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Sistemas Sociais e Autopoiése: Análise dos procedimentos jurisdicionais e políticos na CPI da Pandemia sob o enfoque de Niklas Luhmann.

Agenda 25/01/2024 às 16:38

Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios - TJDFT Escola da Magistratura do Distrito Federal – ESMA/DF

Curso de Pós-graduação em Direito Público

ALEXANDRE DE REZENDE NICOLAIDIS

Sistemas Sociais e Autopoiése: Análise dos procedimentos jurisdicionais e políticos na CPI da Pandemia sob o enfoque de Niklas Luhmann.

BRASÍLIA 2021

ALEXANDRE DE REZENDE NICOLAIDIS

Sistemas Sociais e Autopoiése: Análise dos procedimentos jurisdicionais e políticos na CPI da Pandemia sob o enfoque de Niklas Luhmann.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do titulo de Especialista em Direito Público pela Escola da Magistratura do Distrito Federal – ESMA/DF

Orientador: Professor Fábio Francisco Esteves

BRASÍLIA 2021

O fenômeno da “judicialização da política” tem despertado o interesse da comunidade acadêmica e chamado a atenção no âmbito da prática profissional jurídica, em razão do receio da possível ocorrência de substituições indevidas dos papéis constitucionalmente atribuídos aos poderes Judiciário e Legislativo na atualidade. Averiguar a veracidade dessas suspeitas será o objeto do presente estudo. A situação mostra-se particularmente complexa, vez que abrange duas áreas próprias do conhecimento, Ciência Política e Direito. Dessa forma, utilizamos a Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann como metodologia de pesquisa para analisar criticamente alguns eventos ocorridos no âmbito da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia no Senado Federal. Esses eventos foram selecionados com base no potencial de entrelaçamento funcional de atribuições sistêmicas entre o sistema jurídico e o sistema político. A partir disso, na primeira parte do estudo trabalhamos alguns tópicos do método escolhido para apresentar a teoria e aprofundar os principais conceitos que foram utilizados como ferramentas de trabalho, tais como a autopoiése, acoplamento estrutural, sentido, comunicação e autorreferenciamento. Na sequência, contextualizamos os fatos para compor o delineamento do objeto de estudo. São eles: (i) a concessão da liminar pelo Supremo Tribunal Federal, determinando a instalação imediata da Comissão; (ii) a natureza jurídica e a qualidade referencial do depoimento de Emanuela Medrades na CPI; (iii) o decreto de prisão em flagrante de Roberto Ferreira Dias pelo presidente da CPI da Pandemia. Em seguida, analisamos criticamente os recortes escolhidos com base nos conceitos luhmannianos, realizando uma aplicação empírica do substrato teórico de Niklas Luhmann sobre os objetos de análise. Ao final, foi possível identificar três resultados distintos de cada objeto, mostrando que apesar de já terem sido obtidos substanciais avanços pela experiência jurisdicional e política brasileira em manterem a qualidade autopoiética de seus sistemas (político e jurídico), como no caso da liminar concedida, ainda há um longo caminho a percorrer para manter a solidez desse quadro, impondo dessa maneira que se façam reflexões aprofundadas sobre o sentido e os limites de atuação dos Poderes da República na forma delineada pela Constituição Federal de 1988.

Palavras chave: judicialização da política; sistemas sociais; autopoiése; CPI da Pandemia.

  1. INTRODUÇÃO 4

  2. TEORIA DOS SISTEMAS 6

    1. Complexidade, Dupla Contingência e Redução das Expectativas 6

    2. Unidade e Entorno 9

    3. Autopoiésis, Autorreferência e Auto-Observaçao 11

    4. Comunicação, Sentido e Código-Binário 13

    5. Função, Programas, Prestações e Estruturas 17

    6. Auto-observação e Observação de 2ª Ordem 20

    7. Fechamento Operacional, Abertura Cognitiva e Acoplamento Estrutural 22

    8. Irritações, Estímulos e Possibilidades de Ressonância 24

    9. Sistema Jurídico, Sistema Político e a Constituição Federal 27

    10. Síntese teórico-metodológica 30

  3. CONTEXTUALIZAÇÃO: A CPI DA PANDEMIA NO SENADO FEDERAL 33

  4. ANÁLISE DOS FATOS: A CPI DA PANDEMIA E O STF SOB O ENFOQUE DA TEORIA SISTÊMICA DE NIKLAS LUHMANN 45

  5. RESULTADOS E CONSIDERAÇÕES FINAIS 62

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 67

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, a CRFB/88 tem sido colocada à prova por diversas formas, seja pelo esforço na manutenção de higidez do ordenamento positivo em conformidade com a Carta Magna, seja na provocação reiterada do Supremo Tribunal Federal para conceder provimentos jurisdicionais, a fim de suprir derrotas experimentadas na esfera política. Nessa última hipótese, o fenômeno tem sido hodiernamente chamado de “judicialização da política”.

Em evento promovido pela Fundação Getúlio Vargas, em 14 de setembro deste ano1, o atual Presidente do STF, Min. Luiz Fux, reconheceu a situação e expressou descontentamento. Nas palavras do insigne magistrado, o ministro asseverou que2 “toda vez que o STF interfere em uma questão política, a realidade é que os políticos provocam a judicialização porque na arena própria não conseguem fazer vencer as suas pretensões”, e ainda “eu, cada vez mais, me conscientizo que a judicialização da política e das questões sociais é uma expressão absolutamente equivocada”. Em outra oportunidade – em 28 de maio de 2021 – o ministro já havia expressado insatisfação com a situação, ao dizer que “o partido perde na arena política e o Judiciário é acusado de ativismo judicial”, e também que3 “(...)a classe política que judicializa. A classe que vem ao Supremo judicializar aquilo que não conseguiram resolver na arena própria”.

O quadro tem gerado preocupações em diversos setores da sociedade, notadamente após pesquisa realizada pela FGV4, a qual apontou que apenas 29% da população confia no trabalho do Poder Judiciário, sendo uma das instituições públicas com menor prestígio nesse aspecto.

1 WEBINAR: challanges of modern regulation. Publicado pelo canal FGV. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=W7btW23_awY&ab_channel=FGV. Acesso em: 20 de dezembro de 2021.

2 NETTO, Paulo Roberto. Fux critica judicuialização e diz que STF só atua em temas políticos quando acionado: Ministro diz que atuação ocorre após políticos acionarem a Corte “porque na arena própria não consegue fazer vencer suas pretensões”. Poder 360, 14 de setembro de 2021. Disponível em: https://www.poder360.com.br/justica/fux-critica-judicializacao-e-diz-que-stf-so-atua-em-temas-politicos- quando-acionado/. Acesso em: 20 de dezembro de 2021.

3 STF deve estar “afinado” a população, afirma Fux: “É importante que ruas sejam ouvidas”; Evitou comentar ação contra governadores. Poder 360, 28 de maio de 2021. Disponível em: https://www.poder360.com.br/justica/stf-deve-estar-afinado-a-populacao-afirma-fux/ Acesso em: 20 de dezembro de 2021.

4 Índice de Confiança no Judiciário aponta que apenas 29% da população confia na Justiça. FGV Institucional, 03 de novembro de 2016. Disponível em: https://portal.fgv.br/noticias/indice-confianca-judiciario-aponta- apenas-29-populacao-confia-justica Acesso em: 20 de dezembro de 2021.

Paralelamente a essas ocorrências, o ano de 2021 tem sido marcado, na esfera política, pelos trabalhos realizados pela CPI da Pandemia no Senado Federal, no período compreendido entre abril e novembro de 2021. Desde antes de sua instalação, a referida comissão parlamentar já havia experimentado derrotas na seara política e, tanto seus membros, como aqueles que foram ouvidos pela comissão, reiteradamente buscaram o Supremo Tribunal Federal para lidar com algumas das questões relacionadas às apurações em curso.

Dentro desse contexto, o presente trabalho se propõe a analisar criticamente alguns dos principais ocorridos no curso dessa investigação parlamentar, para compreender como tem ocorrido essa interação constante entre Poder Judiciário e Poder Legislativo para, ao final, verificar se vem ocorrendo uma espécie de cruzamento das funções constitucionais a partir da fundamentação colocada nas decisões na seara política e jurídica.

Para isso, utilizaremos a metodologia de Niklas Luhmann em sua Teoria dos Sistemas Sociais. Luhmann inaugura uma Teoria Social com a ambição de promover uma explicação descritivo-analítica da sociedade capaz de unir as principais áreas das ciências sociais em torno de um mesmo contexto epistemológico.

Sua proposta se torna conhecida já no final do Séc. XX e tem sido pouco difundida no Brasil, apesar da existência de trabalhos primorosos realizados por autores brasileiros, tais como Neves (1998), Viana (2015), Neves e Rodrigues (2017), dentre outros. Assim, quando estamos diante de um fenômeno complexo pela sua interdisciplinaridade, como é o presente caso onde se relacionam questões jurídicas e questões políticas, entendemos ser a metodologia mais adequada para compreensão crítica desse cenário.

Dessa forma, iniciaremos o trabalho apresentando os principais conceitos para se trabalhar com a teoria sistêmica de Niklas Luhmann e, na sequência, apresentaremos uma contextualização do cenário da CPI da Pandemia, destacando os fatos que serão examinados. Em seguida, será analisada a atuação jurisdicional diante desses fatos, com o objetivo de promover um entrelaçamento explicativo e crítico dos provimentos jurisdicionais. Ao final, serão apresentados os resultados, acompanhados de algumas reflexões e considerações finais do estudo realizado.

TEORIA DOS SISTEMAS

Niklas Luhmann nos apresenta uma teoria funcional-estruturalista do Direito5, que está inserida dentro de sua teoria maior de Sociologia. Para Luhmann, a sociedade deve ser vista como uma organização sistêmica, na qual, com o passar do tempo, organiza-se em subsistemas especializados em cumprir determinadas funções sociais. Um desses sistemas seria o sistema jurídico.

A proposta de Luhmann foi fortemente criticada como obscura ou incorreta, por autores como Jürgen Habermas, Hubert Rottleuthner, Cary Wolfe, dentre outros. Mario Losano (apud Viana, 2015, p.38), afirma que na verdade, seus textos não são obscuros, mas a crítica surge em decorrência do desafio que é colocado perante o leitor pela sua terminologia difícil, inovadora e de início não cativante.

Além disso, há de se ter em mente que Luhmann não propõe uma teoria crítica da sociedade (como a realizada por Habermas, em sua Teoria da Ação Comunicativa), mas sim, um estudo descritivo-analítico, feito de maneira heterodoxa para descrição da sociedade moderna.

Dessa forma, antes de iniciarmos as análises a serem desenvolvidas neste estudo, cumpre apresentar os principais conceitos luhmannianos que serão usados como as ferramentas para o presente trabalho.

Complexidade, Dupla Contingência e Redução das Expectativas

Segundo Rodrigues e Neves (2017, p.19), Niklas Luhmann construiu uma perspectiva teórica da sociedade, colocando no centro a necessidade de se afrontar a crescente complexidade que o sistema social, numa perspectiva global, vem desenvolvendo. Para Luhmann, a sociedade se constitui em um sistema complexo, fechado sobre si mesmo, do ponto de vista de seu operar, e expande-se em direção ao seu próprio interior, num processo continuamente inflacionário (NEVES e RODRIGUES, 2017, p.19).

5 VIANA, Ulisses Schwarz. Direito e Justiça em Niklas Luhmann: complexidade e contingencia no sistema jurídico. 1ª Ed. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris. 2015. P.38

Neste sentido, a necessidade de diferenciação em subsistemas funcionais dentro da sociedade advém do constante aumento de sua complexidade e das relações sociais, que são carregadas de contingências comunicativas6.

Para lidar com a grande quantidade de informações e contingências que vêm junto com essa (hiper)complexidade, os sistemas sociais se organizam para tentar reduzir a complexidade, gerando uma assimetria informacional entre estes em relação ao ambiente, por meio de um tratamento seletivo dos eventos a partir da recepção ou não da informação. Esse tratamento seletivo ocorre a partir de parâmetros próprios que cada subsistema estabelece por meio dos critérios funcionalmente especializados de sentido para a recepção da comunicação com o entorno.

Logo, os subsistemas sociais emergem e se auto-organizam, coabitando uma mesma unidade, o sistema-mundo7. Ao final, a divisão funcionalmente especializada busca dar um tratamento mais adequado das informações do entorno para tentar garantir a autopoiése da sociedade, por meio da especialização da comunicação sobre o evento.

Esses sistemas sociais parciais, por sua vez, são autorreferentes ou autorreferenciais, isto é, constituem-se em sistemas que são capazes de estabelecer relações consigo mesmos e de diferenciar essas relações frente às do seu entorno (LUHMANN, 1998a, p.38 apud NEVES e RODRIGUES, 2017, p.29). Dessa forma:

A sociedade passa a ser vista como uma unidade paradoxalmente baseada na diferenciação sistêmica, como um grande sistema comunicativo que se forma em torno de núcleos diferenciados de comunicação (especializada) em torno de núcleos constitutivos de sentido que dão origem aos subsistemas sociais. (VIANA, 2015, p.42).

Os sistemas sociais funcionalmente especializados cumprem o papel de promover uma redução das expectativas, estabilizando essas expectativas para que as pessoas possam se orientar, obtendo uma redução generalizante suficientemente satisfatória por meio de suas estruturas8.

Essa redução é necessária para resolver o problema da dupla contingência da ação social, originariamente introduzida por Talcott Parsons em sua Teoria da Ação Social. A dupla contingência reside na possibilidade de, dentro de uma relação díade (alter x ego) entre dois sujeitos, estes se observam reciprocamente em suas seleções comunicativas, gerando uma

6 Mais à frente veremos que se trata do problema da dupla contingencia.

7 NEVES, Fabrício Monteiro; RODRIGUES, Léo Peixoto. A Sociologia de Niklas Luhmann. 1ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 2017. p.20

8 LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 1983. p. 52

contingência no sentido lógico de “simultânea necessidade e impossibilidade de comunicação, (...) em que a emissão comunicativa pode ser diversa daquilo que ela aparenta” (VIANA, 2015, p.72), podendo ocorrer de diversas maneiras. Em outros termos, ego utiliza-se de possibilidades infinitas de ação (primeira contingência), já alter teria reações igualmente ilimitadas. No limite dessa interação, reside uma impossibilidade de comunicação, o que levaria à impossibilidade de reprodução da sociedade9.

Niklas Luhmann altera essa perspectiva de contornos psicológicos e psíquicos introduzida por Parsons e a insere na organização seletiva dos sistemas constitutivos de sentido como sistemas sociais contingentes10. Viana (2015, p.73), ao tratar dessa mudança promovida por Luhmann, em apoiar-se nos estudos de Parsons, descreve:

No interplay da dupla contingência emerge a imprevisibilidade e variabilidade da relação comunicativa, em que as expectativas de comportamento podem ser eventualmente desapontadas, colocando-se a possibilidade ou risco de compreender ou de não se compreender; de ser ou não ser compreendido. Os sistemas constitutivos de sentido ao se apresentarem reciprocamente como black boxes: se remetem aos seus próprios limites autorreferenciais e buscam afastar os riscos da dupla contingência não por meio de um processo de ‘tornar-se transparente’ um para o outro, mas sim pela estabilização das expectativas, não pela estabilização do próprio comportamento, sendo que toda sorte esta é contudo pressuposta porque o comportamento deve orientar-se normalmente pela expectativa de comportamento estabilizada. (grifos nossos).

Luhmann (1983, p.13). ao tratar da estabilização de expectativas a partir da limitação recíproca da complexidade dos sistemas sociais nessa interação constante entre eles, ressalta:

A complexidade de um campo de possibilidades pode ser grande ou pequena, em termos quantitativos, de diversidade ou de interdependência. Além disso, ela pode ser desestruturada ou estruturada. A complexidade totalmente desestruturada seria o caso limite da névoa original, do arbítrio e da igualdade de todas as possibilidades. A complexidade estruturada constitui-se na medida em que as possibilidades se excluam ou se limitem reciprocamente. Na complexidade estruturada, portanto, surgem problemas de compatibilidade e compossibilidades. A ativação de uma determinada possibilidade bloqueia a outra, mas permite, por outro lado, a construção de novas possibilidades que a pressupõem. Desta forma uma “constituição de Estado de direito” exclui mais o menos efetivamente numerosos modos comportamentais, abrindo, porém, e exatamente por isso, o caminho para outros modos comportamentais, como por exemplo, ações constitucionais que de outra forma não seriam possíveis, por dependerem da estruturação (sendo contingentes).

Como se percebe, a dupla contingência está diretamente relacionada com o constante aumento da complexidade social, e essa complexidade está apta até mesmo a fazer surgir novos sistemas sociais que possam apresentar novas soluções a problemas emergentes (VIANA, 2015, p.73).

9 LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 1983. p. 111

10 VIANA, Ulisses Schwarz. Direito e Justiça em Niklas Luhmann: complexidade e contingencia no sistema jurídico. 1ª Ed. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris. 2015. p.72

As expectativas, por sua vez, podem ser traduzidas como condensação de referências de sentido. Essas referências de sentido, ao se defrontarem com a contingência e a complexidade “passam a demandar o estabelecimento de um nível de abstração reguladora e integrativa em relação às expectativas concretas formadas nos espaços também concretos de vivência” (VIANA, 2015, p.73). A regulação e integração dessas expectativas ocorre na forma de estruturas dos sistemas sociais11.

Daí a razão de por que a teoria de Luhmann se caracteriza como uma teoria funcional- estruturalista, vez que se centra nessa ideia a noção de que a função antecede a estrutura, sendo a estrutura o resultado de uma demanda (estabilização de expectativas contingentes)12, que são observadas pelos subsistemas a partir do sentido dado por estes aos eventos do ambiente (seletividade), promovendo uma estruturação dessas expectativas. Assim, as expectativas passam a integrar o sistema na forma de estruturas, estabilizando-se.

Quanto ao sistema jurídico, Luhmann (apud VIANA, 2015, p.104) afirma que este é tipicamente um sistema de expectativas normativas, por que as expectativas que lhe são incorporadas não cedem diante da frustração das mesmas, ou seja, a ocorrência de um ilícito (quebra da expectativa de exercer condutas lícitas) faz com que o sistema jurídico atue para impor a manutenção dessa expectativa, confirmando suas próprias estruturas.

Em síntese desse primeiro passo temos que a proposta de Luhmann é teorizar a sociedade para lidar com a sua crescente complexidade e, por consequência, a crescente dupla contingência da comunicação social. Para isso, a sociedade divide-se em subsistemas funcionalmente especializados para reduzir a carga de informações do entorno e assim, tratar aquelas que fazem sentido para cada sistema, a depender de sua função social própria. Logo, o sistema jurídico irá tratar de questões jurídicas, o sistema político de questões políticas, o sistema econômico de questões econômicas, e assim por diante.

Unidade e Entorno

11 VIANA, Ulisses Schwarz. Direito e Justiça em Niklas Luhmann: complexidade e contingencia no sistema jurídico. 1ª Ed. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris. 2015. p.73

12 VIANA, Ulisses Schwarz. Direito e Justiça em Niklas Luhmann: complexidade e contingencia no sistema jurídico. 1ª Ed. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris. 2015. p. 38.

Outro aspecto importante é a compreensão de sistema enquanto “unidade dinâmica” (NEVES e RODRIGUES, 2017, p.31), que emerge em um constante fluxo de interações auto- organizadas, singularizando-se em relação ao seu meio e diferenciando-se como sistema autorreferente.

A noção de sistema implica a compreensão de unidade ou totalidade, que sempre existe quando em relação ao ambiente em que está inserido. E como todo sistema, os sistemas sociais parciais também possuem limites, e esses limites são o que o diferenciam de seu entorno, consagrando aí o paradoxo luhmanniano da “unidade pela diferença”.

Morona (2009, p.98) sintetiza bem esse paradoxo ao destacar que:

O sistema se define, precisamente, por sua diferença em relação ao seu ambiente; diferença que se inclui no mesmo conceito de sistema, ou seja, o sistema inclui sempre em sua constituição, a diferença em relação a seu ambiente e só pode ser entendido como tal a partir dessa diferença.

Os sistemas parciais são individualizados a partir da função social que exercem para aquela sociedade. Função social no contexto luhmanniano “deve ser entendida como um esquema comparativo de ações concretas que produzem diferentes soluções a determinados problemas do sistema” (VIANA, 2015, p.36). E a função social advém, exatamente, da necessidade de redução da complexidade, gerando com isso um sistema funcionalmente especializado.

Para que o subsistema execute sua função especializada, ele se orienta pelos códigos binários comunicativos, que funcionam “como critério de seleção do que pode ser objeto de comunicação dentro de determinado subsistema” (VIANA, 2015, p.37). A comunicação para Luhmann é considerada, ao mesmo tempo, limite de atuação do sistema e também elemento de reprodução do próprio sistema social.

Luhmann (1997b, p.51 apud NEVES e RODRIGUES, 2017, p.116) ressalta que: “O sistema se produz como uma forma que separa uma parte interior, o sistema, e uma parte exterior, o entorno; a parte interior da forma é a parte sobre a qual só se pode reproduzir operações que produzem a forma, a diferença, o sistema”.

Assim, tudo aquilo que não compõe o sistema deve ser visto como ambiente, diferenciando-o assim um do outro. Por meio da auto-observação é que os sistemas sociais conseguem construir um sentido próprio para os eventos que são percebidos no ambiente – diferenciando-se em relação ao ambiente e aos demais sistemas – “excluindo ou incorporando

autosseletivamente, as informações recebidas de seu entorno para realizar suas operações internas, construindo assimetrias com o fim de reduzir a (hiper)complexidade do ambiente” (VIANA, 2015, p.82 e 83). E assim, tornam-se capazes de lidar com a complexidade que lhes é posta.

