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Sociedade de propósito específico.

Natureza e aplicação

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Agenda 14/12/2007 às 00:00

Com a Lei nº 11.079/2004, que instituiu as Parcerias Público-Privadas (PPPs), veio à tona um instituto de nome até então desconhecido: a Sociedade de Propósito Específico (SPE).

Sumário: 1 Introdução; 2 SPE: paralelos e natureza; 2.1 Consórcio; 2.2 Joint venture; 2.3 SPE; 3 SPE: aplicação; 3.1 No âmbito das PPPs; 3.1.1 Breves comentários sobre as PPPs; 3.1.2 Regime jurídico das SPEs; 3.2 No âmbito das recuperações judiciais de empresas; 3.2.1 Breves comentários sobre as recuperações de empresas; 3.2.2 SPE como meio de recuperação; 4 Conclusão; 5 Referências.


1 Introdução

Com a edição da Lei n. 11.079, de dezembro de 2004, que instituiu o regime das Parcerias Público-Privadas (PPPs), veio à tona um instituto de nome até então desconhecido pelo ordenamento jurídico nacional, qual seja: a Sociedade de Propósito Específico (SPE). Diante disso, torna-se necessário um estudo que busque esclarecer os contornos adquiridos por tal sociedade.

Para tanto, duas esferas serão relacionadas: a natureza do instituto e a sua aplicação conforme a legislação pátria.

Quanto à primeira esfera, observar-se-á que a SPE tem profunda intimidade com a já conhecida joint venture e, em menor escala, com o consórcio. A análise prévia destes dois institutos mostra-se, portanto, necessária para o entendimento do tema.

Em vista de seu campo de aplicação, a SPE está presente em duas operações de considerável relevância para a realidade brasileira. Trata-se das PPPs e das recuperações judiciais de empresas. Assim, analisar-se-ão as características mais fundamentais de cada operação, para depois apreciar a inserção das SPE nas duas hipóteses.


2 SPE:paralelos e natureza

A SPE mantém, a saber, profunda relação com institutos há muito conhecidos dentro e fora do Brasil. Trata-se, por exemplo, e sobretudo, da chamada joint venture. Há também certa proximidade com o consórcio, mas é principalmente a análise das diferenças entre ele e a SPE, e não de suas semelhanças, que proporcionará melhor compreensão do tema.

Assim sendo, far-se-á pequena consideração sobre os consórcios, do ponto de vista de sua aplicação aqui e no exterior. Em seguida, as joint ventures serão analisadas, com destaque para a sua modalidade corporation. E, no fim desta parte, o estudo buscará construir um modelo geral de SPE, com base nas observações precedentes.

2.1 Consórcio

De início, pode-se dizer que a estrutura de uma SPE não é inteiramente nova na experiência jurídica brasileira e internacional. Não se quer afirmar que ela já existia com as mesmas características que hoje possui. Não. A intenção é relatar que formações similares à SPE já estavam presentes no cotidiano jurídico-empresarial de muitos países, inclusive do Brasil.

Para ilustrar tal entendimento, tem-se a Portaria de n. 107, de 1967, emitida pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), que determinava a criação de um "consórcio-societário", de modo que a conjugação empresarial ali elencada se fizesse mediante a constituição de um ente dotado de personalidade jurídica e revestido sob uma das formas de sociedade comercial existentes. [01]

Para que haja um entendimento satisfatório da passagem legislativa citada acima, sabe-se que um consórcio, em si, tem duas características fundamentais: carência de personalidade jurídica distinta da de seus consorciados e união de interesses, recursos e capacitações técnicas visando à consecução de empreendimento específico.

Além disso, constata-se que as consorciadas se obrigam nos estritos limites contratuais, ou seja, a responsabilidade de cada uma está previamente delimitada no contrato consorcial, situação essa que refletirá na exigência por estruturas negociais do tipo de uma SPE. E, apesar de não possuir personalidade jurídica, o consórcio está munido de capacidade negocial e judicial, conforme disposição prévia.

