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Mídia e criminalidade, novas mídias e novas tecnologias. Criminalidade de massa e criminalidade organizada

Agenda 03/12/2023 às 22:08

Há muito tempo a Criminologia estuda a relação entre a mídia e a criminalidade, portanto, inicialmente devemos conceituá-los sendo a mídia considerada como todo o suporte de difusão de informação (rádio, televisão, imprensa, publicação na Internet, videograma, satélite de telecomunicação etc.) que constitui ao mesmo tempo um meio de expressão e um intermediário na transmissão de uma mensagem ou conjunto dos meios de comunicação social.

Da mesma forma podemos conceituar criminalidade como sendo qualidade de criminoso, perpetração de crimes.

Importante destacar que nenhum debate deve ser encaminhado para a defesa de censura sobre os meios de comunicação, sendo certo que a liberdade de imprensa é um direito central em toda democracia.

No entanto, é inegável a influência da mídia na atuação do legislador, da sociedade, na indução de comportamentos, na formulação de prejulgamentos e na criação da sensação de segurança ou insegurança.

A liberdade de imprensa é assegurada em nosso Constituição Federal em seu artigo 220 que dispõe:

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística

Firmada esta premissa basilar e de suma importância, podemos observar dentro da atuação da mídia alguns discursos classificados como consumista, violento e sensacionalista.

Vivemos, mesmo não aceitando, uma sociedade de consumo e recebemos estímulos a todo o momento para adquirir bens e trocar os atuais por cada novo produto lançado.

A própria sociedade se torna refém deste digamos estilo de vida do privilégio do ter em vez do ser.

Na mídia igualmente também encontramos discursos violentos com a exibição diária e constante de cenas de luta, tiros e mortes que são oferecidos nos mais diversos canais de comunicação e redes sociais.

No tocante ao discurso sensacionalista, encontramos diversos programas de informação que trazem o noticiário de crimes com dramatizações e exibição explícita da violência urbana.

Muito comum hoje em dia termos na programação diversos telejornais com este viés, explorando cenas ao vivo e imagens de conflitos, desordem e violência.

Na vertente do discurso consumista, Robert Merton cria a teoria da anomia, indicando que a sociedade traz ênfase na conquista de objetivos, principalmente bens materiais, no entanto, não fornece a todos os meios necessários para alcançá-los.

Nem todos tem a seu dispor os meios para atingir o “sucesso” propagada e o status social criado.

Neste cenário muito acabam por delinquir para atingir os objetivos traçados pela própria sociedade consumista.

Na década de 70, com o advento da Criminologia Crítica chama a atenção para o fato de um crescimento populacional com o esvaziamento das tradições familiares, a precariedade do trabalho e a individualização da pessoa em detrimento ao seio social.

Na vertente do discurso violento são exibidos diariamente cenas de luta, tiros, brigas e mortes que levam ao imaginário das pessoas a normalização destas condutas e um estímulo à criminalidade.

Neste contexto, a própria sociedade busca meios de conter este avanço com medidas de classificação etária, proibição de transmissão de determinados programas em determinada faixa de horário, controle parental por senha dentre outros.

O discurso sensacionalista vem a reboque do discurso violento quando passamos a observar a proliferação de programas e canais que exploram a questão criminal, incutindo nas pessoas a ideia de completa anarquia, violência e necessidade de combater o criminoso, antecipando julgamentos e condenando socialmente o indivíduo sem dar-lhe sequer o direito de resposta.

Em artigo intitulado como “Mídia e Sistema Penal no Capitalismo Tardio” (2002), Nilo Batista afirma que a mídia acaba por extrapolar a mera função comunicativa e atua como se parte fosse da Prevenção Secundária, influenciando diretamente nas políticas criminais.

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O artigo do brilhante autor cita casos noticiados na imprensa, o espaço e o tempo dedicados ao assunto e as conclusões que desprezam a técnica jurídica e colocam o Direito Penal como a solução para todos os males da humanidade.