Autopoiésis, Autorreferência e Auto-Observação

Para aplicar a noção sistêmica na teorização do comportamento social, Niklas Luhmann importa da Biologia, a partir dos estudos de Maturana e Varela, o conceito da autopoiésis dos sistemas orgânicos.

Maturana e Varela desenvolveram no início de 1970 uma nova forma de enxergar o funcionamento dos seres orgânicos. A proposta afirma que todo organismo vivo está contido dentro de um meio, todavia, a sua individualidade enquanto ser não depende deste meio, criando-se aí uma diferenciação entre os seres e o ambiente, qualificando os primeiros como sistemas fechados, enclausurados13.

A esse tipo de sistema, diferenciado do ambiente em que está inserido, cada ser, célula, organismo é um ser autorreferencial, ou seja, a identidade destes depende apenas das próprias operações internas daquela unidade em que esses seres vivos se constituem14. O que os define da maneira que são se dá tão somente por seus próprios elementos, tornando-se assim, elementos autorreferenciais.

Dessa noção de autorreferenciamento, os autores chilenos evoluem para desenvolver o conceito de autopoiésis. Assim, autopoiésis seria um tipo de autorreferenciamento15. Autopoiésis é a capacidade desses sistemas autorreferentes de se auto-repararem, auto-

13 RODRIGUES, Léo Peixoto. Sistemas Auto-referentes, autopoiéticos: Noçoes-chave para a compreensão de Niklas Luhmann. In: Revista Pensamento Plural (2014). Ed. 3. P. 105-120. Disponível em: https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/pensamentoplural/article/viewFile/3744/3032. Acesso em: 20 de dezembro de 2021. p. 112 e 113

14 RODRIGUES, Léo Peixoto. Sistemas Auto-referentes, autopoiéticos: Noçoes-chave para a compreensão de Niklas Luhmann. In: Revista Pensamento Plural (2014). Ed. 3. P. 105-120. Disponível em: https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/pensamentoplural/article/viewFile/3744/3032. Acesso em: 20 de dezembro de 2021. p.113

15 NEVES, Fabrício Monteiro; RODRIGUES, Léo Peixoto. A Sociologia de Niklas Luhmann. 1ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 2017. p.43

reestruturarem, auto-transformarem, auto-adaptarem16. Assim, autopoiésis é uma qualidade além da auto-organização (enquanto sistema) ou do seu auto-referenciamento (enquanto condição de identidade), trata-se de uma capacidade de esses próprios organismos produzirem um estado de ordem, manter esse estado e por vezes até redirecioná-los por meio de interpretações feitas em relação às mudanças do seu entorno, sem, contudo, depender de qualquer elemento exterior para realizar essas atividades, confiando apenas em suas próprias operações internas para tal.

Luhmann utiliza esses conceitos e os transplanta para as ciências sociais em sua Teoria dos Sistemas. Luhmann afirma que a autorreferência está no centro de toda a sua teoria sistêmica e que os sistemas sociais são indubitavelmente “objetos autorreferentes”, ou seja, cada um dos sistemas sociais não pode operar fora dos limites que o constituem como tal, e que esses limites dão a qualidade de uma unidade em relação às demais17 e ao seu entorno.

Junto à autorreferência acompanha a auto-observação. Luhmann (apud NEVES e RODRIGUES, 2017. p. 51) argumenta que “a auto-observação não é uma operação especializada de aquisição de conhecimento nem um processo de análise, mas ela serve para aplicar uma distinção”. Essa observação do sistema sobre ele mesmo permite que esse faça uma diferenciação de si com o seu entorno, observando suas próprias operações internas que o distinguem dos demais elementos externos.

Junto à auto-observação há também o conceito do re-entry (re-entrada) elaborado originalmente pelo matemático George Spencer Brown18. A reentrada a partir da auto- observação significa a “criação de uma diferenciação pela diferenciação”, ou seja, a partir da diferenciação do sistema com o ambiente, este consegue criar diferenciações próprias dentro de suas operações internas, aumentando sua complexidade, o que por isso mesmo constitui uma identidade desse/nesse sistema.

Neves e Rodrigues (2017, p.53) lembram que:

Essa identidade poderia ter sido outra qualquer, muitas outras, dadas as infinitas possibilidades oferecidas pela complexidade do ambiente. Isso demonstra o caráter

16 RODRIGUES, Léo Peixoto. Sistemas Auto-referentes, autopoiéticos: Noçoes-chave para a compreensão de Niklas Luhmann. In: Revista Pensamento Plural (2014). Ed. 3. P. 105-120. Disponível em: https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/pensamentoplural/article/viewFile/3744/3032. Acesso em: 20 de dezembro de 2021. p.113

17 NEVES, Fabrício Monteiro; RODRIGUES, Léo Peixoto. A Sociologia de Niklas Luhmann. 1ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 2017. p. 45

18 NEVES, Fabrício Monteiro; RODRIGUES, Léo Peixoto. A Sociologia de Niklas Luhmann. 1ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 2017. p.51

contingente de todo sistema autopoiético. A seleção dentre as possibilidades que se formou como um sistema atual constitui-se, ao mesmo tempo, numa identidade/sentido, isso é a forma que a própria autorreferência assume: o sentido mesmo.

Isso nos retorna para o problema da dupla contingência, e como a divisão em subsistemas sociais visa reduzir a (hiper)complexidade do ambiente social. Todavia, isso não significa que os subsistemas são formas simplificadas de expressão do social. Pelo contrário, o re-entry realizado pela auto-observação permite a criação de diferenciações internas dentro do próprio sistema, gerando assim uma complexidade própria. Em outras palavras, seria a redução da complexidade mediante complexidade19, que Luhmann utiliza para vincular a ideia de entorno, sistema, complexidade e sentido.

Mais à frente iremos retomar o tópico de auto-observação/hetero-observação entre sistema e entorno para introduzir o conceito de observação de 2ª ordem. Agora veremos como o sistema gera a sua diferenciação autorreferencial de sentido no âmbito dos sistemas sociais.

Comunicação, Sentido e Código-Binário

Para Luhmann a própria sociedade é um grande sistema de comunicação20. A comunicação representa assim o próprio limite da sociedade, sendo que tudo para além disso, torna-se entorno. Por essa via, Luhmann promove uma revolução epistemológica do estudo da sociologia, vez que considera a operação comunicativa como algo muito mais preciso do que é a ação; elemento que até então vinha sendo o centro da sociologia desde Max Weber21.

Por meio dessa premissa da comunicação, Luhmann rompe os obstáculos para a aplicação da Teoria dos Sistemas no campo social22. Para esclarecer a premissa, Luhmann formula a noção de sociedade sem seres humanos onde, para ele, são os sistemas sociais que se comunicam e as consciências (ou sistemas psíquicos) são meios para os sistemas sociais. Insere-se o conceito de autopoiésis nesse conjunto e Luhmann também passa a prescindir do

19 NEVES, Fabrício Monteiro; RODRIGUES, Léo Peixoto. A Sociologia de Niklas Luhmann. 1ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 2017. p. 53

20 VIANA, Ulisses Schwarz. Direito e Justiça em Niklas Luhmann: complexidade e contingencia no sistema jurídico. 1ª Ed. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris. 2015. p.42 e 43.

21 NEVES, Fabrício Monteiro; RODRIGUES, Léo Peixoto. A Sociologia de Niklas Luhmann. 1ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 2017. p. 83

22 NEVES, Fabrício Monteiro; RODRIGUES, Léo Peixoto. A Sociologia de Niklas Luhmann. 1ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 2017. p. 83

conceito de intersubjetividade na comunicação social utilizado por Habermas23, uma vez que as consciências também possuem operações próprias e também são autorreferentes24.

Neves e Rodrigues (2017, p.119) destacam que comunicação, nessa perspectiva, é uma síntese de três seleções: (i) emissão, ato de comunicar (alguém “diz”); (ii) informação (“deseja alguma coisa”); e (iii) compreensão.

Considerando que a operação comunicativa é expressão do sistema social dentro de sua teoria de sistemas autorreferenciais, a comunicação também ocupa uma posição de reprodução do sistema social. Por meio dessa lógica, começa a ficar mais clara a delimitação dos limites do social (e dos subsistemas).

Os sistemas sociais e os sistemas psíquicos (consciências) estão em constante estado de interpenetração (interações mútuas), logo, cada um deles acaba se tornando condição de possibilidade do outro25.

Desse modo, Luhmann afirma que a comunicação é um evento puramente social, pois pressupõe vários sistemas psíquicos, ou seja, mais de uma pessoa; e inexiste comunicação individual26. Essa comunicação, por outro lado, deve ser dotada de sentido para ser compreendida.

O sentido em Luhmann representa um meio geral para a constituição das formas a serem utilizadas pelos sistemas psíquicos e sociais27. Logo, sentido é o meio, e a comunicação, é a forma.

Enquanto meio universal presente em todos os sistemas, o sentido também implica um horizonte operativo dos sistemas sociais28, o que não quer dizer que seja imutável. A mutabilidade do sentido possibilita uma atualização dos sistemas sociais no exercício de sua autopoiése.

23 NEVES, Fabrício Monteiro; RODRIGUES, Léo Peixoto. A Sociologia de Niklas Luhmann. 1ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 2017. p. 86

24 NEVES, Fabrício Monteiro; RODRIGUES, Léo Peixoto. A Sociologia de Niklas Luhmann. 1ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 2017. p. 86

25 NEVES, Fabrício Monteiro; RODRIGUES, Léo Peixoto. A Sociologia de Niklas Luhmann. 1ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 2017. p. 89

26 NEVES, Fabrício Monteiro; RODRIGUES, Léo Peixoto. A Sociologia de Niklas Luhmann. 1ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 2017. p. 90

27 NEVES, Fabrício Monteiro; RODRIGUES, Léo Peixoto. A Sociologia de Niklas Luhmann. 1ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 2017. p. 70

28 NEVES, Fabrício Monteiro; RODRIGUES, Léo Peixoto. A Sociologia de Niklas Luhmann. 1ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 2017. p. 71

Para se evitar uma tautologia do sentido, Luhmann reforça essa distinção entre sentido (meio) e comunicação (forma), perdendo espaço uma busca do “sentido do sentido”29. Ao mesmo tempo, o sentido enquanto meio possibilita a realização de uma nova diferenciação, onde se é traçada uma linha entre sentido/não-sentido ou compreendido/não-compreendido30.

Sobre complexidade e sentido, Neves e Rodrigues (2017, p.74) ressaltam que:

A questão do sentido envolve justamente a complexidade intransponível que aos sistemas circunda, que os expõem a um horizonte de possibilidades ainda não diferenciadas e que os coloca sempre em posição de selecionar outras formas de vivência e de ação. Portanto, a complexidade das possíveis alternativas envolve um processo de seleção inevitável que “forma parte da consciência do sentido e da comunicação nos sistemas sociais” (LUHMANN, 1998, p.78).

Logo, o sentido escolhido e canalizado pela comunicação determinada faz uma exclusão de todas as outras formas possíveis de sentido sobre aquele mesmo objeto a qual se comunica. Isso significa que o sentido também possui uma localização temporal no momento de sua comunicação (que é instantânea) e, a mudança do sentido no futuro, representa apenas a admissão de uma outra possibilidade outrora excluída pela forma utilizada anteriormente, pressupondo então outra diferenciação entre sentido atual e sentido possível (atual/possível), o que garante a dinâmica inerente da autopoiése dos sistemas.

Em síntese, o sentido utilizado representa também o limite daquele sistema social na reprodução de suas operações internas, com base na racionalidade sistêmica que o orienta na redução da complexidade do entorno para sua própria complexidade31. “Ao traçar essa diferença, o que faz sentido (para ele) daquilo que não faz, o sistema atualiza os elementos que o compõem, excluindo tudo o mais para o seu entorno” (NEVES e RODRIGUES, 2017, p.73). Dessa forma, em relação ao sistema jurídico, é selecionado tudo aquilo que possui sentido jurídico e é excluído tudo o que não possui, como elementos de sentido econômico, sentido artístico, sentido religioso, sentido moral, dentre vários outros.

Entretanto, a comunicação para Luhmann é vista como um evento altamente improvável. Apesar do sucesso atual de comunicação nas sociedades, Luhmann enumera três

29 NEVES, Fabrício Monteiro; RODRIGUES, Léo Peixoto. A Sociologia de Niklas Luhmann. 1ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 2017. p. 71

30 NEVES, Fabrício Monteiro; RODRIGUES, Léo Peixoto. A Sociologia de Niklas Luhmann. 1ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 2017. p. 71

31 NEVES, Fabrício Monteiro; RODRIGUES, Léo Peixoto. A Sociologia de Niklas Luhmann. 1ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 2017. p. 73

obstáculos que operam em conjunto e criam entre eles um mecanismo de reforço recíproco sobre o porquê esta seria improvável32.

De uma maneira geral, esses obstáculos estão relacionados com o problema da dupla contingência já apresentado acima. São eles: (i) é improvável que alguém compreenda o que o outro quer dizer; (ii) é improvável que a comunicação supere as contingências espaciais e temporais de sua circulação; (iii) é improvável que se obtenha o resultado esperado da comunicação.

Para resolver essas improbabilidades, Luhmann responde que, para a primeira, temos a linguagem, sendo esta o meio fundamental de comunicação. Para a segunda, temos as diversas formas de comunicação da comunicação onda há “o alcance da redundância social. Os meios de difusão determinam e ampliam o círculo de receptores de uma comunicação” (NEVES e RODRIGUES, 2017, p.103), superando assim as barreiras espaciais e temporais de circulação da comunicação. E, por último, temos o “meio de comunicação simbolicamente generalizado”33, que são os códigos binários de cada sistema.

Esses meios simbolicamente generalizados surgem no momento da difusão da informação longe do seu contexto originalmente produzido e alcançando outros sujeitos que não estão vinculados à comunicação original. Desse ato irrompe um problema de homogeneidade semântica para todos os sujeitos, considerando que as condições de produção e recepção da comunicação tornaram-se distintas e assim forçando uma especialização para o tratamento da informação interacional.

Sobre essa especialização, Neves e Rodrigues (2017, p.105) pontuam que:

Esta especialização na resolução de problemas específicos diz respeito a vias de comunicação distintas que levarão à diferenciação de sistemas funcionais na sociedade moderna. Deste modo, a diferenciação da sociedade em sistemas sociais distintos convergiu com a égide dos meios de comunicação simbolicamente generalizados. Assim, a religião diferenciou-se por meio da fé, a política com o poder, a economia com a posse, a ciência com a verdade, a técnica com o funcionamento, entre outros sistemas e meios.

Estes meios generalizados de comunicações operam para simbolizar a relação entre seleção e motivação, binarizando-se em uma diferença de aceitação e negação. Continuam os autores (NEVES e RODRIGUES, 2017, p.107): “Os contextos de cada meio ganham com

32 NEVES, Fabrício Monteiro; RODRIGUES, Léo Peixoto. A Sociologia de Niklas Luhmann. 1ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 2017. p. 98 e 99

33 NEVES, Fabrício Monteiro; RODRIGUES, Léo Peixoto. A Sociologia de Niklas Luhmann. 1ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 2017. p. 104

isso a possibilidade de transformar cada evento em evento do sistema e evento que não pertence ao sistema, definindo seus limites operacionais e, portanto, seu entorno”, exatamente por generalizar o meio de comunicação de maneira simbólica, que são os códigos binários de cada sistema.

A exemplo, o código binário do sistema jurídico será o direito x não-direito ou lícito x ilícito, enquanto o código comunicativo do sistema político será poder x não-poder ou situação x oposição.

Função, Programas, Prestações e Estruturas.

Os códigos binários, todavia, não devem ser confundidos com função, programas, prestações e estruturas do sistema. O código binário somente orienta a seletividade de informação que é recebida ou recusada por aquele sistema especializado, mas não se mostra como uma norma a ser seguida34 por esse mesmo sistema.

Dentro da lógica de estabilização de expectativas, o sistema jurídico busca estabilizar as expectativas normativas, por meio da estabilização contrafática (coercitiva), de comportamentos selecionados pelo próprio sistema, quando essas expectativas são frustradas. Para selecionar quais expectativas serão estabilizadas, o sistema jurídico opera pelo código binário direito/não-direito, ou seja, o sistema jurídico deverá estabilizar somente aquelas expectativas referentes ao código direito/não-direito, excluindo todas as demais.

Como função dos sistemas sociais parciais está a redução das complexidades do ambiente, por meio da síntese de uma multiplicidade de possibilidades produzidas a partir de pontos de vista comparativos, onde cada subsistema exerce a sua função de modo diferenciado para a vida social35.

Para cumprir a sua função, o subsistema elabora estruturas que são dotadas de invariância relativa, sendo estas que efetivamente reduzem a complexidade do ambiente36.

34 VIANA, Ulisses Schwarz. Direito e Justiça em Niklas Luhmann: complexidade e contingencia no sistema jurídico. 1ª Ed. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris. 2015 p. 68 e 69

35 VIANA, Ulisses Schwarz. Direito e Justiça em Niklas Luhmann: complexidade e contingencia no sistema jurídico. 1ª Ed. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris. 2015 p. 43

36 VIANA, Ulisses Schwarz. Direito e Justiça em Niklas Luhmann: complexidade e contingencia no sistema jurídico. 1ª Ed. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris. 2015 p. 43

Ambas (função e estrutura) estão entrelaçadas nos seus conceitos, mas a função se encontra num plano mais genérico do que as estruturas, dentro dessa tarefa de reduzir a complexidade. Citando Kneer e Nassehi (2000, p.40 apud VIANA, 2015, p.43):

Entre a exterioridade extrema da complexidade do mundo e a consciência humana se abre uma lacuna. (...) Os sistemas sociais criam a mediação entre a complexidade indeterminada do mundo e a capacidade individual de processamento da complexidade do ser humano.

Para operar dentro de um ambiente com uma policontextualidade de sentidos, o sistema desenvolve uma racionalidade sistêmica no processo comunicativo, retomando à perspectiva de que a sociedade é um grande processo comunicativo sistêmico37.

Assim, dentro do contexto do sistema social em atividade, que é regido pela racionalidade sistêmica (relacionada com o sentido), e essa última, conduzida pelo código binário (núcleos emergentes de sentido), surgem os programas.

Os programas são meios internos que atenuam o rigor do código comunicativo do sistema, com seus valores binários fixos38, funcionando como pontos de vista mais amplos e diversificados na auto-observação das operações realizadas dentro do sistema39. Para Viana (2015, p.69), os programas sistêmicos:

Em outras palavras, os programas sistêmicos submetem ao sistema funcional terceiros valores que serão paradoxalmente orientados e operacionalizados pela binariedade do código sistêmico. Os valores introduzidos pelos programas emergem de problemas (contingentes) que são submetidos continuamente ao processamento autopoiético do sistema com vistas à produção de soluções que generalizem e estabilizem as expectativas sociais.

Para o sistema jurídico temos como programas as normas, as regras, os princípios e os procedimentos jurídicos40. Tais programas sistêmicos possibilitam que o sistema amplie estruturalmente sua complexidade, evoluindo e aumentando a quantidade de operações internas que pode suportar.

Viana (2015, p.102) destaca ainda que Luhmann estipula uma classificação para os programas, que subdividem-se em programas condicionais e finalísticos. Luhmann entende por programas condicionais aqueles que “fixam o acesso do sistema e o tipo de informações

37 VIANA, Ulisses Schwarz. Direito e Justiça em Niklas Luhmann: complexidade e contingencia no sistema jurídico. 1ª Ed. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris. 2015 p. 57

38 Pagina 70 – Direito e Justiça.

39 VIANA, Ulisses Schwarz. Direito e Justiça em Niklas Luhmann: complexidade e contingencia no sistema jurídico. 1ª Ed. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris. 2015 p. 70

40 VIANA, Ulisses Schwarz. Direito e Justiça em Niklas Luhmann: complexidade e contingencia no sistema jurídico. 1ª Ed. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris. 2015 p. 70

do ambiente que devem desempenhar como causa da decisão” (LUHMANN, 1999a, p.101- 103 apud VIANA, 2015, p.102). Já os programas finalísticos são aqueles que “regulam a produção do sistema, os resultados no ambiente que o sistema deva realizar” (LUHMANN, 1999a, p.101-102 apud VIANA, 2015, p.102).

Assim, os programas do sistema jurídico são sempre condicionais. Já os programas do sistema político são sempre finalísticos ou teleológicos. São programas do sistema político os programas político-eleitorais e as propostas de governo41. E são exemplos de programas do sistema jurídico os textos, precedentes, leis, contratos, regulamentos e práticas jurisprudenciais42.

Viana (2015, p.103) também destaca que, no caso do sistema jurídico, os programas condicionais são verdadeiros programas decisórios, já que estabelecem restrições para a tarefa final que é a produção de decisões. Segundo o autor, os programas condicionais são condições autorreferenciais restritivas da solução dos problemas emergentes que, no sistema jurídico, são estabelecidos pela relação Se => Então43. Assim, preenchidas determinadas condições no plano fático (Se), deve ser produzida determinada decisão (Então), e essa relação é orientada condicionalmente pelo direito, por meio de seus programas decisórios e as restrições por eles estabelecidas.

