se deste instituto, tendo as diferenças mais latentes, o fato de que no civil law a codificação da lei e a sua respectiva interpretação servem como farol ao operador do Direito, enquanto no common law se sustenta por meio de decisões proferidas pelos tribunais, inexistindo codificação20. Ainda nesse sentido, as principais diferenças, mediante Marioni21: O common law também tem intensa produção legislativa, entretanto, a diferença entre os dois sistemas está na importância que se dá para as leis e códigos em cada um deles. O fato de se codificar a lei, por si só, não é critério suficiente para diferenciar ambos os modelos. Nesse sentido, o que ele quer dizer por “importância” é justamente o papel do Juiz na interpretação da lei e da segurança na uniformidade- mediante revisão- das decisões cujo conteúdo é divergente perante a mesma redação outrora positivada.

Ademais, nesta tradição, encontramos uma peculiaridade fundamental, segundo Nunes e Viana22 a doutrina “Stare decisis”:

O termo stare decisis tem sua origem na expressão latina “stare decisis et non quieta movere”, ou seja, “mantenha aquilo que já foi decidido e não altere aquilo que já foi estabelecido” e é responsável pela definição de uma doutrina de precedentes vinculantes. Desta forma, as decisões dos tribunais em casos anteriores vinculavam a aplicação do direito lá constituído, a fim de manter a análise já realizada pelo Judiciário como precedente para futuras decisões

Nesse sentido, uma das características fundamentais da tradição do common law é a stare decisis, que é segundo Nunes e Viana23, é uma doutrina que permite a vinculação de já proferidos, perfazendo, deste modo, uma forma de uniformizar casos já observados com vistas ao futuro. Em outras palavras, surge, neste contexto, o gérmen dos precedentes, uma vez que se avaliava casos concretos, com suas respectivas peculiaridades e semelhanças, com decisões outrora proferidas, com vistas a manter a coerências e reduzir as discrepâncias interpretativas. Assim sendo, a doutrina levantada é elemento formativo da tradição common law, pois revela a importância dos precedentes e da coerência mediante decisões anteriores, impedido inclusive divergências futuras em casos concretos forjados nas mesmas peculiaridades. Vale realizar uma ressalva importante, segundo Marioni “também não há como se confundir common law com stare decisis. Ora, o common law, compreendido como os costumes gerais que determinavam o comportamento dos Englishmen, existiu, por vários séculos, sem stare decisis e rules of precedent”. Assim sendo, mediante o exposto, podemos afirmar que o common law não deve ser confundido com a doutrina stare decisis, uma vez que, por critério cronológico, o primeiro existiu durante muito tempo sem valer-se da segunda. Por outro aspecto, o common law, em termos constitutivos, passou a incorporar a doutrina e prática das stare decisis. Assim sendo, as diferenças estão em termos históricos e pelo fato do common law ter englobado, a exemplo do Direito Inglês, a doutrina stare decisis.

Quanto às peculiaridades do common law e sua validação metodológica mediante a análise dos casos em concreto, salienta Galio24 o stare decisis é aplicado em todos os casos onde houver identidade entre as demandas e que merecem soluções idênticas, assim, há a vinculação ao precedente na busca de garantir a isonomia jurisdicional.

No quesito metodológico, a base do common law é a doutrina stare decisis, que leva em consideração elementos outrora citados, como o fato de se fundamentar-se em decisões assim como pela ausência de codificação. Nesses termos, tais elementos citados, nos permite aduzir que a estrutura metodológica do common law é a stare decisis, porque toma como sustentáculo a universalização da norma central, o que permite (diferentemente de sistemas baseados na codificação) uma universalização das decisões judiciais, evitando, deste modo, decisões isoladas e interpretações variantes no ordenamento jurídico25

