Resumo: O presente trabalho tem como objeto o estudo e a reflexão sobre os verbos opor e interpor, segundo a Teoria Comunicativa da Terminologia (TCT). O corpus é formado por ambos os verbos, além dos institutos jurídicos denominados embargos à execução, embargos de declaração e recursos, previstos na Lei nº 5.869/1973, denominada Código de Processo Civil (CPC). O CPC dispõe de institutos processuais jurídicos, ao quais lançam mão os juristas, a fim de atender o propósito para o qual foram contratados. Ao dispor sobre o manejo de cada um dos institutos acima, o CPC optou pelo emprego dos referidos verbos. Não obstante, constatou-se que acadêmicos e profissionais do Direito, ao manejarem os institutos, em que esses verbos são empregados, pelo Código (CPC), o fazem de forma indiscriminada, utilizando ora um verbo, ora outro, sem atender a prescrição dos institutos. Nessas condições, o objetivo geral deste trabalho é verificar a possibilidade dos dois verbos assumirem, enquanto unidades lexicais, o estatuto de unidade lexical especializada, sob a ótica da TCT. Para isso, realizou-se um levantamento das definições dos verbos junto a dicionários de língua geral e de especialidade (jurídicos e de verbos jurídicos), de sorte a viabilizar analisá-los insertos nos institutos jurídicos em que são evidenciados. Desse modo, propôs-se a proceder a uma pesquisa investigativa e reflexiva, de natureza qualitativa, mediante a qual a extração dos verbos realizou-se de forma manual, a propósito de verificar seus usos, segundo a definição de termo técnico eleita na fundamentação teórica. A análise e a reflexão a que se propõe este trabalho revelam capital importância, na medida em que o estudo oportuniza não só aos acadêmicos e profissionais do Direito o conhecimento das teorias da Terminologia, mas também o emprego desses verbos em seus respectivos institutos de forma consciente. Julgando ser a linguagem especializada e seus termos técnicos o vetor do conhecimento científico, e, nessa medida, cada vez mais veiculados nos meios de comunicação, o presente trabalho possibilita também a jornalistas, comunicadores e revisores de textos a apreensão das nuances desses verbos no contexto jurídico processual-civil e o contato com a ciência da Terminologia. Ao final, permite-se concluir, devido ao aporte de conhecimentos científicos, tanto do Direito quanto da Terminologia, sobretudo pela previsão desses verbos em dicionários jurídicos, sua relevância no contexto dos institutos, posto assumirem função e significado específicos em cada um dos domínios jurídicos trabalhados.
Palavras-chave: Terminologia; Direito; Verbos; Embargos; Código de Processo Civil
Sumário: Introdução. Metodologia. Fundamentação teórica. Lexicologia. Terminologia. Principais teorias da Terminologia. Reconhecimento do estatuto terminológico. Reconhecimento do estatuto terminológico jurídico. O Direito e o sistema jurídico processual civil brasileiro. Direito: Jurisdição, Processo e Ação. O instituto dos Embargos à Execução e seu manejo processual. Os institutos Recursais e seu manejo processual. O instituto dos Embargos de Declaração e seu manejo processual. Conceptualização e análise do verbo. O verbo sob a perspectiva morfossintática. Verbo e Terminologia (jurídica). Análise do corpus. O verbo opor: da língua geral à contextualização no instituto de Embargos à Execução no CPC. O verbo interpor: da língua geral à contextualização no instituto Recursal no CPC. O verbo opor: da língua geral à contextualização, no instituto de Embargos de Declaração no CPC. Considerações finais.
INTRODUÇÃO
Este trabalho acadêmico tem como escopo o estudo, a análise e a reflexão sobre o emprego de verbos relacionados ao campo da ciência jurídica. Os verbos selecionados são analisados em contextos específicos de institutos jurídicos, sob a ótica da Teoria Comunicativa da Terminologia (TCT).
Os verbos selecionados para análise compreendem o sistema processual civil brasileiro contemporâneo, isto é, encontram-se em dispositivos legais prescritos no Código de Processo Civil (CPC), Lei 5.869/1973 (em vigor). O CPC é um conjunto de normas legais, cujo teor dispõe sobre o sistema processual judicial civil brasileiro. Seus artigos prescrevem inúmeros procedimentos judiciais, dos quais fazem uso os juristas, em nome de seu constituinte, a fim de alcançar o propósito para o qual foram contratados.
Para que se compreenda melhor, quando violado um direito civil, nasce para seu titular a pretensão (artigo 189 do CC/021), cuja satisfação, salvo exceções, obtém-se com o manejo de uma peça processual (instituto jurídico), prescrita legalmente no Código (CPC). Nessa esteira, para cada violação de direito, portanto, há uma espécie de remédio processual adequada, observado o desiderato pretendido por seu titular. O manejo da peça processual adequada, a fim de obter determinado bem jurídico, é consubstanciado por uma peça de petição inicial, a depender da natureza jurídica da ação.
Cabe frisar que, para cada peça judicial prescrita no CPC, há também um verbo precisamente empregado pelo legislador no caput do dispositivo legal, de cujo uso não deve afastar-se o jurista, pois, observado isso, garante-se a precisão técnica aos usuários. Nesse sentido, oportunamente, Krieger (2001b, p. 47) leciona que “a precisão é uma condição necessária a um eficiente intercâmbio comunicacional entre os especialistas dos diferentes campos do conhecimento”, à semelhança do que se propõe na exposição de motivos do CPC2.
