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Entre a identidade e a integração: as implicações da reforma da cidadania alemã

Agenda 29/01/2024 às 18:41

Comparando com outros países europeus, vemos que a Alemanha está se alinhando mais estreitamente com nações que possuem leis de nacionalidade mais favoráveis aos imigrantes.

Introdução

O conceito de pertencimento e identidade cultural, tal como entendido pelos brasileiros, está profundamente enraizado na ideia de jus soli, ou direito de solo, onde ser brasileiro está conectado ao fato de nascer no Brasil. Esta noção contrasta fortemente com as tradições de cidadania em muitos países europeus, onde prevalece o conceito de jus sanguinis, ou direito de sangue.

Tradicionalmente, na Alemanha, a cidadania é conferida mais comumente através da descendência, não pelo local de nascimento. Isso significa que uma criança nascida em solo alemão não adquire automaticamente a nacionalidade alemã, a menos que cumpra alguns requisitos legais. Esta perspectiva diferente da prática brasileira e reflete uma visão diferente de nacionalidade e identidade.

A definição de nacionalidade do brasileiro é mais abrangente pois o Brasil, como Estado, foi um país construído por imigrantes de diversos lugares. Essa história de imigração facilita o entendimento de que o brasileiro pode ser qualquer pessoa, independentemente de sua origem étnica ou cultural.

Todavia, na Alemanha a história da imigração é bem mais recente, iniciando-se mais precisamente na década de 1960 com a chegada de milhares de imigrantes, principalmente da Turquia e do sul da Europa[1]. Consequentemente, a demografia e a economia alemãs sofreram transformações significativas. Esses imigrantes desempenharam um papel crucial no processo de reconstrução do país, contribuindo para que a Alemanha se tornasse posteriormente uma das maiores economias do mundo. No entanto, a integração desses imigrantes e suas gerações subsequentes na sociedade alemã sempre foi um tema complexo, moldado por uma compreensão de nacionalidade que, até recentemente, enfatizava a integração na sociedade.

Esse entendimento de nacionalidade reflete nas políticas e atitudes sociais em relação à definição de identidade nacional. Enquanto o Brasil e o povo brasileiro abraçam uma noção de identidade nacional mais inclusiva e diversificada, a Alemanha, por muito tempo, manteve uma visão mais restritiva.

Assim sendo, em uma data histórica, o Bundestag (Parlamento Alemão) aprovou mudanças na lei da nacionalidade alemã, chamada de Staatsangehörigkeitsgesetz[2]. Estas reformas representam um movimento significativo na direção de uma abordagem mais aberta e inclusiva em relação à cidadania.

Principais mudanças

1 Aceitação de dupla nacionalidade

Uma das principais mudanças na lei de nacionalidade alemã é a aceitação da dupla cidadania. Antes, a maioria dos imigrantes tinha que renunciar à sua nacionalidade original para se tornarem alemães, o que desencorajava muitos deles a buscar a cidadania alemã. Essa restrição limitava o acesso a direitos exclusivos dos cidadãos alemães, como o voto.

Com a nova legislação, espera-se um aumento no número de pedidos de nacionalidade por parte dos imigrantes que vivem na Alemanha há anos, pois agora eles podem manter sua cidadania original ao adquirir a alemã.

A proibição anterior da dupla nacionalidade no direito alemão pode ser parcialmente atribuída a uma preocupação do governo com a preservação de sua cultura diante da chegada em massa de estrangeiros. No entanto, essa restrição acabava por gerar frustração entre os estrangeiros que viviam e contribuíam para a sociedade alemã, mas não tinham acesso a certos direitos civis, restringindo assim sua plena integração.

2 Redução do tempo para a aquisição da nacionalidade

Antes das recentes mudanças na legislação alemã, imigrantes precisavam residir na Alemanha por um período mínimo de oito anos antes de poderem solicitar a cidadania. Agora, com as novas regras, esse período foi reduzido para cinco anos. Além disso, em casos de integração excepcional, onde o imigrante demonstra um comprometimento notável com a sociedade alemã, por exemplo, através de fluência no idioma, engajamento em atividades comunitárias ou contribuições profissionais significativas, o período pode ser ainda mais reduzido para três anos.

Consequentemente isso representa uma abertura significativa na política de imigração da Alemanha. Comparando com outros países europeus, vemos que a Alemanha está se alinhando mais estreitamente com nações que possuem leis de nacionalidade mais favoráveis aos imigrantes.

