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Lei de Drogas.

Muitas perguntas, algumas respostas

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Agenda 26/12/2007 às 00:00

Pergunta 5:

A prova de circunstância específica, não contida na acusação formalizada na denúncia ou na queixa, capaz de reduzir a pena do réu, usualmente é produzida por quem dela se puder diretamente beneficiar, que no caso é o próprio acusado.

Assim é o que costuma ocorrer com as causas especiais de diminuição de pena previstas pela Parte Especial do Código Penal, como são o homicídio privilegiado (art. 121, § 1º), o furto privilegiado (art. 155, § 2º), a lesão corporal privilegiada (art. 129, § 4º) etc.

A base legal para isso está contida no art. 156 do Código de Processo Penal. De fato, a regra é que o ônus da prova é de quem alega o fato. O entendimento dessa norma deve, no entanto, ser formado ante as peculiaridades que regem o processo penal, voltado para a busca da verdade real. Porque não tendo como finalidade solucionar conflitos entre interesses privados, relativos a bens disponíveis, todos os esforços realizados no âmbito do processo criminal são dirigidos à busca da mais fiel representação dos fatos ocorridos. Quer isto dizer que é tal objetivo que deve nortear a ação do juiz e do Ministério Público.

Ora, a regra de que o ônus da prova incumbe a quem alega nada mais é, em matéria de processo penal, que uma ordenação racional do procedimento, uma norma de organização, a determinar que a prova fica a princípio a cargo de quem faz uma afirmação. Isso, no processo civil, é uma regra absoluta, mas no penal não é, justamente por conta do princípio da verdade real, a significar que o juiz não deve conformar-se com uma verdade meramente formal, que se estabeleceu nos autos por conta da inércia, ou do conformismo de uma das partes, ou mesmo do acordo de vontades entre elas.

Tanto é assim que o próprio art. 156 do Código de Processo Penal, após determinar o ônus de provar para quem fizer a alegação, dispõe que o juiz poderá determinar de ofício diligências para esclarecer ponto relevante para o deslinde da causa. Trata-se do reconhecimento legal de que, mesmo não provado pela parte que fez tal ou qual alegação, se se cuidar de aspecto relevante, o juiz poderá ir à procura da prova. Isso reforça o que já se disse a respeito do interesse na busca pela verdade real no processo. Essa busca também não deixa de ser dever do órgão do Ministério Público, cujo norte igualmente há de ser o estabelecimento da verdade correspondente aos fatos ocorridos.

Essa procura pela fiel representação nos autos dos fatos acontecidos naturalmente se estende às circunstâncias que rodeiam tais fatos e que servem para modular a pena eventualmente a ser imposta. Dos fatos e de sua adequação ao tipo legal surge a imputação feita ao réu. O tipo legal do homicídio é determinado pelo caput do art. 121 do Código Penal. O que o parágrafo primeiro desse artigo descreve são circunstâncias, no caso capazes de reduzir a pena do possível condenado. Normalmente são alegadas pela defesa do acusado, que dela pretende se beneficiar. Mas diante de uma alegação razoável, que a defesa não tenha conseguido provar, ou não tenha se empenhado para isso, o juiz e o órgão do Ministério Público não poderão ficar inertes e deixar tal alegação de lado só porque ela partiu da outra parte (outra parte na ótica do Ministério Público, para os que o consideram parte). Deverão – e não apenas poderão – se colocar na busca do esclarecimento dessa questão. O resultado eventualmente positivo de tal procura não representará prejuízo algum para o órgão da acusação, cujo interesse principal não é necessariamente a condenação ou uma pena elevada, mas a justa aplicação da lei aos fatos.

É também possível que a circunstância redutora de pena nem sequer seja alegada e surja nos autos simplesmente como resultado da colheita de provas. Alegar, conforme lembrado por NUCCI, "significa afirmar algo, citar um fato em defesa de um ponto de vista ou expor um argumento para sustentar uma razão" [3]. Mas, sempre lembrando a necessidade imposta ao Estado de procurar o estabelecimento nos autos de uma verdade o mais próximo possível da ocorrência concreta e dos fatos reais, incumbirá, diante de uma suspeita razoável, buscar elementos capazes de dirimir dúvidas e formar no juízo uma convicção segura. Essa incumbência está imposta indistintamente ao Estado-juiz e ao órgão estatal defensor da legalidade democrática e dos interesses individuais indisponíveis, que é o Ministério Público [4].