Ocorre, todavia, que acadêmicos, e até mesmo profissionais do Direito, escapam à técnica jurídica, seja por descuido, seja por acreditarem ser preciosismo, empregando os verbos de forma indiscriminada nos institutos, tanto na oralidade quanto na escrita, conforme demonstram os anexos3. Nesse diapasão, o objeto de estudo consiste justamente na pesquisa, análise e reflexão sobre esses verbos junto a dicionários da língua comum e de especialidade (jurídicos), de modo a aferir seu comportamento e função nos institutos – seus significados - e, especialmente, de verificar a possibilidade de serem considerados termos (unidade lexical especializada), segundo a Teoria Comunicativa da Terminologia.
Desse modo, os objetivos específicos deste trabalho, afinal, consistem em:
(a) realizar levantamento das definições desses verbos, opor e interpor, que são empregados em dispositivos legais específicos do CPC, junto a dicionários da língua geral e jurídicos (de especialidade), de modo a
(b) viabilizar a análise e reflexão sobre seus empregos nos institutos de Embargos à Execução, Embargos de Declaração e o instituto Recursal (enquanto teoria geral dos recursos).
Cumpre destacar que, segundo o CPC, ao dispor sobre o manejo de recursos, há o emprego do verbo interpor, ao passo que, para os Embargos à Execução, é empregado o verbo opor. Ocorre que, diversamente do que se imagina, embora os Embargos Declaratórios sejam considerados instituto jurídico de natureza recursal, ao dispor sobre os quais, o CPC não mantém o emprego do verbo interpor, contudo, fá-lo empregando o verbo opor.
Para atender ao segundo objetivo específico (b), após inventariar seus significados nos dicionários, leva-se em conta sua significação e função no contexto jurídico-processual em que são empregados, mais precisamente, nos institutos em que são evidenciados no CPC, acima descritos. Respeitando a metodologia sistematizada na seção seguinte, a verificação realizar-se-á tendo como base a definição de termo eleita segundo a proposta destacada na fundamentação teórica.
A presente pesquisa é de suma importância à prática forense e ao meio acadêmico, pois viabiliza aos mais afeitos à ciência jurídica a compreensão e a reflexão acerca do uso desses verbos em relação às teorias já desenvolvidas na Terminologia e, sobretudo, em relação à TCT, por meio da interface das ciências do Direito e da Terminologia.
Ademais, possibilita aos profissionais de outras áreas, sejam revisores de textos, sejam jornalistas, sejam profissionais da mídia televisiva, a apreensão desses verbos e suas nuances frente às perspectivas terminológicas, diante de demandas que envolvam o emprego desses verbos, em contextos relacionados à ciência jurídica processual-civil. Nessa lógica, Krieger e Finatto (2004) destacam que as ciências e as tecnologias, atualmente, são bastante difundidas nos meios de comunicação, descontruindo-se a ideia de que o conteúdo das linguagens especializadas é restrito aos profissionais de cada área específica, na medida em que aumenta o interesse do público não especializado.
O objetivo geral consiste, afinal, em verificar se esses verbos, enquanto unidades lexicais, quando utilizados no manejo das peças processuais, conforme são empregados no CPC, assumem o estatuto terminológico, possuindo função e significação específicas, e, portanto, podem ser considerados unidades lexicais especializadas (termos técnicos), segundo a TCT.
Para tanto, busca-se inicialmente situar o leitor nas ciências do léxico, de que faz parte a Terminologia, passando a abordar, nessa ordem: Lexicologia e léxico; Terminologia, suas principais teorias, e reconhecimento do estatuto terminológico e terminológico jurídico. Adiante, discorre-se, de forma breve, sobre o Direito e o sistema jurídico processual civil brasileiro, seção em que se introduz a Ciência do Direito e abordam-se os institutos jurídicos em que os verbos são evidenciados, quais sejam: Direito: Jurisdição, Processo e Ação; e cada um dos institutos – Embargos à Execução, Embargos de Declaração e Recursos em geral.
Em seguida, a seção subsequente encarrega-se da conceptualização dos verbos em geral, sob a perspectiva morfossintática, da Terminologia e da terminologia jurídica. Para, ao final, proceder ao levantamento do significado dos verbos nos dicionários (língua geral e jurídico), a fim de viabilizar analisá-los nos institutos em que são empregados no CPC. Adiante, são feitas considerações finais e referenciada a bibliografia utilizada ao longo do texto.
METODOLOGIA
A metodologia desta pesquisa consiste na extração manual de dois verbos utilizados no manejo de peças processuais (institutos jurídicos) específicas no meio jurídico, constantes do Código de Processo Civil (CPC). A partir desse recorte, faz-se o levantamento de suas definições junto aos dicionários de língua geral e etimológico, Houaiss (2011) e Cunha (1982). Em seguida, procede-se ao levantamento de suas definições em dicionários especializados, Vocabulário Jurídico de Silva (2013), e de Kaspary (1990), Verbo – seus regimes e acepções. Ao final, faz-se a análise do emprego desses verbos contextualizados nos institutos jurídicos em que aparecem no CPC, sob a definição eleita na fundamentação teórica, segundo a Teoria Comunicativa da Terminologia.