Ademais, a tradição em tela coaduna claramente com a isonomia (igualdade perante a lei), pois impede que casos similares tenham soluções diferentes por parte do judiciário, fato que se demonstrasse avesso, demonstraria uma imensa incongruência entre os valores mais básicos da justiça, bem como colocaria em descrédito o próprio sistema jurídico, haja vista que, a insegurança jurídica trazida por interpretações de toda natureza sem qualquer grau de parâmetro ou revisão, levaria a uma aberração jurídica sem precedentes, pondo em cheque, inclusive as democracias de ordem liberal, que se sustentam por meio da democracia, da liberdade e da isonomia perante a lei. No que diz respeito ao CPC/2015, mediante os dois autores citados, o código referido aparentava pender para uma via de tradição voltada ao common law, isto é, a um sistema de precedentes. Por conseguinte, pode-se concluir nessa vereda que quando se fala em precedentes, o legislador e os operadores do Direito estão aludindo a um caso em particular; enquanto em jurisprudência coaduna com a amplitude de casos concretos, isto é, uma frequência nitidamente maior do que um precedente. Em outros termos, segundo Marioni et al26 um conjunto de precedentes formam uma jurisprudência. Tal entendimento é imprescindível para compreendermos a questão elencada dos precedentes, que estão inerentes ao artigo 927 do CPC/15 e a jurisprudência ao artigo 926, respectivamente.

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Apesar do Brasil possuir uma tradição calcada no positivismo, isto é, na exegese da lei, na codificação, e que tende ao civil law, por conta das nossas raízes históricas, a questão dos precedentes merece algumas considerações27. Por conta de tais influências históricas, poderíamos migrar para um “common law” deturbado, haja vista a mecanização dos precedentes que recairiam a instâncias inferiores, afetando inclusive princípios básicos como a ampla defesa, dentre outros.

Em outras palavras, no Brasil, segundo os autores citados, tomando em consideração a nossa tradição histórica que é de codificação e interpretação, tal mudança poderia gerar uma mecanização do sistema judiciária, onde o operador do Direito, em terreno pátrio, seria apenas uma espécie de observador de decisões consignadas e um filtro que olha para instâncias superiores, perfazendo, desta maneira, uma perda da dialeticidade processual28.

Nesse diapasão, fica claro que o tema gera muitos conflitos, dado o risco da famigerada esterilidade dos operadores do Direito frente à precedentes já existentes, o que faria da justiça uma máquina, onde juízes, advogados e promotores serviriam apenas como consultores daquilo que já foi decido para prosseguir ou arquivar uma demanda, bem como, nem iniciar, haja vista o precedente outrora consolidado. Galio29, neste óbice, já alertava para a mecanização dos instrumentos jurídicos e seus respectivos efeitos nocivos, quanto à deturpação do common law. Em consonância ao que foi dito acima, podemos extrair algumas implicações, desta vez, em relação ao trabalho dos advogados: Ajuizar uma ação caso haja precedente favorável e não ajuizar, sequer, uma ação caso haja precedente desfavorável30. O advogado, segundo Nunes e Viana31 em um regime de precedentes, como vem se afigurando- dado que não é matéria esgotada, em tratando-se de casos cujo conteúdo tenha fundamento favorável, em caso de precedente, por bom alvitre, ingressar com uma demanda judicial, dada a previsibilidade “positiva” acerca do caso concreto.

Por outro lado, os autores delineiam que conhecendo precedentes desfavoráveis, o melhor seria optar por nem ajuizar a ação. Portanto, para asseverar o exposto, quanto à advocacia, neste modelo mecânico de precedentes, conforme lecionam Nunes e Viana32

O advogado é compelido a raciocinar por comparações (de casos) e, nesse ambiente comparatístico, deve indicar analogias e contra analogias suficientes para a individualização do caso, impedindo-se, dessa maneira, que a decisão seja construída a partir de critérios generalíssimos que não guardam efetiva correspondência com as questões jurídicas debatidas. A existência de um “precedente” contrário, somada à deficiência do profissional no manejo das referidas técnicas, traz um cenário extremamente desfavorável, isso porque torna-se previsível que o ajuizamento da ação terá sido em vão, dada a possibilidade de, rapidamente, ser prolatada sentença de improcedência.

Por outro lado, avaliando os aspectos positivos, o common law poderia produzir uma maior segurança jurídica, porque evitaria uma gama de decisões esparsas, oriundas de diversas interpretações das leis codificadas, uniformizando, nesses termos, um entendimento jurídico mais sólido e menos penoso (do ponto de vista recursal) por conta da necessidade de se “universalizar” entendimentos acerca de decisões judiciais conflitantes, demonstrando assim a uma isonomia processual mais sólida.

2.2 Elementos do precedente judicial e a instauração do IRDR

O Código de Processo Civil de 2015 instituiu como um de seus pilares o chamado sistema de precedentes obrigatórios33, porém, a adoção deste instituto não ficou restrito aos tribunais superiores, sendo permitido às cortes de segundo grau a elaboração de julgados34. Para entender esse sistema de precedentes é fundamental fazer uma análise dos elementos constitutivos conceituados pelos doutrinadores brasileiros como ratio decidendi e obter dictum35. A instituição de um sistema de precedentes obrigatórios foi uma das principais inovações trazidas pelo CPC/2015, com o objetivo de atender o clamor social em relação aos reclamos de unidade na aplicação do direito com proteção as garantias constitucionais como a segurança jurídica e isonomia36.

