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Previdência social frente à pessoa trans:

dilemas da inclusão social e regras de aposentadoria

Resumo:


  • O sistema previdenciário brasileiro enfrenta desafios para incluir pessoas transexuais, que frequentemente são excluídas do acesso a benefícios sociais devido a questões de identidade de gênero.

  • É necessário que o Estado e a sociedade reconheçam a dignidade das pessoas trans e promovam medidas para combater a discriminação e garantir a efetivação dos direitos humanos no contexto da seguridade social.

  • Legislações internacionais, como as da Argentina e Portugal, podem servir de referência para o Brasil na proteção previdenciária da pessoa trans, garantindo aposentadoria de acordo com a identidade de gênero autodeclarada.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Discute-se o dilema da inclusão social com igualdade de direitos e oportunidades para a população trans, com foco em sua condição diante das regras de aposentadoria.

RESUMO: Este trabalho acadêmico aborda os desafios do sistema previdenciário brasileiro em relação à inclusão social de pessoas transexuais. Embora a seguridade social seja uma política pública importante para garantir igualdade de acesso e tratamento a todos os cidadãos, as pensões e outros benefícios da seguridade social, geralmente, acabavam por excluir a população transgênera. Como tal, as pessoas transexuais têm dificuldade em acessar aos benefícios sociais, levando à transparência social e à exclusão econômica. Este artigo faz um apanhado bibliográfico das atuais normas previdenciárias relevantes à população trans, discute o dilema da inclusão social e analisa possíveis soluções para garantir a igualdade de direitos e oportunidades. Esta pesquisa destaca a importância de políticas públicas que consideram as particularidades da população trans para o alcance de uma sociedade mais justa e igualitária.

PALAVRAS-CHAVE: Dignidade da pessoa humana. Direito previdenciário. Transexualidade. Inclusão social.


1. INTRODUÇÃO

A seguridade social é uma política pública de proteção social que visa assegurar a igualdade de acesso e de tratamento a todos os cidadãos, independentemente de sua orientação sexual ou identidade de gênero. No entanto, a inclusão social da população trans no sistema previdenciário brasileiro tem sido muito debatida nos últimos anos, visto que enfrentam diversas dificuldades no acesso aos benefícios previdenciários.

Segundo Berine Bento (2006), o processo de transição de gênero é um caminho único para cada indivíduo, uma jornada de autodescoberta e autenticidade, onde a pessoa busca alinhar sua identidade de gênero com sua verdadeira essência. É um ato de coragem e resiliência, enfrentando desafios sociais, emocionais e físicos. Esta situação tem um impacto significativo na vida dessas pessoas, que muitas vezes enfrentam discriminações e exclusões sociais, tendo dificuldades de acesso a serviços básicos, como os de saúde, educação e emprego.

No entanto, as regras previdenciárias não consideravam as especificidades da população trans, o que resultava em desigualdades e exclusões econômicas. Por exemplo, as regras de aposentadoria se baseavam no gênero que consta no registro civil, o que pode levar a situações absurdas, como uma pessoa trans que foi registrada como homem ter que se aposentar por idade de acordo com a idade mínima masculina, a qual é maior, de igual forma com o tempo de contribuição, em comparação com uma pessoa cisgênera que se identifica com o sexo feminino, algo que atualmente não mais se sustenta.

Diante desse cenário, este trabalho acadêmico traz um panorama bibliográfico das atuais normas previdenciárias relevantes para a população trans, discute o dilema da inclusão social, destaca a questão da desigualdade, igualdade de direitos e tem como objetivo analisar possíveis soluções para garantir melhores oportunidades igualitárias.

2. METODOLOGIA

Para investigar os dilemas da inclusão social e as regras de aposentadoria, assim como a aplicabilidade fática da inclusão, foi realizado uma revisão bibliográfica a partir de artigos científicos publicados em periódicos nacionais e internacionais, entre os anos de 2015 e 2023, com o objetivo de mapear os principais estudos e debates sobre o tema.

Para fundamentar teoricamente a pesquisa, foram utilizados autores brasileiros que discutem a desiguldade social e a subcidadania. Dentre eles, destacam-se CARNEIRO, S. (2018) e SOUZA, J. (2015).

