RESUMO: Este trabalho acadêmico aborda os desafios do sistema previdenciário brasileiro em relação à inclusão social de pessoas transexuais. Embora a seguridade social seja uma política pública importante para garantir igualdade de acesso e tratamento a todos os cidadãos, as pensões e outros benefícios da seguridade social, geralmente, acabavam por excluir a população transgênera. Como tal, as pessoas transexuais têm dificuldade em acessar aos benefícios sociais, levando à transparência social e à exclusão econômica. Este artigo faz um apanhado bibliográfico das atuais normas previdenciárias relevantes à população trans, discute o dilema da inclusão social e analisa possíveis soluções para garantir a igualdade de direitos e oportunidades. Esta pesquisa destaca a importância de políticas públicas que consideram as particularidades da população trans para o alcance de uma sociedade mais justa e igualitária.
PALAVRAS-CHAVE: Dignidade da pessoa humana. Direito previdenciário. Transexualidade. Inclusão social.
1. INTRODUÇÃO
A seguridade social é uma política pública de proteção social que visa assegurar a igualdade de acesso e de tratamento a todos os cidadãos, independentemente de sua orientação sexual ou identidade de gênero. No entanto, a inclusão social da população trans no sistema previdenciário brasileiro tem sido muito debatida nos últimos anos, visto que enfrentam diversas dificuldades no acesso aos benefícios previdenciários.
Segundo Berine Bento (2006), o processo de transição de gênero é um caminho único para cada indivíduo, uma jornada de autodescoberta e autenticidade, onde a pessoa busca alinhar sua identidade de gênero com sua verdadeira essência. É um ato de coragem e resiliência, enfrentando desafios sociais, emocionais e físicos. Esta situação tem um impacto significativo na vida dessas pessoas, que muitas vezes enfrentam discriminações e exclusões sociais, tendo dificuldades de acesso a serviços básicos, como os de saúde, educação e emprego.
No entanto, as regras previdenciárias não consideravam as especificidades da população trans, o que resultava em desigualdades e exclusões econômicas. Por exemplo, as regras de aposentadoria se baseavam no gênero que consta no registro civil, o que pode levar a situações absurdas, como uma pessoa trans que foi registrada como homem ter que se aposentar por idade de acordo com a idade mínima masculina, a qual é maior, de igual forma com o tempo de contribuição, em comparação com uma pessoa cisgênera que se identifica com o sexo feminino, algo que atualmente não mais se sustenta.
Diante desse cenário, este trabalho acadêmico traz um panorama bibliográfico das atuais normas previdenciárias relevantes para a população trans, discute o dilema da inclusão social, destaca a questão da desigualdade, igualdade de direitos e tem como objetivo analisar possíveis soluções para garantir melhores oportunidades igualitárias.
2. METODOLOGIA
Para investigar os dilemas da inclusão social e as regras de aposentadoria, assim como a aplicabilidade fática da inclusão, foi realizado uma revisão bibliográfica a partir de artigos científicos publicados em periódicos nacionais e internacionais, entre os anos de 2015 e 2023, com o objetivo de mapear os principais estudos e debates sobre o tema.
Para fundamentar teoricamente a pesquisa, foram utilizados autores brasileiros que discutem a desiguldade social e a subcidadania. Dentre eles, destacam-se CARNEIRO, S. (2018) e SOUZA, J. (2015).
3. TEORIAS DA INVISIBILIDADE SOCIAL DAS PESSOAS TRANS DIANTE DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
A invisibilidade social dos transgêneros na previdência social brasileira é uma questão complexa que pode ser abordada a partir de diversas perspectivas teóricas.
Por exemplo, Sueri Carneiro, em sua teoria da opressão, considera diferentes dimensões da identidade como raça, gênero e classe social para entender a opressão que atinge as pessoas trans em relação à previdência.
A teoria da interseccionalidade, desenvolvida por diversos autores brasileiros como Carla Akotirene, também é relevante para compreender a invisibilidade social das pessoas transgênero diante da previdência social.