De acordo com Marília Siqueira37 “a ratio decidendi é a tese jurídica utilizada pelo órgão julgador para solucionar o caso concreto, constituída por uma norma geral e abstrata”, podendo ser utilizada pelo magistrado para sentenciar demandas em situações semelhantes. Nesse dispositivo, é perceptível conferir a eficácia vinculante dos precedentes judiciais por possibilitar a solução de casos idênticos no futuro. Em relação ao obter dictum, são argumentos acessórios presentes na motivação, é um elemento não essencial do precedente, nesse sentido, não influenciam e não sustentam as decisões judiciais, tendo em vista não estarem ligadas ao objeto da demanda, isto é, causa de pedir e do pedido.

Para Amaral, Cegarra e Mizusaki38, é importante diferenciar esses elementos, pois no sistema Common Law, a cada julgamento levado ao tribunal, o magistrado faz a pesquisa sobre prévio pronunciamento sobre a matéria no judiciário sobre o mesmo tema, em caso positivo o mesmo deve fazer a decomposição do precedente, nesse sentido, lecionam39 que:

A conduta do magistrado em identificar a ratio decidendi do precedente judicial se amoldaria no caso em julgamento, ou seja, este é suficientemente igual ao precedente alegado, o que demandaria uma resposta judiciária idêntica, denominada distinguishing (afastamento de uma regra jurisprudencial).

A decomposição do precedente tem a finalidade de fazer a separação da essência da tese jurídica (ratio decidendi) das condições periféricas (obter dictum), pois é somente núcleos determinantes em relação ao objeto que vinculam os julgamentos posteriores40.

O Código de Processo Civil “institui o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR, admissível quando presente o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, além da efetiva ou potencial repetição de processos que controvertam sobre a mesma questão. Para a instauração desse instituto é preciso que estejam presentes alguns pressupostos de admissibilidade, com previsão nos artigos 976 a 987 do CPC/2015 com vistas à celeridade e economia processual, limitando a rediscussão do tema e permitindo ao julgado uma análise com mais profundidade de uma questão jurídica para que dessa forma a prestação jurisdicional seja prestada de forma apropriada41.

o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), previsto nos artigos 976 a 987 do Código de Processo Civil, que tem o intuito de permitir a economia processual e a racionalização da atividade judicial, à medida que limita a rediscussão do tema e permite que o órgão julgador analise de forma mais aprofundada uma questão jurídica para prestar a tutela jurisdicional de maneira apropriada e esperada pelas partes

O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), contemplado no Livro III, Título I, Capítulo VIII, nos dispositivos citados anteriormente que regulamenta essa técnica processual. Para o seu cabimento, se faz necessário que exista simultânea repetição de processos que versem sobre o mesmo tema ou risco a isonomia e à segurança jurídica. Nessa perspectiva, Amaral, Cegarra e Mizusaki42 trazem à reflexão sobre a criação do IRDR:

O que nos transmite a ideia de que o legislador, ao criar o instituto do IRDR, objetivou buscar uma solução ao imbróglio que surge no Poder Judiciário, dadas as inúmeras e reiteradas demandas que versam sobre a mesma questão de direito e, em razão das regras de distribuição e competência, colocam em risco os princípios constitucionais da isonomia e da segurança jurídica quando da prolação de sentenças, que dão tratamentos distintos, quando não contraditórios, ao mesmo caso, caracterizando a tão vulgarizada loteria judicial.

O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas tem o objetivo de discutir questões de direitos homogêneos, para que a sentença no caso concreto, sirva de orientação jurídica para ser seguida por outros casos de acordo com os artigos 976 a 987 do Código de Processo Civil de 2015, conforme destaca Amaral et al, “Assim, uma vez sedimentada a orientação jurisprudencial sobre a questão reiterativa, é razoável que todos os casos julgados, subsequentemente, sejam decididos de um mesmo modo”43.

