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O superendividamento da Lei 14.181/2021

Agenda 26/10/2023 às 19:32

A democratização do acesso ao crédito para um grande número de brasileiros tem trazido uma série de vantagens, mas também tem contribuído para o desequilíbrio financeiro.

INTRODUÇÃO

O superendividamento de consumidores no Brasil é caracterizado pela impossibilidade de pessoas físicas quitarem a totalidade de suas dívidas sem comprometer o atendimento de suas necessidades básicas. Diante dessa questão, que afeta uma parcela substancial dos consumidores brasileiros, foi promulgada em julho de 2021 a Lei nº 14.181/2021, comumente conhecida como a "Lei do Superendividamento". Essa legislação visa aperfeiçoar o controle sobre a concessão de crédito aos consumidores, além de estabelecer métodos de prevenção e apoio para indivíduos que se encontram em situação de endividamento excessivo (BALERA, 2021).

A recém-aprovada Lei nº 14.181/2021 estipula o superendividamento como o estado no qual um consumidor reconhece sua incapacidade de honrar todas as suas dívidas adquiridas, sem comprometer o mínimo necessário para sua subsistência. A situação de superendividamento no Brasil permanece em níveis alarmantes, demonstrando um crescimento constante. Portanto, é crucial promover uma discussão abrangente sobre o assunto, com o objetivo de assegurar uma aplicação efetiva da lei que concede proteção ao consumidor em estado de superendividamento (BRASIL, 2021).

Antes da promulgação da Lei nº 14.181/2021, não havia uma regulamentação específica que tratasse da prevenção e assistência aos cidadãos envolvidos no cenário do superendividamento. Essa norma introduziu mudanças substanciais que beneficiam aqueles que se enquadram na categoria dos consumidores sobrecarregados com dívidas (SILVA, 2020). Isso foi feito ao fortalecer os direitos dos consumidores, promovendo a ideia de honestidade e lealdade na concessão de crédito, estabelecendo o direito de reconsideração como um mecanismo preventivo contra o fenômeno em questão e, além disso, fornecendo recursos para auxiliar aqueles que já se encontram em situação de superendividamento.

Diante disso, o presente estudo possui como objetivo discorrer, de maneira abrangente, acerca da Lei nº 14.181/2021, conhecida como Lei do superendividamento, destacando suas características, aplicabilidade, desafios e benefícios da sua inserção.

A Lei nº 14.181 de 2021: conceituação e características gerais

O Estatuto do Consumidor tem desempenhado um papel fundamental na preservação dos direitos dos compradores, que frequentemente ocupam a posição mais frágil em um contexto de transações comerciais. De fato, inúmeras têm sido as melhorias trazidas por essa legislação na proteção dos compradores, na formulação de diretrizes de interesse público e relevância social, em conformidade com a Constituição Federal de 1988, que estabeleceu a salvaguarda do consumidor como um direito fundamental e garantia (FERREIRA, 2022).

Apesar do notório progresso alcançado, a inerente natureza das relações humanas e a construção de seus compromissos legais, que vêm se desdobrando de maneira altamente dinâmica, conduzem ao surgimento de novas questões e dilemas que necessitam de resolução. Para atender a essa exigência, tais problemas são submetidos ao exame do Poder Judiciário (BALERA, 2021).

Dentro deste contexto, um dos desafios contemporâneos mais prementes consiste no fenômeno do excessivo acúmulo de dívidas, especialmente à luz da facilidade de acesso ao crédito disponível no mercado ao alcance dos consumidores. Ainda que seja uma ocorrência comum que as famílias se endividem em resposta à atual cultura de consumo, a problemática assume proporções mais acentuadas no cenário do superendividamento, que se caracteriza pela manifesta incapacidade do consumidor em quitar a totalidade de suas obrigações financeiras sem prejudicar sua subsistência fundamental (MIRAGEM, 2021).

Nesse cenário, é notável que o superendividamento, ao absorver grande parte da renda do consumidor e de sua família, tem tido um impacto significativo nas condições mínimas para a sobrevivência e na preservação do bem-estar essencial das pessoas, o que vai de encontro ao princípio da dignidade humana. Diante do atual quadro econômico, que se caracteriza pelo aumento da inflação e do desemprego, há uma tendência para que os indicadores referentes ao endividamento das famílias se deteriorem ainda mais (MARQUES, 2019).

Além disso, a democratização do acesso ao crédito para um grande número de brasileiros tem trazido uma série de vantagens, mas também tem contribuído para o desequilíbrio financeiro. Apesar de essa questão não ser nova, uma vez que o Código de Defesa do Consumidor foi implementado no Brasil na década de 90, enquanto nos Estados Unidos e na Europa já existiam leis em vigor voltadas para a proteção de indivíduos superendividados, somente em 2021 o CDC incorporou um capítulo exclusivo dedicado à prevenção e ao tratamento do superendividamento. Isso ocorreu por meio da promulgação da Lei nº 14.181 em 1º de julho de 2021, a qual estabeleceu normas específicas sobre o tema (CNJ, 2021).