3. TEORIAS DA INVISIBILIDADE SOCIAL DAS PESSOAS TRANS DIANTE DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

A invisibilidade social dos transgêneros na previdência social brasileira é uma questão complexa que pode ser abordada a partir de diversas perspectivas teóricas.

Por exemplo, Sueri Carneiro, em sua teoria da opressão, considera diferentes dimensões da identidade como raça, gênero e classe social para entender a opressão que atinge as pessoas trans em relação à previdência.

A teoria da interseccionalidade, desenvolvida por diversos autores brasileiros como Carla Akotirene, também é relevante para compreender a invisibilidade social das pessoas transgênero diante da previdência social.

A teoria do reconhecimento desenvolvida por Jessé Souza também pode ser aplicada à análise da invisibilidade social transgênero diante da previdência social. Nessa perspectiva, a aprovação social é a base para a construção da identidade e acesso a direitos.

Por fim, a teoria racial crítica proposta por Kabengele Munanga enfatiza a importância do reconhecimento das desigualdades históricas e estruturais que atingem a população negra brasileira. Essa perspectiva é aplicada simultaneamente para entender que a invisibilidade social transgênero diante da previdência social é resultado de uma longa história de discriminação e exclusão social que atingiu particularmente negros e pardos, afetando as questões de gênero.

Em suma, a invisibilidade social transgênera na seguridade social brasileira é uma questão complexa que precisa ser analisada sob diferentes perspectivas teóricas. A teoria da opressão, a interseccionalidade, a teoria do reconhecimento e a teoria crítica da raça são apenas algumas das referências teóricas brasileiras que nos ajudam a entender essa questão e a fundamentar políticas públicas mais inclusivas e igualitárias. Nada obstante, tais teorias ofereçam insights relevantes, e pelo advento de sua complexidade nos permitem em um eventual estudo mais aprofundado e futuro uma análise mais criteriosa e objetiva afim de serem colhidas informações mais concretas e fáticas sobre a aplicabilidade destas teorias.

4. DISCRIMINAÇÕES E EXCLUSÕES DAS PESSOAS TRANS DIANTE DA SOCIEDADE

A discriminação e a exclusão social enfrentadas pela pessoa transgênero no Brasil são fenômenos complexos e multifacetados que demandam uma análise cuidadosa, o trabalho seminal de Berenice Bento, socióloga brasileira e uma das principais referências na temática trans, em sua obra “A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual”, Bento explora a construção social da identidade de gênero, destacando como as pessoas trans enfrentam obstáculos específicos relacionados à discriminação, violência e exclusão social. Sua análise enfatiza a necessidade de políticas públicas e ações afirmativas que visem combater essas formas de discriminação e promover a inclusão efetiva da pessoa trans na sociedade brasileira.

Outro autor, também brasileiro, relacionado ao entendimento da discriminação contra pessoas transexuais no Brasil é o sociólogo e professor universitário Richard Miskolci. Em pesquisas e publicações como “Desejos, corpo e gênero: experiências de travestis e transexuais”, Miskolci destaca, principalmente no que diz respeito à exclusão social, à saúde e à precariedade no acesso ao mercado de trabalho, abordando as experiências de vida e os desafios enfrentados por pessoas trans no país. Sua pesquisa demonstra a necessidade de políticas públicas integrais e ações afirmativas que considerem as necessidades específicas dessa população e garantam igualdade substantiva.

Outra contribuição importante é o trabalho da antropóloga Miriam Pillar Grossi, que em suas pesquisas sobre gênero e sexualidade, como em “Travestis e transexuais: identidades em trânsito”, analisa as vivências das pessoas transgênero no Brasil e as formas de discriminação e estigmatização às quais estão submetidas. Grossi destaca a importância de políticas inclusivas e de combate ao preconceito, além de uma compreensão mais ampla da diversidade de gênero, para a efetiva inclusão social das pessoas trans no país.