O corpus do trabalho é formado, portanto, pelos verbos opor e interpor e os seus institutos correspondentes, em que estão evidenciados, e contextualizados, conforme previsão legal (CPC), respectivamente: os Embargos à Execução/Embargos de Declaração e Recursos. Entre os inúmeros dispositivos legais em que os verbos são evidenciados, em cada um dos títulos (seções do CPC) relativos aos respectivos institutos, para melhor ilustrá-los, trazem-se os dispositivos que seguem abaixo:
Artigo 755. O devedor será citado para, no prazo de 10 (dez) dias, opor embargos; se os não oferecer, o juiz proferirá, em 10 (dez) dias, a sentença [...]; (Embargos à Execução);
Artigo 536. Os embargos serão opostos, no prazo de 5 (cinco) dias [...]; (Embargos de Declaração);
Artigo 500. Cada parte interporá o recurso, independentemente, no prazo e observadas as exigências legais [...]. (Parte geral dos recursos)
(BRASIL. Lei nº 5.869, 1973)
O motivo especial que determinou a escolha desses verbos para investigação surgiu da constatação de que, conquanto o CPC os tenha empregado de forma exclusiva nos institutos em que são evidenciados, muitos acadêmicos, e até mesmo profissionais do Direito, furtam-se a seu emprego.
Nessa perspectiva, procurou-se realizar uma pesquisa investigativa e reflexiva, de natureza qualitativa, com vistas a entender os sentidos produzidos pelos verbos nos contextos em que são evidenciados no CPC, pois, conforme Bortoni-Ricardo (2008, p. 34), a “pesquisa qualitativa procura entender, interpretar fenômenos sociais inseridos em um contexto”.
A necessidade do homem em conhecer e identificar o ambiente que o envolve e classificá-lo a seu modo é imanente a sua natureza e pressuposto determinante para se fazer ciência. A satisfação de questões dessa natureza tem início a partir do momento em que se coloca à serventia do melhor convívio social e se percebe resultados. Nesse enfoque, leciona Bortoni-Ricardo (2008, p. 34) que, no desenvolvimento da pesquisa qualitativa, “o pesquisador está interessado em um processo que ocorre em determinado ambiente e quer saber como os atores sociais envolvidos nesse processo o percebem, ou seja: como o interpretam”. Sob tal perspectiva é o enfoque desta pesquisa.
Apesar de não se tratar aqui de um trabalho terminológico normalizador, e sim descritivo, para verificação do status terminológico dos verbos nos contextos dos institutos jurídicos (corpus) indicados, estabeleceu-se um procedimento específico, sistematizado e lógico, com o objetivo de pautar a tarefa.
Considerando o objetivo principal do trabalho, adotam-se os seguintes passos metodológicos (ANTUNES, 2006): delimitação do trabalho; eleição da área de domínio e critério de verificação do estatuto terminológico. Nessa perspectiva, quanto ao número de línguas, foi estabelecido que o trabalho seria monolíngue. Adiante, foi eleito o domínio de processo civil, subdomínio do Direito. E, considerando a quantidade muito reduzida de palavras a serem verificadas, no caso, 2 (duas), procedeu-se a um trabalho do tipo pontual. Dispensando, desde já, o trabalho de tipo sistemático, uma vez que, para adotá-lo, haveria necessidade da verificação de um conjunto mais extenso de palavras (ANTUNES, 2006).
Para a extração das palavras que constituem o corpus, optou-se unicamente pelo modo manual. Cumpre observar que não foi utilizado o modo automatizado (softwares) para sua constituição, tampouco o critério de frequência. A seleção dos verbos pelo modo manual ocorreu constatada sua relevância jurídica para o manejo adequado das peças processuais (institutos jurídicos). Com efeito, os verbos demonstram pertinência na estrutural conceptual, o que significa dizer que se destaca a necessidade dessas unidades na estrutura conceptual do domínio de que faz parte e, principalmente, especificidade semântica no contexto do instituto ao qual está relacionado (Idem).
Ao final, impõe-se estruturar a árvore de domínio, cuja função, entre outras a seguir destacadas, é fazer refletir acerca da especificidade da área, considerando seus domínios e subdomínios. Seguramente, para este trabalho, a árvore de domínio revela importância, pois viabiliza sua delimitação temática, a elaboração de um plano de extração das palavras (verbos), bem como seu controle e pertinência. Concorre também, conforme Antunes (2006), para que se discriminem termos de tronco comum de termos de áreas conexas, pois, devido à proximidade das áreas, pode haver o uso comum de unidades.
Direito
/ \
Direito Material Direito Processual
/ |
Processo Penal e etc. Processo Civil
|
Instituto Recursal <------------------ Proc. de conhecimento
|
Embargos à Execução <--------------- Processo de Execução
Segundo se depreende da árvore de domínio, a ciência do Direito se divide em material e processual. O Direito Processual, por sua vez, constitui-se em inúmeros outros subdomínios, que, de forma sucinta, são: Processo de conhecimento, do qual o instituto recursal é subdomínio direto; e o Processo de execução, do qual os embargos são subdomínio direto.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Impõe-se, antes de proceder à execução da pesquisa propriamente dita, discorrer acerca das disciplinas cujas teorias são abordadas e servem de base para este estudo. Partindo do pressuposto de que se trabalha com dois campos científicos e, por sua vez, campos técnicos que comportam suas especificidades, faz-se necessária a introdução e o estabelecimento da interface de suas linhas teóricas. Para tanto, dispõe-se sobre Lexicologia, Terminologia, Verbo e Direito e seus institutos trabalhados. Essa abordagem tem o condão de situar os campos científicos sob os quais há o enfoque, possibilitando, adiante, fornecer subsídios materiais para proceder ao desenvolvimento da análise e reflexão do uso dos verbos jurídicos de modo satisfatório, fim último deste trabalho.
