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A influência dos meios eletrônicos na criminalidade de massa

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21/09/2020 às 17:04
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As inovações tecnológicas recentes impuseram modificações sociais e comportamentais bastante positivas à humanidade. Porém, também trouxeram consigo novos desafios ao enfrentamento da criminalidade...

1. Introdução

O uso da tecnologia da informação e do conhecimento representou uma verdadeira revolução tecnológica, fazendo surgir o ambiente virtual (ciberespaço), onde não existem fronteiras, podendo ser atingido um enorme número de pessoas, em qualquer lugar do mundo e ao mesmo tempo.

A “internet” emerge como uma ferramenta importantíssima a serviço do homem em suas atividades cotidianas, possibilitando sua otimização, fazendo com que se gaste menos tempo, trazendo o aumento de benefícios e a diminuição de custos.

É possível no ambiente virtual a realização de tarefas e atividades diversas, como relacionamento pessoal, trabalho, diversão, mas abre-se a possibilidade do usuário acabar por ser vítima de algum crime dentro do ciberespaço, ou mesmo fora, mas em consequência dele.

1.1. Criminalidade organizada e criminalidade de massa

Os estudos criminológicos do fenômeno criminal na sociedade apontam diferenças substanciais e organizacionais entre as espécies delitivas que desembocam na existência de uma criminalidade considerada como “organizada” e, de outro lado, a chamada “criminalidade de massa”.

Para Winfried Hassemer (1993, p. 60), professor catedrático da Universidade de Frankfurt e pioneiro na distinção, a criminalidade de massa projeta a ideia de infrações penais impulsionadas, na maioria dos casos, por circunstâncias de oportunidade. Já a criminalidade organizada possui característica eminentemente difusa, sem vítimas individuais, ou seja, o dano não é restrito a uma ou mais pessoa, alcançando a sociedade como um todo.

Fernando Shimidt de Paula (2009, p. 219) narra que longe se encontra o tempo em que a concepção humana de crime foi cingida ao mero desatendimento aos preceitos sancionadores dos códigos penais repressivos. Para ele, afora as benesses do mundo moderno, o desenvolvimento trouxe consigo a evolução da má vida, organizada, de face empresarial e muito mais perniciosa à sociedade.

Como bem destaca Paulo Fayet (apud CABETTE; NAHUR, 2014, p. 111), o conceito de crime organizado parece claro, mas necessita de uma definição resoluta no campo jurídico, evitando qualquer obscuridade:

[...] a criminalidade organizada, fenômeno que, aparentemente, se apresenta de fácil compreensão, pelos exemplos que são (diariamente!) divulgados e debatidos pela imprensa de todo o mundo, mas que, na prática jurídica e nos bancos legislativos, se apresenta de uma forma complexa e de difícil conceituação.

Longa (e tormentosa) foi a cronologia legislativa e doutrinária de construção de um consenso em torno de um conceito jurídico brasileiro de criminalidade organizada. Contudo, com a edição da Lei Federal n.º 12.850/2013, esta incômoda lacuna do ordenamento jurídico-penal pátrio foi superada, que era a falta de uma definição juridicamente segura.

De acordo com os requisitos insculpidos no artigo 1º, § 1º da referida legislação, para a subsunção típica de organização criminosa, é necessário a associação de quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos, ou que sejam de caráter transnacional (BRASIL, 2013).

Portanto, ponderando o conceito jurídico brasileiro de organização criminosa, para fins de aplicação da Lei Federal n.º 12830/2013, percebemos a presença de elementos característicos deste tipo de criminalidade, quais sejam: associação de pessoas; divisão de tarefas; objetivo econômico; prática de infrações consideradas graves. Essas características estão presentes na maioria dos conceitos existentes de organização criminosas.

Guaracy Mingardi (apud ANSELMO, 2017), ao tratar do tema, aponta as seguintes características: previsão de lucro, hierarquia, divisão de trabalho, ligação com órgãos estatais, planejamento das atividades e delimitação de área de atuação.

Alberto da Silva Franco (apud ANSELMO, 2017), por sua vez, indica os seguintes atributos: caráter transnacional; proveito de deficiências do sistema penal, a partir de sua estruturação organizacional e de sua estratégia de atuação global; atuação resulta em dano social acentuado; realiza várias infrações, com vitimização difusa ou não; aparelhado com instrumentos tecnológicos modernos; conexão com outros grupos criminosos, organizados ou não; mantém ligações com pessoas que ocupam cargos oficiais, na vida social, econômica e política; utiliza-se de atos de violência; e beneficia-se da inércia ou fragilidade de órgãos estatais.

Eugenio Raúl Zaffaroni (1996, p. 53), na obra “Crime Organizado: uma categoria frustrada”, deslinda críticas às conceituações em torno do que caracterizaria a criminalidade organizada, estabelecendo seu ponto de vista no seguinte sentido:

[...] o crime organizado seria o conjunto de atividades ilícitas que operam no mercado, disciplinando-o quando as atividades legais ou o estado não o fazem. Em termos mais preciosos, sua função econômica seria a de abranger as áreas de capitalismo selvagem que carecem de um mercado disciplinado.

Eduardo Luiz dos Santos Cabette e Marcius Tadeu Maciel Nahur (2014, p. 57) assinalam que a prática de crimes remonta aos primórdios da humanidade, porém, em relação às peculiaridades da criminalidade organizada, fazem ressalva no seguinte sentido:

[...] o crime global, a formação de redes entre poderosas organizações criminosas e seus tentáculos, com atividades compartilhadas em todo mundo constituem um novo fenômeno que afeta, direta e intensamente, a economia no âmbito internacional e nacional, além das dimensões políticas das sociedades em geral.