Há, por fim, consórcios de duas modalidades, quais sejam: (a) os operacionais, quando o consórcio visa à agregação de meios para a realização de uma finalidade própria, e (b) os instrumentais, nos casos em que o consórcio serve precipuamente para contratar obras e serviços com terceiros. [02]

Assim, pode-se afirmar que um consórcio-societário, referido na Portaria de n. 107 do IBDF, nada mais é do que um consórcio revestido de personalidade jurídica. E uma das conseqüências dessa personalização é a responsabilização patrimonial. [03] Tal observação terá muita importância, mormente no campo da segurança jurídico-contratual, ponto que será mais bem debatido nas próximas linhas.

Em 1993, com a promulgação da Lei n. 8.666, que trata basicamente das licitações com a Administração Pública, esta passou a permitir que os licitantes criassem um consórcio entre si, ou melhor, o Estado passou a se contentar com a promessa, por parte dos licitantes, de constituição de um consórcio empresarial de propósito específico, com a destinação da liderança a uma das consorciadas, mas sem a formação de um ente com personalidade jurídica separada da das consorciadas. Ou seja, um consórcio de características comuns. A intenção dessa medida, na época, era potencializar a concorrência e exigir, por extensão, melhor preparo dos licitantes que eventualmente participassem dessa esfera concorrencial. [04]

Entretanto, esse cenário ainda representava grande risco, principalmente para a Administração Pública, pois, no caso de ocorrência de qualquer descumprimento das cláusulas contratuais ou de qualquer incidente que envolvesse responsabilidade civil, por exemplo, o Poder Público poderia acionar, em princípio e diretamente, somente a líder do consórcio, com quem efetivamente celebrou o contrato. Em relação às demais consorciadas, havia certa dificuldade em responsabilizá-las, visto que a responsabilidade das mesmas estava, por sinal, restrita pelas linhas contratuais. Percebe-se aí a insegurança decorrente da falta de personalidade jurídica do ente consorcial, pois a possibilidade de responsabilização patrimonial das consorciadas apresentava-se, em regra, fortemente reduzida.

Dessa forma, surgiu a Lei n. 9.074, de 1995, posterior e complementar à referida Lei de licitações e à Lei n. 8.987, também de 1995, sendo que o conteúdo desta última faz alusão à prestação e concessão de serviços públicos.

De acordo com a Lei n. 9.074, deve haver, no âmbito das operações de licitação, a constituição de um consórcio de natureza instrumental, ou seja, de um consórcio que servirá de meio para estabelecer contato com terceiros (que, no caso, compreendem a Administração Pública), sendo que (e é aqui que se encontra a inovação!), uma vez vencedor, o consórcio extinguir-se-á a fim de que se constitua, em seu lugar, uma SPE. Enfim, o consórcio vencedor será transformado numa sociedade personalizada e de objetivo determinado. [05]

Conclui-se, do exposto, que a Administração Pública brasileira caminha ultimamente na busca por maior credibilidade no tocante à celebração de seus contratos. Diante dos problemas trazidos pela ausência de personalidade jurídica dos consórcios, o Estado passou a determinar a criação de entes personalizados, a fim de maior segurança e transparência quanto à execução do negócio contratado, cuja extensão deve ser específica. Vê-se, portanto, uma postura que se volta para a implantação definitiva das SPEs no cenário brasileiro.

2.2 Joint venture

Joint venture, de origem norte-americana, corresponde a "uma associação de pessoas que combinam seus bens, dinheiro, esforços, habilidades e conhecimentos com o propósito de executar uma única operação negocial lucrativa" [06], tendo usualmente, embora não necessariamente, curta duração.

Existem, a saber, duas espécies de joint venture: a agreement e a corporation. Esta, ao contrário daquela, realiza seu empreendimento mediante a constituição de nova pessoa jurídica, de objetivo específico. Seria o chamado consórcio-societário, referido anteriormente. [07] Pode-se adiantar que é com a joint venture corporation que a SPE guarda profunda conexão e similitude.