A causa de diminuição de pena contida no parágrafo 4º do artigo 33 da nova Lei de Drogas é uma circunstância que, como tal, não modifica o contorno típico do crime de tráfico definido no caput do art. 33, mas que é capaz de reduzir a pena do réu porventura condenado nos termos deste último dispositivo. Sua prova é, em princípio, ônus de quem fizer essa alegação, mas, com ou sem ela, diante de um indício sério de sua possível presença, é dever do Estado, que atua no processo por intermédio do juiz e do promotor, procurar esclarecimentos sobre sua existência.

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Há, por outro lado, o problema de como fazer tal prova. É que o dispositivo legal descreve, na verdade, uma circunstância negativa. O réu não deve se dedicar às atividades criminosas nem integrar organização criminosa. Como provar algo que não ocorre? O que não acontece é um fato negativo, ou melhor, um não-fato. Objeto de prova são fatos, nessa categoria compreendidos todos os eventos do mundo real, inclusive as circunstâncias capazes de influir na dosagem da pena. Vale lembrar a lição de TOURINHO acerca de fatos como objeto de prova:

Tão extenso é o seu conceito, sob o ponto de vista da prova, que Alcalà-Zamora chega a esta afirmação: é fato o que não é direito. Por isso, acrescenta o festejado mestre, a prova pode recair sobre fatos de natureza diversa: um cadáver, armas, instrumentos, substâncias nocivas, insanidade mental etc. [5]

A prova dessa circunstância é, assim, tarefa difícil e de resultado nunca definitivo. Requer a vinda aos autos de informações – colhidas pelos mais diversos meios – no sentido de que o réu não é dedicado às atividades criminosas e não integra organização criminosa. Mas tais informações sempre estarão circunscritas a um determinado local e a um certo tempo. Mesmo que se juntem certidões negativas de condenações anteriores, será possível que em algum lugar, fora da área investigada na busca pelas informações, o réu tenha sofrido uma condenação ou lá se dedique às tais atividades criminosas.

Mas é sem dúvida assim que se deve proceder, não cabendo ao juiz simplesmente considerar que a ausência de quaisquer informações desabonadoras do acusado autorizam o reconhecimento da causa de diminuição de pena. Afinal de contas, embora não configure causa modificadora da adequação típica do fato sub judice, trata-se de circunstância que altera a pena a ele cominada pelo dispositivo definidor do crime.

Por fim, na procura por uma resposta à indagação n. 5, parece viável sustentar que a prova da circunstância contida no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 é incumbência, em princípio, de quem faz tal alegação; se, embora não alegada, surgirem suspeitas fundadas de sua presença, é dever do juízo e do Ministério Público buscar os esclarecimentos necessários para o esclarecimento da questão. Meio de prova de algo que o acusado não faz são, com as dificuldades inerentes a uma prova negativa, todos os meios probantes legalmente admitidos, não sendo possível ao juiz admitir a presença da circunstância apenas pela ausência de qualquer informação desabonadora do réu. Essas informações devem ser procuradas em determinados limites espaço-temporais e só a vinda de elementos atestando que o que se procura não foi encontrado permitirá ao julgador o reconhecimento da causa de diminuição.


Pergunta 6:

6) Nos casos já julgados, a quem compete decidir pela eventual aplicação da nova lei?

Por último, na tentativa de determinar a quem compete o reconhecimento da citada circunstância, importa lembrar que ao juízo das Execuções Criminais cabe a aplicação de "lei posterior que de qualquer modo favorecer o condenado", como verte do art. 66 da Lei de Execução Penal (Lei n. 7210/84).

Isso no caso do já condenado definitivamente, vale dizer, com um título condenatório passado em julgado. Para os processos ainda em andamento a competência será do juízo de conhecimento, seja ele de primeiro ou de segundo grau, conforme o caso.