Não obstante nossas breves ponderações sobre a criminalidade dita “organizada”, feitas para melhor entendimento do leitor, na tentativa de viabilizar uma visão um pouco mais ampla do enfoque criminal, o foco deste trabalho, como dito, será na criminalidade de massa. Por essa razão, passa-se a pormenorizar esta outra classificação e sua relação com o tema deste texto.

Diuturnamente, a criminalidade de massa afeta a vida do cidadão comum, através de inúmeras infrações perpetradas por criminosos que, não necessariamente, possuem vínculos organizacionais com facções ou associações criminosas.

A criminalidade de massa é identificável dentre os crimes definidos há muito na construção do direito penal moderno, tendo em vista que se trata de um fenômeno criminal caracterizado pela lesão a bens jurídicos bem definidos, como a vida, a integridade física e patrimônio (DINIZ, 2017, p. 185). Em que pese, como dito, o conceito de criminalidade de massa ser facilmente apreensível, ele possui especificidades que precisam ser trabalhadas.

Guinote (apud DINIZ, 2017, p. 185/186) menciona que “[...] inclui todos os tipos de crimes que são cometidos frequentemente e em que as vítimas são facilmente identificáveis”. Outrossim, o autor complementa que a criminalidade de massa abrange a pequena criminalidade (furto, dano, roubo, difamação, injúria etc.), crimes estes que apresentam elevados índices criminais. Ao contrário da criminalidade organizada, aqui a vítima é de fácil identificação, porém, o crime de massa afeta mais que somente o indivíduo vítima, “[...] exponenciando majoritariamente o índice de insegurança subjetiva”.

Nesta toada, Edilson Mongenot Bonfim (apud MORAES, 2008, p. 53):

A criminalidade de massa atinge a todos, enquanto a criminalidade organizada costuma ter endereço fixo. Uma desserve a todos diretamente, outra pode atingir igualmente a todos, mas indiretamente. Uma é clara e induvidosa, antiga e identificável, mas até então, insanável. Outra é mais moderna e mais modista, por vezes sombria e sem identificação, mas que está na pauta de todas as discussões sobre criminalidade no exterior, buscando lhe eficazmente uma solução.

É fundamental que não se confunda os conceitos de criminalidade de massa e organizada, na visão de Hassemer (2007, p. 140) há clara distinção entre estas modalidades de criminalidade:

Em se tratando da criminalidade organizada, o Estado não sabe ao certo no que consiste e, dessa forma, não sabe como combatê-la. Sabe-se apenas que é algo altamente “explosivo”, representada, em regra, por uma gama de infrações penais sem vítimas imediatas ou com vítimas difusas, de forma que não há como chegar a ocorrência do delito ao conhecimento da autoridade pelo particular. Ademais, quando existem vítimas, nota-se a intimidação destas para que os delitos também não cheguem ao conhecimento da autoridade. Também dispõe de múltiplos meios de disfarce e simulação. Por outro lado, em se tratando da criminalidade de massa, embora o Estado tente combatê-la, não consegue de forma adequada.

Conforme alerta Cezar Roberto Bitencourt (1995, p. 123/124):

Criminalidade de massa compreende assaltos, invasões de apartamentos, estelionatos, roubos e outros tipos de violência contra os mais fracos e oprimidos. Esta criminalidade afeta diretamente a toda a coletividade, quer como vítimas reais, quer como vítimas potenciais. Os efeitos desta forma de criminalidade são violentos e imediatos: não são apenas econômicos ou físicos, mas atingem o equilíbrio emocional da população e geram uma sensação de insegurança. A definição conhecida de criminalidade organizada é extremamente abrangente e vaga, e ao invés de definir um objeto, aponta uma direção.

Todavia, de acordo com Ana Luiza Almeida Ferro (2009, p. 328), é necessário advertir que, embora as criminalidades organizada e de massa sejam fenômenos distintos, existem um ponto de convergência entre eles:

[...] é quando a segunda é decorrente da primeira, que aparece como geratriz, de sorte que, a despeito de constituírem diferentes tipos de criminalidade, da organização criminosa deriva parte da criminalidade de massas.

Clécio Lemos, tradutor da obra “Crime de colarinho branco: versão sem cortes” (apud SUTHERLAND, 2015, p. 12), na apresentação desta, expõe que foi o sociólogo americano Edwin Sutherland quem tornou popular a expressão “crime de colarinho branco”, trazendo à percepção popular as práticas perpetradas pelos poderosos. Historicamente as indústrias possuíam divisão entre os operários, trabalhadores braçais, os quais utilizavam uniformes fabris, em sua maioria de cor azul, e trabalhadores intelectuais, de classe social mais privilegiada, que usavam camisas. Daí a origem das expressões crimes de “colarinho azul” e “crimes de colarinho branco” (CUNHA, 2016, p. 175).

No ensaio “Estado, economia e direito penal: o direito penal tributário no liberalismo, no wellfarestate e no neoliberalismo”, Davi de Paiva Costa Tangerino e Rafael BraudeCanterji (apud ANDREATO, 2013), assinalam que o objetivo de Sutherland em seus estudos relacionando o crime e o mercado, era:

[...] aplicar o conhecimento já avolumado pela Escola de Chicago à criminalidade das classes altas, atentando para o fato de que as estatísticas à disposição derivam das instituições oficiais (o que Zaffaroni chamaria de sistema punitivo institucionalizado) e apontam uma concentração dos crimes nas classes socialmente desfavorecidas, razão porque haveria, em Chicago, uma inter-relação entre pobreza amplamente considerada e criminalidade. Assim, seus antecessores teriam cometido um sério erro de amostra: teriam negligenciado os comportamentos de homens de negócios.