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A joint venture não compreende uma forma legal de associação societária prevista na legislação nacional. Sendo assim, a sua constituição dar-se-á sob o manto de qualquer um dos modelos societários personificáveis, caso de uma sociedade anônima (S/A) ou de uma limitada (Ltda.). E é justamente esse revestimento que fornecerá à joint venture corporation personalidade jurídica. Isso porque tal instituto, em si, é despersonalizado. [08]

Segundo inclinação doutrinária, o controle da joint venture, seja ele representado por ações ou por quotas, deverá ser distribuído da maneira mais equilibrada possível entre os seus integrantes. O mesmo não se observa com a sua administração, que poderá ser exercida por grupo de membros, de forma mais individualizada. [09] Em se tratando do controle, ou melhor, de sua distribuição, há sensível diferença em relação à SPE, pois, no caso das PPPs, como se verá adiante, o controle societário deverá ser exercido, salvo raras exceções, pelo parceiro privado, e não pelo setor público.

O número mínimo de participantes de uma joint venture é, obviamente, 2 (dois), não havendo, por outro lado, uma fixação quanto ao número máximo. Porém, é comum observar que esse instituto não comporta grande número de membros. Estes, por sua vez, podem ser tanto pessoas jurídicas como pessoas físicas. Isto é, o contrato poderá ser estabelecido entre pessoas jurídicas ou entre uma pessoa jurídica e uma física (ou mais de uma). A participação de pessoas físicas não é usual; porém, inexistem impedimentos plausíveis. Quanto à essa discussão, no entanto, reconhece-se que não há unanimidade doutrinária. [10]

É comum observar a aplicação de uma joint venture especialmente em três operações, a saber: (a) expansão em novos mercados não-domésticos, em que, por exemplo, o investidor estrangeiro se alia a um parceiro local, aproveitando-se dos recursos e da experiência deste; (b) exploração de novos produtos, quando, por exemplo, empresas que possuem know-how suficiente para fabricar certo produto estabelecem parceria com outras que dominam a técnica publicitária; e, por fim, (c) execução de contrato de propósito específico, a fim de dividir não só a responsabilidade pelo empreendimento, mas também, e principalmente, o seu custo. Na seara deste último empreendimento, surgiram as bases da SPE (também conhecida, em outros países, por special purpose company). [11]

2.3 SPE

As características relativas à SPE estão muito próximas da já mencionada joint venture corporation. Não há praticamente diferenças. Existe, quiçá, verdadeira unanimidade doutrinária em colocar a SPE como espécie de desdobramento da joint venture, num processo de evolução. Seria um verdadeiro exemplar da citada corporation. Todavia, para Guerra [12], a origem remota das SPEs não está sobre a joint venture, mas, sim, sobre as sociedades em conta de participação (C/P), talvez o tipo societário mais antigo. E das C/P vieram as ventures.

Em princípio, pode-se afirmar que as SPEs não correspondem a um novo tipo de sociedade empresária. [13] Entretanto, Hentz [14] defende a tese de que a SPE compreende, sim, nova forma societária, mas de natureza especial. Segundo ele, com base na experiência internacional, nada obsta a criação por contrato de modelos específicos, desde que sejam obedecidos os requisitos de validade dos negócios jurídicos em geral e que não prejudique direitos de terceiros.

Constata-se ainda que a SPE, em si, não possui personalidade jurídica, devendo, assim, revestir-se sob um dos modelos societários previstos em lei, de sorte que é este modelo que lhe conferirá tal personalidade. [15] Com isso, deve-se atentar ao fato de que a SPE será regida pelas normas que se referem ao tipo escolhido, ou seja, se ela constituir-se como uma S/A, por exemplo, a Lei n. 6.404/76 passará a normatizá-la juntamente com outras normas de direito de empresa.

Diante disso, é importante perceber que existem certos tipos societários que não poderão ser utilizados para tal finalidade. Trata-se daqueles que são desprovidos de personalidade jurídica. Assim, no Brasil, as chamadas sociedades em comum e a C/P, por serem despersonificadas, não poderão ser usadas para fins de revestimento de uma SPE. [16]

Outro ponto a ser destacado é o que se refere às sociedades em nome coletivo (N/C). Sabe-se que as N/C não admitem a presença de pessoas jurídicas em seu quadro de sócios, sendo que estes respondem subsidiária e ilimitadamente. Então, para determinadas ocasiões, caso das PPPs, que envolvem a participação do Estado, pessoa jurídica por excelência, essa forma de sociedade empresária terá que ser afastada. [17]

Quanto à natureza dos participantes que compõem uma SPE, há uma questão que precisa ser esclarecida. Afinal, a presença de uma pessoa jurídica é sempre necessária? Ou pode haver a constituição de uma SPE por pessoas físicas apenas?