A teoria do reconhecimento desenvolvida por Jessé Souza também pode ser aplicada à análise da invisibilidade social transgênero diante da previdência social. Nessa perspectiva, a aprovação social é a base para a construção da identidade e acesso a direitos.
Por fim, a teoria racial crítica proposta por Kabengele Munanga enfatiza a importância do reconhecimento das desigualdades históricas e estruturais que atingem a população negra brasileira. Essa perspectiva é aplicada simultaneamente para entender que a invisibilidade social transgênero diante da previdência social é resultado de uma longa história de discriminação e exclusão social que atingiu particularmente negros e pardos, afetando as questões de gênero.
Em suma, a invisibilidade social transgênera na seguridade social brasileira é uma questão complexa que precisa ser analisada sob diferentes perspectivas teóricas. A teoria da opressão, a interseccionalidade, a teoria do reconhecimento e a teoria crítica da raça são apenas algumas das referências teóricas brasileiras que nos ajudam a entender essa questão e a fundamentar políticas públicas mais inclusivas e igualitárias. Nada obstante, tais teorias ofereçam insights relevantes, e pelo advento de sua complexidade nos permitem em um eventual estudo mais aprofundado e futuro uma análise mais criteriosa e objetiva afim de serem colhidas informações mais concretas e fáticas sobre a aplicabilidade destas teorias.
4. DISCRIMINAÇÕES E EXCLUSÕES DAS PESSOAS TRANS DIANTE DA SOCIEDADE
A discriminação e a exclusão social enfrentadas pela pessoa transgênero no Brasil são fenômenos complexos e multifacetados que demandam uma análise cuidadosa, o trabalho seminal de Berenice Bento, socióloga brasileira e uma das principais referências na temática trans, em sua obra “A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual”, Bento explora a construção social da identidade de gênero, destacando como as pessoas trans enfrentam obstáculos específicos relacionados à discriminação, violência e exclusão social. Sua análise enfatiza a necessidade de políticas públicas e ações afirmativas que visem combater essas formas de discriminação e promover a inclusão efetiva da pessoa trans na sociedade brasileira.
Outro autor, também brasileiro, relacionado ao entendimento da discriminação contra pessoas transexuais no Brasil é o sociólogo e professor universitário Richard Miskolci. Em pesquisas e publicações como “Desejos, corpo e gênero: experiências de travestis e transexuais”, Miskolci destaca, principalmente no que diz respeito à exclusão social, à saúde e à precariedade no acesso ao mercado de trabalho, abordando as experiências de vida e os desafios enfrentados por pessoas trans no país. Sua pesquisa demonstra a necessidade de políticas públicas integrais e ações afirmativas que considerem as necessidades específicas dessa população e garantam igualdade substantiva.
Outra contribuição importante é o trabalho da antropóloga Miriam Pillar Grossi, que em suas pesquisas sobre gênero e sexualidade, como em “Travestis e transexuais: identidades em trânsito”, analisa as vivências das pessoas transgênero no Brasil e as formas de discriminação e estigmatização às quais estão submetidas. Grossi destaca a importância de políticas inclusivas e de combate ao preconceito, além de uma compreensão mais ampla da diversidade de gênero, para a efetiva inclusão social das pessoas trans no país.
Tais trabalhos contribuem significativamente para a compreensão da discriminação e exclusão social enfrentada por pessoas trans no Brasil. Ao fornecer uma análise contextual detalhada, esses autores recomendam políticas públicas efetivas, diversidades e educação sobre a diversidade, com o condão de enfrentar as desigualdades e promover a plena integração das pessoas trans na sociedade brasileira. Bem como, enfatizando a necessidade de educação e ações afirmativas, eliminando preconceitos e discriminações obsoletos e ultrapassados, que tendem a prejudicar o interesse público e social.