Lexicologia
Segundo Cegalla (2005), em seu dicionário, léxico é o conjunto de palavras que forma uma língua; vocabulário. Com o ato de cognição da realidade e, por conseguinte, a categorização das experiências vivenciadas, mostrou-se necessária a identificação, distinção e nomeação dos objetos e seres. Para Biderman (2001), ao reunir objetos do mundo em grupos, identificando-os, classificando-os, o homem permitiu-se estruturar o ambiente que o cerca e rotular as entidades discriminadas. A partir desse processo, foi possível o surgimento do léxico das línguas naturais.
Na mesma senda, para Oliveira e Isquerdo (2001), o léxico consiste no saber compartilhado, existente na consciência dos falantes de uma determinada língua. Complementam, ainda, as autoras, expondo que o léxico integra também o saber vocabular de um grupo sociolinguístico e cultural. Em síntese, Biderman (2001) pontua que o léxico se relaciona com o processo de denominação a partir do conhecimento da realidade pelo homem, cuja definição se exaure em signos linguísticos, ou seja, em palavras.
Essa arte de nomear objetos e seres nasceu da necessidade - à medida que as comunidades desenvolveram progressivamente o conhecimento da realidade e tomaram posse do seu entorno - da ampliação do repertório de signos lexicais. A tomada de consciência, ao atingir novos estágios de civilização, demandou rotular as invenções e as noções surgidas das novas ciências e técnicas.
A realidade atual continua a exigir, cada vez mais, do homem, em razão do crescimento técnico e científico, sobretudo por conta da velocidade da informação, a capacidade de ordenar a ciência do léxico. Tal mister cabe às disciplinas tradicionais que se ocupam da unidade lexical: a Lexicologia e a Lexicografia.
Embora de modos distintos, ambas as ciências têm como propósito a descrição do léxico. A Lexicologia é a ciência que se ocupa, especificamente, das palavras de uma língua, isto é, do léxico. Assim a definem Krieger e Finatto (2004, p.43), “a lexicologia ocupa-se, portanto, do componente lexical geral, e não especializado, das línguas”.
Embora seja uma ciência antiga, a Lexicologia tardou a encontrar valor. Em sua longa trajetória, tem como objetos básicos de estudo e análise, segundo Biderman (2001, p. 16), “a palavra, a categorização lexical e a estruturação do léxico”. Vale frisar também que, de acordo com os estudos da autora, inobstante seja enfoque da semântica o estudo das significações linguísticas, a Lexicologia com ela faz fronteira, posto que se ocupa do léxico e da palavra, logo, deve considerar sua dimensão significativa. O campo da Lexicologia encontra afinidade com inúmeras outras ciências, não se limitando à Semântica, conforme já se ponderou. Lecionam Krieger e Finatto (2004, p. 44) “que a Lexicologia configura-se como um campo de conhecimento de caráter transdisciplinar dado que a palavra é um lugar de encontro e interesse particular de muitas ciências”.
De outra ponta, procurando assentar o levantamento do léxico, encontra-se a ciência da Lexicografia, consoante propõe Biderman (2001), define-se simplesmente pela arte e pela técnica de constituir dicionários. A atividade de compilar palavras é milenar, ocupando lugar histórico consistente entre as disciplinas relacionadas ao léxico. Biderman (2001) aduz que os estudos lexicográficos só de fato iniciaram nos séculos XVI e XVII e, mesmo com o decorrer dos anos, era uma tarefa executada com uma práxis pouco científica. É recente o estudo e o fazer científico da Lexicografia enquanto teoria lexical, observados os critérios científicos.
Orientam Krieger e Finatto (2004) que o dicionário monolíngue registra o léxico geral de uma língua, abrangendo um vasto conjunto de palavras e locuções, ocorrendo, aliás, de contemplar terminologias em seu repertório. Atentando ao interesse do lexicógrafo, segundo Krieger e Finatto (2004, p. 47), “os dicionários gerais apresentam informações etimológicas, gramaticais, como gênero, ortografia, regência, bem como a indicação de usos regionais, profissionais entre outros aspectos que variam conforme a profundidade descritiva da língua pretendida pelo lexicógrafo”.
Não obstante, a Lexicografia pareça ser uma simples tarefa de compilar palavras, a isso não se detém. Do lexicógrafo exige-se o conhecimento de Lexicologia, seara de que tem contribuição, além de esforço e intensa pesquisa, a fim de categorizar o léxico. Para tanto, vale-se da Lexicografia Teórica (KRIEGER e FINATTO, 2004), cujo fim último é proporcionar fundamentos teóricos para a elaboração de dicionários gerais, ou conforme complementa Haensch (apud KRIGER e FINATTO, 2004), fixar a metodologia dessa ciência do saber.
Terminologia
Por sua vez, o emprego de terminologias assume determinadas funcionalidades nas comunicações profissionais. (KRIEGER E FINATTO, 2004, p. 16)
A linguagem de especialidade é o meio pelo qual as ciências são veiculadas de modo a garantir precisão comunicativa aos seus usuários. À primeira vista, é causa de estranheza àqueles que não estão tão afeitos ao domínio. Nesse enfoque, é inegável, segundo conforta Maciel (2001a), o fato de que “são os termos, isto é, as palavras técnicas, os primeiros traços que saltam aos olhos do leitor que se depara com um texto técnico ou científico” (p. 40).
Nesse sentido, prefacialmente, há de se pontuar do que trata a Terminologia e a quais fins visam suas teorias. Definem Krieger e Finatto (2004) a Terminologia (com T maiúsculo) como a área do conhecimento e de estudo cujo interesse principal é o chamado léxico especializado. Acrescentam, ainda, as autoras que, ao ser grafada com t minúsculo, ela pode significar um termo técnico-científicos determinado ou representar o conjunto das unidades lexicais típicas de uma área.