E encerra o autor:

A utilização desses programas sistêmicos reduz a unilateralidade restritiva do código binário, possibilitando o surgimento de novos programas, que por sua vez permitem ampliar estruturalmente sua própria complexidade e evoluir, aumentando o rol de suas operações internas. (VIANA, 2015, p.69)

Outro aspecto relevante que diferencia os programas dos códigos binários é a sua característica destes serem variáveis. Os códigos binários são imutáveis, uma vez que eles dão identidade ao sistema e produzem o significado de suas próprias operações (são núcleos de processamento autorreferencial de sentido)44. Caso o sistema jurídico perca o código direito x não-direito ele deixará de ser um sistema jurídico e será um novo sistema, com um outro código que represente sua nova função especializada.

41 CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, sistema jurídico e decisão judicial. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva. 2011.p.77

42 CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, sistema jurídico e decisão judicial. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva. 2011.p.77

43 VIANA, Ulisses Schwarz. Direito e Justiça em Niklas Luhmann: complexidade e contingencia no sistema jurídico. 1ª Ed. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris. 2015 p. 103

44 VIANA, Ulisses Schwarz. Direito e Justiça em Niklas Luhmann: complexidade e contingencia no sistema jurídico. 1ª Ed. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris. 2015 p. 70

Já os programas criam, recriam-se, modificam-se e extinguem-se, submetendo valores ‘estranhos’ aos critérios valorativos do código binário, propiciando a continuação da autopoiése do sistema, por meio da atualização do sistema à medida em que a sociedade se desenvolve. Ou seja, cabe aos programas dar flexibilidade e amplitude nos pontos de vista da auto-observação do sistema45.

Por fim cabe destacar também o conceito de prestações dentro do sentido e da função especializada do sistema social, que não se confunde com os conceitos apresentados acima.

As prestações para a teoria de Luhmann, especificamente no caso do direito e segundo Viana (2015, p.44 e 45) são: “a condução de comportamentos projetados para o futuro e a solução de conflitos por meio de decisões judiciais, dirigindo-se com o fim de garantir as demais funções sociais dos outros sistemas especializados”. Em outros termos, a prestação do direito seria a própria jurisdição, o exercício de prestação da atividade jurisdicional para a sociedade, com o fim de permitir a manutenção das relações sociais.

Os sistemas sociais parciais então, na teoria sistêmica de Niklas Luhmann, são entendidos também como núcleos de processamento autorreferencial de sentido emergente46 – uma vez que o próprio sistema estabelece o critério seletivo das informações no ambiente que fazem sentido para o sistema social funcionalmente especializado – orientado pelo seu código binário, que é moldado a partir da função desse sistema para a sociedade, materializada pelas suas prestações e operada por meio de suas estruturas e programas.

Auto-observação e Observação de 2ª Ordem

A auto-observação do sistema possibilita a diferenciação dos elementos do seu entorno e a sua singularização perante outros sistemas. Portanto, o observar nas operações sistêmicas possibilita que o próprio sistema faça uso de suas estruturas para distinguir e indicar um lado ou outro da distinção47.

45 VIANA, Ulisses Schwarz. Direito e Justiça em Niklas Luhmann: complexidade e contingencia no sistema jurídico. 1ª Ed. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris. 2015 p. 70 e 71

46 VIANA, Ulisses Schwarz. Direito e Justiça em Niklas Luhmann: complexidade e contingencia no sistema jurídico. 1ª Ed. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris. 2015 p. 81

47 NEVES, Fabrício Monteiro; RODRIGUES, Léo Peixoto. A Sociologia de Niklas Luhmann. 1ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 2017. p.58

A observação também ocorre dentro de um ambiente de sentido – que assim possibilita realizar as distinções – carregando consigo uma limitação semântica48. Essa limitação semântica possibilita que o sistema exerça a seletividade dos elementos a partir de suas próprias operações e também que realize observações futuras usando a recursividade49.

Além dessa auto-reprodução seus próprios elementos, a partir da observação de seu ambiente, os sistemas sociais também observam outros sistemas sociais. À esse novo tipo de observação dá-se o nome de observação de segunda ordem, onde cada sistema observa como os outros sistemas observam o seu entorno, e assim realizam suas operações.

Isso não significa que o sistema compartilha de uma mesma realidade sobre o entorno, compartilhando o mesmo sentido sobre a observação (pois são fechados operacionalmente), mas que compartilham referências à realidade50. A partir dessas construções sobre o entorno, produzidas pela observação de segunda ordem é que o sistema acessa o seu ambiente51.

Viana (2015, p.92) ressalta que:

No que guarda relação direta com o sistema jurídico, Luhmann propõe que o direito para produzir sua diferenciação funcional e seu fechamento operativo deve atuar continuamente no nível da observação de segunda ordem, em que o sistema observa o modo como faz suas observações guiadas pelo código direito x não-direito.

Dito por outras palavras, enquanto a auto-observação possibilita que o sistema diferencie-se do seu entorno, a observação de segunda ordem enseja que os sistemas sociais parciais compartilhem de uma mesma realidade fático-contextual, onde cada sistema observa como os outros observam o seu entorno. Seria exemplo de observação de segunda ordem o sistema econômico observando como o sistema jurídico diferencia-se do sistema político o que, de toda maneira, gerará impactos para o entorno do sistema jurídico, dentre eles, o sistema econômico.

Em que pese as situações que iremos analisar, vemos que tanto o sistema político, quanto o sistema jurídico, estão constantemente em um cenário de observação de segunda

48 NEVES, Fabrício Monteiro; RODRIGUES, Léo Peixoto. A Sociologia de Niklas Luhmann. 1ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 2017. p. 58 e 59

49 NEVES, Fabrício Monteiro; RODRIGUES, Léo Peixoto. A Sociologia de Niklas Luhmann. 1ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 2017. p.58-60

50 NEVES, Fabrício Monteiro; RODRIGUES, Léo Peixoto. A Sociologia de Niklas Luhmann. 1ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 2017. p.58-61

51 NEVES, Fabrício Monteiro; RODRIGUES, Léo Peixoto. A Sociologia de Niklas Luhmann. 1ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 2017. p.61

ordem entre si, não obstante ambos também efetuarem observações de segunda ordem com outros sistemas, permitindo assim a evolução de suas próprias seletividades.

Fechamento Operacional, Abertura Cognitiva e Acoplamento Estrutural

Os sistemas autopoiéticos, são também sistemas fechados. Sendo autopoiéticos, eles possuem a capacidade de se auto-organizar, auto-reparar e auto-reestruturar, por meio de suas próprias estruturas internas e somente por meio destas. Essa autonomia somente é possível por meio do fechamento operacional dos sistemas autopoiéticos. Entretanto, tal característica não deve ser compreendida no sentido de que esses sistemas são isolados, incomunicáveis e insensíveis, mas sim, que esses sistemas interagem uns com os outros e somente entre si52.

Neves e Rodrigues (2017, p.34) ressaltam que esse fechamento deve ser compreendido como meramente operacional, ou seja, os sistemas alimentam-se, reproduzem-se, locomovem-se, mas somente por meio dos componentes que formam esse mesmo sistema, nunca dependendo de componentes de outros sistemas para funcionar dinamicamente. E continuam, ao dizer que: “Sistema social e consciência (sistema psíquico) são fechados operacionalmente sob seus próprios processos constituintes, deste modo não podem comunicar nem intervir diretamente um no outro. São inacessíveis um ao outro” (NEVES e RODRIGUES, 2017, p.89). Luhmann (2005, apud Neves e Rodrigues, p. 118) expressa essa ideia ao mencionar que os sistemas sociais são operativamente cegos: se reproduzem em um entorno que permanece desconhecido para eles.

Esse fechamento operativo por sua vez, se contrapõe à abertura cognitiva gerando assim um novo paradoxo, o da abertura pelo fechamento. Segundo Viana (2015, p.80) é por meio da abertura cognitiva que o sistema percebe que ele está inserido em um ambiente: “tanto que Luhmann (1989, p.29) afirma: The enviroment can make itself noticed by means of comunicative irritations or disturbances”.

Viana (2015, p.101) trata de maneira minuciosa como a abertura cognitiva afeta a operação sistêmica:

52 NEVES, Fabrício Monteiro; RODRIGUES, Léo Peixoto. A Sociologia de Niklas Luhmann. 1ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 2017. p. 33 e 34

Importante salientar que os programas é que permitem a abertura cognitiva e potencializam as possibilidades de ressonância (produção de sentido informativo/comunicativo) das irritações e estímulos ambientais. São os programas sistêmicos que promovem uma adequação da complexidade do sistema com o ambiente sem perder a identidade rigidamente garantida pelo código sistêmico. E é pelo resultante interplay entre código e programas que surge a cooperação entre fechamento normativo e abertura cognitiva que garante a autorreproduçao do sistema em sua unidade sistêmica (unidade de suas operações), sendo que autorreferência neste contexto afasta qualquer ideia uma total autodeterminação ou uma total auto-observação, o que seria inadequado.

Nesse contexto, o direito obtém sua clausura operativa (fechamento operacional) com a positivação das normas jurídicas. De maneira sucinta e objetiva, Nielsson (2014, p.356) explana como a positivação do direito, especialmente no Século XIX, possibilitou o seu fechamento operacional, distinguindo-o da função própria do sistema político:

A positivação do direito acabou, assim, por resolver o problema das fontes. A validade do direito positivo não precisaria mais estar fundada em princípios morais ou em valores materiais, porque, uma vez positivo, é o próprio direito que passa a estabelecer as condições de validade de si mesmo.

Por meio da abertura cognitiva é que os sistemas conseguem identificar pontos de convergência entre os demais sistemas, que são valores comuns ou complementares53 entre os subsistemas parciais. No sistema jurídico, Campilongo (2011, p.81 e 82) argumenta que sua abertura cognitiva deve-se em razão do principio do non liquet:

A indeclinabilidade da jurisdição é, simultaneamente, condição de fechamento operativo e de abertura cognitiva do sistema. É por estar obrigado a decidir fundamentadamente – note- se o duplo grau de reflexividade: obrigação legal de decidir conforme a lei – que o sistema se reproduz pelos próprios elementos. Nisso reside o caráter operativamente fechado do sistema jurídico. E, da mesma forma, é por operar com base nessa redução de referências estruturais que se criam as condições, no interior do sistema, de processamento das demandas do ambiente externo: a abertura cognitiva.

Da identificação desses pontos de convergência, formam-se acoplamentos estruturais que permitem o intercâmbio operativo entre sistemas sem, todavia, ocorrer com que um interfira diretamente no outro, mantendo-se assim, operativamente fechados.

Logo, acoplamentos estruturais cumprem o papel de viabilizar uma integração dentro do sistema societário como um todo, possibilitando as interpenetrações entre os sistemas e aumentando a irritação experimentada por eles54. Especificamente em relação ao direito e à política, a conceituação moderna de Constituição viabilizou que esta se tornasse o acoplamento estrutural entre esses dois sistemas, conforme esclarece Nielsson (2014, p. 366):

53 VIANA, Ulisses Schwarz. Direito e Justiça em Niklas Luhmann: complexidade e contingencia no sistema jurídico. 1ª Ed. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris. 2015 p. 84

54 VIANA, Ulisses Schwarz. Direito e Justiça em Niklas Luhmann: complexidade e contingencia no sistema jurídico. 1ª Ed. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris. 2015 p.120

O Estado passa a ser descrito, a partir de então, como “Estado Constitucional, e somente sob esta fórmula, a sociedade pôde converter o direito positivo em um meio de conformação política e, ao mesmo tempo, em um instrumento jurídico para a implantação de objetivos políticos” (LUHMANN, 2005, p. 540). É neste momento, em que o direito se fecha sobre si mesmo, da mesma forma que o sistema político, ambos conquistam a liberdade de desenvolvimento com autonomia.

De acordo com Simioni (2009, apud NIELSSON, 2014, p.366): “as Constituições surgem para resolver o paradoxo do poder submetido à soberania do próprio poder (Estado), um poder soberano que se fundamenta em si mesmo para limitar-se a si mesmo”. Assim, as Constituições solucionam o paradoxo pré-moderno de legitimação do poder soberano do Estado “Diferenciando competências e atribuições funcionais, uma Constituição limita a arbitrariedade do poder soberano sobre si mesmo” (Simioni, 2009, p.343; apud, Nielsson).

Para Luhmann, os sistemas psíquicos (consciências) são acoplamentos estruturais por excelência e funcionam como ambiente necessário e indispensável da sociedade55.

Com a redução da complexidade do ambiente realizado pelos sistemas sociais parciais, os acoplamentos estruturais possibilitam que mais de um sistema atue sobre um mesmo evento, uma vez que a própria (hiper)complexidade muitas vezes impede o isolamento de uma irritação em apenas um único sistema. Ao mesmo tempo, eles possuem a função de atuar como uma ponte, uma mediação comunicativa entre sistemas para preservar o fechamento operacional de cada um.

A partir dessas premissas será feita a análise neste estudo, sobre como os sistemas político e jurídico interpretaram a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 em diversos momentos, partindo de um mesmo evento: a CPI da Pandemia.

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Irritações, Estímulos e Possibilidades de Ressonância

Na sequência, na interação entre os sistemas sociais e entre sistemas/ambiente, há os conceitos de irritação, estímulos e possibilidades de ressonância. Tais conceitos se relacionam com a capacidade do sistema de regular suas instabilidades aumentando sua própria complexidade e, por consequência, aprimorando suas estruturas.

55 CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, sistema jurídico e decisão judicial. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva. 2011. p. 65

Diferentemente de outras teorias sistêmicas, os sistemas sociais não podem importar componentes. Igualmente, os sistemas sociais não são sistemas estacionários, reticentes a mudanças. Isso renova a ideia de que o fechamento operacional não significa o isolamento a todo tipo de causalidade externa, mas por meio de suas aberturas cognitivas conseguem observar outros sistemas, realizando a hetero-observação sistêmica56.

Dessa forma, toda operação sistêmica implica em riscos para os demais sistemas sociais57. Ao realizar uma operação sistêmica, o sistema social parcial produz um estímulo ao ambiente em que está inserido. Alguns desses estímulos podem converter-se em irritações para outros sistemas.

Viana (2015, p.66) pontua que: “As irritações são mudanças de estado ocorridas no ambiente que acabam por gerar – em grau variável – perturbações nas operações do sistema”. Essas perturbações, por sua vez, podem gerar novas possibilidades de sentido, a depender dos critérios dados por determinado sistema ao observar essas irritações/estímulos. O autor explicita de maneira exemplificativa essa operação:

Como exemplo, podemos mencionar decisões do sistema do direito sobre litígios em torno de relações envolvendo temas de interesse da econômica (taxa de juros, efeitos dos contratos, etc...), as quais apesar de serem decisões jurídicas produzem irritações no sistema econômico, sendo que para este ultimo sistema o direito surge como ambiente (entorno) e vice-versa. (VIANA, 2015, p.66)

Cabe destacar que toda irritação na verdade é uma mera possibilidade de ressonância, quer dizer, não necessariamente todas as irritações experimentadas por um sistema serão incorporadas, gerando assim, novas possibilidades de sentido para o sistema diferenciado funcionalmente.

Entretanto, quando essas irritações encontram ressonância dentro dos subsistemas parciais, realiza-se uma filtragem autopoiética dos estímulos, onde o sistema produz interconexões seletivas, com base nos seus próprios limites58.

Ao encontrarem ressonância, essas irritações são convertidas em operações sistêmicas internas, ou seja, tornam-se estruturas do sistema funcionalmente diferenciado, aumentando a

56 NEVES, Fabrício Monteiro; RODRIGUES, Léo Peixoto. A Sociologia de Niklas Luhmann. 1ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 2017. p. 116 e 117

57 NEVES, Fabrício Monteiro; RODRIGUES, Léo Peixoto. A Sociologia de Niklas Luhmann. 1ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 2017. p.117 e 118

58 VIANA, Ulisses Schwarz. Direito e Justiça em Niklas Luhmann: complexidade e contingencia no sistema jurídico. 1ª Ed. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris. 2015. p. 66

sua complexidade tanto em relação ao sistema com o seu entorno (auto-observaçao) quanto dentro do próprio sistema (re-entry).

Viana (2015, p. 66 e 67) expõe de maneira objetiva essa ressonância aos estímulos externos da seguinte maneira:

Ou seja, o sistema internaliza uma diferença, no sentido de novo estímulo, que passa a fazer sentido nas estruturas internas do próprio sistema, por meio da ressonância. Deste modo, os sistemas de sentido podem, por suas próprias bases estruturais (autorreferência e autosseletividade), admitir o ingresso de novas informações.

Retornando ao aspecto da comunicação, esta não é a simples emissão de informação, envolve o ato de compreender, e compreender é selecionar – dentro de infinitas possibilidades de sentido – criando uma cadeia restrita às seleções processadas59. Logo, comunicação é “seletividade coordenada” (LUHMANN, 1995, p.154, apud Neves e Rodrigues, 2017, p.119).

Nesse contexto, os sistemas sociais em si produzem comunicação, envolvendo um grande número de pessoas, que são vistas como um processo de atualização constante60. Esse processo de atualização constante é resultado de novas formas de sentido atribuídas pelo sistema ao experimentar essas irritações ambientais, que encontram ressonância apoiados nos seus programas internos.

Ou seja, ao se realizar uma operação sistêmica é produzido um estímulo. Esse estímulo pode ser convertido em irritação a outro sistema, passando a surgir uma possibilidade de ressonância. Ao encontrar ressonância, o sistema social parcial realiza uma atualização de seu sentido próprio.

Esse processo comunicativo, de constante renovação ou confirmação de sentido, recebe os nomes, na linguagem utilizada por Luhmann, de variação, seleção e reestabilização do sistema. Aplicada ao sistema jurídico, Salim e Silva (2016, p.98) sintetizam bem como funciona essas operações:

Deste modo, aplicando-se o raciocínio acima, podemos imaginar que, no âmbito do direito, a evolução implique um comportamento social não previsto nas estruturas normativas preexistentes (variação), que poderá ser rejeitado ou aceito (seleção). Caso seja aceito, sobretudo em razão da consolidação de novas estruturas que permitam a continuidade da reprodução daquela inovação, a conduta desviante poderá vir a transformar--se em norma jurídica vigente no modelo estrutural do direito, acarretando, com isso, a estabilização sistêmica.

59 NEVES, Fabrício Monteiro; RODRIGUES, Léo Peixoto. A Sociologia de Niklas Luhmann. 1ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 2017. p. 118 e 119

60 NEVES, Fabrício Monteiro; RODRIGUES, Léo Peixoto. A Sociologia de Niklas Luhmann. 1ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 2017. p. 118-120

Campilongo (2011) destaca que, para Luhmann, o direito moderno é o direito positivo. Mas que a positivação do direito não representa uma redução de sua complexidade, pelo contrário, é ela que permite o aumento da complexidade do direito nas suas diversas dimensões, com a “variação do direito no tempo, expansão dos temas “juridificáveis” e geração de predisposição antecipada à observância das decisões (legitimação pelo procedimento)” (CAMPILONGO, 2011, p.21).

Logo, o direito é diretamente impactado pelas transformações sociais que ocorrem na sociedade e, por meio delas, é que se viabiliza a variação das estruturas do direito, onde o não direito passa a ser direito e vice-versa, afetando os programas decisionais do sistema jurídico61. A positivação do direito (e outros programas condicionais) serve para representar como esse processo ocorre de maneira concreta.

Sistema Jurídico, Sistema Político e a Constituição Federal

Dada a multiplicidade de conceitos incorporados na teoria sistêmica de Niklas Luhmann, é necessário trabalhar com precisão quando se fala em sistema social, para que se possa articular tais conceitos em um arcabouço teórico coerente62. Em relação ao sistema social parcial funcionalmente diferenciado do direito, ou simplesmente sistema jurídico, devemos reforçar que a sua autonomia sistêmica deve ser enxergada tanto como autolimitação quanto liberdade de pressões externas63.

Sob esse ângulo reside a proposta autopoiética dos sistemas sociais, que se sobrepõe a uma ideia de autonomia do direito, operando de maneira mais rígida64. Há então um importante destaque para os limites que separam o sistema jurídico do sistema político.

Por um lado, a função própria do sistema político, segundo Luhmann (2002, p. 83-88 apud VIANA, 2015, p.110) é a produção de decisões coletivamente vinculantes65, que são

61 CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, sistema jurídico e decisão judicial. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva. 2011. p. 89 e 90

62 NEVES, Fabrício Monteiro; RODRIGUES, Léo Peixoto. A Sociologia de Niklas Luhmann. 1ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 2017. p. 109

63 VIANA, Ulisses Schwarz. Direito e Justiça em Niklas Luhmann: complexidade e contingencia no sistema jurídico. 1ª Ed. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris. 2015. p. 108

64 VIANA, Ulisses Schwarz. Direito e Justiça em Niklas Luhmann: complexidade e contingencia no sistema jurídico. 1ª Ed. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris. 2015. p.108

materializadas tipicamente pela produção legiferante. De outro, temos a função própria do sistema jurídico que é a estabilização contrafática de expectativas normativas, com vistas à produção de previsibilidade, segurança e redução de incertezas66, que é concretizada por meio de suas normatizações, denominadas como programas condicionais, que são aplicadas recursivamente nas decisões judiciais.

O sistema político, para realizar suas operações internas, se utiliza dos códigos governo x oposição ou superior x inferior, como uma regra de atribuição e conexão interna do próprio sistema e que permite sua reprodução autopoiética67. Os programas do sistema político por sua vez são os programas político-eleitorais e as propostas de governo. Tais programas são sempre teleológicos e o fechamento desse sistema, assim como de todos os demais, é produzido pela diferença estrutural entre códigos e programas68.

Já o sistema jurídico, como mencionado anteriormente, opera pelo código direito x não direito, ou lícito x ilícito. Os programas do sistema jurídico são sempre normativos, ainda que na figura de precedentes ou práticas jurisprudenciais69. Assim, “a reprodução autopoiética do direito é a produção do direito mediante o próprio direito” (CAMPILONGO, 2011, p.79).