5. VULNERABILIDADES SOCIAL E FINANCEIRA
Conforme se pode extrair e complementar o tópico anterior, a vulnerabilidade social refere-se à falta de acesso a recursos, oportunidades e direitos básicos, o que pode resultar em exclusão social e marginalização. Isso pode se manifestar de várias maneiras, como falta de acesso a educação de qualidade, moradia adequada, serviços de saúde, emprego decente e participação política. A vulnerabilidade social está intrinsecamente ligada a fatores estruturais, como pobreza, discriminação, desigualdade de gênero, raça e etnia.
Apesar de haver causas similares, a vulnerabilidade financeira não está em igualdade de condições e razões de origem tal qual a vulnerabilidade social, aquela está relacionada à instabilidade econômica e à dificuldade de garantir sustento adequado. Envolve, também, a falta de recursos financeiros, acesso limitado a empregos bem remunerados, ausência de proteção social e dificuldade em lidar com eventos adversos, como perda de emprego, doença ou desastres naturais. A vulnerabilidade financeira pode levar a dificuldades financeiras persistentes, dívidas, insegurança, déficit alimentar e habitação precária.
É sabido que a população trans sofre com a marginalização, discriminação, estigmas e significativos desafios, sendo inegável a vulnerabilidade social sofrida por este grupo devido à sua identidade de gênero. Ademais, além de tal vulnerabilidade que não se limita a sociedade genérica, mas também na falta de apoio familiar, essas pessoas enfretam deveras dificuldades para encontrar e se manter em empregos estáveis, o que gera, de igual forma, a vulnerabilidade financeira.
Como se não bastasse a disparidade econômica significativa, as taxas de desemprego são as mais altas entre as pessoas trans, e quando empregadas, elas tendem a receber salários mais baixos em comparação com seus pares cisgênero, os quais foram significativamente acentuados na pandemia da Covid-19, conforme estudos do #VoteLGBT (2020), a população LGBTQIA+ recebeu o maior impacto negativo financeiro, segundo dados da pesquisa, 10,62% dos respondentes relataram que o maior impacto estava relacionado à falta de dinheiro e 7,0% apontaram para a falta de trabalho. As dificuldades econômicas decorrentes do isolamento social e dos períodos de isolamento mais intenso na quarentena interferiram tanto na falta de dinheiro, quanto na falta ou perda do emprego.
De acordo com os mesmos estudos, a taxa de desemprego entre os LGBTQIA+ é de 21,6%. Três em cada dez dos desempregados já estavam sem trabalho há pelo menos 1 ano ou mais. De um a cada cinco pessoas não possuíam nenhuma fonte de renda individual, e de um a cada quatro pessoas perderam o emprego em decorrência da Covid-19, sendo que quase metade dessas pessoas (44,3%) tiveram suas atividades totalmente paralisadas durante todo o isolamento social. Quatro em cada dez pessoas LGBTQIA+ (40%) e pouco mais da metade das pessoas trans (53,35%) não conseguem sobreviver sem renda por mais de 1 mês, caso percam sua fonte financeira hoje (#VOTELGBT, 2020).
6. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A PESSOA TRANS
O princípio da dignidade da pessoa humana é um dos pilares fundamentais do Estado Democrático de Direito e está previsto no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988. Ele é o fundamento para a proteção e promoção dos direitos humanos, e deve ser aplicado a todas as pessoas independentemente de raça, gênero, orientação sexual, identidade de gênero, entre outras características, nos termos:
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
III - a dignidade da pessoa humana;
(...)
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição (grifo nosso).”
No contexto da pessoa trans, o princípio da dignidade da pessoa humana é essencial para garantir que essas sejam respeitadas e tenham seus direitos assegurados. A transidade é uma condição médica reconhecida pela Organização Mundial da Saúde, e as pessoas transexuais têm o direito de buscar tratamento médico para adequar seu corpo à sua identidade de gênero.
No entanto, a pessoa trans ainda é cercada de preconceitos e discriminações, o que dificulta o acesso dessas aos direitos e serviços básicos, incluindo a previdência social. Nesse sentido, é fundamental destacar que a previdência social é um direito social e deve ser garantido a todas as pessoas, independentemente de sua identidade de gênero.