Nos estudos de Sófia Temer44, a autora esclarece que o IRDR está em harmonia com a CF/88, podendo ser contextualizada quando realizada a devida análise, pois, o Poder Judiciário não tem estrutura para atender inúmeros processos com demandas repetitivas, sendo uma das causas da morosidade dos tribunais brasileiros. A enxurrada de processos se esbarra na falta de recursos para dar celeridade nos fóruns e tribunais do país. Nessa perspectiva, o IRDR surge como uma ferramenta de adequação às novas exigências da sociedade, caracterizada pela massificação de processos que sobrecarregam os tribunais brasileiros e sacrificam a garantia dos direitos dos jurisdicionados45.

Para Wambier46, “fica nítida a importância que foi conferida à tese jurídica, pois “a decisão que o tribunal profere em IRDR, como visto, não resolve a lide, mas meramente fixa a interpretação da quaestio iuris que compõe a causa petendi”, para autora, não se pode visualizar nesses casos a chamada coisa julgada da questão do direito, porém, de efeito vinculante. A respeito do IRDR, Wambier et al47 nos aponta “O IRDR é: “[...] o incidente processual instaurado para, mediante julgamento único e vinculante, assegurar interpretação isonômica à questão jurídica controvertida em demandas repetitivas que busquem tutela jurisdicional a interesses individuais homogêneos [...]”. A determinação do artigo 977 do CPC é que o pedido de instauração deve ser dirigido ao Presidente do Tribunal e o julgamento será realizado pelo órgão responsável pela uniformização da jurisprudência, órgão indicado pelo Regimento Interno48.

Outro ponto importante para em relação aos pressupostos de admissibilidade do IRDR é que os dois requisitos ("I - efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito; II - risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica") precisam estar presentes para que o mesmo seja admitido de acordo com o caput do art. 976 do CPC/2015.

Da decisão que não admite a instauração do IRDR pela falta dos pressupostos de admissibilidade, o CPC/2015 não é claro em relação de como solucionar tal questão. O não cabimento do recurso tem previsão ou pelo menos um indício no § 3º do art. 976 CPC/2015 que preceitua “A inadmissão do incidente de resolução de demandas repetitivas por ausência de qualquer de seus pressupostos de admissibilidade não impede que, uma vez satisfeito o requisito, seja o incidente novamente suscitado". Assim, nada impede que o incidente seja novamente suscitado posteriormente, desde que apresente os requisitos legais para sua admissibilidade49.

2.3 Novos requisitos de admissibilidade recursal

Os processos repetitivos enfim, são aqueles que o objeto da lide afetou uma comunidade inteira50, bairro ou um grupo grande de pessoas, tais processos, costumam inclusive apresentar em seus autos os mesmos escritórios de advocacia que representam as partes diversas, fazendo com que inclusive as peças sejam iguais, com exatamente as mesmas fundamentações. Dessa forma esses processos que já possuem diversos julgamentos, logo, um entendimento fixo a respeito deles, não requerem uma atenção igual aos casos singulares que eventualmente chegam para serem reanalisados.

A solução proposta é a abrangência da admissibilidade da recursal para processos repetitivos que possuem um julgamento de primeiro grau já proferido e que seu entendimento na corte em que se encontra é o de não provimento dos pedidos. Ou seja, para recursos que tiveram sentença de improvimento, e que o entendimento da câmara acompanha esta decisão, não entrar ao mérito deste recurso, apenas sendo proferida uma decisão monocrática com base em julgados anteriores que adentraram ao mesmo mérito.

Todavia, é importante ressaltar que os processos repetitivos mencionados, se diferenciam das IRDRs, Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, simplesmente pelo modo em que se abordará a situação. As IRDRs, devem ser submetidas para o Presidente do Tribunal de Justiça local, bem como seu julgamento é suspenso até que se crie uma decisão uniforme51. A originalidade como requisito de admissibilidade, por sua vez, permite que o recurso não seja conhecido de imediato através de uma decisão. Ou seja, decorre a distinção na mera celeridade em lidar com as possíveis mesmas causas, ou situações que não se enquadram nos IRDRs.

A partir do momento que os processos entram como conclusos aos gabinetes, a primeira ação tomada, é a triagem destes, para ordená-los da melhor forma possível de analisar cada um, seja dividido por assuntos, peça ou pela decisão que será lançada no processo em questão. A triagem separa os processos, filtrando através dos requisitos de admissibilidade recursal. Estes requisitos são a tempestividade, o cabimento, o preparo, a regularidade formal, e a legitimidade. A tempestividade vem prevista diretamente através do Código de Processo Civil, no art. 1.00352, assim devendo ser seguido. Quanto a contagem de prazos conta-se apenas os dias úteis, devendo justificar inclusive feriados e falhas no sistema PJE, em casos de eventuais protocolos após o prazo previsto na teoria.