Ambos os sistemas sempre operam de maneira fechada, isto é, suas operações são sempre internas70 Todavia, o problema básico dos sistemas autopoiéticos é conectar as referências externas com as referências internas, mediante suas operações internas de forma a manter sua autopoiése operacional71.

Todavia, particularmente entre o sistema político e o sistema jurídico, estes exercem constantemente uma influencia recíproca entre si. Conforme Salim e Silva (2016, p.101):

Os direitos subjetivos só podem ser estatuídos e impostos por meio de um poder político organizado que toma decisões coletivamente vinculantes e, sob outro ângulo, tais decisões devem sua obrigatoriedade à forma jurídica da qual se revestem, bem como à consonância

65 VIANA, Ulisses Schwarz. Direito e Justiça em Niklas Luhmann: complexidade e contingencia no sistema jurídico. 1ª Ed. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris. 2015. p.110

66 VIANA, Ulisses Schwarz. Direito e Justiça em Niklas Luhmann: complexidade e contingencia no sistema jurídico. 1ª Ed. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris. 2015. p.105

67CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, sistema jurídico e decisão judicial. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva. 2011. p. 71

68 CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, sistema jurídico e decisão judicial. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva. 2011. p.77 e 78

69 CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, sistema jurídico e decisão judicial. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva. 2011. p.71PDF 37 – Politica, Sistema Juridico e Decisao Judicial. p. 78 e 79

70 CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, sistema jurídico e decisão judicial. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva. 2011. p.71PDF 37 – Politica, Sistema Juridico e Decisao Judicial. p. 78 e 79

71 CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, sistema jurídico e decisão judicial. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva. 2011. p.71PDF 37 – Politica, Sistema Juridico e Decisao Judicial. p. 78

de seu conteúdo à ordem normativa vigente, sobretudo à Constituição. Trata-se, pois, de uma “relação circular e interdependente

Nesse contexto, verifica-se que o ponto de convergência entre o sistema jurídico e o sistema político é a Constituição Federal, que autoriza essa relação circular interdependente. Essa convergência gera uma referência recíproca entre o sistema jurídico e sistema político, já apontado por Luhmann (1995, p.122 apud Viana, 2015, p.110 e 111), e justamente por não se permitir a formação de uma única unidade sistêmica jurídico-política – devido aos seus códigos binários distintos que dão identidade a cada sistema a partir da atribuição autorreferencial de sentido por esses – essa convergência deve ser enxergada como um acoplamento estrutural entre os dois sistemas.

Mas isso não quer dizer que o sentido atribuído ao texto constitucional em seus processos comunicativos é o mesmo para os dois sistemas. Campilongo (2011, p. 97 e 98) faz um alerta para aclarar a questão:

E finaliza o mesmo autor:

A Constituição cumpre o papel de incluir e excluir perturbações recíprocas nas operações políticas e jurídicas. Entretanto, cada um dos sistemas opera de modo não transcendente no plano das operações internas (direito produz direito; política produz política) e como um sistema autotranscendente no plano de suas observações. (CAMPILONGO, 2011, p.97 e 98)

A Constituição, como acoplamento estrutural, para Luhmann, trata-se de uma verdadeira aquisição evolucionária. Neves e Rodrigues (2017, p.131) nos alertam sobre a concepção de evolução para o autor, no sentido de que:

A Teoria da Evolução de Luhmann, assim, não pressupõe hierarquias moralizantes do tipo “bom” e “mau”, “evoluído” e “atrasado”, e, mais importante, renuncia a uma descrição temporal da sociedade em tempos pré ou pós. Antes, parte de elementos conceituais diferentes de maior abstração, a saber, dos mecanismos evolutivos: variação, seleção e reestabilização.

A noção de evolução para Luhmann tem relação com emergência72, isto é, o surgimento de novos instrumentos para lidar com a crescente complexidade das relações sociais.

72 NEVES, Fabrício Monteiro; RODRIGUES, Léo Peixoto. A Sociologia de Niklas Luhmann. 1ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 2017. p. 129

Luhmann utiliza a expressão de aquisição evolucionária para as Constituições em razão de o texto constitucional escrito ser fruto de anos de experiência social em que – notadamente com o advento das revoluções do Séc. XVIII, e a formação da ideia de um Estado Democrático de Direito – buscou-se fazer de maneira mais clara a diferenciação funcional sistêmica entre direito e política73, adquirindo assim a noção da Constituição como regramento máximo regulador da atividade política, como também pedra fundamental do ordenamento positivo a partir dos pilares políticos quando de sua celebração e positivação.

Por conseguinte, a Constituição como acoplamento estrutural entre direito e política, serve à canalização das irritações e estímulos recíprocos74, experimentados por estes sistemas. Frebajjo e Lima (2017) consignam que: A Constituição, nesse ambiente, pode ser vista como exemplo de “acoplamento estrutural” na medida em que é capaz de coligar de forma estável o sistema político e o sistema jurídico75.

Síntese teórico-metodológica

Em um arremate das ideias lançadas até o momento, temos que o sistema jurídico é um sistema autopoiético, capaz de se auto-organizar, auto-reparar, auto-transformar e auto- reestruturar. O sistema jurídico possui a sua função social diferenciada de estabilizar de maneira coercitiva as expectativas normativas, por meio da solução de conflitos e condução de comportamentos projetados para o futuro, a fim de garantir segurança e previsibilidade para os demais sistemas sociais.

Os sistemas sociais parciais operam de maneira fechada (fechamento operativo), utilizando apenas seus próprios elementos (autorreferenciamento) para realizar suas operações internas, a partir de seus próprios elementos (recursividade). Esses elementos são suas estruturas, que são obtidas a partir da diferenciação interna (re-entry) junto à observação própria de seu entorno (auto-observação). Enquanto sistemas sociais, dessa observação são

73 LUHMANN, Niklas. A Constituição como Aquisição Evolutiva. p.32 Disponível em: https://pt.scribd.com/document/31253250/LUHMANN-Niklas-A-constituicao-como-aquisicao-evolutiva Acesso em: 20 de dezembro de 2021.

74 VIANA, Ulisses Schwarz. Direito e Justiça em Niklas Luhmann: complexidade e contingencia no sistema jurídico. 1ª Ed. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris. 2015. p. 111 e 112

75 FEBRAJJO, Alberto. LIMA, Fernando Rister de Sousa. Enciclopédia Jurídica da PUC-SP. Tomo Teoria Geral e Filosofia do Direito, Ed. 01, maio de 2017. Verbete: Autopoiésis. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/152/edicao-1/autopoiese. Acesso em: 20 de dezembro de 2021

selecionados elementos exteriores (seletividade), que são filtrados por meio de compreensão comunicativa de sentido própria de cada sistema (código-binário).

O sentido admitido representa a auto-reprodução do sistema jurídico e ao mesmo tempo seu limite operativo. Já a atualização desse sentido decorre do processo comunicativo constante do sistema com seu entorno, devido à sua abertura cognitiva. Essa abertura cognitiva expõe o sistema jurídico a irritações ambientais, a partir de estímulos produzidos pelo ambiente e por outros sistemas sociais.

Caso essas irritações encontrem ressonância interna – orientada a partir dos programas sistêmicos – os sistemas assimilam o elemento exterior, aumentando assim a sua própria complexidade, para lidar com a crescente (hiper)complexidade social e cumprir com sua função social diferenciada. A esse processo se dá o conceito de evolução dos sistemas sociais, que ocorrem pelas operações de variação, seleção e reestabilização.

No contexto dessas irritações, ocorrem pontos de convergência comunicativa, que são denominados de acoplamentos estruturais. Ao que interessa para este estudo, analisaremos o acoplamento estrutural “Constituição”, como ponte comunicativa entre o sistema jurídico e o sistema político.

As irritações a serem analisadas, foram submetidas à jurisdição da Corte Constitucional Brasileira (em razão de suas prerrogativas constitucionais), hipótese em que deveriam ser compreendidas e solucionadas pelo sentido comunicativo e mecanismos próprios de cada sistema, porém, intermediadas pelo seu acoplamento estrutural. Nessa quadra interativa, Febbrajo e Lima (2017) expressam76:

A Corte constitucional, em particular, pode ser vista como o organismo mais político do sistema judiciário e o organismo mais judiciário do sistema político. Ao mesmo tempo que mantém contato constante com os sistemas jurídico e político, a Corte guardiã do Estado constitucional tende a exercer complexas funções de seleções, estabilizações e variações, confiando a própria racionalidade a uma espécie de “diálogo constitucional” que interessa, nos relativos âmbitos de competência, não somente a outros sistemas jurídicos, mas também a sistemas não jurídicos como aqueles da economia e da religião. Assim, nas suas relações com a economia, o sistema jurídico pode construir a própria ordem e as próprias normas, recebendo seletivamente solicitações econômicas, desde que a sua operação interna seja construída a partir da sua comunicação diferenciada, para assim ser capaz de elaborar uma reconstrução “jurídica” da evolução econômica que, a partir daí, poderá ter sentido para a mesma economia.

76FEBRAJJO, Alberto. LIMA, Fernando Rister de Sousa. Enciclopédia Jurídica da PUC-SP. Tomo Teoria Geral e Filosofia do Direito, Ed. 01, maio de 2017. Verbete: Autopoiésis. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/152/edicao-1/autopoiese. Acesso em: 20 de dezembro de 2021

Na espécie, à medida que os demais sistemas sociais passam a demandar cada vez mais o sistema jurídico, provocam neste, irritações. Quando essas irritações são recepcionadas pelos tribunais, em razão de sua prestação para o sistema social, o sentido jurídico dessa experiência é atualizado, aumentando a complexidade do direito em lidar com novas contingências sociais.

Logo, atribui-se a capacidade comunicativa daquele evento com o código lícito x ilícito, deixando de ser submetido exclusivamente a outros códigos, como poder x não-poder (sistema político) e ter x não ter (sistema econômico). Uma vez submetido ao código próprio do sistema jurídico, o estímulos estarão sujeitos às estruturas do sistema jurídico (recursividade), para gerar uma reestabilização do sistema-ambiente comunicativo, qual seja, a própria sociedade.

Portanto, serão analisadas criticamente três irritações distintas ocorridas ao longo da CPI da Pandemia para verificar como a Corte Constitucional, outros órgãos judiciários e o Senado Federal, lidaram com elas pela ótica da Teoria dos Sistemas Sociais de Niklas Luhmann.

E, assim, iremos estudar o sentido comunicativo atribuído por ambos os sistemas sobre alguns momentos da CPI da Pandemia ocorrida no Senado Federal. Esses recortes foram selecionados a partir de irritações geradas das operações sistêmicas ao ambiente que relacionaram os dois sistemas. A partir da análise, iremos verificar se a atuação ocorreu de forma autopoiética ou se houve um cruzamento entre os sistemas gerando, assim, sobreposições de códigos de sentido comunicativo em uma mesma operação, o que confirmaria uma situação alopoiética do sistema jurídico e/ou politico brasileiro nesse contexto de análise.

CONTEXTUALIZAÇÃO: A CPI DA PANDEMIA NO SENADO FEDERAL

A nominalmente chamada CPI da Pandemia no Senado Federal, oficialmente instalada em 27 de abril de 202177, teve inicialmente como motivação, a apuração das condutas praticadas pelo Poder Executivo durante a condução da crise sanitária decorrente da COVID-

19. No início, os senadores buscaram apurar quais foram e se foram tomadas as medidas necessárias para frear a contaminação pelo vírus, que até a data de 20 de dezembro de 2021 já havia registrado mais de 618 mil óbitos.

Antes mesmo de ser instalada, a comissão já havia sofrido um revés político, qual seja, a omissão de determinação da Presidência da Casa em promover a formação e instalação da CPI.

Apesar da coleta de assinaturas necessárias para sua instalação e o protocolo do requerimento, o Presidente do Senado Federal se recusava a instalá-la. Isso porque, a própria coleta de assinaturas e a manifestação pelo interesse de uma investigação formal da condução da pandemia pelo Ministério da Saúde, ocorreram pouco antes do início da Sessão Legislativa78 que inaugurava o novo biênio, quando haveria as eleições das mesas legislativas79. O requerimento foi apresentado à Mesa da Casa com todas as assinaturas necessárias na data de 15 de janeiro de 202180.

77 BRASIL. Senado Federal. CPI da Pandemia. Comissão Parlamentar de Inquérito. Apurar, no prazo de 90 dias, as ações e omissões do Governo Federal no enfrentamento da Pandemia da Covid-19 no Brasil e, em especial, no agravamento da crise sanitária no Amazonas com a ausência de oxigênio para os pacientes internados; e as possíveis irregularidades em contratos, fraudes em licitações, superfaturamentos, desvio de recursos públicos, assinatura de contratos com empresas de fachada para prestação de serviços genéricos ou fictícios, entre outros ilícitos, se valendo para isso de recursos originados da União Federal, bem como outras ações ou omissões cometidas por administradores públicos federais, estaduais e municipais, no trato com a coisa pública, durante a vigência da calamidade originada pela Pandemia do Coronavírus "SARS-CoV-2", limitado apenas quanto à fiscalização dos recursos da União repassados aos demais entes federados para as ações de prevenção e combate à Pandemia da Covid-19, e excluindo as matérias de competência constitucional atribuídas aos Estados, Distrito Federal e Municípios. Brasília, DF: Senado Federal, 2021. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/comissoes/comissao?codcol=2441. Acessado em: 20 de dezembro de 2021.

78 Em 02 de fevereiro de 2021.

79Eleição da Mesa e abertura do ano legislativo acontecem segunda e quarta. Agência Senado, 4 de abr. de 2021. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/01/28/eleicao-da-mesa-do-senado-e- abertura-do-ano-legislativo-marcadas-para-esta-segunda. Acesso em: 20 de dezembro de 2021.

80 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Plenário). Mandado de Segurança. MS 37.760/DF. Relator (a): Min. Roberto Barroso, 15 de abril de 2021. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6129512. Acesso em: 20 de dezembro de 2021

Nesse interregno, o Presidente da República apoiou8182, por meio de sua base de governo, os candidatos que lograram êxito em presidir ambas as Casas pelos próximos dois anos, Sen. Rodrigo Pacheco para o Senado Federal 83e o Dep. Arthur Lira84 para a Câmara dos Deputados.

Desses eventos, já podemos perceber operações internas no sistema político que funcionaram pela orientação do código binário típico, qual seja, poder x não-poder ou situação x oposição. A coleta de assinaturas e sua apresentação à presidência da casa parlamentar apresentou uma situação contingente para o Sen. Rodrigo Pacheco: instalar ou não instalar a CPI. Dessa contingência, o Presidente do Senado utiliza-se do código comunicativo próprio desse sistema, para realizar uma operação interna, selecionando uma dessas opções possíveis.

Entretanto, como a instalação da comissão representava um grave revés ao governo, que teve suas posturas fortemente criticadas no ano passado (2020) por diversos setores da sociedade civil, uma investigação formal dessas condutas pelo Poder Legislativo seria o primeiro passo para o reconhecimento do fracasso do Governo Federal brasileiro em conter a catástrofe sanitária.

Dado esse contexto, a mera instalação da CPI representaria uma escalada de tom nas críticas ao Poder Executivo, realizadas por membros do parlamento. Ciente desse impacto e, sob a justificativa de que “Os resultados da CPI pretendida não terão a aptidão de contribuir com o imediato combate à pandemia da Covi-19,” e que somente agravaria a crise política, o

81MURATORI, Matheus. Bolsonaro declara apoio a Rodrigo Pacheco para a presidência do Senado: Presidente da República disse a senadores do MBD que apoiará o nome do DEM. Estado de Minas, Política, 09 de janeiro de 2021. Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2021/01/09/interna_politica,1227542/bolsonaro-declara-apoio-a- rodrigo-pacheco-para-a-presidencia-do-senado.shtml. Acesso em: 20 de dezembro de 2021.

82 Saiba quem é Arthur Lira, candidato de Jair Bolsonaro na Câmara: Deputado do PP é líder do Centrão; Aproximou-se do governo em 2020. Poder 360, 1 de fevereiro de 2021. Disponível: https://www.poder360.com.br/congresso/saiba-quem-e-arthur-lira-candidato-de-jair-bolsonaro-na-camara/. Acesso em: 20 de dezembro de 2020

83 RESENDE, Rodrigo. Rodrigo Pacheco é eleito presidente do Senado. Rádio Senado, 01 de fevereiro de 2021. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2021/02/01/rodrigo-pacheco-e-eleito-presidente-do- senado-1 Acesso em: 20 de dezembro de 2021.

84 Com apoio de Bolsonaro, Lira é eleito presidente da Câmara: Candidato do PP derrotou candidato e frente articulada por Rodrigo Maia já no primeiro turno, em campanha marcada por forte interferência do Planalto. DW Noticias, 02 de fevereiro de 2021. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/com-apoio-de-bolsonaro-arthur- lira-%C3%A9-eleito-presidente-da-c%C3%A2mara/a-56411581. Acesso em: 20 de dezembro de 2021.

Presidente do Senado, Sen. Rodrigo Pacheco, de posse do requerimento com o número necessário para a constituição da comissão deixou de dar andamento ao pedido85.

Em outros termos, dentro da contingência apresentada, o Sen. Rodrigo Pacheco selecionou aquela de não instalação da CPI, que gerou um desapontamento das expectativas da oposição do governo. A decisão se mostra coerente, uma vez que na posição de parlamentar apoiado pelo Governo Federal, decidiu, sob o programa teleológico, que seria desinteressante para o governo a instalação da CPI nesse contexto, e assim, optou por não dar andamento ao requerimento.

Todavia, as Comissões Parlamentares de Inquérito estão previstas em assento constitucional, o que viabiliza também uma leitura dessa situação segundo o sentido comunicativo do sistema jurídico por meio do acoplamento estrutural entre os sistemas, isto é, submetendo o texto constitucional ao código-binário direito x não direito para a compreensão do evento.

As Comissões Parlamentares de Inquérito, previstas no Art. 58, §3º da CRFB/88, têm os requisitos para a sua criação e atuação previstos na Carta Magna, quais sejam: (i) requerimento de 1/3 dos membros da respectiva Casa Legislativa; (ii) apuração de fato determinado; (iii) definição de prazo certo para a apuração.

Já o Art. 145, §2º do RISF, que trata das CPIs, possui a seguinte redação: § 2º Recebido o requerimento, o Presidente ordenará que seja numerado e publicado. Como se percebe, não há prazo especificado na Constituição ou no Regimento Interno para que o Presidente determine a instalação da CPI.

Ou seja, de uma leitura política dos programas normativos do sistema do direito e, verificada a omissão sobre determinação específica de instalação imediata, surge a interpretação de que caberia a intenção do Presidente da Casa quanto à instalação da comissão parlamentar de inquérito. No caso, tem-se a aplicação do código governo x oposição sob os dispositivos normativos e, tendo em vista ser de desinteresse do governo a instalação, interpretam-se os dispositivos selecionando a possibilidade governista de operação interna do sistema político.

85 CPI da Covid será “palanque político” para 2022, diz Rodrigo Pacheco. Poder 360, 08 de abril de 2021. Disponível em: https://www.poder360.com.br/congresso/cpi-da-covid-sera-palanque-politico-para-2022-diz- rodrigo-pacheco/. Acesso em: 20 de dezembro de 2021.

Diante desse vácuo normativo e da indisposição do Presidente do Senado em habilitar a CPI, tem-se o primeiro fato que será analisado nesse estudo: o ajuizamento do Mandado de Segurança nº 37.760/DF86, na data de 11 de março de 2021, pelos Sen. Alessandro Vieira e Sen. Jorge Kajuru, ambos subscritores do requerimento da CPI, que fora encabeçado pelo Sen. Randolfe Rodrigues.

Como se verifica, o sistema político produziu um estímulo ambiental ao realizar sua operação interna própria, com seu sentido comunicativo poder x não-poder. Tal situação promoveu uma irritação no sistema jurídico, entretanto, diretamente relacionado com o poder diretivo dos trabalhos a cargo do Presidente da Casa Parlamentar.

Essa irritação ao sistema jurídico forçou que se faça uma leitura do referente externo (não instalação da CPI), segundo o sentido comunicativo do sistema jurídico. Em outros termos, o ato político de não instalar a CPI, uma vez preenchidos os requisitos constitucionais, configura lícito ou ilícito aos olhos do sistema jurídico?

Na data de 08 de abril de 2021, o Min. Luis Roberto Barroso, relator do writ, deferiu pedido liminar87 para determinar ao Presidente do Senado Federal a adoção das providências necessárias à criação e instalação da CPI na forma do requerimento. Poucos dias depois, a liminar foi referendada pelo plenário da Corte88. Cabe ressaltar que mesmo após a prolação judicial com a determinação, a decisão ainda demorou a ser cumprida89, com justificativas diversas, sendo instalada somente na data de 27 de abril de 2021.

Do deferimento da liminar, já podemos perceber uma tensão entre os dois sistemas pela concretização fática divergente segundo leituras próprias de cada sistema. Para o sistema jurídico, a não instalação mostra-se ilícita e, portanto, não legítima como prática política. Entretanto, para o sistema político, caberia discricionariedade deliberativa no caso, oportunizando uma situação contingencial submetida ao sentido comunicativo próprio do

86 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Plenário). Mandado de Segurança. MS 37.760/DF. Relator (a): Min. Roberto Barroso, 15 de abril de 2021. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6129512. Acesso em: 20 de dezembro de 2021

87 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Plenário). Mandado de Segurança. MS 37.760/DF. Relator (a): Min. Roberto Barroso, 15 de abril de 2021. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6129512. Acesso em: 20 de dezembro de 2021

88 Até a presente data a ação está pendente de julgamento de mérito, mas aguarda-se o arquivamento por perda do objeto da ação com o exaurimento do prazo para funcionamento da comissão.