Embora a fraseologia especializada tenha sido objeto de estudo da Terminologia, o que marca a identidade da área é fundamentalmente o termo técnico-científico, ponderam Krieger e Finatto (2004). De qualquer sorte, habituou-se a dizer, consoante lecionam as autoras, que “como esse tipo de comunicação especializada possui determinadas peculiaridades, como precisão, objetividade e o uso sistemático de termos técnicos-científicos, costuma também ser identificada como língua para fins específicos (Language Specific Purposes-LSP), tecnoleto, língua de especialidade entre outras dimensões” (p. 16).
De outra ponta, mas com não menos razão, Biderman (2001, p. 19) assevera que “a Terminologia se ocupa de um subconjunto do léxico de uma língua, a saber, cada área específica do conhecimento humano”. Pode-se afirmar, então, que enquanto a Lexicologia compreende o estudo científico do léxico, buscando o estudo do universo das palavras, conforme discorrido na seção anterior, Andrade (2001, p. 192) defende, por sua vez, que a “terminologia pode ser encarada como uma ‘especificidade’ da lexicologia, uma vez que trata não de todas as palavras da língua, mas daquelas que constituem as linguagens especializadas”.
Para Krieger (2001), o léxico temático ou especializado encontra guarida quando da necessidade do usuário específico de uma área fazer circular a informação técnica entre os pares e tranferi-la aos usuários comuns com mais precisão, razão pela qual a categorização terminológica mostrou-se assaz importante. Nessa ótica, Bidermann (2001, p, 21) esclarece que:
O uso de termos padronizados (normalizados) permite que a comunicação linguística atinja a eficácia desejada, se os membros da comunidade científica, ou da sociedade em geral, dispuserem do mesmo repertório de signos e esses itens lexicais designarem o mesmo referente na estrutura geral do conhecimento.
Outrossim, segundo se depreende do que informam Krieger e Finatto (2004), há duas funções essencias realizadas pelo termo, quais sejam: representação e transmissão do conhecimento. E justificam-se, uma vez que enquanto componente linguístico próprio, o termo tem também o objeto de transferir a comunicação especializada, da qual está a serviço, transmitindo conteúdo típico de cada área. E, nessa lógica, as autoras explicitam que as terminologias buscam elidir ambiguidades e jogos polissêmicos, ocorrência comum no léxico geral, conferindo precisão conceitual e delimitando conteúdos específicos.
Aponta Krieger (2001a) que a Terminologia, enquanto léxico temático, em verdade, não teve a devida atenção e, por conta disso, exige estudos descritivos de forma sistemática. No entanto, impõe-se proceder a uma abordagem acerca da origem dos estudos terminológicos e de suas principais teorias.
Principais teorias da Terminologia
De acordo com Rondeau apud Krieger e Finatto (2004), a “terminologia não é um fenômeno recente” (p. 24). Segundo as autoras, alguns pesquisadores preocupados com o viés prático da Terminologia empenharam-se em refletir sobre os termos, momento a partir do qual nasceram as primeiras Escolas Terminológicas, sendo elas: de Viena, de Praga, da Rússia e, mais adiante, do Canadá, além de outras que vieram a se formar na sequência.
A cada uma dessas Escolas perfilou-se uma corrente, cujos estudos, a seu modo, preferiu, no caso das clássicas, prevalecer sob “uma perspectiva normativa sobre as terminologias em contraponto às linhas de fundamento descritivo sobre o léxico especializado, que ganham impulso com o desenvolvimento da Linguística” (KRIEGER e FINATTO, 2004, p. 30). Segundo as pesquisadoras, os estudos da Terminologia foram introduzidos na Universidade de Viena, em 1972, pelo engenheiro austríaco Eugen Wüster, cuja preocupação circunscrevia-se à padronização do uso de termos técnico-científicos, buscando o implemento da univocidade comunicacional, paralelo a um amplo estudo sobre os termos, o que culminou na origem da Teoria Geral da Terminologia (TGT). Devido a esses estudos, Wüster é considerado o fundador dessa teoria.
Nessa perspectiva, Krieger (2001a), ao considerar o postulado de Wüster, explicita que a Terminologia expressa o conceito e não os significados, posto que esses são linguísticos e, por conseguinte, variáveis, observado o contexto em que se inserem. Ao passo que os conceitos são estáveis, paradigmáticos e universais, logo, figura a ideia de que as terminologias desempenham a função de rótulos, etiquetas denominativas, compreendidas como fenômenos especiais de designação. A esse postulado liga-se o pensamento de que o termo é cunhado por e para especialistas, de forma a garantir a monossemia, mediante a exclusividade denominativa.