Além disso, é importante ressaltar que o reconhecimento da identidade de gênero das pessoas trans é um direito fundamental, previsto em diversos tratados internacionais de direitos humanos. No Brasil, o reconhecimento da identidade de gênero é garantido pelo Supremo Tribunal Federal, que reconheceu em 2018, por meio da Ação Direita de Inconstitucionalidade de número 4275, o direito das pessoas trans de alterarem seus nomes e gênero no registro civil sem a necessidade de realização de cirurgia de redesignação sexual.
Diante desse contexto, é preciso promover a inclusão social das pessoas trans na previdência social, garantindo o acesso aos benefícios e serviços de forma igualitária e sem preconceitos. É necessário que o Estado e a sociedade reconheçam a dignidade das pessoas trans e promovam medidas para combater a discriminação e garantir a efetivação dos direitos humanos.
Assim, é fundamental que as políticas públicas e as normas legais sejam elaboradas e implementadas de forma a garantir a educação desde a base, o respeito e a promoção da dignidade da pessoa humana das pessoas transexuais, visando a inclusão social e a proteção de seus direitos fundamentais. É necessário, ainda, o desenvolvimento de estudos e pesquisas para aprimorar o entendimento sobre a pessoa trans e as demandas específicas dessas em relação à previdência social e outros direitos sociais.
7. PRINCIPIO DA IGUALDADE E A PESSOA TRANS
O princípio da igualdade é um dos pilares fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro, e tem como objetivo garantir que todos os indivíduos sejam tratados de forma igualitária perante a lei, independentemente de sua raça, gênero, orientação sexual ou qualquer outra característica pessoal.
No entanto, a aplicação desse princípio em relação às pessoas trans ainda é um desafio para o sistema jurídico brasileiro. Isso se deve ao fato de que a identidade de gênero de uma pessoa trans muitas vezes não corresponde ao sexo biológico com o qual nasceu, o que pode gerar situações de discriminação e exclusão em diversos aspectos da vida em sociedade.
Nesse contexto, é fundamental que o sistema jurídico brasileiro reconheça a identidade de gênero das pessoas trans como um direito fundamental, e assegure que essas tenham acesso aos mesmos direitos e garantias que os demais. Isso inclui, por exemplo, o direito ao nome social e à retificação do registro civil para adequá-lo à identidade de gênero da pessoa, a qual, de forma acertada, já é um direito consolidado a partir da Ação Direita de Inconstitucionalidade de número 4275, conforme citado em tópico anterior.
Além disso, é importante que o sistema jurídico brasileiro combata a discriminação e o preconceito contra as pessoas trans em todas as esferas da vida em sociedade, isso pode ser feito por meio de políticas públicas que promovam a igualdade e a inclusão dessas pessoas, bem como por meio da aplicação rigorosa da legislação antidiscriminatória e antihomofóbica em casos de violação de direitos.
Em resumo, o princípio da igualdade no ordenamento jurídico brasileiro deve ser interpretado de forma a garantir a proteção dos direitos das pessoas trans, reconhecendo a sua identidade de gênero como um direito fundamental e assegurando-lhes o acesso aos mesmos direitos e garantias que as demais pessoas do sexo a qual se identifique. Somente assim será possível construir uma sociedade verdadeiramente, formalmente e materialmente, igualitária, justa e inclusiva para todas as pessoas.
8. LEGISLAÇÕES INTERNACIONAIS FRENTE A APOSENTADORIA DA PESSOA TRANS
As legislações internacionais relacionadas à aposentadoria da pessoa trans é um tema de extrema relevância no tocante a comparação entre as nações com o fulcro de garantir a igualdade de direitos e a inclusão social dessa população de forma mais eficaz e com maior segurança jurídica. No contexto brasileiro, diversos autores têm se dedicado a analisar e discutir as questões jurídicas e sociais envolvidas nesse tema.