89CALCAGNO Luiz; VASCONCELLOS, Jorge. Pacheco faz agrado ao Planalto e adia instalação da CPI da Covid. Correio Braziliense, Brasília, Política, 20 de abril de 2021. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/04/4919240-pacheco-faz-agrado-ao-planalto-e-adia- instalacao-da-cpi-da-covid.html. Acesso em: 20 de dezembro 2021.

sistema político. Adiante iremos analisar os fundamentos de ambas as decisões (jurídica e política) para esmiuçar a análise.

Iniciados os trabalhos, nos primeiros meses a comissão ouviu diversas pessoas, dentre as quais os ex-ministros de Estado90, secretários executivos91 e médicos92 que buscavam dar sustentação científica ao Governo Federal, como também diretores de agencias reguladoras93, cientistas94 e ex-Ministros da Saúde95 que alertavam sobre os erros na condução da pandemia.

Inicialmente, a investigação foi orientada para encontrar as razões pela demora de suprimento federal em atender ao colapso no sistema de saúde do Estado do Amazonas, vivenciado no início de 202196. À época, fora relatado que diversas pessoas teriam ido à óbito pela falta de insumos básicos nas unidades de saúde, tais como gazes, agulhas, luvas, máscaras e principalmente tanques de oxigênio97.

Na data de 18 de junho de 2021, o relator da comissão, Sen. Renan Calheiros apresentou uma lista na qual já constavam 14 pessoas na condição de investigadas, dentre elas

90 Ernesto Araújo presta depoimento à CPI da Pandemia nesta terça. Agencia Senado, 17 de maio de 2021. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/05/17/ernesto-araujo-presta-depoimento-a- cpi-da-pandemia-nesta-terca. Acesso em: 20 de dezembro de 2021.

91 CPI da Covid ouve Mayra Pinherio, a “Capitã Cloroquina”. Poder 360, 25 de maio de 2021. Disponível em: https://www.poder360.com.br/congresso/ao-vivo-cpi-da-covid-ouve-mayra-pinheiro-a-capita-cloroquina/ Acesso em: 20 de dezembro de 2021

92 CPI da Covid: Nise Yamaguchi nega ‘gabinete paralelo’, mas cita ‘conselho independente’ com Carlos Wizard. BBC News, Brasil; 01 de junho de 2021. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil- 57321709. Acesso em: 20 de junho de 2021.

93MATTOS, Marcela. Em contraste com ministro Queiroga, Barra Torres expõe na CPI divergências com Bolsonaro: à CPI da Covid, presidente da Anvisa disse ter amizade com o presidente, mas evidenciou posição contrária a atitudes de Bolsonaro, como provocar aglomeração e criticar vacinação. G1, São Paulo, Política, 11 de maio de 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/05/11/em-contraste-com-ministro- queiroga-barra-torres-expoe-na-cpi-divergencias-com-bolsonaro.ghtml Acesso em: 20 de dezembro de 2021.

94Os principais pontos do depoimento de Luana Araújo à CPI: Infectologista que trabalhou por dez dias no Ministério da Saúde afirma que debate sobre cloroquina é “delirante” e que ouviu de Queiroga que sua nomeação foi bloqueada pela Casa Civil. DW Noticias, 02 de junho de 2021. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/os-principais-pontos-do-depoimento-de-luana-ara%C3%BAjo-%C3%A0-cpi-da- pandemia/a-57764153. Acesso em: 20 de dezembro de 2021.

95CALCAGNO, Luiz; LIMA, Bruna; SOUZA, Renato. Confira ponto a ponto do depoimento de Mandetta à CPI da Covid. Correio Braziliense, Brasília, Política, 05 de maio de 2021. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/05/4922287-confira-ponto-a-ponto-do-depoimento-de- mandetta-a-cpi-da-covid.html Acesso em: 20 de dezembro de 2021.

96FERRARI, Murillo; BARCELLOS, Renato; GURGEL, Bia. À CPI, deputado do Amazonas diz que falta de oxigênio era ‘tragédia anunciada’. CNN Brasil, Política, 29 de junho de 2021. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/cpi-vota-requerimentos-e-ouve-relator-de-comissao-sobre-fraudes-no-am- assista/ Acesso em: 20 dezembro de 2021.

97Coronavírus impõe janeiro mais triste da historia do AM com recorde de casos, mortes e internações por Covid-19. G1, Amazonas, 01 de fevereiro de 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2021/02/01/coronavirus-impoe-janeiro-mais-triste-da-historia-do-am- com-recorde-de-casos-mortes-e-internacoes-por-covid-19.ghtml. Acesso em: 20 de dezembro de 2021.

o Min. da Saúde à época, Marcelo Queiroga, ex-ministros, secretários de Estado, dentre outros98.

Veja-se, utilizando-se de estruturas próprias do sistema político (teleologia do comportamento da oposição ao governo – programa estrutural do sistema político), realizou- se uma operação recursiva diante de uma irritação interna (a investigação pela oposição do Governo Federal), qual seja a utilização dessa prerrogativa inquisitória para a apresentação de uma primeira lista de investigados que compromete o atual governo, que é de competência do relator das comissões parlamentares de inquérito.

Sequencialmente, a CPI ampliou o foco de investigação e passou a apurar uma contratação suspeita realizada pelo Governo Federal com a empresa Precisa Medicamentos para a compra de vacinas Covaxin99. A empresa seria uma representante do laboratório indiano Bharat Biotech, produtor das vacinas.

O contrato, ao que foi indicado pelo acervo probatório colhido pela CPI, teria sido superfaturado para a compra de vacinas por meio de fraudes no procedimento licitatório que, uma vez concluído, direcionaria parte do pagamento para agentes públicos, o que só seria possível com o direcionamento de licitação para a Precisa Medicamentos.

Os depoimentos dessa e da etapa anterior foram marcados pelo fato de as testemunhas – dentre as quais algumas passariam à condição de investigadas futuramente – por diversas vezes, tentarem se evadir da convocação100 e, quando compareceram, estavam munidos de Habeas Corpus que lhes garantia o direito de permanecer em silêncio101 e não serem obrigadas a responderem sobre fatos que podiam incriminá-las102. A jurisprudência do

98MATTOS, Marcela; BORGES, Beatriz; RESENDE, Sara. Relator da CPI torna Queiroga, Pazuello e Ernesto Araújo investifados; veja os 14 nomes. G1, Brasília, Política, 18 de junho de 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/06/18/relator-da-cpi-torna-queiroga-pazuello-e-carlos-wizard- investigados-veja-outros-nomes.ghtml Acesso em: 20 de dezembro de 2021.

99 CPI da Pandemia vai investigar a compra da vacina Covaxin. Agencia Senado, Brasília, 23 de junho de 2021. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/tv/programas/noticias-1/2021/06/cpi-da-pandemia-vai-investigar-a- compra-da-vacina-covaxin Acesso em: 20 de dezembro de 2021.

100Carlos Wizard ‘foge’ da CPI da Pandemia e Omar Azis manda apreender passaporte. PB Agora, João Pessoa, Política, 17 de junho de 2021. Disponível em: https://www.pbagora.com.br/noticia/politica/carlos-wizard-foge- da-cpi-da-pandemia-e-omar-aziz-manda-apreender-passaporte/ Acesso em: 20 de dezembro de 2021.

101 FERNANDES, Daniela; COELHO, Gabriela. Rosa Weber permite que Francisco Maximiano fique em silencio na CPI da Pandemia: Empresário terá também direito de ser acompanhado por um advogado durante o depoimento, além de ‘não sofrer constrangimentos físicos ou morais’. CNN Brasil, Política, São Paulo e Brasília, 30 de junho de 2021. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/rosa-weber-assegura-a-francisco- maximiano-o-direito-ao-silencio-na-cpi/ Acesso em: 20 de dezembro de 2021.

102 MELO, Karine. Dono da Precisa se nega a responder a perguntas na CPI da Pandemia: Empresário está amparado por habeas corpus concedio pelo STF. Agencia Brasil, Brasília, 19 de agosto de 2021. Dsiponível em:

Supremo Tribunal Federal é historicamente pacífica em conceder o remédio constitucional para preservar os direitos e garantias fundamentais dos depoentes, mas as concessões geraram desconforto aos senadores de oposição.

Como o direito ao silêncio e à não autoincriminação possuem substrato na Constituição Federal (Art. 5º, LXIII) ambos os sistemas fizeram sua leitura própria desse dispositivo. Pelo sistema jurídico, entende-se que é licita a concessão de Habeas Corpus preventivo aos depoentes, exatamente para preservar seus direitos fundamentais. Pelo sistema político, a prerrogativa jurídica concedida aos depoentes dificultaria a realização dos programas típicos de algumas estruturas desse sistema, no caso, o trabalho da oposição ao governo em buscar provas de incorreções e fraudes para fragilizar o grupo governista.

Desta feita, duas alegações surgiram por parte dos Senadores: (i) a amplitude da proteção dada pela Suprema Corte103; (ii) o fato de após alguns investigados terem o primeiro pedido negado, a Polícia Federal abrir inquéritos para investigar os mesmos fatos que a CPI e, a partir daí os depoentes adquiriam a condição de investigados, o que lhes garantia o direito ao silêncio após um novo pedido de Habeas Corpus104.

A concessão dos remédios constitucionais e a delimitação da proteção será a próxima irritação analisada nesse estudo. Mas, novamente, a partir das alegações apresentadas vemos a leitura política dos institutos jurídicos, onde os senadores visualizaram a utilização de instrumentos jurídicos com finalidades políticas.

Verifica-se nesse recorte uma inversão do fenômeno anteriormente observado no 1º fato. Agora, os Senadores da comissão buscaram questionar politicamente o quadro jurídico dos depoentes Emanuelle Medrades105 (diretora-técnica da Precisa Medicamentos) e

https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2021-08/dono-da-precisa-se-nega-responder-perguntas-na-cpi- da-pandemia. Acesso em: 20 de dezembro de 2021

103 SHORES, Nicholas; HAUBERT, Mariana. Presidente da CPI questionará STF sobre habeas corpus à diretora da Precisa: Omar Azis diz que apresentará embargos de declaração à decisão do presidente do STF e suspende sessão. Disponível em: https://www.poder360.com.br/cpi-da-covid/diretora-da-precisa-tera-de-ficar-em-silencio- para-todo-o-brasil-diz-aziz/ Acesso em: 20 de dezembro de 2021

104 Senadores do G7 questionam atuação da Polícia Federal ouvindo depoentes da CPI: ‘a nossa avaliação, diante de todos esses fatos, é de que o governo está detendo o controle sobre algumas instituições do estado’, diz Humberto Costa (PT-PE). CNN Brasil, Política, 13 de julho de 2021. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/senadores-do-g7-questionam-atuacao-da-policia-federal-ouvindo- depoentes-da-cpi/. Acesso em: 20 de dezembro de 2021.

105 CPI aguarda resposta do STF sobre limites do silencio de Emanuela Medrades. Agencia Senado, Brasília, 13 de julho de 2021. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/07/13/cpi-aguarda- resposta-do-stf-sobre-limites-de-habeas-corpus-para-retomar-depoimento-de-emanuela. Acesso em: 20 de dezembro de 2021

Francisco Maximiliano106 (sócio da Precisa Medicamentos), e passaram a exigir que a Suprema Corte se manifestasse sobre as dúvidas levantadas.

Nessa mesma linha, os membros da comissão também questionaram a atuação da Polícia Federal107 no caso, que supostamente estaria sofrendo intervenção do Governo Federal para tomar essa ação e assim prejudicar o andamento das investigações parlamentares. Em nota, a Polícia Federal defendeu sua atuação como isonômica e imparcial e sumariamente negou que houvesse qualquer interferência na instituição. Ou seja, a utilização do instituto do inquérito policial com fins políticos de prejudicar os trabalhos realizados pela oposição ao governo.

Na data de 13 de julho de 2021, o Presidente da CPI, Sen. Omar Aziz, encaminhou documento ao Presidente do STF108, Min. Luiz Fux questionando a extensão da liminar por ele concedida à Emanuele Medrades. Em resposta poucas horas depois, o Min. Luiz Fux telefonou para o Senador109, segundo noticiado amplamente pela mídia, e explicou que o direito garantido no Habeas Corpus não permitiria o silêncio a todo e qualquer tipo de pergunta, mas somente àquelas que poderiam incriminar a paciente. Igualmente a medida também não impediria decretação de uma prisão em flagrante delito, caso houvesse o cometimento de ilícitos no curso do depoimento.

Ora, trata-se de um re-entry realizado pelo sistema jurídico em cumprir sua prestação funcionalmente diferenciada. As falas do Min. Fux se traduzem numa diferenciação sistêmica de dois institutos típicos do sistema jurídico, e que essa distinção afetará as operações internas do sistema político, provocando nesse uma irritação que deverá ser processada internamente.

106 MASCARI, Felipe. Senadores discutem ‘abuso do silencio’ de Francisco Maximiano, que se cala em CPI: Dono da Precisa Medicamentos disse querespostas podem incriminá-lo e usou habeas corpus cedido pelo STF. Rede Brasil Atual, Política, 19 de agosto de 2021. Disponível em: https://www.redebrasilatual.com.br/politica/2021/08/francisco-maximiano-se-cala-cpi-abuso-silencio/ Acesso em: 20 de dezembro de 2021.

107 Senadores do G7 questionam atuação da Polícia Federal ouvindo depoentes da CPI: ‘a nossa avaliação, diante de todos esses fatos, é de que o governo está detendo o controle sobre algumas instituições do estado’, diz Humberto Costa (PT-PE). CNN Brasil, Política, 13 de julho de 2021. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/senadores-do-g7-questionam-atuacao-da-policia-federal-ouvindo- depoentes-da-cpi/. Acesso em: 20 de dezembro de 2021

108 OLIVEIRA, Marina. Aziz questiona Fux sobre limites do silencio de Emanuele Medrades na CPI. Congresso em Foco, Brasília, 13 de julho de 2021. Disponível em: https://congressoemfoco.uol.com.br/area/congresso/aziz- questiona-fux-sobre-limites-do-silencio-de-emanuele-medrades-na-cpi/. Acesso em: 20 de dezembro de 2021

109 SOUZA, Renato; TEÓFILO, Sara. Fux diz a senadores que Emanuela não pode se recusar a responder todas as perguntas: Presidente do Supremo afirmou que Emanuela Medrades deve responder questionamentos sobre terceiros, correndo o risco de ser presa. Correio Braziliense, Brasília, Política, 13 de julho de 2021. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/07/4937307-fux-diz-a-senadores-que-emanuela-nao- pode-se-recusar-a-responder-todas-perguntas.html. Acesso em: 20 de dezembro de 2021

Entretanto, a confusão entre a condição de investigado e de testemunha devido ao tratamento dispensado pelos membros da comissão parlamentar de inquérito aos depoentes evoluiu para cenário ainda mais grave. Na data de 7 de julho de 2021, o Presidente da comissão Sen. Omar Aziz, decretou a prisão em flagrante do depoente Roberto Ferreira Dias110, ex-diretor de logística do Ministério da Saúde e que estaria envolvido com a contratação ilegal de vacinas pelo Ministério. Este será o 3º fato ser estudado.

Roberto Ferreira Dias é apontado como o mentor do suposto esquema criminoso, ocupando cargo estratégico dentro da pasta ministerial, e tendo orientado os demais envolvidos na licitação fraudulenta sobre como proceder para garantir a adjudicação do certame pela Precisa Medicamentos e assim, concluir a empreitada criminosa.

A prisão representou um marco de impaciência dos parlamentares, uma vez que desde o início das apurações, ainda em abril do mesmo ano, membros da comissão acusavam diversos outros depoentes, dentre eles o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazzuello111, de também estarem cometendo perjúrio em seus depoimentos, independente de serem amparados por Habeas Corpus ou não. Dessa forma, os depoentes estariam menosprezando o trabalho dos parlamentares, na mesma linha defendida pelo Presidente da República ao longo dos meses em suas declarações públicas sobre os trabalhos da comissão. Apesar disso, nada foi feito anteriormente à prisão de Roberto Dias.

Leia-se sobre essa conduta o processamento pelo sistema político a partir da irritação provocada pelo re-entry do sistema jurídico. Para isso, realizou-se uma leitura segundo o sentido comunicativo governo x oposição de um outro artigo da Constituiçao, no caso, do Art. 5º, LXI a respeito da caracterização de um flagrante delito.

110 TEÓFILO, Sara; LIMA, Bruna. Azis manda prender Roberto Dias, apontado como responsável por pedido de propina: O presidente da CPI chegou a anunciar o encerramento da sessão e chamar a Polícia Legislativa. Em seguida, senadores pediram ppara que, antes, a testemunha tivesse oportunidade de fazer novas declarações. Correio Braziliense, Brasília, Política, 07 de julho de 2021. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/07/4936145-aziz-manda-prender-roberto-dias-apontado- como-responsavel-por-pedido-de-propina.html. Acesso em: 20 de dezembro de 2021

111 Randolfe acusa Pazuello de falso testemunho em depoimento à CPI: Para o parlamentar, o vídeo vazado no qual oo então chefe da pasta aparece em reunião com intermediários da venda de doses do imunizante Coronavac, comprova que os relatos dados à comissão são mentirosos. Correio Braziliense, Brasilia, Pandemia, 17 de julho de 2021. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/07/4938224-randolfe- acusa-pazuello-de-falso-testemunho-em-depoimento-a-cpi.html. Acesso em: 20 de dezembro de 2021.

Após a decretação de sua prisão em flagrante, Dias foi escoltado pela Polícia Legislativa, pagou fiança arbitrada pelo Delegado competente e deixou a repartição pública112.

A prisão de Roberto Dias produziu ampla repercussão midiática e repúdio de diversas advogados criminalistas113 e do instituto IBCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais)114, que acusaram os senadores de terem exercido a prisão com arbitrariedade, como instrumento de pressão política para o depoente e que aviltaram as prerrogativas da patrona do acusado no curso do depoimento. Em outras palavras, afirmaram exatamente que houvera uma leitura política de institutos jurídicos e que tal prática é problemática.

Alguns dias depois, a 15ª Vara Federal de Brasília acatou pedido da defesa e anulou o auto de prisão em flagrante expedido contra o acusado115. Em sua decisão, o magistrado destacou que apesar de ter sido convocado como testemunha para depor sobre os fatos questionados, na realidade, o réu estava depondo na condição de investigado, considerando que já estavam em poder da CPI materiais decorrente da quebra de sigilo temático para confrontá-lo116.

No momento em que decretada a prisão, o Sen. Omar Aziz questionava Roberto Dias sobre seu encontro com Luis Paulo Dominguetti, empresário encarregado de intermediar as conversas entre o Ministério da Saúde e a Davati Medical Supply, acusando-o de ter solicitado o pagamento de propina nesse encontro. Em resposta, Roberto Dias informou que o encontro teria sido um acaso e não teria havido arranjo prévio. Após essa declaração,

112 GARCIA, Gustavo. Ex-diretor da Saúde paga fiança de R$ 1,1 mil e deixa Polícia Legislativa, onde estaa detido: Roberto Ferreira Dias teve a prisão determinada pelo presidente da CPI da Covid, senador Omar Aziz sob a acusação de mentir à comissão. G1, Brasília, Política, 07 de julho de 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/cpi-da-covid/noticia/2021/07/07/ex-diretor-da-saude-paga-fianca-de-r-11-mil-e- deixa-policia-legislativa-onde-estava-detido.ghtml. Acesso em: 20 de dezembro de 2021

113 SIVA, Stephannie. Advogados criticam prisão de Roberto Dias na CPI: “desmerece as melhores tradições do nosso Senado”. Blog do Edison Silva, 08 de julho de 2021. Disponível em: https://blogdoedisonsilva.com.br/2021/07/advogados-criticam-prisao-de-roberto-dias-na-cpi-desmerece-as- melhores-tradicoes-do-nosso-senado/ Acesso em: 20 de dezembro de 2021

114 FERREIRA, Flavia; BÄCHTOLD, Felipe. Senadores não podem mandar prender investigado por mentira na CPI, dizem especialistas. Política Livre, 08 de julho de 2021. Disponível em: https://politicalivre.com.br/2021/07/senadores-nao-podem-mandar-prender-investigado-por-mentira-na-cpi- dizem-especialistas/#gsc.tab=0. Acesso em: 20 de dezembro de 2021

115 QUEIROZ. Victória; NETTO, Paulo Roberto. Justiça anula prisão em flagrante de Roberto Dias: o ex-diretor do Min. da Saúde foi preso durante seu depoimento à CPI sob acusação de falso testemunho. Poder 360, Justiça, 20 de agosto de 2021. Disponível em: https://www.poder360.com.br/justica/justica-anula-prisao-em-flagrante- de-roberto-dias/ Acesso em: 20 de dezembro de 2021

116 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Relaxamento de Prisão. Autos PJE nº 1048112- 65.2021.4.01.3400/DF. 15ª Vara Federal da Circunscrição Judiciária de Brasília, 20 de agosto de 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/decisao-cpi-covid.pdf. Acesso em 20/12/2021.

membros do parlamento reproduziram um áudio na comissão em que um interlocutor supostamente encaminha um áudio diretamente a Roberto Dias perguntando se a reunião estaria confirmada, elemento que contradiz o informado pelo depoente e que motivou a sua prisão em flagrante.

Nesse último recorte, o que se verifica é uma confusão entre os elementos à disposição de força institucional das prerrogativas parlamentares com o enquadramento correto e utilização de instrumentos jurídicos adequados para coibir práticas delitivas, em espécie, o crime de falso testemunho previsto no Art. 342 do Código Penal.