A partir de então, esclarece Krieger que (2001a), a Escola de Viena, fundada por Wüster, “consubstanciou-se no direcionamento do controle dos vocabulários especializados, bem como no privilégio à dimensão cognitiva dos termos técnico-científicos” (p. 28). Em consonância com os propósitos da Terminologia, Wüster postula distinções entre posições de terminológos e de linguistas, assim observando:
Em primeiro lugar, todo trabalho terminológico utiliza como ponto de partida os ‘conceitos’ com o objetivo de estabelecer delimitações claras entre eles. A terminologia considera que o âmbito dos conceitos e o das denominações (= os termos) são independentes. Por essa razão, os terminólogos falam de ‘conceitos’, ao passo que os linguistas falam de ‘conteúdos de palavras’, referindo-se à lingua geral. Para os terminólogos, uma unidade terminológica consiste em uma ‘palavra’ à qual se atribui um conceito como seu significado, enquanto que para a maioria dos linguistas atuais, a palavra é uma unidade inseparável composta de forma e conteúdo. (WÜSTER apud KRIEGER, 2001a, p. 24-25)
Até esse momento, os estudos terminológicos se limitavam a esse apanhado teórico, dispensando a dimensão linguística, enquanto enfoque de funcionamento das terminologias. Nessa esteira teórica, segundo Krieger (2001a), houve uma enorme revisão crítica de modo a viabilizar a reflexão da Terminologia sob a ótica da linguística, calcada na concepção de que ela integra um dinâmico e abrangente processo de comunicação, sujeito a todos envolvimentos e efeitos inerentes ao funcionamento da linguagem. Não obstante, para Krieger (2001a), é inegável e salutar reconhecer as grandes contribuições feitas pela TGT, uma vez que delimitou os estudos da Terminologia, por meio de princípios específicos de conhecimento e também provocou a reflexão para a devida apreensão das várias faces que apresenta sua natureza científica. Sobre isso, Hoffmann apud Krieger (2001b) acrescenta que a TGT é reconhecida “como um passo importante no esclarecimento da essência das linguagens de especialidade” (p. 50).
Autodenominando-se socioterminólogos, formou-se uma nova corrente doutrinária, que, segundo Maciel (2001c, p. 50), tinha como propósito defender “a revisão da Terminologia clássica sob o prisma da função social da língua, livrando-a do rigorismo idealizado e reducionista das épocas primeiras de Viena”. No entender de Krieger (2001c), essa corrente, formulada por Gaudin, intentava proposições direcionadas a uma socioterminologia. Nessa senda, postula ainda que a inoperância e o artificialismo do ideal de normatização devem ser vencidos pelo exame do contexto de produção dos léxicos. E, conforme Maciel (2001c, p. 50), os socioterminólogos adotam uma abordagem descritiva da linguagem de especialidade em uso, dando primazia ao evento comunicativo e analisando as manifestações discursivas. No entanto, embora tenham contribuído enormemente para configuração de nova perspectiva em que a Terminologia é atualmente vista, ainda não conseguiram desenvolver, até o presente momento, uma proposta teórica consistente.
Mais adiante desse viés de redimensionamento das teorias terminológicas, a partir dos anos de 1990, surgiu a destacada Teoria Comunicativa da Terminologia (TCT). Krieger e Finatto (2004) explicitam que ela foi proposta por Maria Teresa Cabré, da Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona, juntamente com pesquisadores do grupo do Instituto de Linguística Aplicada. O grupo foi responsável pelos primeiros debates em contestação crítica e sistemática à TGT.
Compreende Krieger (2001b) que, com essa nova visão, os estudos proporcionaram a apresentação de uma Terminologia diferenciada, fundamentada na sobredeterminação dos aspectos comunicativos das linguagens especializadas, em oposição ao ideal de normatização. Aduzem Krieger e Finatto (2004) que, com a perspectiva da TCT a favor da valorização do aspecto comunicativo, uma unidade lexical passa a assumir caráter de termo, considerando o contexto em que é inserido e a situação determinada. As estudiosas explicam que seu conteúdo deixa de ser fixo, assumindo certa relatividade, de acordo com o cenário comunicativo. Apontam ainda que, a partir dessa grande ruptura, há outras teorias que assumiram o ideal de descrição da Terminologia, com base em seu comportamento nos textos especializados, o que, por sua vez, implicou o reconhecimento da polissemia no campo das comunicações técnico-científicas.
Não demora muito para que uma nova teoria surja no cenário terminológico. Estruturada por Rita Temmerman, nos anos 2000, Krieger e Finatto (2004) orientam que essa Teoria Sociocognitiva da Terminologia (TST) encontra fundamento em paradigmas hermenêuticos. Conforme as autoras, a TST nasceu em resposta aos princípios da Escola de Viena, repudiando o seu aspecto objetivista, e de seus termos desenvolvidos como etiquetas denominativas. Pelo que se depreende, há um debate de capital importância no campo das ciências terminológicas, em que dois pontos divergem. Nas palavras de Krieger (2001b, p. 58),
de um lado encontra-se uma visão estática e normalizadora dos termos, expressão da dimensão conceitual sob a qual a Escola de Viena define seus princípios e métodos; de outro, a ótica linguística que entende o funcionamento das terminologias no contexto de sua naturalidade aos sistemas linguísticos e às formas pragmáticas de sua materialização nos contextos especializados.
Nessas condições, impende notar que foram criadas inúmeras teorias nos estudos da Terminologia, nos últimos anos. Cada qual a priorizar a análise sob o enfoque de seu interesse. Com isso, faz-se necessário verificar que a ciência terminológica está em constante ascensão e sujeita às mais variadas perspectivas de abordagem.
Reconhecimento do estatuto terminológico
Em que pese aos autores diversos postularem critérios, configurações, modos de reconhecimento do termo técnico e técnico-jurídico, faz-se, aqui, necessário evidenciar uma definição base, a partir da qual os verbos, em seus respectivos institutos (corpus), serão submetidos à verificação científica. Todas as definições trazidas neste trabalho, anteriores e presentes, são, evidentemente, úteis e salutares à apreensão da Terminologia, nas mais diversas nuances doutrinárias, também, com razão, no campo jurídico.