Um autor relevante é Rafaelly Wiest, que aborda as legislações internacionais e seu impacto na proteção previdenciária da pessoa trans. Em sua pesquisa, Wiest analisa a experiência de países como Argentina, Portugal e Uruguai, que têm legislações mais avançadas nesse campo. Esses países reconheceram a identidade de gênero autodeclarada e garantem o acesso à aposentadoria de acordo com essa identidade.
Na Argentina, por exemplo, foi promulgada em 2012 a Lei de Identidade de Gênero, que reconhece o direito à identidade de gênero autodeclarada. Essa legislação garante à pessoa trans o acesso à aposentadoria de acordo com sua identidade de gênero, respeitando sua autonomia e dignidade. De acordo com o atual presidente argentino Alberto Fernández, nos termos:
“O Estado não deve se importar com o sexo de seus cidadãos”, e comemorou que “existem mil maneiras de amar, ser amado e ser feliz”.
A norma defende que “o direito à identidade tem um vínculo direto e indissociável com o direito de não sofrer discriminação, à saúde, à privacidade e à realização do próprio projeto de vida.
Portugal também se destaca pela sua legislação progressista no campo da previdência. Através da Lei de Identidade de Gênero, promulgada em 2011, o país reconheceu o direito das pessoas trans à aposentadoria de acordo com sua identidade de gênero autodeclarada, assegurando a igualdade de direitos previdenciários. Ademais, tal legislação foi reapreciada e melhorada em 2018, com o objetivo de progredir cada vez mais com os direitos e garantias fundamentais relativos à autodeterminação da identidade de gênero, à expressão de gênero e à proteção das características sexuais de cada pessoa.
No Uruguai, a Lei Integral para Pessoas Trans, aprovada em 2018, representa um avanço significativo na proteção previdenciária. Essa legislação reconhece o direito da pessoa trans à aposentadoria de acordo com sua identidade de gênero, bem como o acesso a benefícios sociais e assistenciais que garantam uma vida digna e livre de discriminações.
A pesquisa de Rafaelly Wiest ressalta a importância de considerar as experiências desses países na construção de políticas públicas no Brasil. A análise comparativa dessas legislações internacionais permite identificar lacunas e desafios enfrentados no contexto nacional, fornecendo subsídios para o aprimoramento da proteção previdenciária das pessoas trans.
Em suma, as pesquisas de Rafaelly Wiest trazem valiosas contribuições para o debate sobre as legislações internacionais relacionadas à aposentadoria das pessoas trans. Essas referências teóricas fornecem embasamento para a compreensão das boas práticas adotadas em outros países e podem auxiliar na construção de uma formatação legal mais inclusiva e igualitária no Brasil.
9. APOSENTADORIA POR IDADE E TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO
Após o advento da reforma da previdência, e em razão do aumento da expectativa de vida dos brasileiros, os requisistos para que se obtenha a aposentadoria por idade urbana foram alterados, estabelecendo que o tempo para concessão da aposentadoria são 15 anos de contribuição para homens e mulheres na regra de transição e, na regra definitiva, para mulheres de 62 anos de idade cumulados com pelo menos 15 anos de contribuição, enquanto que para os homens o requisito é de 65 anos de idade também cumulados com pelo menos 20 anos de contribuição.
Entretanto, até 2019, antes do advento de tal reforma, a idade mínima das mulheres era de 60 anos, aumentando 6 meses a cada ano até o congelamento da idade em 2023 nos 62 anos de idade. Não havendo mudanças para os homens.
Pós-reforma, o cálculo do valor da aposentadora por idade é tido levando em consideração o tempo de contribuição e a média salarial do trabalhador. Deve-se considerar que a reforma da previdência também trouxe mudanças na forma de cálculo das aposentadorias. Sendo essa da seguinte forma: 60% da média de todos os salários de contribuição a partir de julho de 1994 + 2% a cada ano que exceder 20 anos de tempo de contribuição para homem e 15 anos para mulher.