Tais trabalhos contribuem significativamente para a compreensão da discriminação e exclusão social enfrentada por pessoas trans no Brasil. Ao fornecer uma análise contextual detalhada, esses autores recomendam políticas públicas efetivas, diversidades e educação sobre a diversidade, com o condão de enfrentar as desigualdades e promover a plena integração das pessoas trans na sociedade brasileira. Bem como, enfatizando a necessidade de educação e ações afirmativas, eliminando preconceitos e discriminações obsoletos e ultrapassados, que tendem a prejudicar o interesse público e social.

5. VULNERABILIDADES SOCIAL E FINANCEIRA

Conforme se pode extrair e complementar o tópico anterior, a vulnerabilidade social refere-se à falta de acesso a recursos, oportunidades e direitos básicos, o que pode resultar em exclusão social e marginalização. Isso pode se manifestar de várias maneiras, como falta de acesso a educação de qualidade, moradia adequada, serviços de saúde, emprego decente e participação política. A vulnerabilidade social está intrinsecamente ligada a fatores estruturais, como pobreza, discriminação, desigualdade de gênero, raça e etnia.

Apesar de haver causas similares, a vulnerabilidade financeira não está em igualdade de condições e razões de origem tal qual a vulnerabilidade social, aquela está relacionada à instabilidade econômica e à dificuldade de garantir sustento adequado. Envolve, também, a falta de recursos financeiros, acesso limitado a empregos bem remunerados, ausência de proteção social e dificuldade em lidar com eventos adversos, como perda de emprego, doença ou desastres naturais. A vulnerabilidade financeira pode levar a dificuldades financeiras persistentes, dívidas, insegurança, déficit alimentar e habitação precária.

É sabido que a população trans sofre com a marginalização, discriminação, estigmas e significativos desafios, sendo inegável a vulnerabilidade social sofrida por este grupo devido à sua identidade de gênero. Ademais, além de tal vulnerabilidade que não se limita a sociedade genérica, mas também na falta de apoio familiar, essas pessoas enfretam deveras dificuldades para encontrar e se manter em empregos estáveis, o que gera, de igual forma, a vulnerabilidade financeira.

Como se não bastasse a disparidade econômica significativa, as taxas de desemprego são as mais altas entre as pessoas trans, e quando empregadas, elas tendem a receber salários mais baixos em comparação com seus pares cisgênero, os quais foram significativamente acentuados na pandemia da Covid-19, conforme estudos do #VoteLGBT (2020), a população LGBTQIA+ recebeu o maior impacto negativo financeiro, segundo dados da pesquisa, 10,62% dos respondentes relataram que o maior impacto estava relacionado à falta de dinheiro e 7,0% apontaram para a falta de trabalho. As dificuldades econômicas decorrentes do isolamento social e dos períodos de isolamento mais intenso na quarentena interferiram tanto na falta de dinheiro, quanto na falta ou perda do emprego.

De acordo com os mesmos estudos, a taxa de desemprego entre os LGBTQIA+ é de 21,6%. Três em cada dez dos desempregados já estavam sem trabalho há pelo menos 1 ano ou mais. De um a cada cinco pessoas não possuíam nenhuma fonte de renda individual, e de um a cada quatro pessoas perderam o emprego em decorrência da Covid-19, sendo que quase metade dessas pessoas (44,3%) tiveram suas atividades totalmente paralisadas durante todo o isolamento social. Quatro em cada dez pessoas LGBTQIA+ (40%) e pouco mais da metade das pessoas trans (53,35%) não conseguem sobreviver sem renda por mais de 1 mês, caso percam sua fonte financeira hoje (#VOTELGBT, 2020).

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6. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A PESSOA TRANS

O princípio da dignidade da pessoa humana é um dos pilares fundamentais do Estado Democrático de Direito e está previsto no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988. Ele é o fundamento para a proteção e promoção dos direitos humanos, e deve ser aplicado a todas as pessoas independentemente de raça, gênero, orientação sexual, identidade de gênero, entre outras características, nos termos:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(...)

III - a dignidade da pessoa humana;

(...)

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição (grifo nosso).”

No contexto da pessoa trans, o princípio da dignidade da pessoa humana é essencial para garantir que essas sejam respeitadas e tenham seus direitos assegurados. A transidade é uma condição médica reconhecida pela Organização Mundial da Saúde, e as pessoas transexuais têm o direito de buscar tratamento médico para adequar seu corpo à sua identidade de gênero.