O recente estatuto legal surgiu como consequência do Projeto de Lei nº 3.515/2015, o qual tramitou no Congresso Nacional durante um período de 6 anos, após diversos projetos anteriores sobre o mesmo tema que não obtiveram êxito. As novas disposições relativas ao superendividamento trouxeram uma série de inovações em favor do consumidor que enfrenta sobrecarga de dívidas, incluindo a oportunidade de realizar negociações de forma conjunta (BRASIL, 2021).

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A aprovação da Lei nº 14.181/2021 marcou um significativo triunfo para a causa dos consumidores e não apenas introduziu ajustes no Código de Proteção ao Consumidor, mas também promoveu alterações no Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003). Tal reforma decorre da particular vulnerabilidade desse grupo em contextos comerciais, dado que frequentemente se tornam alvo de práticas de empréstimo abusivas que consomem a maior parte de seus recursos provenientes de aposentadorias e benefícios (SILVA, 2020).

Dessa forma, um segmento da população muitas vezes relacionado ao superendividamento é a faixa etária de idosos, os quais, ao buscarem condições mais vantajosas para adquirir crédito, às vezes perdem o controle de suas obrigações financeiras devido à ausência de um planejamento financeiro adequado (BALERA, 2021).

Os benefícios da lei do superendividamento

No dia 2 de julho de 2021, entrou em vigor a Lei nº 14.181/2021, que foi promulgada com o intuito de aperfeiçoar a regulamentação do crédito concedido aos consumidores e estabelecer diretrizes para a prevenção e tratamento daqueles que enfrentam o superendividamento.

A nova lei promoveu alterações na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Proteção ao Consumidor) e na Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso). Conforme mencionado por Marques, "a Lei 14.181/2021 representa uma verdadeira transformação no âmbito do Direito Privado ao valorizar o microssistema do Código de Defesa do Consumidor". Além disso, a autora ressalta que a referida lei "atualiza o Código de Defesa do Consumidor ao introduzir dois novos capítulos no Código" (BRASIL, 2021).

Frente à situação pandêmica que impactou globalmente a partir de 2019, as relações comerciais e as transações de consumo sofreram abalos significativos, afetando tanto os consumidores quanto os fornecedores e prestadores de serviços. Dessa forma, a discussão sobre o superendividamento do consumidor, que já era de grande relevância, tornou-se ainda mais premente, sendo motivo de inquietação para aqueles que defendem os princípios fundamentais do direito do consumidor. A esse respeito, Garcia (2020) faz a seguinte observação:

Com a irrupção da pandemia da COVID-19, a tendência é que o superendividamento, que antes já era considerado um fator de exclusão social, agora passe a se tornar um problema ainda mais relevante, pois a desaceleração da economia, como decorrência do prolongado isolamento social, tende a aumentar sobremaneira os níveis de endividamento da população.

Assim, no decorrer de 2021, em um contexto que se revelou crítico para os consumidores, uma vez que, conforme relatado por Conselho Nacional de Justiça (2021) entre fevereiro e março daquele ano, "o número de pessoas com dívidas no Brasil cresceu de 61,56 milhões para 62,56 milhões de indivíduos, correspondendo a 57,4% da população adulta do país," foi aprovada a Lei nº 14.181/2021. Essa regulamentação tem como finalidade, por meio das alterações mencionadas anteriormente, facilitar a reintegração social de milhões de cidadãos excluídos da plena participação na sociedade de consumo devido ao significativo acumular de obrigações financeiras ao longo do tempo. (MIRAGEM, 2021)

A partir desse ponto, a regulamentação mencionada introduziu duas novas seções no conjunto de regras de defesa do consumidor, que foram denominadas "Relativas à prevenção e tratamento do superendividamento" e "Em relação à conciliação no superendividamento". Conforme observado por Marques, o primeiro desses segmentos tem por objetivo promover a concessão de crédito de forma responsável, assegurando que os consumidores tenham acesso a todas as informações essenciais para uma avaliação mais criteriosa de suas condições de crédito e, ao mesmo tempo, reduzir o assédio de consumo no mercado brasileiro (BALERA, 2021).