Essa competência do juízo das Execuções é matéria sumulada pelo Supremo Tribunal Federal [6], o que sugere ter o tema sido objeto de controvérsias jurisprudenciais decerto determinadas pela discussão acerca da possível impropriedade de que matéria relacionada à adequação típica de um fato fosse considerada pelo juízo de execução e não pelo de conhecimento. Mas o texto expresso da LEP e o tratamento dado ao assunto pela Corte Suprema parecem jogar uma pá de cal sobre a questão.

O advento de lei mais benigna, sendo matéria de ordem pública, pode ser reconhecido de ofício pelo juízo competente. Mas o condenado e o Ministério Público poderão evidentemente suscitar judicialmente o problema. Da decisão caberá recurso de agravo, sem efeito suspensivo, nos termos do disposto no art. 197 da LEP. Por sua semelhança com o recurso em sentido estrito, inclusive no tocante ao juízo de retratação, e pela ausência de normas procedimentais específicas, esse recurso seguirá o trâmite previsto para aquele, a começar no que se refere ao prazo para interposição, que é de cinco dias. [7]

A ausência de efeito suspensivo do agravo poderá eventualmente levar a um recálculo da pena que permita ao sentenciado, em tese, alcançar de plano um benefício que antes, por falta de lapso prisional, lhe era vedado. Claro que, presentes os pressupostos do periculum in mora e do fumus boni juris, poderá o recorrente, no caso provavelmente o Ministério Público, impetrar mandado de segurança visando obter a suspensão temporária dos efeitos da decisão hostilizada.

Com base no princípio da fungibilidade dos recursos, eventual correição parcial interposta poderá ser recebida como agravo, segundo já reconhecido pelo extinto Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo [8]. Da mesma forma, o melhor entendimento é no sentido de que não está vedada a via do habeas corpus se o interessado não se valeu do seu direito de interpor agravo.

Ocorrendo que o juízo da execução se declare incompetente para analisar a aplicabilidade da nova lei mais benigna [9], a questão se resolverá nos termos do que dispõe o Código de Processo Penal, artigos 95, 108, 109 e 113-117, relativamente à exceção de incompetência e ao conflito de jurisdição. A demora que eventualmente decorrer do processamento e da decisão a respeito do assunto, desde que verificada coação ilegal quanto ao direito de locomoção do interessado, ensejará impetração de habeas corpus.

Assim, a resposta mais adequada à pergunta n. 6 parece ser que compete ao juízo das Execuções Criminais reconhecer a incidência da nova lei mais favorável ao sentenciado, desde que sua condenação seja definitiva. A decisão ficará sujeita ao recurso de agravo, não afastada a possibilidade de habeas corpus, se presentes os seus requisitos específicos.


Notas

  1. Comentários ao Código Penal.
  2. Esta lei, datada de 3 de maio de 1995, "dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas".
  3. Código de Processo Penal comentado, p. 333.
  4. Cf. o art. 127, "caput", da Constituição Federal.
  5. Processo penal, v. 3, p. 222.
  6. Cf. Súmula 611.
  7. Cf. acórdão do STF relatado pelo Min. Carlos Velloso, publicado no DJU de 12/dez./1997, segundo lembrado por Renato Flávio Marcão, em seu Lei de Execução Penal anotada, p. 512.
  8. Cf. acórdão relatado pelo juiz Rulli Júnior,nos autos do feito n. 1.089.401/9, proferido em 12;mar./1998, de novo como lembrado por Renato Flávio Marcão, op. cit., p. 516.
  9. Possivelmente pretendendo que a via adequada seja a da revisão criminal, a ser proposta perante o tribunal.

Referências bibliográficas

GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Código de Processo Penal brasileiro anotado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1965, v. II.

HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1977, v. I, tomo I.

MARCÃO, Renato Flávio. Lei de Execução Penal anotada. São Paulo: Saraiva, 2001.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. São Paulo: Saraiva, 2000, v. 3.

Sobre o autor
Plínio Antônio Britto Gentil

procurador de Justiça no Estado de São Paulo, doutor em Direito Processual Penal pela PUC/SP, professor universitário, membro do Movimento Ministério Público Democrático

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GENTIL, Plínio Antônio Britto. Lei de Drogas.: Muitas perguntas, algumas respostas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1638, 26 dez. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10796. Acesso em: 23 nov. 2024.

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