A Lei nº 14.399, de 8 de julho de 2022, estabeleceu a Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (PNAB), fundamentada na parceria entre os Entes Federados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) e a sociedade civil para o fomento à diversidade das manifestações culturais brasileiras, com o repasse anual de R$ 3 bilhões até 2027 para o fomento à cultura.
Não obstante a Política Nacional Aldir Blanc seja mais conhecida, e chame mais atenção, pelo seu aspecto pecuniário, a referida norma não se restringe a isso. De fato, logo em seu artigo primeiro, a lei diz que a política ali estabelecida também traça diretrizes para a prestação de contas de projetos culturais, inclusive audiovisuais, realizados no âmbito das leis federais, estaduais, municipais e distritais de incentivo à cultura.
Essas diretrizes estão dispostas no artigo 15 da norma e estabelecem verdadeiros princípios acerca da avaliação a ser feita, pelo Poder Público, em relação à prestação de contas de projetos culturais fomentados com recursos públicos. É a primeira vez que uma lei estabelece regras de caráter nacional para o fomento à cultura, visto que cria diretrizes para análise de prestação de contas independentemente da origem do recurso, seja ele municipal, distrital, estadual ou federal.
Aqui, vale a pena compreender a distinção entre lei de caráter federal e lei de caráter nacional. A lei de caráter federal é aquela aplicável apenas no âmbito da administração pública federal, seus órgãos e entidades vinculadas. Já a lei de caráter nacional é aquela que cria regras e obrigações tanto para a União quanto para Estados, DF e Municípios.
Nessa perspectiva, a Política Nacional Aldir Blanc é uma lei de caráter nacional em relação às regras para análise de prestação de contas, visto que é compulsória para todos os Entes Federados. Isso significa dizer que toda e qualquer análise de prestação de contas de fomento cultural público no Brasil deve se basear, de agora em diante, nas regras dispostas no artigo 15 da Lei nº 14.399/2022.
Entram nessa lógica, portanto, os projetos fomentados pela ANCINE, pela Lei Rouanet, pela própria PNAB e Lei Paulo Gustavo, pelos editais com recursos municipais, estaduais, distritais e federais, incentivos fiscais, etc. Em resumo, todo projeto cultural fomentado com recurso público é abrangido pela norma. E quais são essas diretrizes, afinal, que irão nortear o Poder Público na análise das prestações de contas dos projetos culturais?
A primeira delas é a prestação de contas com foco no cumprimento do objeto. Segundo a lei, o cumprimento do objeto deve ser entendido como a entrega do produto cultural, conforme descrito na proposta aprovada. A comprovação do objeto deve se dar, portanto, mediante entrega e aprovação de relatório de execução do objeto, devendo ser admitidos todos os meios que comprovem sua efetiva realização. Toda forma de comprovação, portanto, será válida para atestar o cumprimento do objeto.
A segunda diretriz é a vedação ao Poder Público de condicionar a autorização para captação de recursos incentivados à conclusão de quaisquer análises de prestações de contas de projetos anteriores. Essa diretriz é mais direcionada aos projetos culturais fomentados por incentivo fiscal, que dependem da captação de recursos perante patrocinadores. Com a lei, fica vedada a imposição pelo Estado de que os projetos anteriores estejam com prestação de contas aprovada para que o novo projeto possa captar, facilitando a vida do proponente.
A terceira diretriz é a imposição de limites ao Poder Público em relação às reaberturas, reanálises e quaisquer outros procedimentos administrativos de desarquivamento referentes a prestações de contas já concluídas e consideradas regulares e/ou aprovadas. De acordo com a norma, esses procedimentos de reanálise somente poderão ser efetuados uma única vez, em até dois anos após o encerramento da prestação de contas, visando garantir um mínimo de segurança jurídica ao proponente.
A quarta diretriz possui estreita relação com a terceira, pois diz que, quando o Poder Público efetuar essas reanálises, deverá aplicar a norma vigente à época da realização do projeto e apresentação da prestação de contas, e não a norma atual, do momento da reanálise. Essa diretriz é fundamental e visa impedir um procedimento extremamente comum nas análises de prestação de contas, que é a imposição, de forma arbitrária, de normas a fatos anteriores à sua vigência, o que é, por óbvio, ilegal.
Por fim, a quinta e última diretriz visa proteger o cidadão da omissão do Poder Público quanto à demora na análise da prestação de contas. De acordo com a norma, o ato ou omissão de gestor do Poder Executivo que caracterize desídia ou descaso em relação à análise de prestação de contas de projeto cultural isenta os proponentes de vedações, de inabilitações ou de quaisquer outras sanções decorrentes da prestação de contas desses projetos específicos.
A PNAB, portanto, tem sua relevância muito além do aspecto financeiro, pois também se mostra como uma importante norma sobre fomento à cultura, estabelecendo, pela primeira vez, diretrizes de caráter nacional para a análise das prestações de contas de projetos culturais por todo o Brasil. Mais do que uma norma “repassadora de recursos”, a PNAB é um marco normativo para os direitos culturais e cria, ainda que de forma incipiente, um novo parâmetro para o fomento à cultura no país.