Como será analisado posteriormente, não se constata qualquer obstáculo para que empresários individuais se utilizem de uma SPE para tentar recuperar judicialmente suas empresas. Ou seja, parece que as SPEs não são formadas exclusivamente entre pessoas jurídicas ou entre estas e pessoas físicas. Embora não seja comum, observa-se que elas também poderão ser constituídas só por pessoas naturais, assim como acontece com qualquer sociedade empresária concebida pela simples união humana, sem a interferência de entes jurídicos personalizados em sua formação.

Reafirma-se, por outro lado, que o controle societário das SPE nem sempre poderá ser igualmente distribuído entre os sócios, pois, de acordo com o que já foi levantado, o §4º do art. 9° da Lei n.11.079 estabelece que, nas PPPs, o Estado, em regra, não poderá assumir a maioria do capital votante, cabendo esta ao parceiro privado.

E, como a própria nomenclatura já indica, o objetivo de uma SPE deve ser necessariamente específico e determinado. Tal característica tem respaldo legislativo, pois, conforme o parágrafo único do art. 981 do Código Civil brasileiro de 2002 (CC), a atuação empresarial de uma sociedade pode resumir-se a uma ou mais atividades.

Do exposto, infere-se que a SPE pode ser conceituada, mesmo provisoriamente e de maneira geral, como uma estrutura negocial que reúne interesses e recursos de duas ou mais pessoas para a consecução de empreendimento de objeto específico e determinado, mediante a constituição de uma nova sociedade com personalidade jurídica distinta da de seus integrantes.


3 SPE: aplicação

Atualmente, sobretudo após o advento da Lei n. 11.079/04, é comum a aplicação de uma SPE no âmbito das PPPs. Entretanto, a sua colocação não se resume a isso, de sorte que uma SPE pode servir também de instrumento nas operações de recuperação judicial de empresas e de securitização de créditos. [18]

Enfim, a formação de uma SPE pode ter por finalidade a execução de variados negócios. Destes, destacam-se dois, de modo que uma SPE pode ser instaurada não só para (a) implantar e gerir negócio relativo às PPPs, como também para (b) servir de meio na recuperação judicial de empresas que se encontram em crise.

3.1 No âmbito das PPPs

3.1.1 Breves comentários sobre as PPPs

Houve a conjugação de, no mínimo, três fatores no contexto de adoção das PPPs, quais sejam: (a) sobrecarga do Estado, (b) necessidade de recursos para dar continuidade a investimentos e (c) crença de que a gestão privada é a mais eficiente. [19]

O modelo brasileiro se inspirou, assim como a maioria dos países que adotaram esse regime de parcerias, na experiência inglesa, que, em 1992, criou a chamada "Private Finance Iniciative" (PFI). Esta foi transformada, em 1997, na atual "Public-Private Partnership", cujo objetivo é o de possibilitar a expansão dos investimentos públicos sem que o orçamento e o volume da dívida do governo sejam direta e imediatamente afetados, já que os recursos iniciais necessários à consecução do serviço público provêm dos cofres do parceiro privado. [20]

Todavia, a idéia de que as PPPs representam uma superação definitiva da restrição fiscal, dentro de uma política de contenção de gastos públicos, é enganosa, pois, obviamente, há o comprometimento de receitas futuras. Ou seja, é apenas postergada a contraprestação devida à iniciativa privada. Por isso, as PPPs devem ser utilizadas principalmente por razões de eficiência na prestação do serviço e no manejo dos recursos públicos, e não pela aparente solução de problemas financeiros. [21]

É interessante diferenciar as PPPs das chamadas privatizações. Estas, ao contrário daquelas, envolvem a alienação dos ativos públicos ao setor privado. Em outras palavras, o Estado vende o que é seu à iniciativa particular, enquanto que, nas PPPs, a infra-estrutura implementada é devolvida ao parceiro público ao final do contrato. [22]