No entanto, a pessoa trans ainda é cercada de preconceitos e discriminações, o que dificulta o acesso dessas aos direitos e serviços básicos, incluindo a previdência social. Nesse sentido, é fundamental destacar que a previdência social é um direito social e deve ser garantido a todas as pessoas, independentemente de sua identidade de gênero.

Além disso, é importante ressaltar que o reconhecimento da identidade de gênero das pessoas trans é um direito fundamental, previsto em diversos tratados internacionais de direitos humanos. No Brasil, o reconhecimento da identidade de gênero é garantido pelo Supremo Tribunal Federal, que reconheceu em 2018, por meio da Ação Direita de Inconstitucionalidade de número 4275, o direito das pessoas trans de alterarem seus nomes e gênero no registro civil sem a necessidade de realização de cirurgia de redesignação sexual.

Diante desse contexto, é preciso promover a inclusão social das pessoas trans na previdência social, garantindo o acesso aos benefícios e serviços de forma igualitária e sem preconceitos. É necessário que o Estado e a sociedade reconheçam a dignidade das pessoas trans e promovam medidas para combater a discriminação e garantir a efetivação dos direitos humanos.

Assim, é fundamental que as políticas públicas e as normas legais sejam elaboradas e implementadas de forma a garantir a educação desde a base, o respeito e a promoção da dignidade da pessoa humana das pessoas transexuais, visando a inclusão social e a proteção de seus direitos fundamentais. É necessário, ainda, o desenvolvimento de estudos e pesquisas para aprimorar o entendimento sobre a pessoa trans e as demandas específicas dessas em relação à previdência social e outros direitos sociais.

7. PRINCIPIO DA IGUALDADE E A PESSOA TRANS

O princípio da igualdade é um dos pilares fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro, e tem como objetivo garantir que todos os indivíduos sejam tratados de forma igualitária perante a lei, independentemente de sua raça, gênero, orientação sexual ou qualquer outra característica pessoal.

No entanto, a aplicação desse princípio em relação às pessoas trans ainda é um desafio para o sistema jurídico brasileiro. Isso se deve ao fato de que a identidade de gênero de uma pessoa trans muitas vezes não corresponde ao sexo biológico com o qual nasceu, o que pode gerar situações de discriminação e exclusão em diversos aspectos da vida em sociedade.

Nesse contexto, é fundamental que o sistema jurídico brasileiro reconheça a identidade de gênero das pessoas trans como um direito fundamental, e assegure que essas tenham acesso aos mesmos direitos e garantias que os demais. Isso inclui, por exemplo, o direito ao nome social e à retificação do registro civil para adequá-lo à identidade de gênero da pessoa, a qual, de forma acertada, já é um direito consolidado a partir da Ação Direita de Inconstitucionalidade de número 4275, conforme citado em tópico anterior.

Além disso, é importante que o sistema jurídico brasileiro combata a discriminação e o preconceito contra as pessoas trans em todas as esferas da vida em sociedade, isso pode ser feito por meio de políticas públicas que promovam a igualdade e a inclusão dessas pessoas, bem como por meio da aplicação rigorosa da legislação antidiscriminatória e antihomofóbica em casos de violação de direitos.

Em resumo, o princípio da igualdade no ordenamento jurídico brasileiro deve ser interpretado de forma a garantir a proteção dos direitos das pessoas trans, reconhecendo a sua identidade de gênero como um direito fundamental e assegurando-lhes o acesso aos mesmos direitos e garantias que as demais pessoas do sexo a qual se identifique. Somente assim será possível construir uma sociedade verdadeiramente, formalmente e materialmente, igualitária, justa e inclusiva para todas as pessoas.

8. LEGISLAÇÕES INTERNACIONAIS FRENTE A APOSENTADORIA DA PESSOA TRANS

As legislações internacionais relacionadas à aposentadoria da pessoa trans é um tema de extrema relevância no tocante a comparação entre as nações com o fulcro de garantir a igualdade de direitos e a inclusão social dessa população de forma mais eficaz e com maior segurança jurídica. No contexto brasileiro, diversos autores têm se dedicado a analisar e discutir as questões jurídicas e sociais envolvidas nesse tema.