BATISTA (2002) chega a declarar:

“Cada por militante legitimação do (ou, para usar um termo da moda, “parceria” com o sistema penal – “parceria” na qual as fórmulas bisonhas do editorial ou do espaço cedido ao “especialista” concorde são menos importantes do que as mensagens implícitas, que transitam da publicidade às matérias esportivas – tal vinculação levou Zaffaroni a incluir, em seu rol de agências do sistema penal, as “agências de comunicação social”, e os exemplos que ministrou (“rádio, televisão e jornais”) deixam claro que não se referia aos serviços de relações públicas de tribunais ou corporações policiais.”

Eugênio Raul Zaffaroni chega a classificar as agências de comunicação social como agências do sistema penal.

BATISTA (2002) cita que grandes grupos econômicos passam a exercer o controle de veículos de imprensa e assim passam a ter interesses financeiros que transcendem o puro jornalista.

Na atualidade, a situação é a mesma, tendo em vista que as redes sociais e demais canais de comunicação são controlados por pequenos conglomerados com atuação global e que envolvem cifras milionárias.

O que temos é a crença no Direito Penal e que a pena é a efetiva solução para os conflitos e as mazelas sociais existentes.

Defender o devido processo legal, o direito ao contraditório e a ampla defesa são vistos com desconfiança e quem expõe opinião neste sentido é taxado como condescendente com marginais e opositor da harmonia social.

Neste caldeirão, a mídia estimula o legislador a criar tipos penais sem qualquer discussão e reflexão de sua necessidade, além de festejar a criação de tipos penais denominados simbólicos e de emergência.

Nesta esteira, surgem as redes sociais e novas formas de comunicação instantânea com aplicativos de mensageria que ajudam a propagar tais ideais e não raras vezes com notícias falsas ou baseadas em equivocadas premissas.

Nesta sociedade plural, fragmentada, excludente e de diversas matizes culturais, a mídia tradicional e as novas mídias, como redes sociais, canais de vídeos e outros trazem para o alcance da mão e dos olhos informações sobre crimes bárbaros, sobre a necessidade do castigo exemplar do infrator, da criação de vilões e uma cultura de insegurança generalizada.

Após o advento do mundo virtual, muitos crimes passaram a ser praticados usando esta importante ferramenta de informação, mas também utilizado para a prática de novos crimes.

Assim surge a chamada criminalidade moderna que cuida dos delitos praticados no ambiente virtual, bem como o fomento que a própria mídia faz.

Estelionatos praticados por meio de aplicativos de mensageria, spam e outras combinações.

Promessa de divulgação de fotos íntimas na rede mundial de computadores, de vídeos e escritos comprometedores, invasão de dispositivos informáticos trouxeram um novo desafio para a sociedade e o Estado.

A doutrina assim indica a existência de dois gêneros de delitos: A criminalidade de massa e a criminalidade organizada.

CRIMINALIDADE DE MASSA

Abarca infrações penais provocadas, na maioria dos casos, em circunstâncias de oportunidade. Atinge bens individuais e específicos, como a vida, patrimônio, dignidade sexual etc.

Segundo leciona Cezar Roberto Bitencourt (1995, p. 123/124)

“Criminalidade de massa compreende assaltos, invasões de apartamentos, estelionatos, roubos e outros tipos de violência contra os mais fracos e oprimidos. Esta criminalidade afeta diretamente a toda a coletividade, quer como vítimas reais, quer como vítimas potenciais. Os efeitos desta forma de criminalidade são violentos e imediatos: não são apenas econômicos ou físicos, mas atingem o equilíbrio emocional da população e geram uma sensação de insegurança. A definição conhecida de criminalidade organizada é extremamente abrangente e vaga, e ao invés de definir um objeto, aponta uma direção”.

O conceito de criminalidade de massa se aproxima do conceito dos crimes do colarinho azul que tem por definição:

“crimes de colarinho azul”, também conhecidos como crimes de rua, são aqueles delitos praticados, em regra, por pessoas desfavorecidas, em locais supervisionados pelo Estado, sendo assim reprimidos pelos órgãos de controle, uma vez que não possuem requintes em sua preparação e execução (MARÇAL, 2015, p. 87).”

CRIMINALIDADE ORGANIZADA

Em outro polo temos a denominada CRIMINALIDADE ORGANIZADA que tem como característica uma atuação difusa, sem vítimas determinadas, atingindo a coletividade como um todo.