Houve também consideráveis mudanças no sistema brasileiro de concessões de serviços públicos com a instituição das PPPs. Isso porque as concessões comuns (ou tradicionais) são remuneradas exclusivamente por tarifas, ou seja, os próprios usuários do serviço pagam à concedente. Já no caso das PPPs, a contraprestação é paga parcial ou totalmente pelo parceiro público, pois, conforme o art. 2° da Lei n. 11079/04, as PPPs são espécies de contratos administrativos de concessão, nas modalidades patrocinada e administrativa. Sabe-se que a concessão patrocinada aparece quando, além das tarifas cobradas dos usuários, há a complementação de receita pelo Poder Público, enquanto que, na concessão administrativa, todo pagamento à iniciativa privada é feito pelo Estado. Então, no Brasil, têm-se três tipos de concessões: as comuns, as patrocinadas e as administrativas, sendo que o que as diferencia, em síntese, é a forma de remuneração da concedente. [23]

Uma das inovações trazidas pela Lei n. 11.079/04 é a de que o pagamento poderá ser variável e associado ao desempenho e à disponibilização do serviço contratado (arts. 6º e 7°).

Outra inovação diz respeito à alocação de riscos. Houve, a saber, verdadeira transferência para o particular de riscos que tradicionalmente estavam sob a responsabilidade da Administração Pública. Dessa forma, os riscos derivados do projeto, construção e operação ficarão, em regra, nas mãos do ente privado. Já os decorrentes da demanda e da álea serão repartidos. E este é um ponto interessante: a divisão de parte dos riscos será feita mediante disposição contratual (art. 4º, VI).

As SPEs estão previstas no art. 9° da Lei n. 11.079. É importante salientar que estruturas semelhantes à SPE já haviam sido previstas no sistema de parcerias utilizado pela União Européia. Tal situação pode ser deduzida da leitura do Livro Verde que trata das PPPs, segundo o qual

53. [...] as operações de PPP de tipo institucionalizado implicam a criação de uma entidade detida conjuntamente pelo parceiro público e o parceiro privado. À entidade comum incumbe, então, garantir a entrega de uma obra ou a prestação de um serviço em benefício do público.

54. A cooperação directa entre o parceiro público e o parceiro privado no quadro de uma entidade dotada de personalidade jurídica permite ao parceiro público manter um nível de controlo relativamente elevado sobre o desenrolar das operações [...]. [24]

As PPPs representam, enfim, no Brasil e no mundo, mais um instrumento destinado a viabilizar os investimentos de que tanto se tem necessidade.

2 Regime jurídico atribuído às SPEs

O caput do art. 9° da Lei n. 11.079/04 estabelece que, antes da celebração do contrato, deverá ser constituída uma SPE, cuja função será implantar e gerir o objeto da parceria. Ou seja, a SPE será formada entre a entrega do objeto do certame ao vencedor e a assinatura do contrato, sendo que ela, e aqui está um dado importante, figurará como parte. O parceiro privado em si, vencedor da licitação, não aparecerá como parte contratual, mas, sim, a SPE. [25]

Ao contrário do disposto no art. 20 da Lei 8.987/95, que previa a faculdade de a Administração Pública determinar que o licitante vencedor se constituísse em empresa antes da celebração do contrato, percebe-se que, nas PPPs, não existe mais essa opção, de modo que uma SPE deverá ser necessariamente criada.

O §1° do art. 9° dispõe que a transferência do controle da SPE estará condicionada à autorização expressa por parte do Poder Público, conforme o edital e o contrato estabelecidos, e de acordo com o parágrafo único do art. 27 da Lei n. 8.987/95 (tal parágrafo foi alterado pela 11.196/05). Dessa forma, o Estado poderá analisar previamente se o terceiro interessado em assumir a posição da concedente tem condições para "atender às exigências de capacidade técnica, idoneidade financeira e regularidade jurídica e fiscal necessárias à assunção do serviço" e se está comprometido a cumprir "todas as cláusulas do contrato em vigor". [26]

Entretanto, em vista do §2° do art. 5° da Lei das PPPs, os financiadores da SPE poderão assumir o seu controle sem demonstrar os requisitos anteriormente citados (a saber, capacidade técnica, idoneidade financeira e regularidade jurídico-fiscal), já que o objetivo desta medida é promover a reestruturação financeira da sociedade e assegurar a continuidade da prestação dos serviços. Trata-se, portanto, de uma exceção de eficiência notadamente duvidosa em relação às determinações do §1° do art. 9°.