Um autor relevante é Rafaelly Wiest, que aborda as legislações internacionais e seu impacto na proteção previdenciária da pessoa trans. Em sua pesquisa, Wiest analisa a experiência de países como Argentina, Portugal e Uruguai, que têm legislações mais avançadas nesse campo. Esses países reconheceram a identidade de gênero autodeclarada e garantem o acesso à aposentadoria de acordo com essa identidade.

Na Argentina, por exemplo, foi promulgada em 2012 a Lei de Identidade de Gênero, que reconhece o direito à identidade de gênero autodeclarada. Essa legislação garante à pessoa trans o acesso à aposentadoria de acordo com sua identidade de gênero, respeitando sua autonomia e dignidade. De acordo com o atual presidente argentino Alberto Fernández, nos termos:

“O Estado não deve se importar com o sexo de seus cidadãos”, e comemorou que “existem mil maneiras de amar, ser amado e ser feliz”.

A norma defende que “o direito à identidade tem um vínculo direto e indissociável com o direito de não sofrer discriminação, à saúde, à privacidade e à realização do próprio projeto de vida.

Portugal também se destaca pela sua legislação progressista no campo da previdência. Através da Lei de Identidade de Gênero, promulgada em 2011, o país reconheceu o direito das pessoas trans à aposentadoria de acordo com sua identidade de gênero autodeclarada, assegurando a igualdade de direitos previdenciários. Ademais, tal legislação foi reapreciada e melhorada em 2018, com o objetivo de progredir cada vez mais com os direitos e garantias fundamentais relativos à autodeterminação da identidade de gênero, à expressão de gênero e à proteção das características sexuais de cada pessoa.

No Uruguai, a Lei Integral para Pessoas Trans, aprovada em 2018, representa um avanço significativo na proteção previdenciária. Essa legislação reconhece o direito da pessoa trans à aposentadoria de acordo com sua identidade de gênero, bem como o acesso a benefícios sociais e assistenciais que garantam uma vida digna e livre de discriminações.

A pesquisa de Rafaelly Wiest ressalta a importância de considerar as experiências desses países na construção de políticas públicas no Brasil. A análise comparativa dessas legislações internacionais permite identificar lacunas e desafios enfrentados no contexto nacional, fornecendo subsídios para o aprimoramento da proteção previdenciária das pessoas trans.

Em suma, as pesquisas de Rafaelly Wiest trazem valiosas contribuições para o debate sobre as legislações internacionais relacionadas à aposentadoria das pessoas trans. Essas referências teóricas fornecem embasamento para a compreensão das boas práticas adotadas em outros países e podem auxiliar na construção de uma formatação legal mais inclusiva e igualitária no Brasil.

9. APOSENTADORIA POR IDADE E TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO

Após o advento da reforma da previdência, e em razão do aumento da expectativa de vida dos brasileiros, os requisistos para que se obtenha a aposentadoria por idade urbana foram alterados, estabelecendo que o tempo para concessão da aposentadoria são 15 anos de contribuição para homens e mulheres na regra de transição e, na regra definitiva, para mulheres de 62 anos de idade cumulados com pelo menos 15 anos de contribuição, enquanto que para os homens o requisito é de 65 anos de idade também cumulados com pelo menos 20 anos de contribuição.

Entretanto, até 2019, antes do advento de tal reforma, a idade mínima das mulheres era de 60 anos, aumentando 6 meses a cada ano até o congelamento da idade em 2023 nos 62 anos de idade. Não havendo mudanças para os homens.

Pós-reforma, o cálculo do valor da aposentadora por idade é tido levando em consideração o tempo de contribuição e a média salarial do trabalhador. Deve-se considerar que a reforma da previdência também trouxe mudanças na forma de cálculo das aposentadorias. Sendo essa da seguinte forma: 60% da média de todos os salários de contribuição a partir de julho de 1994 + 2% a cada ano que exceder 20 anos de tempo de contribuição para homem e 15 anos para mulher.