Por exemplo, países como Portugal e Espanha também oferecem caminhos mais acessíveis para a cidadania, principalmente para indivíduos de países de língua portuguesa ou espanhola. Em Portugal, o período de residência necessário é de cinco anos, semelhante ao novo requisito alemão [4]. Na Espanha, esse período varia, mas pode ser tão curto quanto dois anos para cidadãos de países ibero-americanos. Essas políticas refletem uma tendência crescente na Europa de facilitar a integração de imigrantes, reconhecendo sua contribuição vital para as sociedades.

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Enquanto a Alemanha e outros países europeus têm facilitado o acesso à cidadania para imigrantes, observa-se uma tendência oposta em nações como a França, onde as leis de nacionalidade têm sido endurecidas [5]. A França, por exemplo, adotou medidas mais rigorosas em relação à naturalização, refletindo uma abordagem mais cautelosa em relação à imigração.

3 Nacionalidade pelo nascimento

A alteração na legislação alemã sobre o nascimento de crianças em território alemão, que reduziu a residência exigida de um dos pais de oito para cinco anos, é uma mudança relevante. Antes dessa modificação, crianças nascidas na Alemanha de pais imigrantes que não haviam completado oito anos de residência no país não recebiam automaticamente a cidadania alemã. Isso resultava em crianças nascidas e criadas na Alemanha sem os mesmos privilégios de um cidadão alemão, uma situação comum, dada a frequência de imigrantes que têm filhos antes de completar o período de oito anos.

Dados do Departamento Federal de Estatísticas da Alemanha (Destatis) mostram um número significativo de residentes estrangeiros, incluindo famílias jovens e crianças[3]. Estas estatísticas ressaltam a importância da nova lei, pois muitas crianças nascidas na Alemanha de pais imigrantes anteriormente não eram elegíveis para a cidadania alemã se seus pais não completassem o requisito de residência de oito anos. A redução desse período para cinco anos está mais alinhada com as realidades dessas famílias, muitas das quais estabeleceram suas vidas na Alemanha, mas ainda não eram elegíveis para a cidadania sob a lei antiga. Esta mudança legislativa aborda a questão de crianças crescendo na Alemanha sem cidadania alemã, apesar de suas fortes conexões com o país.

Conclusão

As recentes reformas na legislação de cidadania alemã representam um passo significativo em direção a uma abordagem mais inclusiva e flexível em relação à identidade e integração dos imigrantes. Essas mudanças têm um impacto profundo não apenas na política de imigração da Alemanha, mas também na própria definição de nacionalidade e pertencimento no país.

A aceitação da dupla nacionalidade é um marco importante que reconhece a realidade de uma sociedade cada vez mais diversificada. Ao permitir que os imigrantes mantenham sua cidadania original, a Alemanha promove a integração e a participação plena na sociedade, eliminando as barreiras que antes desencorajavam muitos de buscar a cidadania alemã.

A redução do tempo necessário para adquirir a nacionalidade alemã também é uma mudança significativa. Isso não apenas torna o processo de naturalização mais acessível, mas reconhece a contribuição dos imigrantes para a sociedade alemã de forma mais rápida. Além disso, a possibilidade de redução desse período em casos de integração excepcional incentiva um comprometimento mais profundo com a cultura e a sociedade alemãs.

A alteração na lei em relação ao nascimento de crianças na Alemanha reflete a importância de reconhecer as realidades demográficas do país. A redução do período de residência exigido para um dos pais permite que crianças nascidas na Alemanha de pais imigrantes tenham acesso mais fácil à cidadania alemã.

Desse modo, essas reformas sinalizam uma mudança na compreensão da identidade nacional na Alemanha, passando de uma visão mais restritiva para uma abordagem mais inclusiva fortalecendo o conceito de identidade cultural e tornando o país mais bem visto como um bom lugar para imigrantes.


 [1] Turkish guest workers transformed German society – DW – 10/30/2011

[2] Bundestag alemão - Bundestag facilita o acesso à cidadania alemã

[3] Migration and integration - German Federal Statistical Office (destatis.de)

[4] Como obter a nacionalidade portuguesa (justica.gov.pt)

[5] France passes tough immigration bill amid Macron party rebellion | Migration News | Al Jazeera

Sobre o autor
Pedro Vitor Serodio de Abreu

LL.M. em Direito Econômico Europeu, Comércio Exterior e Investimento pela Universität des Saarlandes. Legal Assistant na MarketVector Indexes.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ABREU, Pedro Vitor Serodio. Entre a identidade e a integração: as implicações da reforma da cidadania alemã. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7516, 29 jan. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/108166. Acesso em: 25 nov. 2024.

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