A par do entendimento de que a SPE deverá ser constituída sob um dos tipos societários existentes, a própria Lei n. 11.079/04 prescreve a possibilidade de adoção da forma de companhia aberta (S/A aberta), com a admissão de negociação em mercado de seus valores mobiliários (§2° do art. 9°). Em regra, essa medida tem por fim garantir condições para a obtenção de refinanciamentos futuros do projeto. [27]

A maioria do capital votante nas SPEs não pode estar nas mãos da Administração Pública, pois, se estiver, ter-se-á uma sociedade de economia mista, e não uma SPE. [28] É o que dispõe o §4° do art. 9°.

Porém, em caso de inadimplemento de contratos de financiamento, a maioria do capital votante da SPE poderá ser adquirida por instituição financeira controlada pelo Estado (§5º do art. 9º). Trata-se, pois, de exceção à vedação prevista no §4º.

O §3º do art. 9º, por sua vez, além determinar a adoção de contabilidade e demonstrações financeiras padronizadas, estabelece que a SPE deve obedecer a padrões de governança corporativa. De acordo com Instituto Brasileiro de Governança Corporativa [29], a partir do chamado "conflito de agência", que nasce da separação entre a propriedade e a gestão empresarial, surge a governança corporativa para tentar solucioná-lo. Isso porque os interesses daquele que administra a propriedade nem sempre estão a par dos de seu titular. Assim, conforme a "boa governança", são criados mecanismos de monitoramento e incentivos para que o comportamento dos executivos esteja alinhado com o interesse dos acionistas. Os principais instrumentos que asseguram o controle da propriedade sobre a gestão são, a saber, o conselho de administração, a auditoria independente e o conselho fiscal. Tal medida visa a garantir maior transparência durante a consecução do negócio a ser implementado, principalmente para a Administração Pública.

À luz da exposição de motivos n. 355/03, presente no Projeto de Lei n. 2.546/03, que discute a inserção das PPPs no contexto brasileiro, constata-se que a SPE foi instituída com a finalidade básica de oferecer à Administração Pública garantias para a adequada conclusão do negócio a ser implementado, tendo em vista o esforço e recursos necessários à conclusão do processo de contratação e o prazo geralmente estendido de vigência do contrato (que pode chegar a 35 anos). [30]

3.2 No âmbito das recuperações judiciais de empresas

3.2.1 Breves comentários sobre as recuperações de empresas

Atualmente, quando um empresário ou uma sociedade empresária está em crise, há duas alternativas: busca-se a falência ou a recuperação de sua empresa, sendo que esta última opção pode ocorrer em âmbito judicial ou extrajudicial. E a criação desses institutos de recuperação representa, a saber, uma das grandes inovações, senão a maior, trazidas pela Lei n. 11.101, de 2005. [31]

Tendo em vista que o eixo deste estudo é a SPE, far-se-á uma pequena análise principalmente do instituto da recuperação judicial de empresas, pois um de seus meios envolve justamente tal sociedade.

Assim, deve-se saber que a recuperação, seja ela judicial ou extrajudicial, tem por objetivo genérico o soerguimento da atividade empresarial. Porém, observam-se dois planos de intenções, quais sejam: em primeiro lugar, a recuperação deseja manter a fonte produtora, o emprego dos trabalhadores e proteger os interesses dos credores; e em segundo plano, ou mediatamente, há a intenção de preservar a empresa e a sua função social e de estimular a atividade econômica (art. 47 da Lei n. 11.101/05). [32]

Entretanto, nem toda empresa merece ser recuperada, mas apenas aquela que se mostra realmente viável para continuar sendo exercida. Para tanto, COELHO [33] propôs cinco vetores que deverão ser sopesados durante o exame de viabilidade de uma empresa: (a) potencial econômico para reerguer-se e importância social; (b) relação entre mão-de-obra e tecnologia empregadas; (c) volume de ativo e passivo; (d) tempo da empresa; e (e) porte econômico. Tal aferição deve ser feita porque, em última análise, o ônus da recuperação das empresas no Brasil recai, sobretudo, na própria sociedade, que acaba pagando mais pelos produtos, cujos preços são reajustados com base nas taxas de riscos associadas à recuperação do devedor. Por isso, o Poder Judiciário deve ser criterioso ao determinar qual empresa merece ser recuperada.