No julgamento da Ação Penal n.º 470 no Supremo Tribunal Federal, que ficou popularmente conhecido como “Caso do Mensalão”, o Ministro Luiz Fux valeu-se destas expressões em seu voto:

[...] o desafio na seara dos crimes do colarinho branco é alcançar a plena efetividade da tutela penal dos bens jurídicos não individuais. Tendo em conta que se trata de delitos cometidos sem violência, incruentos, não atraem para si a mesma repulsa social dos crimes do colarinho azul.

No que tange os “crimes de colarinho branco”, a doutrina se refere à “cifra dourada” para representar a situação de impunidade provocada por omissão ou falta de comunicação e registro de condutas criminosas, nas quais o poder político e econômico pode vir a fomentar elevado grau de impunidade (PENTEADO FILHO, 2012, p. 79).

A criminalidade de massa ou “crimes de colarinho azul”, como preferir, reporta a delitos praticados, em linhas gerais, por indivíduos menos afortunados financeira, social e intelectualmente. Esta classificação mantém certa relação com a chamada “cifra negra” da criminalidade, a qual remete aos crimes ditos “comuns” ou “de rua”, cuja prática usualmente é associada à parcela mais pobre da população e é mais frequente uma carência de comunicação às autoridades.

Acerca da diferenciação da “criminalidade real” e da “cifra negra”, Nestor Sampaio Penteado filho (2012, p. 78):

Nesse sentido, convém diferenciar a criminalidade real da criminalidade revelada e da cifra negra: a primeira é a quantidade efetiva de crimes perpetrados pelos delinquentes; a segunda é o percentual que chega ao conhecimento do Estado; a terceira, a porcentagem não comunicada ou elucidada.

Em seu turno, Alessandro Baratta (1999, p. 165) conceitua “cifra negra” como sendo:

[...] um campo obscuro da delinqüência", consistindo na "existência de um bom número de infrações penais, variável segundo a sua natureza, que não seria conhecido ‘oficialmente”, nem detectado pelo sistema e, portanto, tampouco perseguido.

Em síntese, a cifra negra representa os casos que não chegam ao conhecimento das autoridades públicas, demonstrando que os níveis de criminalidade são muito maiores do que os oficialmente registrados.

Na visão de Eduardo Cabette (2007), as estatísticas criminais, com sua incapacidade de retratar a realidade criminal, somente servem para fomentar políticas criminais equivocadas, que acabam atacando pontos menos relevantes e deixando de lado questões realmente importantes para a edificação de uma sociedade igualitária e pacificada, aumentando o sentimento de insegurança no seio coletivo.

As sensações populares de desproteção e debilidade dos mecanismos estatais de coerção, advindas pela prática de crimes violentos, com vítimas reais ou potenciais, que assolam a todos de forma diária, são próprias da criminalidade de massa (roubos, furtos, homicídios, tráfico de drogas etc.). Hassemer (2007, p. 142) aduz que o sentimento de insegurança da população e o crescente medo são influenciados mais pela criminalidade de massa e muito menos pela criminalidade organizada, que representa mais obscuro e a qual quase não tangencia a experiência cotidiana.

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A criminalidade de massa afeta frontalmente a população, seja de forma direta, quando a atinge como vítima, seja quando faz surgir na sociedade uma sensação de ameaça intensa, constante e difusa, denotando ao cidadão a incapacidade do Estado em coibir e controlar a criminalidade.

Dados do “Altas da Violência de 2018” (2019), produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, denotam o quadro alarmante do crescimento contemporâneo da criminalidade de massa na sociedade brasileira. De acordo com a publicação, em 2017, ocorreram 65.602 homicídios no Brasil, o que equivale a uma taxa de aproximadamente 31,6 mortes para cada cem mil habitantes, trata-se do maior nível histórico de letalidade violenta intencional no país.

Nesta esteira, conforme informações do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2018, as maiores taxas de homicídios por 100 mil habitantes foram identificadas nos estados do Rio Grande do Norte (68,0), Acre (63,9) e Ceará (59,1). De outro lado, as menores taxas remontam a São Paulo (10,7), Santa Catarina (16,5) e Distrito Federal (18,2). Além disso, foram catalogados 2.460 latrocínios no território nacional, 61.032 estupros.

Segundo relatório intitulado “Better Life Initiative” da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (2019), o número de assaltos no Brasil é cerca de duas vezes maior que a média mundial e o índice de homicídios no país é quase 10 vezes maior do que a média. Ademais, o medo do crime também é um indicador relevante, cerca de 40% dos entrevistados se sentem seguros para andarem sozinhos na rua à noite, menos do que a média de 67% do restante do mundo.

Nesta perspectiva, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, no Suplemento de Vitimização e Justiça da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, já apontava em 2009 que 77 milhões de brasileiros possuíam medo de andar pelas ruas em razão da violência urbana. Número estarrecedor também no que tange à insegurança no interior do lar, um para cada cinco brasileiros se sentia inseguro no interior de sua habitação (2010).

Luís Fernandes e Ximene Rêgo (2011) assinala:

Ora, demonstra-o a literatura especializada, é a pequena criminalidade de rua que alimenta, em grande parte, o medo à cidade, através da circulação do rumor sobre a sua proliferação. O crime estaria a invadir a vida quotidiana, mesmo quando não o vemos – mas vemo-lo através de uma espécie de contaminação, já que sentimos medo ao sentir que os outros o sentem. O rumor insecurizante foi invadindo as grandes cidades e, depois, as cidades de menor escala, à medida que se iam repetindo as notícias sobre assaltos um pouco por toda a parte: já não é apenas no cenário da grande cidade que os factos ocorrem, mas dum modo mais disseminado, desde montes alentejanos até pequenas dependências bancárias de vilas do interior, passando pelas gasolineiras em muitos pontos do país, numa espécie de demonstração mediática de que a criminalidade se dispersou e de que ninguém está seguro em parte alguma.