Para isto, é necessário que seja apurado a renda mensal inicial da aposentadoria por idade em três etapas, as quais são: (I) Apurar a média de todos os salários de contribuição a partir de julho de 1994, ou seja, somando todos os salários de contribuição corrigidos e após dividindo-os pelo número de meses de contribuições após o plano real, (II) Apurar o coeficiente: 60% adicionados a 2% a cada ano de contribuição a partir de 15 anos para as mulheres e 20 anos para os homens e (III) Multiplicar a média pelo percentual encontrado de coeficiente.

10. APOSENTADORIA E SUA APLICABILIDADE AS PESSOAS TRANS

A igualdade é um dos princípios basilares da República Federativa do Brasil e, para isso, exige o princípio da isonomia geométrica, o qual para se atingir tal finalidade é necessário que os iguais sejam tratados de acordo com a sua igualdade e os desiguais de acordo com a sua desigualdade, de modo que, todos tenham as mesmas oportunidades e sejam tratados de forma justa e digna.

Por esse motivo, no que tange a aposentadoria por idade, existe uma diferença para homens e mulheres, em que, é de 62 anos para as mulheres e 65 anos para os homens no pós reforma. Assim conforme o Art. 48 da lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991:

Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.

Nesse sentido, no que tange a igualdade das pessoas transexuais, é direito delas o reconhecimento de sua identificação em todos os âmbitos da sociedade, levando em conta, principalmente, o princípio da igualdade e o princípio da dignidade da pessoa humana, consagrados pela Constituição Federal de 1988. Tal mudança é necessária, tendo em vista, as dificuldades e os desafios que as pessoa trans enfrentam no meio social, como também, no âmbito familiar e na jornada de trabalho, por conta do preconceito e da discriminação. Por esse motivo, o amparo legal e o reconhecimento de sua condição de auto-identificação é um começo nas macro conquistas dos direitos ao respeito e a dignidade às pessoas trans.

O reconhecimento do gênero de acordo com a auto-indentificação do indivíduo foi reconhecido pelo STF com a Ação Direta de Inconstitucionalidade de número 4275, dando o direito das pessoas trans de solicitarem a mudança do gênero e do prenome nos orgãos de registro civil sem ter a necessidade de realizar cirurgia de redesignação sexual. Assim, conforme o entendimento do Supremo Tribunal Federal na referida ADI:

A pessoa transgênero que comprove sua identidade de gênero dissonante daquela que lhe foi designada ao nascer por autoidentificação firmada em declaração escrita desta sua vontade dispõe do direito fundamental subjetivo à alteração do prenome e da classificação de gênero no registro civil pela via administrativa ou judicial, independentemente de procedimento cirúrgico e laudos de terceiros, por se tratar de tema relativo ao direito fundamental ao livre desenvolvimento da personalidade.

O entendimento do Supremo Tribunal Federal se pautou na interpretação do artigo 1°, inciso III, da Constituição Federal de 1988, que define como fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana, assim como, o exposto no inciso IV do artigo 3° da Carta Magna, que consagra como objetivo fundamental do país a promoção do bem de todos, sem esteriótipos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

O Provimento nº 73, de 2018, oriundo do Conselho Nacional de Justiça dispôs sobre a averbação da alteração do prenome e do gênero nos assentos de nascimento e casamento de pessoa transgênero no Registro Civil das Pessoas Naturais (RCPN). Tal provimento, possibilitou que o interessado pudesse solicitar a alteração do prenome e do gênero diretamente, sem a necessidade de prévia autorização judicial e sem a comprovação de cirugia de redesignação sexual ou tratamento hormonal. Dessa forma, toda pessoa a partir dos 18 anos completos com personalidade jurídica para a prática de todos os atos da vida civil, poderá requerer ao ofício do RCPN a alteração e a averbação do prenome e do gênero, a fim de adequá-los à identidade autopercebida. Tal averbação poderá ser realizada diretamente no ofício do RCPN onde o assento foi lavrado. Para a elaboração do referido provimento o Conselho Nacional de Justiça observou  as legislações internacionais que versam sobre os direitos humanos, em especial, o Pacto de San José da Costa Rica, que dispõe sobre o respeito ao direito ao nome (art. 18), ao reconhecimento da personalidade jurídica (art. 3º), à liberdade pessoal (art. 7º.1) e à honra e à dignidade (art. 11.2). Assim, como também fora observado a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, a Opinião Consultiva de número 24/17 da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que trata da identidade de gênero, igualdade e não discriminação e que define as obrigações dos Estados-Partes no que se refere à alteração do nome e à identidade de gênero, também como a Constituição Federal e a Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 4275.