Nesse diapasão, nada mais justo do que iniciar as definições de termo por quem é considerado fundador da Terminologia, pela corrente denominada TGT, Eugen Wüster. Conforme Krieger (2001c), Wüster aduz que o termo consiste numa palavra cujo significado é um conceito. De outra ponta, para assumir o estatuto de termo a uma unidade da língua impõe-se compreender a dimensão conceitual do signo linguístico, isto é, o conteúdo especializado. Nesse sentido, Rey (apud KRIEGER, 2001a) defende que, para que um nome mereça o estatuto terminológico, mister é que, em meio à terminologia a que está circunscrito, seja distinto dos demais.
Para Rondeau (apud KRIEGER, 2001c), sobrepõe-se ao aspecto sígnico, caracteriza- se pela compreensão de que, para uma noção, há apenas uma denominação, fenômeno que se sustenta em razão de outro postulado da Terminologia: o da univocidade entre denominação (significante) e noção (significado). Cumpre registrar que os aspectos aos quais se aludiu são todos relativos à perspectiva adotada pela escola de Viena (TGT), em que os termos são designações de conhecimento científico, compreendidos como unidades de conhecimento. Nesse aparato, consideram-se suas características a monorreferencialidade, monossemia, exclusividade denominativa, justificando, desse modo, o papel idealizado de univocidade, objeto das comunicações especializadas.
De outro lado, e em vias de projetar uma guinada teórica e confluente com o propósito visado neste trabalho, é forçoso consignar que, além de elementos naturais dos sistemas linguísticos, o termo compreende um elemento importante, qual seja: linguagem em funcionamento. Tal elemento é relevante, uma vez que o termo está presente em textos e discursos especializados: significa dizer que as unidades lexicais terminológicas estão afetas aos componentes que fundamentam a semiótica, a pragmática e ideologias dos processos comunicacionais.
Os novos estudos sobre o termo que o assumem como uma entidade multifacetada, e não-linear, confirmados pela TCT, de poliedricidade do termo, são avanços teóricos propiciados pela passagem de um paradigma prescritivo para um descritivo, na teoria da Terminologia. Logo, em razão dos fundamentos, princípios e propósitos de uma área, uma unidade lexical é capaz de assumir o valor de termo.
Nesse arrimo, elege-se como definição paradigma de unidade terminológica para análise do corpus em estudo o entendimento de Cabré, abaixo destacado:
[...] conceber as unidades terminológicas como um conjunto de traços associados a unidades léxicas caracterizadas por sua natureza denominativo-conceitual. Tais unidades são, portanto, dotadas de capacidade de referência e podem exercer funções distintas, sejam funções referenciais, sejam expressivas, sejam conotativas. Além disso, quando integradas no discurso, os itens lexicais constituem-se em núcleos predicativos ou em argumentos dos predicados. (CABRÉ apud MACIEL, 2001c, p. 52)
De forma complementar, elege-se a definição a seguir, patrocinada por Krieger (2001b, p. 52-53), como paradigma para distinção de unidade lexical comum de unidade lexical especializada:
Como consequência, o que distingue a unidade lexical especializada, isto é, o termo de uma unidade da língua comum, é a conjugação do caráter de representante de um conceito temático, juntamente com as funções pragmáticas assumidas na comunicação. Enfim, o termo é visualizado como uma peça integrante de um processo dinâmico e não com uma peça da estrutura estática da árvore de domínio artificialmente construída em laboratório.
Impende frisar o destaque de Maciel (2001c), para quem, o termo é uma palavra comum que assume uma significação específica quando inserida em um contexto de uso de uma área temática (terminologização), de tal modo que a mesma palavra poderá assumir um significado distinto em outra área, razão pela qual a nenhuma área de conhecimento pertence exclusivamente uma terminologia. Dessa forma, a especificidade dos termos é verificada “precisamente nos propósitos de seu uso na situação contextual em que ocorrem, o que faz que se tornem verdadeiras unidades terminológicas em seu ambiente de significação” (p. 150).
Reconhecimento do estatuto terminológico jurídico
Do trabalho de autoria da professora Maciel (2001c) decorre uma consideração de bastante relevância, que diz respeito à notabilidade de traços peculiares que denotam a especificidade dos termos empregados na linguagem jurídica. E, com efeito, postula que alguns critérios para atribuição do status de termo e reconhecimento de unidades lexicais, próprios dessa terminologia, diferem daqueles adotados nas demais áreas do conhecimento, uma vez que é pela comunicação das normas jurídicas que se configura sua especificidade. A partir dessa perspectiva terminológica, por meio de sua tese, a autora vislumbrou que é o termo jurídico, portanto, uma unidade lexical comum que assume valor jurídico, quando ativado pelo uso no discurso do universo do Direito.
A linguagem de que se utilizam os juristas, advinda de textos legislativos, doutrina e jurisprudência, tem enorme destaque nos estudos da terminologia tal, que se compreende como uma terminologia essencialmente jurídica, não só por aqueles que dela fazem uso, mas também por linguistas. Entretanto, não há definição exata quando se busca explicar em que consiste essa especificidade, em particular, na utilização de palavras da língua comum em ambiente do discurso jurídico. Inobstante, aponta Maciel (2001c) que, para linguistas e juristas, isso é possível devido à natureza prescritiva e social do Direito, que no mais das vezes, tem os textos dirigidos a um grande público, exigindo a utilização de palavras que compõem a língua comum dos falantes.