No que diz respeito ao segundo tópico, sua finalidade reside em estabelecer um plano de quitação das dívidas, com o propósito de possibilitar a exclusão do nome do devedor dos registros de inadimplência. O objetivo subjacente é estimular o cumprimento das obrigações financeiras, o que, por conseguinte, concorrerá para atenuar o problema da exclusão social enfrentado por esses consumidores. Além disso, a autora segue enfatizando cinco elementos relacionados às modificações trazidas pela Lei nº 14.181/2021 no Código do Consumidor, a saber (BRASIL, 2021):

a) A prevenção do superendividamento por meio de práticas de concessão de crédito responsável é estipulada nos artigos 54-B, 54-C e 54-D da legislação. Essas cláusulas garantem que as informações necessárias sejam fornecidas previamente, com a oferta mantida válida por um período de 48 horas, enquanto a publicidade é rigorosamente controlada para assegurar que o consumidor seja devidamente informado. Esse processo capacita o consumidor a gerenciar seus gastos de acordo com seus recursos financeiros disponíveis (FERREIRA, 2022).

b) A mudança em relação às condutas dos fornecedores, com o propósito de aprimorar a adesão aos princípios da honestidade e imparcialidade, conforme estabelecido nos artigos 54-G e 54-F, e ao mesmo tempo, reforçar o conteúdo do artigo 49 do Código de Proteção do Consumidor, que aborda a possibilidade de rescisão do contrato (BRASIL, 2021);

c) A asseguração do nível mínimo indispensável na concessão de crédito e na reestruturação de dívidas;

d) Uma abordagem fresca na assistência ao consumidor sobrecarregado com dívidas, através da utilização de procedimentos de conciliação em grupo e a formulação de um novo esquema de quitação.

e) A implementação de dispositivos destinados à resolução de litígios judiciais envolvendo consumidores superendividados, mediante a criação de unidades especializadas em conciliação e mediação. Nessa mesma vertente, Moraes destaca que a legislação trouxe inovação ao incorporar métodos de conciliação e mediação para a reestruturação de obrigações financeiras, com o propósito de proporcionar uma mudança na situação econômica do consumidor em superendividamento (BRASIL, 2021).

CONCLUSÃO

Neste estudo, foram investigadas as dinâmicas das relações de consumo e a problemática do superendividamento, considerando as disposições da Lei nº 14.181/2021. A principal finalidade dessa legislação é otimizar o controle sobre a concessão de crédito aos consumidores, estabelecendo diretrizes específicas para prevenir e abordar a questão do superendividamento.

Essa regulamentação representa uma conquista significativa para os estudiosos da área do direito do consumidor, uma vez que, desde a promulgação da Constituição de 1988, que tem como base o princípio da dignidade da pessoa humana, tornou-se ainda mais crucial que o Estado se dedique às políticas públicas e programas destinados a proteger os consumidores, que invariavelmente ocupam a posição mais frágil nas relações comerciais.

A situação de endividamento excessivo no Brasil surge como um desafio de considerável magnitude, notadamente quando se considera o potencial impacto na habilidade do consumidor e de sua família em manter uma renda adequada para a subsistência, o que poderia resultar em uma violação do princípio da dignidade da pessoa humana.

Dentro desse contexto, a legislação relacionada ao superendividamento tem como intuito principal assegurar a preservação das condições básicas de sobrevivência daqueles que se encontram nessa condição, ou seja, daqueles que não conseguem honrar suas obrigações financeiras sem prejudicar o mínimo existencial.


REFERÊNCIAS

BALERA, Wagner. A inclusão dos excluídos: nova lei reguladora do superendividamento. Revista do Consultor Jurídico, 28 jul. 2021.

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. CNJ Serviço: o que muda com a lei do superendividamento? Brasília, 6 de agosto de 2021c. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/cnj-servico-o-que-muda-com-a-lei-do-superendividamento/. Acesso em: 20 de Outubro de 2023.

BRASIL. Lei nº 14.181, de 1º de julho de 2021a. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14181.htm. Acesso em: 20 de outubro de 2023.

FERREIRA, Emanuel Santos Mota. As facetas do fenômeno do superendividamento no Brasil, à luz do agravamento das vulnerabilidades do consumidor diante da pandemia da Covid-19 e da recente aprovação da Lei 14.181 de 2021. Orientadora: Keila Pacheco Ferreira. 2022. 78 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) - Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2022.

GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor. 14ª ed. Salvador: Juspodivm, 2020.

MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. 9. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019.

MIRAGEM, Bruno. Direito Civil. Direito das obrigações. 3. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2021.

SILVA, Joseane Suzart Lopes da; MARTINS, Guilherme Magalhães. Brasil não pode ignorar milhões de consumidores superendividados. Conjur, jun. 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-jun-10/garantias-consumo-pais-nao-ignorar-superendividam ento-milhoes-consumidores. Acesso em 20 de outubro de 2023.

Sobre o autor
Daniel Arruda Pires

Advogado, Pós-Graduado em Direito Constitucional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PIRES, Daniel Arruda. O superendividamento da Lei 14.181/2021. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7421, 26 out. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/106791. Acesso em: 25 nov. 2024.

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