A busca por aplacar o sentimento de insegurança acaba por contornar problemática tão relevante quanto o enfrentamento à criminalidade em si, devendo ser encarada com seriedade e ciência, utilizando-se para tanto dos resultados obtidos em sérias pesquisas criminológicas.

Para Renato Topan, em sua obra “Insegurança Urbana: o papel do direito urbanístico nas políticas públicas de segurança”, o crime, o medo do crime e a violência são temas que ocupam cada vez com mais frequência a pauta de debates da sociedade civil (2010, p. 5). A sensação de insegurança vivida e vivenciada com especial destaque nos centros urbanos tem se tornado cada vez mais capilarizada no tecido social e não parece regredir, mesmo com medidas de políticas criminais mais severas.

O autor, abordando os fatores de insegurança e seu reflexo urbano (TOPAN, 2010, p. 41), insere como principais fatores relacionados à sensação de insegurança urbana a violência e o crime, que pela gravidade ou frequência que ocorrem, contaminam a cidade, agravando de sobremaneira a qualidade de vida da população.

1.2. A influência tecnológica na criminalidade de massa

Em junho de 2012, quando o Uruguai sofria com o avanço de 70% no número de homicídios, o então Presidente José Mujica anunciou um pacote de medidas com foco na redução da criminalidade, baseado em pesquisas conduzidas pela equipe presidencial. O documento denominado “Estratégia pela vida e convivência”, continha 15 medidas, entre as quais operou-se a proibição de exibição de programas policiais entre as seis horas da manhã e dez da noite, sob a alegação de que essas atrações televisivas promoveriam atitudes ou condutas violentas e discriminatórias (CARVALHO, 2015).

O pesquisador do Departamento de Computação do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo, Valdemar W. Setzer, em seu estudo “Efeitos negativos dos meios eletrônicos em crianças, adolescentes e adultos” (2011), elenca alguns fatores maléficos desta interação, entre os quais o autor aponta o aumento da agressividade e do comportamento antissocial.

Atos de agressão e violência são transmitidos pela mídia diariamente, ao ponto que o “American Medical Association” ter estimado que uma criança de cerca de 10 a 11 anos de idade já teria visto em média oito mil mortes e mais de cem mil atos de agressão na televisão. Já um jovem de 18 anos teria visto trinta e dois mil assassinatos e quarenta mil tentativas de morte no mesmo veículo (SETZER, 2011).

Valdemar Setzer (2011) cita trabalho de Uhlmann e Swanson, no qual cento e vinte e um jovens universitários, com idade de dezoito anos, foram submetidos a dez minutos de um jogo violento de computador ou a um jogo de quebra-cabeças. De acordo com os resultados obtidos, foram constatados efeito significativo de jogos violentos com associações mentais inconscientes agressivas, ao passo que as respostas a questionários, feitos em estado de consciência, não mostraram essa correlação. Em sua visão, estes resultados comprovariam sua teria de que “em situações de emergência, de raiva profunda ou de stress, em que o sujeito age inconscientemente, sua ação pode seguir as que foram condicionadas pela TV ou pelos jogos eletrônicos”.

Em outro estudo citado por Setzer (2011), foram examinadas 4500 crianças de seis a dez anos e seu o comportamento agressivo aproximadamente quinze anos depois, cujas conclusões foram:

[...] a correlação entre violência na TV e agressão infantil ou em adolescentes foi demonstrada de maneira não-ambígua. Já foi claramente confirmado que, no curto prazo, a exposição à violência causa um aumento no comportamento agressivo imediato. Esses efeitos foram obtidos repetidamente tanto para meninos como meninas. Os poucos estudos longitudinais também sugeriram que existe um efeito a longo prazo da exposição na primeira infância sobre a agressão mais tarde na infância, na adolescência (teenyears) e, menos fortemente, na idade adulta. [...]"Pode-se ver que tanto para o sexo masculino como para o feminino, assistir violência na TV na infância está significativamente correlacionado com a medida composta de agressão adulta 15 anos depois. ... Pode-se concluir desses quadros que as correlações entre ver violência na TV na infância e a agressividade adulta resultam em grande parte do comportamento mais agressivo dos adultos que viam mais violência como crianças. Além disso, a percepção infantil de que a violência na TV reflete a vida real e a identificação da infância com personagens televisivos violentos do mesmo sexo correlaciona significativamente com agressão adulta 15 anos depois.

Estes trabalhos indicam graves prejuízos sociais relacionados ao consumo de televisão por crianças e adolescentes, mas, Setzer (2011) retrata ainda a problemática da superexposição a outras mídias digitais, como o caso dos “vídeo games” violentos e a indução à agressividade, trazendo as correlações construídas por Spitzer (2005 apud SETZER, 2011):

Estudos feitos com as modernas técnicas de tomografia mostram que o videogame ativa e exercita mais áreas do cérebro do que as outras atividades de lazer. O hipocampo e o córtex pré-frontal trabalham incessantemente para decorar manobras, truques e senhas necessários para passar de fase, o que, segundo os especialistas, aperfeiçoa a memória do jogador.