Para isto, é necessário que seja apurado a renda mensal inicial da aposentadoria por idade em três etapas, as quais são: (I) Apurar a média de todos os salários de contribuição a partir de julho de 1994, ou seja, somando todos os salários de contribuição corrigidos e após dividindo-os pelo número de meses de contribuições após o plano real, (II) Apurar o coeficiente: 60% adicionados a 2% a cada ano de contribuição a partir de 15 anos para as mulheres e 20 anos para os homens e (III) Multiplicar a média pelo percentual encontrado de coeficiente.
10. APOSENTADORIA E SUA APLICABILIDADE AS PESSOAS TRANS
A igualdade é um dos princípios basilares da República Federativa do Brasil e, para isso, exige o princípio da isonomia geométrica, o qual para se atingir tal finalidade é necessário que os iguais sejam tratados de acordo com a sua igualdade e os desiguais de acordo com a sua desigualdade, de modo que, todos tenham as mesmas oportunidades e sejam tratados de forma justa e digna.
Por esse motivo, no que tange a aposentadoria por idade, existe uma diferença para homens e mulheres, em que, é de 62 anos para as mulheres e 65 anos para os homens no pós reforma. Assim conforme o Art. 48 da lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991:
Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.
Nesse sentido, no que tange a igualdade das pessoas transexuais, é direito delas o reconhecimento de sua identificação em todos os âmbitos da sociedade, levando em conta, principalmente, o princípio da igualdade e o princípio da dignidade da pessoa humana, consagrados pela Constituição Federal de 1988. Tal mudança é necessária, tendo em vista, as dificuldades e os desafios que as pessoa trans enfrentam no meio social, como também, no âmbito familiar e na jornada de trabalho, por conta do preconceito e da discriminação. Por esse motivo, o amparo legal e o reconhecimento de sua condição de auto-identificação é um começo nas macro conquistas dos direitos ao respeito e a dignidade às pessoas trans.
O reconhecimento do gênero de acordo com a auto-indentificação do indivíduo foi reconhecido pelo STF com a Ação Direta de Inconstitucionalidade de número 4275, dando o direito das pessoas trans de solicitarem a mudança do gênero e do prenome nos orgãos de registro civil sem ter a necessidade de realizar cirurgia de redesignação sexual. Assim, conforme o entendimento do Supremo Tribunal Federal na referida ADI:
A pessoa transgênero que comprove sua identidade de gênero dissonante daquela que lhe foi designada ao nascer por autoidentificação firmada em declaração escrita desta sua vontade dispõe do direito fundamental subjetivo à alteração do prenome e da classificação de gênero no registro civil pela via administrativa ou judicial, independentemente de procedimento cirúrgico e laudos de terceiros, por se tratar de tema relativo ao direito fundamental ao livre desenvolvimento da personalidade.
O entendimento do Supremo Tribunal Federal se pautou na interpretação do artigo 1°, inciso III, da Constituição Federal de 1988, que define como fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana, assim como, o exposto no inciso IV do artigo 3° da Carta Magna, que consagra como objetivo fundamental do país a promoção do bem de todos, sem esteriótipos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
O Provimento nº 73, de 2018, oriundo do Conselho Nacional de Justiça dispôs sobre a averbação da alteração do prenome e do gênero nos assentos de nascimento e casamento de pessoa transgênero no Registro Civil das Pessoas Naturais (RCPN). Tal provimento, possibilitou que o interessado pudesse solicitar a alteração do prenome e do gênero diretamente, sem a necessidade de prévia autorização judicial e sem a comprovação de cirugia de redesignação sexual ou tratamento hormonal. Dessa forma, toda pessoa a partir dos 18 anos completos com personalidade jurídica para a prática de todos os atos da vida civil, poderá requerer ao ofício do RCPN a alteração e a averbação do prenome e do gênero, a fim de adequá-los à identidade autopercebida. Tal averbação poderá ser realizada diretamente no ofício do RCPN onde o assento foi lavrado. Para a elaboração do referido provimento o Conselho Nacional de Justiça observou as legislações internacionais que versam sobre os direitos humanos, em especial, o Pacto de San José da Costa Rica, que dispõe sobre o respeito ao direito ao nome (art. 18), ao reconhecimento da personalidade jurídica (art. 3º), à liberdade pessoal (art. 7º.1) e à honra e à dignidade (art. 11.2). Assim, como também fora observado a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, a Opinião Consultiva de número 24/17 da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que trata da identidade de gênero, igualdade e não discriminação e que define as obrigações dos Estados-Partes no que se refere à alteração do nome e à identidade de gênero, também como a Constituição Federal e a Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 4275.