Verifica-se da decretação dessa prisão que se entrelaçam elementos tanto do campo jurídico quanto do campo político, em uma única atitude: o decreto de prisão em flagrante baixado por um parlamentar contra um depoente durante depoimento prestado em uma comissão parlamentar de inquérito.

De um lado, pesam dos elementos políticos uma constante insatisfação da CPI não estar conseguindo aprofundar as investigações e apurar a verdade dos fatos diante de evasões, direito ao silêncio ou depoimentos contraditórios entre as diversas testemunhas e investigados. Assim, apesar de exercer o trabalho investigativo, os parlamentares não estariam conseguindo atingir os pontos nevrálgicos dos fatos de forma que pudessem enlaçar de início ao fim o iter criminis e provar o cometimento de ilícitos por servidores e chefes do Ministério da Saúde na condução da pandemia sanitária. Todos esses fatores produziram uma crise de natureza jurídica e natureza política, e que não havia como ser solucionada facilmente.

Tal espécie de crise, segundo a teoria sistêmica de Luhmann se dá em razão do que alguns autores mencionam como a “corrupção dos códigos” que é exatamente a sobreposição de códigos de dois sistemas diferentes em uma mesma operação. A prática seria o primeiro passo para se identificar uma alopoiese dos sistemas envolvidos e, como consequência, levaria à confusão desses sistemas com o ambiente, vez que perderiam a identificação de suas funções especializadas.

Cabe relembrar o alerta dado por Campilongo (2011, p. 100) e já expresso no 2º capítulo deste trabalho:

Não se podem perseguir fins políticos com a utilização do direito e da economia sem que se reconheçam os limites da capacidade desses sistemas. A exceção são os casos de “corrupção” dos respectivos códigos de comunicação, com conseqüências implacáveis para a manutenção autopoiética do sistema.

Após essa perturbação, os trabalhos continuaram ao longo do mês de julho até o recesso e retornaram em agosto de 2021, encerrando-se definitivamente em 05 de novembro de 2021.

Em síntese, esse é o breve contexto político e jurídico objeto deste estudo. A partir dos fatos narrados acima, foram pinçados três ocorridos específicos para concentração da análise. Esses fatos serão pormenorizados criticamente com base na metodologia da Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann para, ao final, apontar algumas conclusões que possam ser extraídas ao se ler a atuação da CPI da Pandemia e do Supremo Tribunal Federal dentro dessa ótica metodológica.

Os fatos a serem examinados são: (i) a ausência de dispositivo normativo no ordenamento positivo que imponha a instalação de CPIs em determinado prazo pelos Presidentes das Casas Legislativas; (ii) a forma e a extensão de instrumentos jurídicos utilizados para a salvaguarda de direitos fundamentais no curso da atividade parlamentar investigativa; (iii) a prisão em flagrante realizada por um Senador da República em uma Comissão Parlamentar de Inquérito e a sua repercussão no sistema judicial.

ANÁLISE DOS FATOS: A CPI DA PANDEMIA E O STF SOB O ENFOQUE DA TEORIA SISTÊMICA DE NIKLAS LUHMANN

Delineadas as irritações que serão analisadas nesse estudo, faremos a análise pela ordem cronológica dos fatos. Logo, iniciaremos com o Mandado de Segurança 37.760/DF impetrado pelos Senadores Alessandro Vieira e Jorge Kajuru, contra ato omissivo do Presidente do Senado Federal, Sen. Rodrigo Pacheco.

Na exordial apresentada ao Supremo Tribunal Federal – STF, os postulantes pontuaram que117:

Decorridos quase 2 (dois) meses desde a apresentação do requerimento e cerca de 40 (quarenta) dias desde a eleição e posse do atual Presidente do Senado, não houve a adoção de nenhuma medida para instalação da CPI, nem mesmo a leitura do requerimento em Plenário. Aduzem que a autoridade coatora teria manifestado resistência pessoal à instalação da comissão durante entrevista televisiva.

A ação foi distribuída ao Min. Luís Roberto Barroso, que prontamente despachou solicitando informações ao presidente da casa parlamentar. Em resposta, a Presidência do Senado, por meio de seu corpo jurídico próprio comunicou118:

Suscita preliminar de ausência de prova pré-constituída em razão de os impetrantes não terem juntado aos autos cópia do requerimento de criação da CPI. Alega, também, que a Secretaria Geral da Mesa não submeteu o documento à verificação, nem à certificação da autenticidade das assinaturas. No mérito, sustenta que a definição do momento adequado para instalar a investigação parlamentar cabe ao presidente da casa legislativa. Reconhece que o país enfrenta o pior momento da pandemia de Covid-19, mas defende que a criação de CPI neste momento não teria o condão de contribuir com a construção de soluções, podendo ter efeito inverso ao desejado. Por fim, afirma que não há compatibilidade técnica para o funcionamento de uma comissão parlamentar de inquérito de forma remota e que a atual situação da crise sanitária não permite a realização de sessões presenciais.

Já nesse momento cabe fazer uma decantação dos argumentos formulados pela autoridade coatora. Na forma da metodologia utilizada, percebemos a existência de duas linhas claramente distintas de argumentação.

117 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Plenário). Mandado de Segurança. MS 37.760/DF. Relator (a): Min. Roberto Barroso, 15 de abril de 2021. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6129512. Acesso em: 20 de dezembro de 2021

118 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Plenário). Mandado de Segurança. MS 37.760/DF. Relator (a): Min. Roberto Barroso, 15 de abril de 2021. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6129512. Acesso em: 20 de dezembro de 2021

Pela primeira, a Presidência da Casa Parlamentar apresenta argumentos que utilizam o código binário típico do sistema político, poder x não-poder, ou situação x oposição. São eles: (i) a definição do momento adequado para instalar a CPI cabe ao presidente da Casa; (ii) apesar da gravidade, a criação da CPI neste momento não irá contribuir para construção de soluções à crise sanitária.

Como se sabe, as seleções do sistema político são guiadas pelo código governo/oposição (KUNZLER, 2004, p.134). Ao mesmo tempo, as decisões políticas podem ser aceitas ou recusadas pelo ambiente, e vice-versa. O que garante a aceitação das decisões coletivamente vinculadas é o fator “poder” do sistema político, como uma espécie de ameaça que se busca evitar aceitando a comunicação dada (KUNZLER, 2004, p.134).

No caso, vemos uma tentativa de comunicação do sistema político com o sistema jurídico, enviando mensagens orientadas pelo seu código próprio (governo x oposição), com vistas a imperar sua decisão como coletivamente vinculante, calcadas na vontade a priori da maioria, ou seja, do governo.

Disso temos a primeira argumentação de sentido comunicativo do sistema político a partir da utilização de sua estrutura própria do poder de agenda da casa parlamentar, para alcançar os fins dos programas governistas, que é a própria manutenção do poder, no contexto já narrado no capitulo anterior. Isto é, cabe ao Presidente da Casa Parlamentar o poder de definir o momento adequado para se instalar uma CPI, com o intuito de fazer a manutenção dos programas segundo seu código próprio dentro das possibilidades contingenciais apresentadas.

Ao mesmo tempo, o sistema político não pode ignorar as comunicações do ambiente, pois o governo não pode isolar-se da sociedade que governa, sob pena de perder sua legitimidade (KUNZLER, 2004, p.134). Para balancear seus programas com o ambiente (trabalhando, assim, a assimetria de complexidades reduzindo as complexidades exteriores e aumentando sua complexidade interna), o sistema político seleciona no ambiente somente as informações que sirvam para manter suas próprias operações, seja do lado da oposição (em retirar o governo do poder), seja do lado do governo (em se manter no poder). Em outras palavras, seleciona as informações pertinentes para realizar sua prestação funcionalmente especializada e, ao mesmo tempo, garantindo-lhe a legitimidade necessária perante a sociedade e os demais sistemas sociais (ambiente).

E a ocorrência desse processo de variação, seleção de informações externas, com vistas à reestabilizaçao do sistema, pode ser visualizada na mensagem encaminhada de que, apesar da gravidade, a criação da CPI neste momento não irá contribuir para construção de soluções à crise sanitária.

Como narrado, a criação da CPI colocaria em xeque as atitudes governistas na condução da pandemia, o que geraria uma irritação interna e externa sob a legitimidade do governo instalado. Por isso, construiu-se a informação, a partir da leitura exterior (heterorreferente) e interior (autorreferente) da situação, para variar (admitir possibilidades) e selecionar (contingencia) com vistas à sua reestabilizaçao (aumento de complexidades e evolução do sistema). E, o conteúdo da informação construída nesse processo é o de que a instalação da CPI, nesse momento (variação), torna-se inoportuno (seleção), do ponto de vista do governo (reestabilizaçao pelo Presidente da Casa que solucionou a contingência)

Apesar de toda essa comunicação de sentido lastreada no código do sistema político, também foram apresentadas argumentações com base no código do sistema jurídico.

A outra linha argumentativa, que possui proximidade com o sistema jurídico, utilizando do código simbolicamente generalizado de comunicação lícito x ilícito, característico desse sistema parcial, defendeu: (i) a preliminar de ausência de prova pré- constituída pela ausência do requerimento na documentação anexada; (ii) A ausência de submissão perante a Secretaria Geral da Mesa do Senado Federal do requerimento de CPI, para verificação e certificação da autenticidade das assinaturas colhidas.

Vê-se característica tipicamente jurídica dessa exposição, pois ataca condições de procedibilidade para a ação mandamental, ou seja, invocando os programas condicionais do sistema jurídico dentro da relação SeEntão, que é uma condição autorreferencial restritiva para a prolação decisória.

Se (conjunto fático) há ausência de prova constituída, Então (norma ou procedimento aplicável) não se deve conhecer do Mandado de Segurança, por expressa disposição legal na Lei 12.016/2006119. E na sequência, Se o requerimento ainda não foi verificado como

119 BRASIL. Lei Federal nº 12.016/2009. Disciplina o mandado de segurança individual e coletivo e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12016.htm Acesso em: 20 de dezembro de 2021.

Art. 6º: A petição inicial, que deverá preencher os requisitos estabelecidos pela lei processual, será apresentada em 2 (duas) vias com os documentos que instruírem a primeira reproduzidos na segunda e indicará, além da autoridade coatora, a pessoa jurídica que esta integra, à qual se acha vinculada ou da qual exerce atribuições.

autêntico e verdadeiro, Então não há direito respaldado em prova documental válida, implicando igualmente o não conhecimento da ação mandamental.

Em síntese, na decisão do momento de instalação da CPI, por ser, primeiramente, uma questão política, devem ser ponderadas nas operações do sistema político para tratamento das comunicações, os interesses da situação e os interesses da oposição. Entretanto, nesse caso também envolveu uma questão jurídica, relacionada à compulsoriedade ou nao da instalação imediata. Ademais, aquele que compete solucionar a contingência em cada caso, já é pré- estabelecida pelas normas jurídicas constitucionais, que conferem legitimidade aos procedimentos da política, ou seja, legitimidade para a seleção contingencial escolhida pelo sistema político.

Apesar dos argumentos invocados, a ação foi recebida e a liminar deferida pelo Min. Luís Roberto Barroso, para determinar a adoção das providências necessárias para a instalação da CPI imediatamente. Em sua decisão, o Min. consignou que120:

Ainda que tal atuação recaia sobre o funcionamento de outro poder, “revela-se legítima a intervenção jurisdicional, sempre que os corpos legislativos ultrapassem os limites delineados pela Constituição ou exerçam as suas atribuições institucionais com ofensa a direitos públicos subjetivos impregnados de qualificação constitucional e titularizados, ou não, por membros do Congresso Nacional”. (grifos nossos)

Ou seja, apesar de o evento ter sua gênese na arena política – onde se presumiria que deveria ocorrer a solução, dada a qualidade autopoiética do sistema político em solucionar suas próprias instabilidades por meio de suas estruturas, a comunicação produzida por este gerou uma irritação ao ambiente, fazendo com que ela tenha sido recepcionada pelo sistema jurídico. Em termos luhmannianos, o fato produzido pelo sistema político (operação que gerou uma irritação), encontrou ressonância de sentido das comunicações típicas do sistema social parcial do direito.

Para isso, entrou em ação o acoplamento estrutural entre os dois sistemas – a Constituição Federal. O Ministro verificou que, apesar de ser uma atitude política a que se pleiteia, o evento de não instalação da comissão esbarrou em limites pré-estabelecidos pelo texto constitucional, e assim, encontra ressonância para a operação sistêmica do direito,

120 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Plenário). Mandado de Segurança. MS 37.760/DF. Relator (a): Min. Roberto Barroso, 15 de abril de 2021. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6129512. Acesso em: 20 de dezembro de 2021

submetendo a conduta ao código binário lícito x ilícito, a partir da interpretação da Carta Magna.

Uma vez que o evento passa a ser compreendido dentro do leque de sentido próprio do sistema jurídico, estará aberto o caminho para a prestação funcional desse sistema, isto é, a atuação jurisdicional para estabilização das expectativas (cumprimento da norma constitucional) de maneira contrafática (decisão judicial com força de cumprimento compulsório).

Mais à frente, a maneira como essa irritação encontrou ressonância, isto é, como foi recepcionada e compreendida como um evento antijurídico é demonstrada pelo relator. In verbis121:

O instrumento previsto no art. 58, § 3º, da Constituição assegura aos grupos minoritários do Parlamento a participação ativa na fiscalização e controle dos atos do Poder Público. Trata-se de garantia que decorre da cláusula do Estado Democrático de Direito e que viabiliza às minorias parlamentares o exercício da oposição democrática. Tanto é assim que o quórum é de um terço dos membros da casa legislativa, e não de maioria. Por esse motivo, a sua efetividade não pode estar condicionada à vontade parlamentar predominante ou mesmo ao alvedrio dos órgãos diretivos das casas legislativas. Na linha de precedentes desta Corte, “para que o regime democrático não se reduza a uma categoria político-jurídica meramente conceitual, torna-se necessário assegurar, às minorias, mesmo em sede jurisdicional, quando tal se impuser, a plenitude de meios que lhes permitam exercer, de modo efetivo, um direito fundamental que vela ao pé das instituições democráticas: o direito de oposição. (grifos nossos)

Extrai-se do fundamento da decisão in casu, que seria necessária a atuação jurisdicional para conferir legitimidade à operação política, na forma do dispositivo articulado no Art. 58, §3º da Carta Magna. Ou seja, mantendo-se a racionalidade sistêmica e a composição das estruturas do sistema jurídico para se auto-reproduzir e auto-reparar, o provimento jurisdicional visou garantir a efetividade normativa da previsão legal, para que essa continue a exercer sua função de estabilização de expectativas normativas para a sociedade, de se preservar o direito das minorias parlamentares dentro do Estado Democrático de Direito que vivemos.

Todavia, há aqui uma difícil e imbricada interpretação constitucional, que de primeiro lance, pode soar como corrupção do sistema jurídico pelos parâmetros políticos, em razão da questão da efetividade das minorias parlamentares na discussão política.

121 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Plenário). Mandado de Segurança. MS 37.760/DF. Relator (a): Min. Roberto Barroso, 15 de abril de 2021. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6129512. Acesso em: 20 de dezembro de 2021

A partir da elaboração da fundamentação decisória dada pelo Min. Luis Roberto Barroso, rememora-se para a interdependência sistêmica entre os dois sistemas, especialmente naquilo que Luhmann menciona sobre a legitimação pelo procedimento. À medida que a política entrega ao direito os seus programas condicionais a partir da normatização de expectativas por meio de decisões coletivamente vinculantes, o direito deve entregar à politica a legitimidade jurídica de sua operacionalização para que não se dissocie legitimidade e poder.

E é exatamente isso que o Ministro afirma. Ao analisar os parâmetros objetivos subscritos no texto constitucional e extrair deles por meio da interpretação jurídica (atribuição de sentido comunicativo próprio do sistema) os fundamentos de legitimação que decorrem do texto, entendeu o Ministro que o exercício do poder de agenda na forma argumentada politicamente, não lhe conferiria legitimidade política e, assim, esbarraria em ilicitude na legitimação do procedimento segundo o estabelecido pelas normas jurídicas constitucionais. Na continuidade da fundamentação de sua decisão, o Min. Luis Roberto Barroso invoca programas do sistema jurídico, tais como os princípios e valores constitucionais encontrados nesse ponto de convergência entre os dois sistemas que é a Constituição Federal, o que reforçaria o entendimento de que não há intromissão da seara jurídica no sistema político, mas uma resolução do sistema jurídico, com instrumentos próprios do sistema jurídico, a um evento atinente ao sistema jurídico. Qual seja, a ocorrência de um ato ilícito que é o descumprimento de disposição prevista no texto constitucional, enquanto norma legitimadora dos procedimentos políticos. Dispõe o relator em uma passagem de seu provimento122:

Há razoável consenso, nos dias atuais, de que o conceito de democracia transcende a ideia de governo da maioria, exigindo a incorporação de outros valores fundamentais, que incluem igualdade, liberdade e justiça. É isso que a transforma, verdadeiramente, em um projeto coletivo de autogoverno, em que ninguém é deliberadamente deixado para trás. Mais do que o direito de participação igualitária, democracia significa que os vencidos no processo político, assim como os segmentos minoritários em geral, não estão desamparados e entregues à própria sorte. Justamente ao contrário, conservam a sua condição de membros igualmente dignos da comunidade política[6]. Em quase todo o mundo, o guardião dessas promessas[7] é a suprema corte ou o tribunal constitucional, por sua capacidade de ser um fórum de princípios[8] — isto é, de valores constitucionais, e não de política

— e de razão pública – isto é, de argumentos que possam ser aceitos por todos os envolvidos no debate[9].

Entretanto, percebe-se a invocação de diversos precedentes da Suprema Corte nesse mesmo sentido, o que demonstra que não é a primeira vez a ocorrência dessa situação. Ou

122 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Plenário). Mandado de Segurança. MS 37.760/DF. Relator (a): Min. Roberto Barroso, 15 de abril de 2021. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6129512. Acesso em: 20 de dezembro de 2021

seja, por meio da recursividade de suas estruturas (jurisprudência), foi possível ao sistema jurídico reestabilizar-se da irritação provocada, segundo seus próprios elementos. Produzindo assim, direito a partir de direito.

Partindo para o segundo fato a ser analisado, o HC 204.422123, impetrado pela defesa da diretora da Precisa Medicamentos, Emanuela Medrades, o processo foi distribuído ao Min. Luis Roberto Barroso, mas teve decisão liminar da presidência do tribunal, pelo Min. Luiz Fux, por se tratar de questão urgente, na forma do Art. 13, VIII do RISTF.

No remédio, os impetrantes buscavam o direito da paciente de não comparecer ao depoimento e, em sendo obrigada, que lhe fosse garantido dentre outros direitos, o de permanecer em silêncio perante a comissão. O fundamento dos pedidos reside na dúvida quanto à natureza da condição da paciente no depoimento, isto é, se estaria depondo como testemunha ou indiciada. A existência dessa dúvida foi reconhecida na liminar proferida124.

Cumpre destacar, incialmente, que diferentemente do primeiro fato analisado, este não se inicia como uma questão típica do sistema político, mas sim, do sistema jurídico, tendo em vista que o pleito busca resguardar direitos constitucionalmente assegurados a todos, tendo que se fazer uma distinção da qualidade do depoimento para que a Corte diga qual leque de direitos vão entrar em ação no caso: se aqueles garantidos às testemunhas ou aqueles garantidos aos investigados.

Ou seja, sob a perspectiva metodológica de Luhmann, a situação produzida pelo sistema político (depoimento em CPI), gerou uma irritação ao sistema jurídico para que este realizasse um re-entry de suas estruturas internas e, para isso, deveria aumentar sua complexidade, distinguindo uma da outra. Apresenta-se para o sistema jurídico: o depoimento, no contexto almejado pela CPI, será realizado segundo as estruturas de depoimento testemunhal ou interrogatório?

Para atrair a ressonância de sentido comunicativo do sistema jurídico (e evitar que decisão judicial se tornasse “corrompida” pelo código de outro sistema), a decisão foi

123 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Plenário). Habeas Corpus. HC 204.422/DF. Relator (a): Min. Roberto Barroso, 12 de julho de 2021. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6218928 Acesso em: 20 de dezembro de 2021

124 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Plenário). Habeas Corpus. HC 204.422/DF. Relator (a): Min. Roberto Barroso, 12 de julho de 2021. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6218928 Acesso em: 20 de dezembro de 2021

Min. Luiz Fux: O contexto apresentado na justificação do ato é, prima facie, indicativo de dúvida sobre a condição em que a paciente será ouvida (testemunha ou indiciado).

ancorada em precedentes antigos da Suprema Corte e destacados na liminar concedida, em espécie, do HC 113.548 da relatoria do Min. Celso de Mello, julgado em 14 de maio de 2012, ou seja, a mais de 10 anos atrás. Leia-se trecho do julgado125:

Cabe acentuar, de outro lado, examinada a pretensão dos impetrantes na perspectiva da espécie ora em análise, que as Comissões Parlamentares de Inquérito, à semelhança do que ocorre com qualquer outro órgão do Estado ou com qualquer dos demais Poderes da República, submetem-se, no exercício de suas prerrogativas institucionais, às limitações impostas pela autoridade suprema da Constituição.

Isso significa, portanto, que a atuação do Poder Judiciário, quando se registrar alegação de ofensa a direitos e a garantias assegurados pela Constituição da República, longe de configurar situação de ilegítima interferência na esfera de outro Poder do Estado, traduz válido exercício de controle jurisdicional destinado a amparar qualquer pessoa nas hipóteses de lesão, atual ou iminente, a direitos subjetivos reconhecidos pelo ordenamento positivo.