Os psicólogos e pesquisadores Thiago Virgílio da Silva Stroppa, Daniel Alexandre Gouvêa Gomes e Lélio Moura Lourenço, em estudo de revisão sistemática de literatura editado na publicação “Psicologia em Revista”, selecionaram quarenta e cinco artigos, escolhidos entre os autores que mais publicaram dentro da temática da relação entre videogames e agressividade entre os anos de 2008 e 2013. Dentre os quais, trinta e sete apoiavam o viés de que existe uma relação entre jogos violentos e a agressividade/violência do jogador, aproximadamente 82,22%(STROPPA; GOMES; LOURENÇO, 2017, p.1027).

Por outro lado, a Universidade de Oxford, Inglaterra, divulgou o estudo “Violentvideo game engagementisnotassociatedwithadolescents' aggressivebehaviour: evidencefrom a registeredreport” dos pesquisadores Andrews K. PrzyBylski e Netta Weinstein, em que afirmam não terem encontrado relação entre jogos que contém violência com o gatilho para o comportamento agressivo. Outrossim, a Associação Americana de Psicologia desenvolveu pesquisa que atesta que videogames podem melhorar o aprendizado de crianças, saúde e promover benefícios sociais (TEIXEIRA, 2019).

Quando da ocorrência do caso da Escola Estadual Professor Raul Brasil, na cidade de Suzano, em 13 de março de 2019, em que dois atiradores, ambos ex-alunos do estabelecimento de ensino, dispararam e mataram cinco estudantes e duas funcionárias, tendo assassinado o tio de um deles anteriormente e, por fim, um dos atiradores matado seu comparsa e em seguida cometido o suicídio, o Vice-presidente da República General Hamilton Mourão afirmou que o ocorrido teve a influência de videogames violentos e à falta de atividades educativas para crianças e adolescentes1.

À época, o portal “The Enemy” realizou uma entrevista com a pesquisadora Beatriz Blanco, a qual ponderou que culpar videogames por violência seria uma saída mais confortável (PINHEIRO, 2019):

Eu acho que a tendência em procurar culpados nesses momentos de tragédia existe porque a situação é tão horrível e absurda que parece que precisamos acreditar que ela só pode ter sido causada por um elemento externo e poderoso. Hoje são os games, mas já foram os quadrinhos, a televisão, etc. Em relação aos videogames especificamente, o consumo deles ainda é bem atrelado a crianças e adolescentes no senso comum (embora quando analisamos estudos demográficos sobre jogos essa visão não se sustenta, já que o gamer médio tem mais ou menos 30 anos) e o "mundo dos jovens" é sempre colocado como exótico e até meio bizarro, fora da compreensão dos adultos e cheio de perigos. Aí acaba sendo uma saída mais confortável considerar games violentos culpados sem levar em conta o isolamento social e sofrimento psicológico que muitas vezes essa mesma cultura acaba impondo sobre os jovens.

O crime, que ficou conhecido como “Massacre de Suzano”, merece menção neste trabalho, na medida em que foram apontados diversos aspectos ligados à interação dos homicidas com as mídias digitais, uma vez que um dos atiradores postou,, em suas redes sociais fotos em que aparecia trajando máscara de caveira (a mesma que vestia no momento da prática criminosa), portava a arma de fogo por ele utilizada e fazia um símbolo de arma com sua mão na cabeça2.

As investigações da Polícia Civil de Estado de São Paulo apontaram que a ação dos dois criminosos se deu por busca de reconhecimento por parte da comunidade e exposição midiática. Para o Delegado Geral Rui Ferraz Fontes, eles “queriam demonstrar que podiam agir como em ‘Columbine’, com crueldade”3.

A imprensa brasileira dedicou atenção intensa ao caso, com ampla cobertura em todas as mídias possíveis, revelando os nomes dos atiradores, suas fotografias, residências, buscando entrevistas com familiares etc., ou seja, tornando-os conhecidos do grande público, acabando por, de uma forma transversa, atender ao anseio de visibilidade dos autores.

Vale, então, a lembrança e menção das lições de Newton e Walter Fernandes (1005, p. 408):

De sorte que os meios de comunicação de massa, notadamente os jornais e televisão, além de divulgarem com mórbido alardeio a imagem dos crimes e dos criminosos, não raro de maneira complacente e amistosa, também propagam em suas minudências os meios e as técnicas de consecução dos delitos

O “Institute for the Study of Labour”, organização sediada em Boon, Alemanha, publicou estudo de Michael Jetter, professor da Faculdade de Economia e Finanças da Universidade EAFIT de Medellín Colômbia, que apontou evidência de que a demasiada cobertura dada pela mídia a atos terroristas não inibe esse tipo de violência, ao contrário, provoca novas ações semelhantes. A pesquisa analisou mais de sessenta mil ataques terroristas entre 1970 e 2012, tendo como base as notícias publicadas no “New York Times”, estimou-se que uma notícia deste jornal em determinado país aumentou em 11% a 15% o número de ataques que se seguiram nesse país após a publicação da matéria (SACKS, 2015).

Vê por este mesmo prisma o professor do Centro de Estudos sobre os Estados Unidos da América na Universidade de Sidney, Adam Lockyer, que entende que “os meios de comunicação são o oxigênio do terrorismo. Sem eles, os terroristas seriam sufocados e morreriam”. Para ele, um dos principais objetivos do terrorismo é enviar sua mensagem para o máximo de pessoas: "Se a mídia aprendeu a cobrir o terrorismo, diria que foi uma vitória para Osama Bin Laden. Se você quiser pará-los, a primeira coisa que deve fazer é enfraquecer a cobertura" (VALDUGA, 2011).