Inicia a contagem dos prazos, a partir da intimação da decisão, observa-se que através do princípio da publicidade, as decisões devem ser publicadas no Diário da Justiça eletrônico pode ter por finalidade também a intimação das partes, conforme os artigos 231 e 272 do CPC. Portanto, de forma bem clara, o recurso interposto antes do término da contagem de prazo é tempestivo.

O cabimento traz basicamente duas questões: se a decisão em tese é recorrível, e se o recurso impetrado é adequado à decisão a qual este recorre. Portanto é comumente cumprido facilmente, superando-se este requisito intrínseco ao processo.

De um ponto de vista mais doutrinário é possível identificar entre os autores a relação íntima com três princípios, da fungibilidade principalmente, unirrecorribilidade e taxatividade. De modo geral lidando com a boa-fé processual, prezando que se mantenha uma coerência com o CPC, que por si só prevê em seu texto as devidas regras dos recursos, e cuidar para que não haja mais de um recurso recorrendo a uma mesma decisão. O preparo trata-se de despesa processual, e que de acordo com o artigo 1007, CPC, deve ser comprovado no momento da interposição do recurso, sob pena de deserção, logo o não conhecimento da demanda. O valor do preparo não será devolvido, mesmo se o recurso não for conhecido53.

Casos de ausência do preparo devem ser despachados para que seja regularizado o mesmo, da mesma forma o pedido de gratuidade, caso venha infundado, deve-se abrir prazo para fundamentar o mesmo, e ainda caso não prospere, novo prazo para ser juntado o preparo, além de em casos de preparo em menos, ou insuficiente, deve ser recolhido em dobro54.

A benesse da gratuidade judiciária, pode ser requisitada, em casos de hipossuficiência financeira, não prescindindo mais a situação de miserabilidade, bastando que o preparo afete a subsistência do sujeito55. A regularidade formal traduz o princípio da dialeticidade aos recursos, ou seja, o modo como esse recurso foi trabalhado, se o mesmo impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida, conforme o artigo 932, CPC. Juntar as peças obrigatórias, no caso de agravo de instrumento, com exceção de processos eletrônicos, apresentar uma peça com texto coerente e respeitando as normas cultas de escrita.

Importante frisar ainda, que a peça deve ser subscrita por quem possui capacidade postulatória, apesar de ser assunto sabido, a necessidade da procuração, mantendo-se a regular representação processual, observa-se que muitos processos acabam por chegar inclusive ao segundo grau, sem procuração, com o documento vencido ou quando há o substabelecimento, sem o determinado documento de outorga de poderes.

A legitimidade por sua vez, faz menção às partes, ou sujeitos que têm o direito previsto para impetrar com o referido recurso. Os primeiros a serem mencionados são as próprias partes, em que pode não ser tão óbvio quanto se imagina, afinal a parte vencida, tem o direito de recorrer e esta pode ultrapassar o autor e o réu, e alcançar terceiro interveniente, além do Ministério Público. Após conhecer melhor os requisitos de admissibilidade e entender como funcionam, busca apresentar um novo requisito a ser analisado junto ao cabimento do recurso, a proposta da criação do requisito de originalidade56.

Este requisito busca declarar inaptos os processos aos quais se enquadram nos processos repetitivos mencionados anteriormente na pesquisa. Por fim, como objetivo deste trabalho, o princípio da celeridade deve ser exaltado, resultando em resoluções mais céleres desses processos, diminuindo o trabalho dos desembargadores e assessores, com uma considerável queda no número de processos a serem analisados.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assim sendo, como restou sobejamente demonstrado, neste primeiro momento, conclui-se que, historicamente falando, o civil law foi a tradição mais antiga e serviu durante muito tempo aos sistemas jurídicos do mundo antigo, medieval e moderno obviamente com suas devidas peculiaridades e atualizações.

Nesta pesquisa, pretendeu-se não falar do Direito Romano, para fins históricos, haja vista a finalidade e a metodologia exigida. Dado isto, por conta de ser um artigo, com número relativamente pequeno de laudas para um tema desta natureza, partimos a julgar do civil law moderno, que remonta à França de 1789 (revolucionária e participe dos principais princípios constitucionais das democracias liberais).