Em uma palavra: uma decisão judicial - que restaura a integridade da ordem jurídica e que torna efetivos os direitos assegurados pelas leis e pela Constituição da República – não pode ser considerada um ato de indevida interferência na esfera do Poder Legislativo, consoante já o proclamou o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em unânime julgamento. (grifos nossos).

A menção a esses precedentes demonstra que foi realizada uma operação recursiva do sistema jurídico. Isto é, tomou-se estruturas já estabilizadas internamente e as confirmou no presente de forma a reafirmar a sua atuação sistêmica e identidade de sentido para si (autorreferencia) e para o ambiente (comunicação externa), mantendo sua função especializada para conferir a prestação que lhe é esperada, qual seja, estabilizar contrafaticamente as expectativas normativas. Novamente, produzindo direito a partir de direito.

Em sua decisão, o Min. Luiz Fux concedeu parcialmente a ordem admitindo direitos sob os dois espectros. Enquanto depusesse na condição de investigada a paciente possuiria os direitos de permanecer em silêncio, a não ser obrigada a assinar termo de compromisso de dizer a verdade, de ser assistida por advogado e o de se comunicar livremente e em particular sem embaraços. Entretanto, enquanto estivesse ali presente na condição de testemunha, o ilustre ministro entendeu que, em razão da previsão do Art. 206 do Código de Processo Penal126, a paciente estaria obrigada a depor e a dizer a verdade, nos termos da legislação processual penal.

125 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus. HC 113.548/DF. Relator (a): Min. Celso de Mello, 18 de maio de 2012. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4240490 Acesso em: 20 de dezembro de 2021

126 BRASIL. Decreto Lei nº 3.689/1941. Código de Processo Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm Acesso em: 20 de dezembro de 2021.

É dizer, na prática, a ordem deu uma proteção jurídica ampla, permitindo a salvaguarda de direitos fundamentais em ambas as situações, e, para isso, em uma única operação, promoveu um re-entry das suas estruturas internas esclarecendo a diferenciação da estrutura do depoimento testemunhal (e quais direitos atuariam quando na realização dessa estrutura) do interrogatório penal (igualmente, esclarecendo quais prerrogativas atuariam nesse caso).

Todavia, não se aprofundou se o requerimento de convocação para depoimento em si expressava tratar-se de depoimento como testemunha ou como investigada. Dessa forma, permaneceu a dúvida se o juízo quanto à natureza das perguntas ficaria a cargo da própria paciente ou dos membros do Senado Federal, enquanto no exercício de atividade administrativa investigativa excepcional, para caracterizar se estaria depondo na condição de testemunha ou de investigada. A questão ficou especialmente sensível no momento do depoimento, oportunidade em que ambas as partes opuseram embargos de declaração no intervalo da sessão na comissão.

Nos embargos, ficou consignado que127:

Com efeito, a não autoincriminação tem assento constitucional, instaurando direito subjetivo, a ser exercido por qualquer cidadão, de não produzir prova contra si mesmo. Por óbvio, o primeiro juízo sobre o conteúdo desse direito compete ao seu próprio titular, a quem cabe a avaliação inicial sobre os impactos da produção de determinada informação sobre a sua própria esfera jurídica. Nesse sentido, é o titular do direito quem exterioriza a primeira manifestação de vontade em relação ao exercício da não autoincriminação.

Por outro lado, nenhum direito fundamental é absoluto, muito menos pode ser exercido para além de suas finalidades constitucionais. Nesse ponto, às Comissões de Parlamentares de Inquérito, como autoridades investidas de poderes judiciais, recai o poder-dever de analisar, à luz de cada caso concreto, a ocorrência de alegado abuso do exercício do direito de não-incriminação. Se assim entender configurada a hipótese, dispõe a CPI de autoridade para a adoção fundamentada das providências legais cabíveis. (grifos nossos)

A questão é de excepcional complexidade. Pois, inicialmente devemos destacar a circularidade trifásica do sistema político moderno destacado por Niklas Luhmann, que

Art. 206. A testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor. Poderão, entretanto, recusar-se a fazê-lo o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o cônjuge, ainda que desquitado, o irmão e o pai, a mãe, ou o filho adotivo do acusado, salvo quando não for possível, por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias. – Código de Processo Penal.

127 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Plenário). Habeas Corpus. HC 204.422/DF. Relator (a): Min. Roberto Barroso, 12 de julho de 2021. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6218928 Acesso em: 20 de dezembro de 2021

envolve: Estado, Administração e Público (CAMPILONGO; 2011, p.90)128. A situação de ser um depoimento realizado por uma comissão parlamentar (político) de inquérito (administração) com prerrogativas de autoridade judicial realça a dificuldade de se aprofundar a análise.

Para a decisão, a Corte utilizou-se de uma barreira para conter a expansão desordenada de sua atuação nos assuntos analisados pelo parlamento nessa particular situação, expressando que: não compete ao Supremo Tribunal Federal se imiscuir no conteúdo do depoimento da Paciente, muito menos supervisionar o Supremo Tribunal Federal previamente o exercício das atribuições jurisdicionais exclusivas da Comissão Parlamentar de Inquérito129. A justificativa jurídica, isto é, a partir da variação posta (contingência), os motivos de a seleção ter sido no sentido de ser ilícito se intrometer previamente no assunto, para buscar reestabilizar seus componentes internos (aumentando sua complexidade, mas contendo sua expansão desordenada) foi no sentido de não ser possível o revolvimento de matéria fático- probatória em sede de habeas corpus.

A crise nesse caso é referencial, e não comunicativa. Isto é, qual dos sistemas deveria orientar a situação: (i) o juízo jurídico de amplitude de defesa enquanto prerrogativa subjetiva do acusado; ou (ii) o juízo administrativo pela conveniência, oportunidade e legalidade das investigações, pelos membros da CPI.

Pela leitura da decisão do Min. Luiz Fux, percebe-se que foi dada a admissão dos dois sistemas simultaneamente para atuação sobre a questão (ponderar quais perguntas são incriminatórias ou não), jogando a cargo, em última instância, de o sistema político fazer a mediação entre as duas diretrizes.

128 CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, sistema jurídico e decisão judicial. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva. 2011.

Em seu livro, Celso Campilongo coloca: No interior do sistema político, segundo Luhmann, o processo de diferenciação conduz à passagem de um sistema bidimensional (correspondente às sociedades estratificadas e caracterizado pelo binário hierárquico superior/inferior) a um sistema tridimensional (correspondente às sociedades diferenciadas funcionalmente e caracterizado por uma interdependência recíproca mais elevada entre os componentes do sistema, a saber, a tridimensionalidade entre política, administração e público). A comunicação política deixa de expressar exclusivamente a forma “comando /obediência” para adquirir a forma de uma grande “circularidade autor-referencial”: o público influencia a política; a política limita a administração e o Legislativo; a administração cria vínculos para si e para o público; o público reage a todo o processo. Enfim, uma circularidade de dupla direção, que admite e estimula a contracircularidade.

129 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Plenário). Habeas Corpus. HC 204.422/DF. Relator (a): Min. Roberto Barroso, 12 de julho de 2021. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6218928 Acesso em: 20 de dezembro de 2021

Verifica-se, assim, que o sistema jurídico cumpriu a sua atribuição naquilo que lhe compete e se afastou das demais implicações envolvidas, dando os esclarecimentos e diretrizes mínimas para o problema e devolvendo a confusão para onde esta teria surgido, na Comissão Parlamentar de Inquérito. No entanto, a operação sistêmica própria não foi suficiente para resolver o entrave, e assim permaneceu uma irritação no ambiente, de alta complexidade por ser uma crise referencial, que não foi resolvida.

Embora a decisão prolatada ter instituído o limite de atuação do sistema jurídico no caso, qual seja, a definição dos direitos e obrigações albergados à Emanuela Medrades, caso deponha como investigada ou como testemunha para verificar se o depoimento teria natureza de interrogatório ou testemunhal, optou-se por dar um enfoque dúplice e simultâneo, onde aquele que tem que responder faz uma primeira avaliação e os membros da CPI devem verificar se há abuso de direito ou não, ao recusar-se a responder determinada pergunta, facultando ainda o uso das demais medidas jurídicas cabíveis para fazer valer a autoridade investigativa da comissão.

Com visto anteriormente, Niklas Luhmann, postula que a estabilização de expectativas a partir da limitação recíproca dos sistemas sociais possibilita a organização estruturada das complexidades de cada sistema. Nesse sentido, a complexidade totalmente desestruturada compreenderia no arbítrio ou a igualdade de todas as possibilidades de atuação por aquele sistema. Já na complexidade estruturada “as possibilidades se excluam ou se limitem reciprocamente” Na complexidade estruturada, portanto, surgem problemas de compatibilidade e compossibilidades.”130

Na decisão retro, a complexidade da demanda foi respondida com a estruturação das expectativas do sistema jurídico sobre o evento posto em análise, estabelecendo por meio dessa estruturação o limite de atuação do sistema jurídico e diferenciando suas estruturas internas pelo processo do re-entry por aquele sistema sobre o caso concreto. A decisão, dessa maneira, mostra-se parcialmente acertada, pois conteve uma expansão desordenada do sistema jurídico com vistas a não substituir os outros sistemas em realizar suas operações próprias. Todavia, deixou dúbio sobre qual enfoque sistêmico deveria agir sob a situação, permanecendo assim a crise de referenciamento a partir da admissão da incidência de uma sobreposição de códigos numa mesma operação.

130 LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 1983. p. 13

Logo, a decisão estabeleceu claramente que a questão ressoa como natureza jurídica apenas até o estabelecimento do rol de direitos fundamentais englobados e garantidos à paciente, no curso de seu depoimento. Já a análise detida e minuciosa do contexto fático- probatório pela Suprema Corte seria indevida substituição da autoridade investigativa pela autoridade judicial, não cabendo, portanto, às estruturas do sistema jurídico atuar sobre esse tópico da questão, neste momento. Todavia, não se estabeleceu se, para compreender a natureza da exigência de resposta das questões, deveria ser exercido um juízo do sistema jurídico (lícito x ilícito) ou juízo político administrativo (governo x oposição; conveniência x inconveniência administrativa),

Assim sendo, a comunicação operativa do sistema jurídico foi acertada para evitar a desestruturação sistêmica de sua racionalidade, todavia, foi insuficiente para solver a questão de referibilidade, isto é, se haveria espaço de controle do código lícito x ilícito na questão, ou do código poder x não poder; conveniência x inconveniência administrativa. Pelo contrário, ao admitir que ambos atuassem, possibilitou a ocorrência de uma sobreposição de códigos, o que poderia comprometer qualquer resultado que daí adviesse.

É certo que o sistema político sempre fará leituras de suas operações sob seu código próprio, e o mesmo vale para o sistema jurídico. Entretanto, admitir como válida a sobreposição de códigos nesse caso, inviabiliza uma admissão integral da situação, caso submetida para variabilidade e seleção de qualquer sistema, o que, por consequência, igualmente impede a reestabilização da irritação em ambos os sistemas.

Para solucionar a problemática, entendemos que o Art. 58, §3º da CRFB/88131, ao expressar “com prerrogativas próprias de autoridade judicial”, deve-se incidir ao caso tão somente o referenciamento do sistema jurídico, não havendo espaço para atuação do sistema político, pois, por óbvio, não cabe a autoridades jurisdicionais realizar uma leitura sob o código de outro sistema, ainda que nesse caso trate de situação excepcionalíssima que é a atuação de parlamentar como ator jurisdicional.

Por fim, faremos a análise do último evento, qual seja, a decretação de prisão em flagrante do depoente Roberto Ferreira Dias pelo presidente da CPI, Sen. Omar Aziz, por supostamente ter cometido perjúrio em depoimento prestado na casa parlamentar.

131 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm Acesso em: 20 de dezembro de 2021.

Como vimos do 2º fato, o STF consignou que o juízo sobre abuso do direito de defesa e natureza dos depoimentos prestados caberia primeiro ao depoente e em seguida, à CPI, podendo a comissão adotar as medidas judiciais cabíveis para fazer valer sua força investigativa. Desse ponto origina-se o 3º conflito intersistêmico a ser analisado.

No caso, temos que o Sen. Omar Aziz, diante da dinâmica do depoimento que estava sendo prestado na comissão no dia 7 de julho de 2021, entendeu que o depoente estava praticando falso testemunho, induzindo a comissão a erro ao estabelecer controvérsia entre o depoimento e os demais elementos probatórios já carreados na investigação. Trata-se, pois, de leitura comunicativa de lícito x ilícito, que nos parece adequada, pois o parlamentar estava na figura de autoridade judicial naquela comunicação.

No contexto procedimental, tem-se que o depoente prestou compromisso de dizer a verdade perante a CPI. Todavia, o fato pelo qual estava depondo, e que o levou à prisão, era sobre ter participado de uma reunião prévia com o Sr. Luiz Dominguetti, onde, em tese, teria ocorrido ajuste prévio para o superfaturamento da compra de doses da vacina AstraZeneca, o que enquadraria o depoente como incurso no Art. 317 do Código Penal (corrupção passiva).

O cerne da questão que motivou a decretação de prisão era se o depoente teria combinado o local e o horário previamente com o Sr. Luiz Dominguetti, respondendo que não, que a presença deste se deu de maneira fortuita e que a referida reunião teve finalidade distinta do que a alegada pelos parlamentares. A comissão, todavia, já estaria na posse de uma mensagem de áudio que seria da voz do depoente e teria sido enviado ao Sr. Dominguetti, marcando a referida reunião. Do confronto, foi decretada a prisão em flagrante pelo crime de falso testemunho.

Sob um enfoque comunicativo do sistema político, alguns senadores, inclusive membros da comissão, entenderam que a prisão foi um recado para os futuros depoimentos, simbolizando que a comissão não admitiria a manipulação das investigações pelos investigados e que se tratava de assunto de alto relevo nacional, onde as informações prestadas deveriam ser levadas a sério e apresentadas com veracidade. Além disso, depoimentos anteriores foram considerados polêmicos por estarem fazendo essa manipulação das informações e dando relatos que contradiziam com elementos de conhecimento público e notório, dentre eles, o depoimento prestado pelo ex-Ministro da Saúde Eduardo Pazzuello.

Ou seja, a fim de enviar uma mensagem de tom político, utilizou-se o Sen. Omar Aziz de programas do sistema jurídico, dando uma interpretação heterorreferente a esses institutos, isto é, extraiu uma estrutura do sistema jurídico e utilizou-a orientado pelo código binário típico do sistema político (poder x não-poder; situação x oposição). Percebendo que estava tendo seus poderes de presidência da comissão investigatória esvaziados pelos depoentes que faziam pouco caso dos riscos de estarem efetivamente prestando falsos testemunhos, invocou tais institutos como maneira de fazer valer suas prerrogativas políticas, possibilitando assim, a manutenção de sua presidência e sua autoridade diante dos trabalhos da CPI e perante os demais membros da comissão, especialmente parlamentares governistas.

A escolha, não por menos, gerou rebuliços não só pela defesa do acusado, como também de entidades representativas no âmbito do sistema jurídico, denunciando que houvera uma deturpação das premissas que baseiam os institutos invocados (natureza do depoimento, compromisso de dizer a verdade e prisão em flagrante) por falha técnica e interpretação casuística, em razão de uma interpretação errônea do senador e por não ter sido decretada outras prisões em depoimentos igualmente taxados como fraudulentos.

A crítica é pertinente, uma vez que não pode um sistema utilizar de heterorreferenciamento para realização de suas operações internas, sob pena de corrupção do código próprio para tal. Apesar de se tratar de parlamentar em sede de comissão parlamentar, ou seja, elementos típicos do sistema político, a situação se deu em contexto de exercício de autoridade judicial pelos senadores, que é o caso das CPIs. Dito isso, não se poderia, ainda que dentro do Congresso Nacional, fazer uma leitura do depoimento pelo código governo x oposição; poder x não poder, que é o que foi feito ao se buscar enviar uma mensagem política por meio do decreto de prisão em flagrante.

Consequentemente, o pedido de relaxamento da prisão em flagrante foi protocolado pela defesa do depoente perante o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, oportunidade em que a 15ª Vara Federal deu provimento ao pleito defensivo. Em seus fundamentos, o juízo entendeu que132:

Ou seja, apesar de formalmente qualificado como testemunha e sujeito, em tese, às penas do perjúrio, o flagranteado foi efetivamente tratado, na condução do seu depoimento, como investigado, tanto assim, que a CPI já dispunha de material

132 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Relaxamento de Prisão. Autos PJE nº 1048112- 65.2021.4.01.3400/DF. 15ª Vara Federal da Circunscrição Judiciária de Brasília, 20 de agosto de 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/decisao-cpi-covid.pdf. Acesso em 20/12/2021.

decorrente da quebra de sigilo telemático para confrontá-lo em seu depoimento, inexistindo, portanto, obrigação de responder às perguntas que lhe foram dirigidas. E se não tinha a obrigação de respondê-las, também pelo teor das respostas não poderia ser incriminado por perjúrio. (grifos nossos)

A decisão confirma a teratologia jurídica do decisium exatamente por não ter se orientado pelo código lícito x ilícito, que deveria ter sido feito no caso. Sob o enfoque metodológico utilizado nesse estudo, podemos concluir que ocorreu uma verdadeira importação de componentes do sistema social parcial do direito para o sistema social parcial político, que provocou a adversidade entre os dois sistemas.

Anteriormente, vimos que a teoria sistêmica de Luhmann, diferentemente das demais teorias sistêmicas, não admite a “importação” dos componentes de um sistema por outro, pois isso geraria uma alopoiése do sistema social parcial. Na verdade, tais sistemas são dotados de aberturas cognitivas que os possibilitam realizar operações de hetero-observação dos demais sistemas, e heterorreferenciamento para distinguir a suas funções a partir das funções do outro, mas nunca de heterorreferenciamento para suas próprias operações. Tal lógica fundamenta o paradoxo da clausura operativa com a abertura cognitiva, em que um sistema é, ao mesmo tempo, aberto e fechado, mas não pode, em qualquer hipótese, confundir-se com seu ambiente, leia-se, para esse caso, confundir-se com outros sistemas sociais parciais.

A autonomia autopoiética, como cunhado por Viana133, estabelece um domínio comunicativo especializado de cada sistema, que é moldado a partir da autorreferência e heterorreferência, para determinar suas próprias comunicações e instituindo dentro de si a sua autorreproduçao autopoética, que são somente aquelas operações ordenadas pelo código- binário valorativo que o distingue dos demais em sua função especializada.

A premissa de que houvera tal “importação” no fato analisado, como mencionado pelos advogados e demais operadores do direto que criticaram o evento, e de que seria esse o motivo da ilegalidade da prisão decretada, adequa-se às premissas da teoria sistêmica de Niklas Luhmann. O evento, colocado como verdadeiro motivo que promoveu a crise sinalizou pelo direcionamento de uma alopoiése do sistema social parcial funcional da política, sob a perspectiva jus-sociológica de Luhmann, uma vez que corrompeu seu código com fins de realizar uma operação própria dentro de um contexto que imperava a realização de uma operação do sistema jurídico, importando componentes desse sistema para tentar justificar uma operação política. Por outro lado, caso a decretação de prisão restar-se tão

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exclusivamente na contradição das declarações e a natureza do depoimento estivesse bem delineada, sem a intenção de simbolizar uma mensagem a depoimentos futuros, estaríamos diante tão somente da quebra de uma expectativa normativa, isto é, do descumprimento das normas jurídicas penais e processuais penais. Nesse contexto, ainda que ocorrido em sede de uma casa parlamentar, caberia a atuação do sistema jurídico, e tão somente esse, a ser realizado por parlamentar em situação excepcional de atuação como autoridade jurisdicional, para recuperar contrafaticamente a expectativa normativa quebrada.

Dessa análise, concluímos que não se trata da utilização do instituto em si (estrutura sistêmica), mas do sentido que se atribui à utilização daquele instituto (recursividade heterorreferente) para solucionar uma crise oriunda de outro sistema (heterroreferenciamento).

Em outras palavras, a crise gerada pelo desprezo de alguns depoentes à atividade investigativa da comissão teve que ser solucionada com a invocação de institutos jurídicos. Entretanto, trata-se de uma irritação interna do sistema político, ao ter o Presidente da comissão entendido que tivera seus poderes esvaziados por integrantes do governo. Trata-se de irritação (variação), que imperava por uma seleção (contingenciamento) do código de sentido político, para promover uma reestabilizaçao (evolução) da irritação eminentemente política (crise governo x oposição).

Entretanto, preferiu o Senador a utilização de estruturas do sistema jurídico para fundamentar sua opção própria de sentido comunicativo do sistema político, produzindo uma operação interna heterroreferente que não se sustenta para manutenção da autopoiésis de ambos os sistemas sociais parciais funcionalmente especializados da política e do direito. Eis o equívoco no tratamento dado pelo Sen. Omar Aziz à questão que gerou a controvérsia observada.

Em síntese da análise lançada, vimos que no 1º fato, diante da solução escolhida ao lidar com uma irritação interna deste sistema – que foi a de não instalar a CPI – a sua operação sistêmica) gerou uma irritação exterior aos demais sistemas e ao meio social. E, especialmente quanto ao sistema jurídico, este encontrou ressonância para expandir a complexidade do seu sentido comunicativo próprio e, assim, solucionar a irritação sofrida por uma operação do ambiente, a partir de meios próprios e atuando dentro de seu limite comunicativo, distinguindo-se claramente de seu entorno.