Dessa forma, em decorrência de todo o exposto, os efeitos da manifestação do Supremo Tribunal Federal e do provimento do Conselho Nacional de Justiça devem repercutir na esfera previdênciaria, garantindo que o tempo de aposentadoria seja aplicado para as pessoas trans na formação dos critérios de auto-indentificação, pelo qual as mulheres trans poderão se aposentar conforme o tempo de aposentadoria das mulheres, que são de no mínimo 62 anos de idade cumulado com pelo menos 15 anos de contribuição no critério definitivo, e aos homens trans conforme o tempo estabelecido para os homens, de no mínimo 65 anos de idade cumulado com pelo menos 20 anos de contribuição, também na regra definitiva. Para isso, vale lembrar que é necessário a alteração dos documentos pessoais de identificação nos órgãos de registros públicos previamente ao pedido de concessão da aposentadoria.
11. DESAFIOS FUTUROS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
Apesar de reconhecido o direito das pessoas trans quanto a alteração do prenome, gênero e da forma de idêntificação nos órgãos de registro e de seus reflexos na esfera do direito previdênciário, vale lembrar que ainda não existe lei específica que trate do tema e de todas as suas nuâncias, que carecem de estudos e considerações, de forma que garantam e assegurem de forma clara, direta e específica os direitos das pessoas trans. Visto que, apesar de tais reflexos decorrentes da decisão do Supremo Tribunal Federal, em determinados casos, a aposentadoria pode vir a ser negada administrativamente, o que os levam a necessidade de ingresso na esfera judicial, abarrotando o Poder Judiciário.
Tendo em vista o objetivo isonômico da concessão de direitos às pessoas trans, é importante destacar que, o Estado deve anlisar as necessidades de criações de normas especiais para a aposentadoria, considerando as dificuldades enfrentadas pelas pessoas trans, tais como a vulnerabilidade social que leva a uma expectativa de vida reduzida em relação a média Nacional.
Vale ressaltar, a cumulação à igualdade de acesso aos benefícios, visto que, fundamentalmente as pessoas trans devem ter acesso igualitário a todos os benefícios e serviços da seguridade social, sem discriminações. Isso inclui, naturalmente, a aposentadoria, pensões, auxílio-doença, entre outros, assegurando que todas as pessoas possam usufruir plenamente de seus direitos assecuratórios previdenciários.
Por esse motivo, é necessário manifestação do Legislativo na elaboração de leis que consolidem o direito e a igualdade previdênciaria das pessoas trans, tendo em vista a soberania popular manifestada pelos representantes nas elaborações das leis, que dão segurança jurídica e fixação do direito das minorias. A previdência social, tal quais as demais esfereas de atuação do Poder Público, precisam se adaptar e se atualizar para reconhecer a identidade de gênero autodeclarada das pessoas trans. Isso implica em garantir que os documentos e registros previdenciários reflitam adequadamente a identidade de gênero dessas pessoas, evitando constrangimentos e discriminações.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de todo o exposto, o presente texto aborda de forma abrangente, mas superficial dada as condições complexas da causa, a importância e a necessidade da inclusão da população trans na previdência social brasileira de forma ampla, ressaltando a urgência de políticas públicas e ações afirmativas para garantir a igualdade de direitos e oportunidades. Ao longo do artigo, foram apresentadas teorias que contribuem para a compreensão da invisibilidade social enfrentada pelas pessoas trans no contexto social, financeiro e previdenciário, assim como as formas de discriminação e exclusão que essa população enfrentam, necessitando de amparo e respaldo jurídico e legislativo.