Vale a lembrança à esta altura, após as considerações feitas sobre a criminalidade de massa, que os delitos relacionados com o terrorismo não podem ser encaixados perfeitamente, a princípio, na conceituação da criminalidade de massa. Todavia, cabe a reflexão no que tange o comportamento da mídia nestes casos, na tentativa de traçar um paralelo entre estas situações.

Outro aspecto das mídias digitais atuais que vem alarmando a todos é a disseminação do discurso de ódio e intolerância nas redes sociais, que podem resultar, por si só, em delitos contra a honra e dignidade das pessoas, mas também no cometimento de crimes mais graves como agressões e homicídios. Levantamento realizado pelo projeto “Comunica que Muda”, o dossiê “Intolerâncias visíveis e invisíveis no mundo digital”, analisou dados acerca de mensagens e textos sobre temas sensíveis (como racismo, posicionamento político, homofobia etc.) obtidos nas redes sociais “Facebook”, “Twitter” e “Instagram”, além de páginas de “blogs” e comentários de “sites” da internet. Foram analisadas 542.781 menções, sendo que o percentual de abordagens negativas aos temas pesquisados foi superior a 84%. (PEREIRA; COSTA; CESPEDES; JORGE, 2016, p.4).

São alarmantes os percentuais de menções negativas em relação aos temas pesquisados: Racismo - 97,6%; Política 97,4%; Classe social – 94,8%; Aparência – 94,2%; Homofobia – 93,9%; Deficiência – 93,4%; Idade/Geração – 93,4%; Religiosa – 89%; Misoginia – 88%; Xenofobia – 84% (PEREIRA; COSTA; CESPEDES; JORGE, 2016, p. 5).

Para Bob Vieira, diretor executivo da “Agência Nova S/B”, responsável pela edição do dossiê:

Ao contrário do que muita gente acha, o Brasil é intolerante. A cada 23 minutos, um jovem negro é assassinado no país; a cada 11 minutos, uma mulher é estuprada. As redes sociais fazem nada mais que amplificar esse ódio, reafirmar os preconceitos que as pessoas já têm (MATSUURA, 2016).

Orkut Büyükkökten, criador da rede social que levava seu nome, acredita que um dos motivos que explicam o crescimento dos discursos de ódio na internet é a cultura do narcisismo, pois estamos “cercados de espelhos, que refletem não verdadeiramente como nos sentimos, mas o que queremos que o mundo veja em nós”. Para ele, na “vida real”, vivida fora do ambiente virtual, as pessoas tendem a segurar suas opiniões e expressões preconceituosas e agressivas, por medo das consequências, mas “as mídias sociais deixaram o ‘bullying’ mais fácil, por que é mais simples intimidar alguém e não ter consequências. Além disso, é possível a criação de perfis falsos que tornam as pessoas anônimas, em um primeiro momento, podendo atacar umas às outras sem medo de represálias (GNIPPER, 2017).

Sigmund Freud, em 1921, quando publicou “Psicologia das massas e análise do eu”, explicou que a mentalidade das pessoas tende a mudar quando elas estão inseridas em um grupo no qual há uma busca por aceitação. Deste modo, quando em massa, o sujeito não responde mais a determinadas situações da mesma maneira como faria de forma individual (apud GNIPPER, 2017).

Em 1971, o psicólogo britânico Philip Zimbardo realizou experiência em que demonstrou em seis dias (inicialmente o experimento deveria durar quatorze dias) como o ser humano perde o controle sobre si quando passa a ter mais poder do que está acostumado. O experimento foi batizado de “Prisão de Stanford” e consistia na divisão de vinte e quatro voluntários, mentalmente saudáveis, em dois grupos: guardas e presidiários. Os guardas deveriam manter a ordem, enquanto os prisioneiros deveriam se rebelar contra o sistema. Entretanto, em pouco tempo os guardas passaram a agir com brutalidade contra aqueles que anteriormente eram seus amigos, tornando-se sádicos e algozes dos companheiros. A essa força que, eventualmente, faz os homens cruzarem a fronteira e tornarem-se o que não eram, Zimbardo chamou de “Efeito Lúcifer” (SALLES, 2015, p. 6/7).

As conclusões do experimento indicam que são as circunstâncias, e não a índole individual, portanto, em determinadas situações, algumas pessoas consideradas boas são capazes de cometer as mais diversas atrocidades. Este efeito acontece de forma semelhante na “internet”, onde as pessoas se sentem livres para expressar seus pensamentos, valendo-se do pretenso anonimato digital e da distância física do ser atingido por suas ações, o que acaba por desumanizá-lo, uma vez em que o agressor não toma contato direto com as reações e efeitos causados no agredido. Comportamento este que abandona os freios limitadores que permeiam a vida social, agindo sem respeito mínimo aos direitos do outro.

A psicóloga Lúcia Ferreira Silva, em sua investigação intitulada “Crime, ostentação e afetividade: um estudo psicossocial sobre o adolescente em conflito com a lei”, aponta que os dados obtidos mostraram que um dos motivos apresentados para ingresso dos adolescentes no mundo do crime é a busca por poder de consumo e como consequência disso a conquista de reconhecimento, “o ser é substituído pelo ter e ostentação e luxo são os valores que orientam a atividade desses jovens” (2014, p. 6).

Conforme Zaluar (apud SILVA, 2014, p. 90), a vida do crime é a entrada possível para a sociedade de consumo, onde o jovem é estimulado a consumir e construir sua identidade pelo o que veste e pelo o que tem.