Dessa forma, em decorrência de todo o exposto, os efeitos da manifestação do Supremo Tribunal Federal e do provimento do Conselho Nacional de Justiça devem repercutir na esfera previdênciaria, garantindo que o tempo de aposentadoria seja aplicado para as pessoas trans na formação dos critérios de auto-indentificação, pelo qual as mulheres trans poderão se aposentar conforme o tempo de aposentadoria das mulheres, que são de no mínimo 62 anos de idade cumulado com pelo menos 15 anos de contribuição no critério definitivo, e aos homens trans conforme o tempo estabelecido para os homens, de no mínimo 65 anos de idade cumulado com pelo menos 20 anos de contribuição, também na regra definitiva. Para isso, vale lembrar que é necessário a alteração dos documentos pessoais de identificação nos órgãos de registros públicos previamente ao pedido de concessão da aposentadoria.

11. DESAFIOS FUTUROS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

Apesar de reconhecido o direito das pessoas trans quanto a alteração do prenome, gênero e da forma de idêntificação nos órgãos de registro e de seus reflexos na esfera do direito previdênciário, vale lembrar que ainda não existe lei específica que trate do tema e de todas as suas nuâncias, que carecem de estudos e considerações, de forma que garantam e assegurem de forma clara, direta e específica os direitos das pessoas trans. Visto que, apesar de tais reflexos decorrentes da decisão do Supremo Tribunal Federal, em determinados casos, a aposentadoria pode vir a ser negada administrativamente, o que os levam a necessidade de ingresso na esfera judicial, abarrotando o Poder Judiciário.

Tendo em vista o objetivo isonômico da concessão de direitos às pessoas trans, é importante destacar que, o Estado deve anlisar as necessidades de criações de normas especiais para a aposentadoria, considerando as dificuldades enfrentadas pelas pessoas trans, tais como a vulnerabilidade social que leva a uma expectativa de vida reduzida em relação a média Nacional.

Vale ressaltar, a cumulação à igualdade de acesso aos benefícios, visto que, fundamentalmente as pessoas trans devem ter acesso igualitário a todos os benefícios e serviços da seguridade social, sem discriminações. Isso inclui, naturalmente, a aposentadoria, pensões, auxílio-doença, entre outros, assegurando que todas as pessoas possam usufruir plenamente de seus direitos assecuratórios previdenciários.

Por esse motivo, é necessário manifestação do Legislativo na elaboração de leis que consolidem o direito e a igualdade previdênciaria das pessoas trans, tendo em vista a soberania popular manifestada pelos representantes nas elaborações das leis, que dão segurança jurídica e fixação do direito das minorias. A previdência social, tal quais as demais esfereas de atuação do Poder Público, precisam se adaptar e se atualizar para reconhecer a identidade de gênero autodeclarada das pessoas trans. Isso implica em garantir que os documentos e registros previdenciários reflitam adequadamente a identidade de gênero dessas pessoas, evitando constrangimentos e discriminações.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de todo o exposto, o presente texto aborda de forma abrangente, mas superficial dada as condições complexas da causa, a importância e a necessidade da inclusão da população trans na previdência social brasileira de forma ampla, ressaltando a urgência de políticas públicas e ações afirmativas para garantir a igualdade de direitos e oportunidades. Ao longo do artigo, foram apresentadas teorias que contribuem para a compreensão da invisibilidade social enfrentada pelas pessoas trans no contexto social, financeiro e previdenciário, assim como as formas de discriminação e exclusão que essa população enfrentam, necessitando de amparo e respaldo jurídico e legislativo.