A compreensão dos dilemas enfrentados quanto a dupla vulnerabilidade, tanto social quanto financeira, afetando demasiadamente um grupo subjulgado pela humanidade por estigmas, preconceitos e discriminações pela sua identidade de gênero, mostrando com clareza a necessidade contínua, lógica e urgente de ações afirmativas e políticas públicas inclusivas em vários setores públicos, políticos e sociais, tais como no coração familiar, no tocante à quebra de estigmas e aceitação da identificação de outrem, por meio de ações em conjunto com grupos multiprofissionais diretamente com a população. Assim como na educação formal, desde a educação básica, já que a educação é um longo caminho a ser trilhado implicando diretamente na atuação do indivíduo no mercado de trabalho, positivamente ou negativamente no quanto a disparidades e desigualdades salariais.
Assim como a necessidade de compreensão dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade, e como eles devem ser aplicados amplamente para garantir os direitos das pessoas trans, se revelando necessariamente fundamental. Além disso, foram mencionadas legislações internacionais que servem como referência para a proteção previdenciária da pessoa trans. De forma geral, o texto ressalta a necessidade de reconhecer a dignidade e promover a igualdade de direitos, a fim de assegurar a plena inclusão social das pessoas trans na sociedade brasileira em todos os seus módulos. No entanto, deve ser destacado que estudos e pesquisas adicionais são necessários para uma compreensão mais aprofundada da situação da pessoa trans em relação à previdência social, bem como para o desenvolvimento de políticas mais efetivas dada a complexidade do caso.
A decisão do Supremo Tribunal Federal representa um avanço juntamente com o Provimento de nº 73, de 2018, do Conselho Nacional de Justiça, os quais garantiram à luz dos princípios outrora mencionados a inclusão e possibilidades de obtenção do direito das pessoas trans de se aposentarem conforme suas auto-identificações. Entretanto, conjuntamente, expõem o atraso e retrocesso na legislação brasileira frente às internacionais que demonstram na prática, e há anos, a sua eficácia, efetividade e eficiência protegendo e resguardando os mais vulneráveis.
Entretanto, há de se pontuar e mencionar a principal crítica à linha de pensamento e formatação de igualdade de gênero proposta neste presente artigo, a qual é a aplicação da famigerada “Lei de Gérson”, arraigada na cultura brasileira, a qual é uma norma não escrita e não oficial, segundo a qual informa que há pessoas que gostam de levar vantagens em tudo, seguindo-a no sentido negativo de se aproveitar de todas as situações em benefício próprio e contra outro, sem se importar com questões éticas e/ou morais. Importando, portanto, em uma crítica preconceituosa e estigmatizada, porém infelizmente existente, que indica a possível presença de homens cisgênero se auto-identificando como trans-feminina para terem o benefício da aposentadoria por idade relativo ao gênero feminino, em razão deste ter como requisito uma idade inferior em comparação a masculina conjuntamente com menor tempo de contribuição necessário, o que, por óbvio, é algo refutável e estigmatizante, cabendo uma análise mais aprofundada em possível e provável estudo futuro sobre as formas estatais de controle finalístico.
Portanto, diante de todo o exposto, é imperativo que os esforços sejam intensificados para superar as barreiras existentes e implementar medidas concretas que garantam a igualdade de acesso e participação da população trans na previdência social. A criação de políticas inclusivas, o fortalecimento da legislação e a sensibilização da sociedade são passos cruciais para combatermos a discriminação, a exclusão e promover uma sociedade mais justa e igualitária para todos, independentemente de sua identidade de gênero. Somente através dessas ações será possível alcançar a plena efetivação dos direitos e garantias e a inclusão social ampla da população trans na inserção total na socidade e na seguridade social brasileira.
REFERÊNCIAS
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