Ao longo da pesquisa, os jovens entrevistados falavam em “sair da invisibilidade”, conquistarem o olhar do outro. Porém, estes jovens não se tornam visíveis por estarem envolvidos na criminalidade, mas sim pelo o que o crime proporciona a eles, o que a maioria define como “dinheiro fácil”, que pode garantir certos bens de consumo que os tornam dignos de admiração e inveja:

Para esses adolescentes, fica claro que o ser está diretamente ligado ao ter. atualmente, com o movimento do funk ostentação, essa questão só tem sido reforçada. Os conteúdos das letras falam sobre carros, motos, roupas de marca, mulheres e os adolescentes acabam se identificando com tais letras e tudo aquilo que é cantado se torna de desejo e ostentar é a palavra de ordem para esses jovens (SILVA, 2014, p. 94).

Remetemo-nos ao que já fora dito acerca do trabalho de Bauman e o consumismo na pós-modernidade, que denota clara ligação com o relato desses jovens, uma vez que, segundo o autor, consumir significa investir na afiliação social de si próprio e o principal motivo que estimula as pessoas a consumirem é “sair dessa inviabilidade e imaterialidade cinza e monótona, destacando-se da massa de objetos indistinguíveis” (2008, p. 21).

O chamado “funk ostentação”, vertente musical do “funk” brasileiro que expressa em suas letras tema como a ostentação de dinheiro, luxo e poder, cujos videoclipes possuem números altíssimos de acessos no “YouTube” e as canções estão entre as mais executadas em aplicativos musicais. Decorrente disso, parcela da sociedade e mídia passou a questionar a relação entre este estilo musical e inclinação de jovens à criminalidade, como forma de acesso a dinheiro e bens negados por sua condição social (FURQUIM; FILMA, 2015, p. 164).

Rafael Alcadipani (2015, p. 52), inicia seu artigo “Rolezinhos, marcas e funk ostentação” relatando que, certa feita, enquanto realizava pesquisa de campo junto ao trabalho policial, presenciou quando um jovem da periferia chegou preso a um Distrito Policial, enquanto aguardava para ser retirado da viatura, o preso desenho um cifrão no vidro embaçado do veículo, um dos símbolos do “funk” ostentação.

Na visão de Alcadipani (2015, p. 53), o estilo musical parece traduzir a recusa à posição social subalterna, mostrando o desejo dos jovens de participar dos símbolos da vida abastada. Para o autor, essa periferia que ostenta parece estar ligada às recentes melhoras no padrão de vida da população mais pobre e à diminuição dos índices de pobreza, somando-se a isso a percepção diferenciada de crime e criminalidade nas periferias, onde o tráfico de drogas, roubo de carros e outros delitos fornecem identidade a muitos jovens com acesso restrito à educação de qualidade e à progressão social verdadeira.

É inegável que o avanço tecnológico das mídias digitais trouxeram ao cidadão grandes comodidades, como a possibilidade de pagar boletos, fazer compras, acessar sua conta bancária e efetuar as transações que necessita na tranquilidade de seu lar. Entretanto, é crescente o número de pessoas que acabam se tornando vítimas de um novo tipo de criminoso, o “estelionatário digital”.

De acordo com dados trazidos pela Central de Polícia Judiciária da cidade de Bauru, cerca de 30% dos registros de estelionatos são de condutas praticadas em ambiente digital. Para o Delegado de Polícia Rogério Dantas, titular da unidade citada, o aumento do “estelionato digital” é notório uma vez que a criminalidade acompanha a evolução dos sistemas e costumes sociais (G1, 2018).

Conforme indicador do “Serasa Experian” de tentativas de fraude, no Brasil, de janeiro a setembro de 2017, houve 1,478 milhão de tentativas, um crescimento de 10,7% em relação ao mesmo período do ano anterior, quando o acumulado atingiu 1,335 milhão, isso representa uma tentativa de fraude a cada 16 segundos (G1, 2018).

Estes números preocupantes levaram o Comitê Gestor da Internet no Brasil, através do Centro de Estudos, Resposta e Tratamento de Incidentes de Segurança no Brasil, a editar a Cartilha de Segurança para Internet, na qual lista os principais modos de golpes pela internet e indica modo de precaução (BRASIL, 2012, p. 6/16):

  1. “Identifytheft” (Furto de identidade): ato pelo qual uma pessoa tenta se passar por outra, atribuindo-se falsa identidade, com o objetivo de obter vantagens indevidas. A melhor forma de impedir que sua identidade seja “furtada” é evitar o acesso de seus dados e contas por terceiros, sendo mais cuidadoso com suas senhas de acesso, tanto ao usá-las como ao elaborá-las.

  2. “Advancefeefraud” (Fraude de antecipação de recursos): quando um golpista induz uma pessoa a fornecer informações confidenciais ou a realizar um pagamento adiantado, com a promessa de futuramente receber algum tipo de benefício. A prevenção mais eficiente seria identificar mensagens contendo estas tentativas de golpes, atentando-se à oferta de quantias astronômicas de dinheiro, quando é solicitado sigilo na transação e rápida resposta, quando apresenta palavras como “urgente” e “confidencial” no campo de assunto do e-mail, a presença de erros gramaticais (muitas mensagens são escritas por meio de programas tradutores e podem apresentar erros). Além disso, o usuário deve adotar uma postura preventiva, questionando por que foi o tal escolhido para receber este benefício e como chegaram até ele, desconfiar de situações onde é necessário efetuar um pagamento com a promessa de receber valor maior (afinal de contas, as despesas poderiam ser descontadas do valor final).