E, nessa proposta, para Cornu (apud MACIEL, 2001c), mister é a separação dos termos da linguagem jurídica em dois grupos: aqueles utilizados para referenciar especialmente conceitos jurídicos; e aqueles que, aproveitados da língua comum, adquirem a especificidade da área, compostos de vocábulos, quer sejam criados, quer sejam contemplados pelo Direito, são, afinal, absorvidos por seu universo. Afirma ainda que, pela escassez de dados estatísticos acerca da terminologia jurídica no Brasil, estima-se que os termos essencialmente jurídicos (usados exclusivamente na linguagem jurídica), na linguagem jurídica francesa, são, de fato, minoria. Grande parte deles surgiu para exprimir conceitos cuja origem remonta ao Direito Romano. Sua existência e significado se justificam unicamente à ciência e ao contexto jurídico. Tais termos são denominados nomina juris (THOMAS apud MACIEL, 2001b).
Por outro lado, há um cabedal de termos (a grande maioria), denominados de dupla pertinência, cujo uso é recorrente não só no Direito, mas também fora dele. Esse grupo pode ser subdivido em classes, entre as quais a primeira destaca aqueles de uso não-exclusivo, portanto, que caíram em domínio público e são utilizados para referenciar conceitos próprios do universo jurídico, frequentemente empregados na linguagem comum, guardando, por vez, parcela do sentido original (ex.: herança, hipoteca, usufruto etc.). A segunda classe compreende aqueles termos frutos da língua corrente e, após, percorrendo caminho inverso, incorporam-se no domínio do Direito, a fim de exprimir institutos e/ou procedimentos legais. Logo, além do significado original, assumiram mais outro, no mais das vezes, sobrepondo-se àquele, correspondente à linguagem de especialidade do Direito (ex.: despejo, servidão, despacho etc.).
E, por último, a classe de termos comuns que denotam entidades do mundo cotidiano, como bem descreve a autora (MACIEL, 2001c), uma vez que também adquirem conotação especializada, no entanto, diferentemente da classe anterior, conservam o significado original, posto que frequentemente assumem “implicações comportamentais jurídicas” (ex.: pai, mãe, família etc.) (p.142). A respeito disso, importa observar que palavras da língua comum, sem implicação especializada no Direito, já eram empregadas como tal pelo Direito Romano (ex.: água e pluvial). Nesses casos, essas palavras se revestem de pertinência e relevância ao serem contempladas pela lei, haja vista seus traços específicos do mundo do Direito, razão por que devem ser analisadas considerando seus traços semânticos no contexto legal, de sorte a identificar a especificidade que a lei lhes acrescenta (THOMAS apud MACIEL, 2001c).
Pressupõe-se que a análise deve ser feita tomando o contexto da lei como referência, a partir do qual se deduz que traços específicos se atualizam na configuração de elementos linguísticos que estão em seu entorno, deduzindo-se que a especificidade do termo se configura no texto. É por essa razão que já postulava Thomas (apud MACIEL, 2001c), na década de 70, ideia atualmente sustentada pelos estudiosos que buscam uma abordagem textual: a pesquisa da especificidade do termo deve ser realizada in vivo – na dinâmica da comunicação jurídica – e não in vitro, isto é, nas páginas de glossário e demais produtos terminológicos.
Desse modo, é possível pressupor que a temática jurídica compreende especificidades salientes – nos campos semântico e pragmático. Nessa medida, Maciel (2001c, p. 143) propõe que “a especificidade da terminologia jurídica se configura através do uso em um contexto sócio-cultural complexo. A temática da área transcende à especialização material do assunto, facilmente percebida pelo significado semântico”. A autora acrescenta que, por sua vez, a temática jurídica suplanta a dimensão semântica, porquanto implica uma visão de mundo própria do Direito. E, à guisa de exemplo4, justificando que as características da área é que atualizam seus traços específicos, consigna que as palavras justiça e paz, por exemplo, consideram-se palavras comuns, despidas de qualquer conotação jurídica, contudo, ao inserirem-se no discurso legal, admitem o estatuto terminológico em vários campos do Direito, segundo a área a que está circunscrita.
Portanto, uma unidade lexical carrega consigo o potencial para assumir o estatuto terminológico jurídico, contanto que verificado pelos juristas sob a ótica dos princípios da área em que se insere (campo temático). A fim de confortar tal postulado, Maciel (2001c, p. 144) aduz mais precisamente o seguinte:
dessa forma, a especificidade temática não pode ser confirmada apenas pela inclusão de um termo em uma listagem de assuntos tratados por juristas. Essa especificidade temática, antes de tudo, é atestada pela visão que os juristas têm da entidade, referenciada sob a ótica dos princípios e propósitos da área. À vista disso, se percebe que não basta consultar um tesauro de Direito para conhecer a abrangência temática da área, mas é indispensável entrar em contato com os seus fundamentos, objetivos e métodos.
Seguramente, isso ocorre porquanto o universo jurídico constitui-se de arcabouço de preceitos, regras, leis e respectivas sanções coercitivas decorrentes de lei. Em suma, pela singularidade temática e finalidade comunicacional jurídica, de que se depreende, portanto, que não se presta a simples transferência de informação, mas sim a conferir normas e comportamento aos usuários.
De forma derradeira, a especificidade do termo ao campo jurídico – sua juridicidade –, mais uma vez, vai além da pesquisa terminológica e se detém à doutrina do Direito. E o faz utilizando os mesmos elementos do mundo leigo, porém lhes sobrepõe traços jurídicos a seu significado natural, os quais, por vezes, bastante sutis, mas à luz de princípios e elementos do universo do Direito, tornam-se notáveis. Ocorre, deveras, que a unidade lexical comum transcende o significado habitual que há na comunicação não especializada. Faz-se, necessário, portanto, identificar o que evidencia a especificidade do termo no universo do Direito, de forma a apreender a pertinência temática nas implicações pragmáticas no contexto.