Destarte, pode-se depreender que o Direito francês, sobrepujou a letra da lei em detrimento da razão do Juiz. Isto é, o Iluminismo colocou o Juiz na condição de um mero relator da lei, conforme explanado no corpo desta pesquisa.

Quanto ao common law, de origem analítica (inversa dos continentais), tem como um de seus sustentáculos a doutrina “stare decises”, que se baseia em matérias outrora julgadas, como nos ensinou os autores aqui citados. Esta doutrina, cumpre pontuar, faz parte do common law e não é um sinônimo deste, e sim parte integrante,

conforme mencionado nesta pesquisa, tanto é salutar levantar esta questão, haja vista que os próprios autores aqui citados, enumeraram várias hipóteses do que vem a ser o modelo de precedentes no Brasil.

Diante disso, buscou-se apresentar algum requisito de admissibilidade de caráter constitucional aplicada ao artigo 976 do Código de Processo Civil, outra de caráter logístico e uma no campo das hipóteses. Quanto ao caráter constitucional, abriremos dois leques: a validade elencada no artigo outrora referido e o ataque à Ampla Defesa, bem como ao Due Process of law, no campo das hipóteses, haja vista que o tema é novo. O juiz ou o tribunal por força do artigo 927 do CPC/2015, em seu caput, fica sujeito, tendo as condicionantes do artigo 928 do CPC/2015, às decisões proferidas pelas instâncias superiores, que servem de baliza para aplicação de decisões. O primeiro artigo mencionado, faz referência direta aos princípios da Isonomia, bem como da Segurança Jurídica.

Isto, num primeiro momento, solidifica a tese de que estamos caminhando para um sistema mais próximo ao common law, dada a impossibilidade de alterar negócio jurídico perfeito, bem como aplicar a lei de modo isonômico, isto é, prolatar decisões, em casos parecidos, tendo os mesmos parâmetros de julgamento.

Observa-se o óbice, também no campo hipotético, que leva a uma problemática: tal abertura à precedentes não prejudicaria o trabalho da defesa?

Se, o modelo que se consolidar no Brasil, for demasiadamente positivista (engessado nas decisões e na letra da lei), mecânico (prevê a improcedência de ações ajuizadas mediante casos parecidos- sem inclusive a possibilidade de apresentar contraposição em instâncias superiores-, dado que o precedente veio das referidas esferas da justiça), nos parece algo nocivo, uma vez que levaria a uma instrumentalização do juízo, tendo o acrítico como elemento julgador e puramente técnico.

Ainda nesse sentido, se o modelo de precedentes pender para um common law distorcido como alerta Nunes e Viana, os princípios mais básicos como do devido processo legal e ampla defesa estariam, de certo modo, comprometidos por uma razão simples: a defesa perderá seu condão de contradizer, dada a instrumentalização dada por decisões anteriores.

Portanto, segundo os autores mencionados, poderíamos ter um modelo distorcido, pois não temos tradição sedimentada neste quesito, haja vista a nossa organização que se fundamenta na codificação e nas interpretações. Desta forma, a distorção coadunaria com a perda da dialeticidade processual – mecanização- o que implica em prejuízo no âmbito do contraditório e ampla defesa.

Do ponto de vista constitucional seria algo aberrante, a nosso ver, tal instrumentalização iria dificultar o acesso à justiça e o contraditório seria substituído por um banco de dados de decisões semelhantes, cuja característica dialética do Direito seria substituída pelo mecanicismo.

A proposta de intervenção, por assim dizer, teria que caminhar de modo gradual, dado nosso histórico rígido ao tradicionalismo continental, isto é, uma mudança abrupta para um modelo puro de common law (seja britânico ou americano) não seria benéfico, dadas as peculiaridades históricas e culturais da nossa sociedade.

Pleiteia-se, nesses termos, um modelo híbrido, que reconhece a codificação (caráter positivo da lei) assim como seus precedentes, desde que haja a possibilidade de revisar dialeticamente tais pressupostos, para que a defesa não fique refém do passado, o juiz não vire um burocrata instrumental assim como os membros do parquet.

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Sobre o autor
Valdeci Filho Ribeiro Melo

Mestrando em História pela UPF. Professor Especialista graduado pela Universidade Federal de Rondônia (UNIR),Bacharel em História e Direito. Natural de Porto Velho-RO, pós graduando em Direito Tributário e Direito Processual Penal.

Informações sobre o texto

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