Já no 2º fato, a irritação promovida pelo ambiente e levada aos tribunais, promoveu uma operação de re-entry no sistema jurídico, para diferenciar a natureza de depoimento testemunhal para o interrogatório, ainda que praticados em sede de comissão parlamentar de inquérito. Entretanto, permaneceu uma problemática de refereribilidade sobre qual código deveria atuar para verificar a exigibilidade de resposta a partir da natureza das indagações feitas, o que pode impactar negativamente reproduções futuras de ambos os sistemas se realizadas com recursividade desses depoimentos. Apesar disso, a Corte teve atuação adequada ao estabelecer verdadeira cláusula de barreira de não se imiscuir na natureza das perguntas a serem feitas, preservando, assim, a sua racionalidade sistêmica e conservando sua identidade em relação ao ambiente. Diferentemente, estaria atuando em substituição de atuação própria de outro sistema, corrompendo seu código por utiliza-lo em operação alheia.

Por fim, no último e 3º fato, observa-se que, para tentar solucionar uma crise interna do sistema político, fez-se uma importação de elementos do sistema jurídico, realizando uma operação heterorreferencial para solucionar uma irritação interna, gerando assim uma nova crise, exatamente porque o heterroreferenciamento para reprodução do próprio sistema criou um contexto de alopoiése do sistema social parcial funcional, por não ser a medida adequada para fazer suas próprias operações. O heterroreferenciamento serve para identificar as qualidades particulares dos demais sistemas no meio social distinguindo o sistema de seu entorno, gerando assim a unidade pela diferença funcionalmente especializada de cada sistema. No entanto, tal prática não poderá ser usada para autorreproduçao de suas próprias operações tendo em vista a qualidade autopoiética que tais sistemas devem ter, isto é, a capacidade para se auto-repararem, auto-reestruturarem, auto-transformarem e auto- adaptarem. O relaxamento da prisão pela 15ª Vara Federal da Circunscrição Judiciária de Brasília confirmou a ocorrência dessa importação, o que revestiu de ilegalidade a prisão decretada, porquanto utilizada por sentido diverso daquele que orienta a estrutura sistêmica de sua ocorrência, ou seja, decreto de prisão em flagrante com base em sentido comunicativo político, para solucionar uma irritaçao experimentada pelo sistema político.

Após esse contraste das experiências vividas na CPI da Pandemia com a Teoria Sistêmica de Luhmann e, dentro da perspectiva de manutenção autopoiética dos sistemas sociais parciais para um adequado funcionamento e interação entre os diversos ramos da sociedade, faremos algumas críticas e apontamentos do que podemos aprender com essa experimentação para o futuro.

RESULTADOS E CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da teorização social elaborada por Niklas Luhmann, temos que o sentido comunicativo é o que estabelece as operações comunicativas dos sistemas. Em outros termos, somente o direito pode reproduzir direito e deve fazê-lo a partir do direito. Ao mesmo tempo, o sentido comunicativo próprio (códigos binários), também representam o limite de atuação desse sistema social. Assim, só está compreendido no sistema jurídico aquilo que está apto a se submeter ao código lícito x ilícitio, sendo todo o resto, ruído comunicativo que permanece no ambiente, fora da clausura operativa do sistema social.

Como ambiente temos não só os sistemas psíquicos (pessoas), que são acoplamentos estruturais por natureza, mas também todos os demais sistemas sociais. Por meio da observação heterroreferente do ambiente, o sistema social parcial constrói uma função que lhe é própria, tendo suas prestações destinadas a atender às demandas sociais. Isso consagra o paradoxo da unidade pela diferença estabelecida por Luhmann e que, quanto ao direito, este possui a função especializada de estabilizar contrafaticamente as expectativas normativas.

Tais expectativas normativas são os contratos, as leis, as práticas jurisprudenciais, dentre outros. Esses elementos formam os programas condicionais do sistema jurídico. Os programas podem mudar, mas o sentido comunicativo do sistema (tratamento de informações sobre o código licíto x ilícito), delimitado para reduzir assimetricamente a hipercomplexidade do ambiente para tratamento interno das informações selecionadas, não muda.

Esse horizonte nos levanta outra concepção relevante em Luhmann que é o seu conceito de “evolução”. Para Luhmann, evolução deve ser compreendida no sentido de “emergência”, assim, o que antes era não direito, passa a ser direito, e vice-versa. Tal procedimento evolutivo ocorre como sequenciamento de três comportamentos: variação, seleção e reestabilização.

Por variação temos a submissão do sistema a irritações, internas ou externas, que encontrem ressonância dentro de seu código de sentido comunicativo próprio. Essas irritações geram contingências a serem solucionadas pelo sistema, que se resolvem a partir do procedimento de seleção. Isto é, dentre as variadas opções possíveis, o sistema seleciona aquelas pertinentes ao seu código comunicativo, e então, escolhe uma das opções segundo seus programas próprios (condicionais para o direito e teleológicos para a política). A partir

dessa escolha, o sistema social se reestabiliza, aumentando sua própria complexidade e assim, evolui em termos Luhmannianos, vez que aumenta sua capacidade para lidar com a (hiper)complexidade da sociedade moderna, sempre em um contexto assimétrico em relação ao seu ambiente.

Entretanto, toda operação sistêmica gera um risco para o entorno, uma vez que os demais sistemas sociais observam por seu código de sentido próprio aquela operação realizada. Por vezes, essa operação produz novas irritações que devem ser assimiladas por esses sistemas sob a forma de seu peculiar código comunicativo.

Os sistemas sempre trabalham operativamente fechados, mas cognitivamente abertos, levantando o novo paradoxo de Luhmann do fechamento pela abertura. Dessa forma, os sistemas são sempre abertos e fechados ao mesmo tempo, e não abertos ou fechados. Disso conclui-se que, para a preservação de sua capacidade autopoiética, os sistemas só podem processar (realizar operações) e selecionar informações pertinentes ao seu código identificador de sua função especializada, mas sempre estão abertos cognitivamente às irritações geradas por outros sistemas, como também estão sempre observando o seu entorno, a fim de manter a sua unidade identificadora funcional especializada. Portanto, o direito só processa direito, segundo o direito e a partir do direito (recursividade), mas está constantemente submetido a provocações dos demais sistemas e para conservar sua unidade enquanto sistema jurídico deve observar esses sistemas para diferenciar a atuação do entorno de suas próprias operações.

Todavia, quando nos atentamos especificamente para os sistemas jurídico e político, Luhmann pontua que esses sistemas possuem uma dupla interdependência. Enquanto a política produz os programas para o direito, por meio de decisões coletivamente vinculantes (função especializada), processadas segundo seu código próprio (governo x oposição; poder x não poder), o direito confere legitimidade normativa para as operações políticas (licitude x ilicitude), para que não ocorra o exercício de poder de forma arbitrária, conferindo o que Luhmann chama de legitimidade pelo procedimento.

Todas essas premissas estão contidas no plano teórico e abstrato de Luhmann, ao buscar elaborar uma teoria de descrição analítica de moldes funcional estruturalista de sociedade. Por meio desse estudo, tentamos aplicar empiricamente essas premissas na experiência social brasileira vivida dentro do contexto da CPI da Pandemia.

Como resultado, podemos afirmar que não é tarefa fácil conseguir manter a autopoiése sistêmica do sistema social jurídico e político brasileiro na forma esperada por Niklas Luhmann. Inclusive, já há autores brasileiros que afirmam existir uma alopoiése do sistema jurídico e do sistema político de países periféricos em razão de uma expansão desordenada desses sistemas, como trabalhado por Marcelo Neves.

No trabalho desenvolvido, podemos destacar algumas importantes conclusões sobre os objetos de análise escolhidos.

Na primeira, em relação à concessão do Mandado de Segurança nº 37.760/DF - STF134, conseguimos verificar que o sistema político realizou uma leitura da Constituição Federal (acoplamento estrutural entre os dois sistemas) segundo seu próprio código, ao interpretar o Art. 58, §3135º da Carta Magna como passível de atuação deliberativa do Presidente da Casa para determinar o momento de instalação de CPI, isto é, a irritação interna de apresentação de requerimento para instalação da comissão deve se submeter aos programas teleológicos do sistema político e ser reestabilizada segundo o código governo x oposição.

Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal, historicamente entende que tal interpretação do texto constitucional é ilícita, o que retira a legitimação para o procedimento político nesses moldes, configurando exercício arbitrário do uso do poder. Para emitir essa comunicação, processou a irritação sofrida pela decisão de não instalação da comissão (a partir da apresentação da ação mandamental), com recursividade a suas estruturas já estabilizadas (precedentes) e complexa argumentação jurídica de legitimação política, para reestabilizar o sistema-ambiente ao conceder a ordem determinando a instalação imediata da CPI.

Já no 2º fato analisado, identificou-se uma crise de referenciamento da leitura do texto constitucional para a realização de depoimentos no âmbito das comissões parlamentares de inquérito. Ao ser irritado e portanto, forçado a se reestabilizar – sempre admitida a hipótese de não se conhecer da ação pela irritação não se submeter ao código próprio desse sistema, ou seja, tratar-se de assunto interna corporis e não filtrada pelo sistema jurídico vez que alheia a este – a resposta dada foi por meio da realização de um re-entry no sistema jurídico. Para

134 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Plenário). Mandado de Segurança. MS 37.760/DF. Relator (a): Min. Roberto Barroso, 15 de abril de 2021. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6129512. Acesso em: 20 de dezembro de 2021

135 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm Acesso em: 20 de dezembro de 2021.

isso, a decisão proferida no âmbito do HC 204.422/DF – STF136, fez clara diferenciação sobre quais direitos fundamentais estariam albergados em caso de depoimento como testemunha e quais deverão atuar no caso de interrogatório. Com isso, a operação (decisão judicial) expandiu a complexidade interna do sistema jurídico. Todavia, a resposta dada foi insuficiente para solucionar a crise de referenciamento instaurada. Disso temos o risco de operações futuras a partir desse mesmo fato não conseguirem solucionar as irritações geradas, ou de solucionarem essas irritações mediante corrupção dos códigos sistêmicos de um ou outro sistema. Até o momento, reside apenas a expectativa desses receios quanto a estes fatos.

Ao final, com o terceiro evento posto à análise, foi possível identificar clara corrupção de códigos na realização de uma operação sistêmica por parte do sistema político. Isso porque, o decreto de prisão em flagrante dado pelo Presidente da CPI, com vistas a solucionar a crise interna do sistema político (portanto, que deveria ser submetida ao código governo x oposição e tratada pelos programas teleológicos próprios desse sistema), acabou importando componentes do sistema jurídico para dentro do sistema político, produzindo assim uma operação interna heterorreferencial para essa irritação. A consequência foram as fortes críticas do perigo dessa atitude, feitas tanto por atores do sistema jurídico quanto do sistema político. Tais críticas foram confirmadas como pertinentes quando sobreveio o relaxamento da prisão concedido pela 15ª Vara Federal da Seção Judiciária de Brasília – TRF1137. Em síntese, a corrupção de códigos com a importação de componentes alienígenas para o processamento de irritações internas, realizando assim operações sistêmicas heterorreferenciadas gerou um problema ainda maior, como já esperado segundo as disposições teóricas de Niklas Luhmann.

De posse desses resultados, podemos afirmar em tom crítico que tanto o sistema jurídico quanto o sistema político brasileiro, apesar de já terem obtido sólidos avanços em manter sua qualidade autopoiética em situações similares (como no 1º caso analisado), ainda possuem uma longa caminhada a ser seguida para preservar essa qualidade e não desencadear as consequências nefastas de se atingir um estado alopoiético desses sistemas sociais parciais.

136 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Plenário). Habeas Corpus. HC 204.422/DF. Relator (a): Min. Roberto Barroso, 12 de julho de 2021. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6218928 Acesso em: 20 de dezembro de 2021

137 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Relaxamento de Prisão. Autos PJE nº 1048112- 65.2021.4.01.3400/DF. 15ª Vara Federal da Circunscrição Judiciária de Brasília, 20 de agosto de 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/decisao-cpi-covid.pdf. Acesso em 20/12/2021.

A insuficiência de manifestações adequadas para a solução de uma crise de referenciamento que afetou ambos os sistemas aliadas à ausência de mecanismos que habilitem a utilização de programas próprios do sistema político para solucionar algumas de suas crises internas (como no 3º fato analisado), revelam que há espaço para reflexões sobre como lidar com essas situações, podendo-se chegar até a quais seriam as funções e limites que queremos para esses sistemas dentro do esquadrinhamento institucional brasileiro regido pela CRFB/88.

Como a sociedade moderna está em crescente aumento de sua (hiper)complexidade, essa experiência mostra que estamos inclinados para uma tendência alopoiética de comportamento desses sistemas sociais parciais, e que, sem reflexões profundas sobre as questões levantadas, tais sobre como deverão ser realizadas as prestações desses sistemas na atualidade, de forma a trazer à lume possíveis soluções para esse cenário, corre-se o risco de haver uma confusão entre os dois em um futuro próximo, fazendo com que ambos percam suas identidades e se misturem em relação ao ambiente.

Por fim, vimos que para uma análise crítica sob o enfoque metodológico de Niklas Luhmann não basta a sobreposição das premissas perante os eventos, mas mostra-se imprescindível que se realize uma atividade hermenêutica complexa para que se extraia o sentido comunicativo atribuído em cada passo (operação sistêmica), nas fundamentações decisórias que reestabilizaram os sistemas, sejam elas políticas, sejam elas jurídicas, para que consigamos observar o processo evolutivo desses sistemas sociais parciais, especialmente em razão de sua inata relação de interdependência sistêmica.

Desta feita, esperamos que esse trabalho possa contribuir para o aprofundamento das reflexões de hermenêutica constitucional no cenário brasileiro, a partir da nossa tentativa de aplicação empírica da metodologia heterodóxica de Niklas Luhmann, com o uso de sua Teoria dos Sistemas, em cima dessa experiência jurídico-política brasileira contemporânea.

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FERNANDES, Daniela; COELHO, Gabriela. Rosa Weber permite que Francisco Maximiano fique em silencio na CPI da Pandemia: Empresário terá também direito de ser acompanhado por um advogado durante o depoimento, além de ‘não sofrer constrangimentos físicos ou morais’. CNN Brasil, Política, São Paulo e Brasília, 30 de junho de 2021. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/rosa-weber-assegura-a-francisco-maximiano-o-direito- ao-silencio-na-cpi/ Acesso em: 20 de dezembro de 2021.

FERRARI, Murillo; BARCELLOS, Renato; GURGEL, Bia. À CPI, deputado do Amazonas diz que falta de oxigênio era ‘tragédia anunciada’. CNN Brasil, Política, 29 de junho de 2021. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/cpi-vota-requerimentos-e-ouve- relator-de-comissao-sobre-fraudes-no-am-assista/ Acesso em: 20 dezembro de 2021.

CPI da Pandemia vai investigar a compra da vacina Covaxin. Agencia Senado, Brasília, 23 de junho de 2021. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/tv/programas/noticias- 1/2021/06/cpi-da-pandemia-vai-investigar-a-compra-da-vacina-covaxin Acesso em: 20 de dezembro de 2021.

MATTOS, Marcela; BORGES, Beatriz; RESENDE, Sara. Relator da CPI torna Queiroga, Pazuello e Ernesto Araújo investifados; veja os 14 nomes. G1, Brasília, Política, 18 de junho de 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/06/18/relator-da-cpi- torna-queiroga-pazuello-e-carlos-wizard-investigados-veja-outros-nomes.ghtml Acesso em: 20 de dezembro de 2021.

Carlos Wizard ‘foge’ da CPI da Pandemia e Omar Azis manda apreender passaporte. PB Agora, João Pessoa, Política, 17 de junho de 2021. Disponível em: https://www.pbagora.com.br/noticia/politica/carlos-wizard-foge-da-cpi-da-pandemia-e-omar- aziz-manda-apreender-passaporte/ Acesso em: 20 de dezembro de 2021.

Os principais pontos do depoimento de Luana Araújo à CPI: Infectologista que trabalhou por dez dias no Ministério da Saúde afirma que debate sobre cloroquina é “delirante” e que ouviu de Queiroga que sua nomeação foi bloqueada pela Casa Civil. DW Noticias, 02 de junho de 2021. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/os-principais-pontos-do-depoimento-de- luana-ara%C3%BAjo-%C3%A0-cpi-da-pandemia/a-57764153. Acesso em: 20 de dezembro de 2021.

CPI da Covid: Nise Yamaguchi nega ‘gabinete paralelo’, mas cita ‘conselho independente’ com Carlos Wizard. BBC News, Brasil; 01 de junho de 2021. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-57321709. Acesso em: 20 de junho de 2021.

STF deve estar “afinado” a população, afirma Fux: “É importanteque ruas sejam ouvidas”; Evitou comentar ação contra governadores. Poder 360, 28 de maio de 2021. Disponível em: https://www.poder360.com.br/justica/stf-deve-estar-afinado-a-populacao-afirma-fux/ Acesso em: 20 de dezembro de 2021.

CPI da Covid ouve Mayra Pinheiro, a “Capitã Cloroquina”. Poder 360, 25 de maio de 2021. Disponível em: https://www.poder360.com.br/congresso/ao-vivo-cpi-da-covid-ouve-mayra- pinheiro-a-capita-cloroquina/ Acesso em: 20 de dezembro de 2021.

Ernesto Araújo presta depoimento à CPI da Pandemia nesta terça. Agencia Senado, 17 de maio de 2021. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/05/17/ernesto-araujo-presta-depoimento- a-cpi-da-pandemia-nesta-terca. Acesso em: 20 de dezembro de 2021. .

MATTOS, Marcela. Em contraste com ministro Queiroga, Barra Torres expõe na CPI divergências com Bolsonaro: à CPI da Covid, presidente da Anvisa disse ter amizade com o presidente, mas evidenciou posição contrária a atitudes de Bolsonaro, como provocar aglomeração e criticar vacinação. G1, São Paulo, Política, 11 de maio de 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/05/11/em-contraste-com-ministro-queiroga- barra-torres-expoe-na-cpi-divergencias-com-bolsonaro.ghtml Acesso em: 20 de dezembro de 2021.

CALCAGNO, Luiz; LIMA, Bruna; SOUZA, Renato. Confira ponto a ponto do depoimento de Mandetta à CPI da Covid. Correio Braziliense, Brasília, Política, 05 de maio de 2021. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/05/4922287-confira-

ponto-a-ponto-do-depoimento-de-mandetta-a-cpi-da-covid.html Acesso em: 20 de dezembro de 2021.

CALCAGNO Luiz; VASCONCELLOS, Jorge. Pacheco faz agrado ao Planalto e adia instalação da CPI da Covid. Correio Braziliense, Brasília, Política, 20 de abril de 2021. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/04/4919240-pacheco- faz-agrado-ao-planalto-e-adia-instalacao-da-cpi-da-covid.html. Acesso em: 20 de dezembro 2021.

CPI da Covid será “palanque político” para 2022, diz Rodrigo Pacheco. Poder 360, 08 de abril de 2021. Disponível em: https://www.poder360.com.br/congresso/cpi-da-covid-sera- palanque-politico-para-2022-diz-rodrigo-pacheco/. Acesso em: 20 de dezembro de 2021.

Eleição da Mesa e abertura do ano legislativo acontecem segunda e quarta. Agência Senado, 4 de abr. de 2021. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/01/28/eleicao-da-mesa-do-senado-e- abertura-do-ano-legislativo-marcadas-para-esta-segunda. Acesso em: 20 de dezembro de 2021.

Com apoio de Bolsonaro, Lira é eleito presidente da Câmara: Candidato do PP derrotou candidato e frente articulada por Rodrigo Maia já no primeiro turno, em campanha marcada por forte interferência do Planalto. DW Noticias, 02 de fevereiro de 2021. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/com-apoio-de-bolsonaro-arthur-lira-%C3%A9-eleito-presidente- da-c%C3%A2mara/a-56411581. Acesso em: 20 de dezembro de 2021.

Coronavírus impõe janeiro mais triste da historia do AM com recorde de casos, mortes e internações por Covid-19. G1, Amazonas, 01 de fevereiro de 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2021/02/01/coronavirus-impoe-janeiro-mais-triste- da-historia-do-am-com-recorde-de-casos-mortes-e-internacoes-por-covid-19.ghtml. Acesso em: 20 de dezembro de 2021.

RESENDE, Rodrigo. Rodrigo Pacheco é eleito presidente do Senado. Rádio Senado, 01 de fevereiro de 2021. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2021/02/01/rodrigo-pacheco-e-eleito-presidente- do-senado-1 Acesso em: 20 de dezembro de 2021

Saiba quem é Arthur Lira, candidato de Jair Bolsonaro na Câmara: Deputado do PP é líder do Centrão; Aproximou-se do governo em 2020. Poder 360, 1 de fevereiro de 2021. Disponível: https://www.poder360.com.br/congresso/saiba-quem-e-arthur-lira-candidato-de-jair- bolsonaro-na-camara/. Acesso em: 20 de dezembro de 2020.

MURATORI, Matheus. Bolsonaro declara apoio a Rodrigo Pacheco para a presidência do Senado: Presidente da República disse a senadores do MBD que apoiará o nome do DEM. Estado de Minas, Política, 09 de janeiro de 2021. Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2021/01/09/interna_politica,1227542/bolsonaro- declara-apoio-a-rodrigo-pacheco-para-a-presidencia-do-senado.shtml. Acesso em: 20 de dezembro de 2021.

Índice de Confiança no Judiciário aponta que apenas 29% da população confia na Justiça. FGV Institucional, 03 de novembro de 2016. Disponível em: https://portal.fgv.br/noticias/indice-confianca-judiciario-aponta-apenas-29-populacao-confia- justica Acesso em: 20 de dezembro de 2021.

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