Para que um empresário ou uma sociedade empresária possa requerer a recuperação judicial, é necessária a comprovação de, no mínimo, 2 anos de exercício regular de suas atividades (caput do art. 48). Além disso, o devedor não pode: (I) ser falido; (II) ter obtido concessão de recuperação judicial há menos de 5 anos; (III) ter obtido concessão e recuperação judicial com base no plano especial [34] há menos de 8 anos; e (IV) não ter sido condenado.

Sabe-se que todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que vencidos, estarão sujeitos à recuperação judicial (art. 49).

O art. 50 da Lei n. 11.101/05, por sua vez, trouxe uma lista exemplificativa, e não taxativa, dos meios que poderão ser eventualmente utilizados nos processos de recuperação judicial de empresas, tais como: reestruturação da administração e do capital, transferência do estabelecimento, renegociação das obrigações trabalhistas, dação em pagamento, realização parcial do ativo, SPE etc. (ao todo são discriminadas dezesseis formas). Todavia, é importante perceber que haverá normalmente combinação de dois ou mais meios. [35]

3.2.2 SPE como meio de recuperação de empresa

O inciso XVI do já referido art. 50 introduz a SPE como um meio de recuperação de empresa, afirmando que sua constituição terá por finalidade "adjudicar, em pagamento dos créditos, os ativos do devedor".Assim, os créditos titularizados perante a sociedade empresária devedora serão pagos, ao menos parcialmente, mediante a entrega de seus ativos, desde que estes tenham sido previamente transferidos a título de integralização de capital social ou venda. Seria, na verdade, um desdobramento do meio representado pela dação em pagamento (inc. IX do art. 50), só que com a intermediação de uma SPE, constituída especialmente para servir à adjudicação. [36]

Ocorre, a saber, dação em pagamento "quando o devedor entrega em pagamento ao seu credor, e com sua anuência, prestação de natureza diversa da que lhe era devida." [37] Ou seja, há dois elementos essenciais nesse instituto: (a) que a coisa dada em pagamento seja diversa do objeto da prestação inicialmente contratado; e (b) que haja a concordância por parte do credor. [38]

A SPE está também diretamente relacionada com a alienação parcial dos bens da devedora (meio disposto no inc. XI do art. 50), visto que essa venda poderá servir de instrumento de redução ou mesmo de liquidação de dívidas. [39]

No Brasil, a crise sofrida pela Varig (Viação Aérea Rio-Grandense S/A) é bem elucidativa para esta análise. Diante do processo de recuperação judicial envolvendo tal companhia aérea, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) propôs a criação de uma SPE cuja finalidade seria adquirir as ações representativas das empresas VarigLog (Varig Logística S/A) e VEM (Varig Engenharia e Manutenções S/A), subsidiárias da Varig. [40] Ou seja, tem-se aqui a reunião de parte do ativo da devedora numa SPE.

Depois disso, houve a entrega do valor obtido com a venda dessas ações a certos credores da Varig, de modo que esta superou parcialmente sua crise patrimonial. Vê-se, nessa etapa, a realização parcial do ativo da devedora, sendo que o resultado dessa venda foi, por meio da SPE criada, necessariamente adjudicado em pagamento de credores da Varig.

Percebe-se que o patrimônio da sociedade em recuperação é cindido, de forma que a parcela correspondente ao somatório dos bens sujeitos à alienação (ou, em outras palavras, os ativos da devedora) é destacada para constituir a SPE. Assim, o capital social da sociedade em crise será reduzido na mesma proporção dessa retirada.

Sobre o autor
Gabriel Luiz de Carvalho

bacharelando em Direito pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Gabriel Luiz. Sociedade de propósito específico.: Natureza e aplicação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1626, 14 dez. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10756. Acesso em: 24 dez. 2024.

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