  3. “Phishing”: do inglês “fishing”, vem de uma analogia criada pelos fraudadores, onde as mensagens eletrônicas funcionam como iscas, utilizadas para “pescar” senhas e dados financeiros de usuários da Internet. E o tipo de fraude na qual um golpista tenta obter dados pessoais e financeiros de um usuário, pela utilização combinadas de meios técnicos e engenharia social. Ocorre por meio de mensagens eletrônicas que tentam se passar pela comunicação oficial de uma instituição conhecida, como um banco, empresa ou “site” popular, buscando atrair a atenção do usuário, por curiosidade, caridade ou possibilidade de obtenção de alguma vantagem. Para seu intento, o fraudador induz o usuário ao fornecimento de dados pessoais e financeiros, por meio do acesso a páginas falsas, a instalação de códigos maliciosos, projetados para coletar informações sensíveis e do preenchimento de formulares contidos na mensagem ou páginas. Para que não seja vítima, o usuário deve ficar atento a mensagens recebidas em nome de uma instituição que tentem induzi-lo ao fornecimento de informações, instalação ou execução de programas, ou clicar em “links”, questionando-se o motivo pelo qual instituições com as quais ele não tem contato estão lhe enviando mensagens, como se houvesse relação prévia entre eles. Além disso, o usuário deve instalar mecanismos de segurança em seus dispositivos e verificar conexões seguras nos sites em que insere seus dados.

  4. “Pharming”: corresponde à uma espécie de “phishing” que envolve a redirecionamento da navegação do usuário para “sites” falsos, por meio de alterações no serviço de DNS (“Domain Name System”). Neste caso, quando ao tentar acessar um “site” legítimo, o navegador “web” for redirecionado, de forma transparente, para uma página falsa, o que deve gera desconfiança por parte do usuário, que deverá verificar se a conexão do “site” é segura.

  5. Golpes de comércio eletrônico: aqueles em que os golpistas, com o objetivo de obter vantagens financeiras, exploram a relação de confiança existente entre as partes envolvidas em uma transação comercial. Estes golpes podem ocorrer pela criação deum “site” fraudulento de comércio eletrônico, fraudes em compras coletivas e leilão. Número crescente são os golpes em sites de vendas de produtos, onde o comprador ou o vendedor age de má-fé não cumprindo as obrigações acordadas ou utiliza os dados pessoais e financeiros envolvidos na transação comercial para outros fins.

  6. “Hoax” (Boatos): uma mensagem de conteúdo alarmante ou falso, cujo remetente geralmente é uma instituição, empresa importante ou órgão governamental, que podem conter códigos maliciosos, ter a intenção de espalhar desinformação, comprometer a credulidade de pessoas ou entidades etc. Por meio de uma leitura minuciosa de seu conteúdo é possível, normalmente, identificar informações sem sentido e tentativas de golpes.

A maior parte dos golpes que possuem como vítimas o usuário comum de internet ocorrem na “Surface Web” ou “web da superfície”, que corresponde aos sites cujo acesso pode ocorrer por indexação de qualquer buscador, como “Bing”, “Google” ou “Yahoo”. Todavia, existem camadas mais profundas na internet, cujo acesso é mais dificultoso e o anonimato mais garantido, oferecendo terreno fértil para uma infinidade de práticas delitivas.

Alesandro Gonçalves Barreto e Hericon dos Santos, autores da obra “Deep Web: investigação no submundo da internet”, apontam como crimes mais comuns cometidos na “Deep Web” o tráfico de drogas, de armas, o abuso e exploração sexual infantil e a violação de direitos autorais (BARRETO; SANTOS, 2019, p. 81/102).

A “Deep Web” é composta por sites não indexados, portanto, não é possível acesso através de sites de busca, isto significa que as informações ali existentes somente serão acessadas por quem realmente a deseje. O usuário que faz este tipo de acesso, geralmente, utiliza-se de redes criptografadas, que ocultam sua identidade, como o “Tor”, “I2p” e o “FreeNet”, softwares que funcionam como os mais famosos navegadores, com a diferença de que as informações de IP e demais dados do usuários são ocultadas. Fala-se, ainda, em “Dark Web”, a chamada “zona escura” da internet, onde a criptografia é extremamente complexa, permitindo que apenas usuários avançados consigam acesso. Nesta área tudo é anônimo e sempre criptografado, o acesso se dá somente por meio das citadas redes ocultas (BARROS, 2018).

Na “Deep Web” não existem filtros, como os disponíveis nos buscadores da “Surface Web”, o que possibilita acesso a vídeos e fotos de crimes, assassinatos, estupros, experiências ilegais, crueldade com animais, pedofilia, venda de drogas, tutoriais de como fazer explosivos, oferta de serviços ilegais. O simples acesso a ele é considerado crime em muitos países, porém, também é possível utilizá-la para ampliação de conhecimento, posto que existem áreas com livros, vídeos e tutoriais de todo mundo. As transações neste tipo de mercado online se dá em criptomoedas, pois oferecem privacidade e anonimato (MARCON; DIAS, 2014, p. 238).

Para se ter ideia do que é possível adquirir na “Deep Web”, o site “SilkRoad”, cujo criador, Ross Ulbricht, foi condenado à prisão perpétua nos Estados Unidos, era possível encomendar drogas, armas, assassinatos e, até mesmo, “bonecas humanas”. Essa espécie de venda online ilegal é conhecida como “marketplacejunkie”, em tradução livre “mercado de viciados”, uma vez que a expressão “junkie” refere-se a adictos em drogas e/ou álcool (YUGE, 2019).

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Sobre o autor
Sandro Vergal

Delegado de Polícia Civil do Estado de São Paulo, Professor Universitário e de Cursos Preparatórios, Mestre em Direitos Sociais, Difusos e Coletivos, pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal, pós-graduando em Balística.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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