A compreensão dos dilemas enfrentados quanto a dupla vulnerabilidade, tanto social quanto financeira, afetando demasiadamente um grupo subjulgado pela humanidade por estigmas, preconceitos e discriminações pela sua identidade de gênero, mostrando com clareza a necessidade contínua, lógica e urgente de ações afirmativas e políticas públicas inclusivas em vários setores públicos, políticos e sociais, tais como no coração familiar, no tocante à quebra de estigmas e aceitação da identificação de outrem, por meio de ações em conjunto com grupos multiprofissionais diretamente com a população. Assim como na educação formal, desde a educação básica, já que a educação é um longo caminho a ser trilhado implicando diretamente na atuação do indivíduo no mercado de trabalho, positivamente ou negativamente no quanto a disparidades e desigualdades salariais.

Assim como a necessidade de compreensão dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade, e como eles devem ser aplicados amplamente para garantir os direitos das pessoas trans, se revelando necessariamente fundamental. Além disso, foram mencionadas legislações internacionais que servem como referência para a proteção previdenciária da pessoa trans. De forma geral, o texto ressalta a necessidade de reconhecer a dignidade e promover a igualdade de direitos, a fim de assegurar a plena inclusão social das pessoas trans na sociedade brasileira em todos os seus módulos. No entanto, deve ser destacado que estudos e pesquisas adicionais são necessários para uma compreensão mais aprofundada da situação da pessoa trans em relação à previdência social, bem como para o desenvolvimento de políticas mais efetivas dada a complexidade do caso.

A decisão do Supremo Tribunal Federal representa um avanço juntamente com o Provimento de nº 73, de 2018, do Conselho Nacional de Justiça, os quais garantiram à luz dos princípios outrora mencionados a inclusão e possibilidades de obtenção do direito das pessoas trans de se aposentarem conforme suas auto-identificações. Entretanto, conjuntamente, expõem o atraso e retrocesso na legislação brasileira frente às internacionais que demonstram na prática, e há anos, a sua eficácia, efetividade e eficiência protegendo e resguardando os mais vulneráveis.

Entretanto, há de se pontuar e mencionar a principal crítica à linha de pensamento e formatação de igualdade de gênero proposta neste presente artigo, a qual é a aplicação da famigerada “Lei de Gérson”, arraigada na cultura brasileira, a qual é uma norma não escrita e não oficial, segundo a qual informa que há pessoas que gostam de levar vantagens em tudo, seguindo-a no sentido negativo de se aproveitar de todas as situações em benefício próprio e contra outro, sem se importar com questões éticas e/ou morais. Importando, portanto, em uma crítica preconceituosa e estigmatizada, porém infelizmente existente, que indica a possível presença de homens cisgênero se auto-identificando como trans-feminina para terem o benefício da aposentadoria por idade relativo ao gênero feminino, em razão deste ter como requisito uma idade inferior em comparação a masculina conjuntamente com menor tempo de contribuição necessário, o que, por óbvio, é algo refutável e estigmatizante, cabendo uma análise mais aprofundada em possível e provável estudo futuro sobre as formas estatais de controle finalístico.

Portanto, diante de todo o exposto, é imperativo que os esforços sejam intensificados para superar as barreiras existentes e implementar medidas concretas que garantam a igualdade de acesso e participação da população trans na previdência social. A criação de políticas inclusivas, o fortalecimento da legislação e a sensibilização da sociedade são passos cruciais para combatermos a discriminação, a exclusão e promover uma sociedade mais justa e igualitária para todos, independentemente de sua identidade de gênero. Somente através dessas ações será possível alcançar a plena efetivação dos direitos e garantias e a inclusão social ampla da população trans na inserção total na socidade e na seguridade social brasileira.

REFERÊNCIAS

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Sobre os autores
Danrley Parente Ribeiro Pontes

Advogado (OAB/CE 52.651). Bacharel em Direito pela Faculdade Luciano Feijão - FLF.

Flávio Maria Leite Pinheiro

Mestre, Doutor e Pós-Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Mestre em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Professor efetivo da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA). Procurador Autárquico. Coordenador do curso de Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GÓIS, Caio Cezar Orleans Furtado ; PONTES, Danrley Parente Ribeiro et al. Previdência social frente à pessoa trans:: dilemas da inclusão social e regras de aposentadoria. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7420, 25 out. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/106738. Acesso em: 26 dez. 2024.

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