Neste diapasão temos a conceituação dada pela Lei 12850/2013 o conceito de organização criminosa:

Art. 1º Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado.

§ 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.

§ 2º Esta Lei se aplica também:

I - às infrações penais previstas em tratado ou convenção internacional quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;

II - às organizações terroristas, entendidas como aquelas voltadas para a prática dos atos de terrorismo legalmente definidos. (Redação dada pela lei nº 13.260, de 2016)

São conceituados dois tipos de criminalidade organizada: mafiosa e empresarial.

A mafiosa se vale do uso da violência ou grave ameaça, estrutura hierarquizada, distribuição de tarefas e planejamento de lucros, impondo a lei do silêncio.

Temos diversos exemplos como Yakuza, Cartel de Sinaloa, Cosa Nostra, Camorra entre outras.

Noutra vertente, temos a criminalidade organizada do tipo empresarial que possui uma estrutura eminentemente empresarial visando o lucro econômico de seus sócios.

Uma estrutura que busca o anonimato e deixa de lado a intimidação e a violência, tendo como membros empresários, políticos, servidores públicos e outros.

PONTO DE INTERSECÇÃO DA MÍDIA E CRIMINALIDADE

A partir da influência da mídia e seu poder de persuasão cada vez mais crescente na população acaba por gerar um aumento dos crimes virtuais, incluindo os crimes de massa.

Cria a sensação de insegurança e de impunidade gerando um temor na sociedade.

Neste prisma, pode ser observado o aumento do cometimento de crimes por intermédio da criminalidade organizada e estímulos que novos crimes ocorram, diante da propagação da ideia de o custo-benefício da prática do crime ser vantajoso.

O ponto chave desta relação se dá na forma como a mídia, seja tradicional, sejam as novas mídias e tecnologias abordam os fatos tidos como delituosos, explorando ao máximo nos noticiários, de forma sensacionalista, criando assim uma sensação de insegurança, além de gerar “condenações antecipadas” de pessoas e em muitas ocasiões sequer possibilitar a abertura de espaço para ideias contrárias, que teria o fim de estimular o debate mais técnico, fazendo um contraponto, como deve ser a ciência criminológica.

Referências:

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm

BRASIL. Lei 12850/2013. Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); revoga a Lei nº 9.034, de 3 de maio de 1995; e dá outras providências. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12850.htm. Acesso em 16 nov. 2023.

BATISTA, Nilo. Mídia e Sistema Penal no Capitalismo Tardio. Disponível em https://www.bocc.ubi.pt/pag/batista-nilo-midia-sistema-penal.pdf. Acesso em 16 nov. 2023.

BITTENCOURT, Cezar Roberto. Princípios Garantias e a Delinqüência do Colarinho Branco. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. (IBCCrim). São Paulo, v. 3, n. 11, jul./set. 1995.

Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008. Disponível em: https://dicionario.priberam.org/m%C3%ADdia. Acesso em 30 nov. 2023.

MARÇAL, Vinicius; MASSON, Cleber. Crime organizado. São Paulo: Método, 2015.

PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Manual Esquemático de Criminologia – 10. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

SECHAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 8. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.

VERGAL, Sandro. A influência dos meios eletrônicos na criminalidade de massa. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/85556/a-influencia-dos-meios-eletronicos-na-criminalidade-de-massa. Acesso em 02 de dez 2023.

ZAFFARONI, Eugênio Raul. Derecho Penal – Parte General, Buenos Aires, Ediar, 2000.

Sobre o autor
Felipe Gonçalves Martins

Delegado de Polícia do Estado do Paraná. Ex-Delegado de Polícia do Estado do Acre. Ex-inspetor de Polícia do Estado do Rio de Janeiro. Pós-Graduado em Direito Penal e Criminal pela Universidade Cândido Mendes (RJ). Pós-Graduado em Direito Constitucional pela Faculdade Única (MG). Pós-Graduado em Direito Administrativo pela Faculdade Única (MG). Graduado em Direito pela Universidade Estácio de Sá (RJ). Graduado em Teologia pela Universidade Unicesumar (PR).

Informações sobre o texto

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