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Suspensão condicional do processo: direito subjetivo do acusado?

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Agenda 23/12/1998 às 00:00

15. OUTROS OBSTÁCULOS À TRANSAÇÃO PENAL EX OFFICIO

O Ministério Público é órgão estatal autônomo, cujas funções só podem ser exercidas por seus membros pessoalmente, com exclusão da legitimidade de terceiros.

O que vem a ser autonomia? Segundo JOÃO MENDES JÚNIOR, autonomia é a "direção do que lhe é próprio", devendo ser considerada em relação a outros órgãos ou poderes.

HELY LOPES MEIRELLES (op. cit., p. 66/67) situa o Ministério Público entre os órgãos independentes, "colocados no ápice da pirâmide governamental, sem qualquer subordinação hierárquica ou funcional, e só sujeitos aos controles constitucionais de um Poder pelo outro. Por isso são também chamados órgãos primários do Estado. Esses órgãos detêm e exercem precipuamente as funções políticas, judiciais e quase-judiciais outorgadas diretamente pela Constituição, para serem desempenhadas pessoalmente pelos seus membros (agentes políticos , distintos de seus servidores, que são agentes administrativos), segundo normas especiais e regimentais".

Ao conceituar agentes políticos, o professor HELY explica que "exercem funções governamentais, judiciais e quase-judiciais, elaborando normas legais, conduzindo os negócios públicos, decidindo e atuando com independência nos assuntos de sua competência".

E completa: "Em doutrina, os agentes políticos têm plena liberdade funcional, equiparável à independência dos juízes nos seus julgamentos" (op. cit., p. 73).

Como exemplo de decisões que merecem crítica, por ofenderem essa autonomia dos agentes políticos que integram o Ministério Público, acerca da interpretação e execução do art. 89. da LJE, está a proferida pela 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Alçada de Minas Gerais, na apelação criminal n. 200.274-4, da Comarca de Lima Duarte.

"Não afronta o art. 129, I, da CF, decisão do juiz que, a requerimento do réu, decreta a suspensão condicional do processo, uma vez que, recusada pelo Ministério Público a formulação da proposta cabível, pois, sendo a medida um direito público subjetivo, não é dado perseguir julgamento de mérito , quando se verificar, em tese, a aplicabilidade do art. 89. da Lei 9099/95".

Vê-se de logo, pela ementa, que o acórdão desvirtua completamente o instituto da suspensão condicional, que deixa de ser obtida mediante o consenso das partes para surgir de um decreto judicial, imperativo e excludente.

Observa-se também que a decisão viola frontalmente o art. 129, inciso I, da CF, ao afirmar que, presentes os requisitos do art. 89. da Lei 9099/95, "não é dado perseguir julgamento de mérito" (sic). Ora, a privatividade da ação penal conferida ao Ministério Público implica não só no poder de oferecer denúncias, como também no de perseguir julgamentos de mérito! Ao atribuir mais força ao art. 89. da LJE que ao art. 129. da CF, o tribunal subverteu a hierarquia das normas e cassou indevidamente pelo menos três direitos do Ministério Público: o direito à persecução penal em juízo, o direito a um julgamento de mérito das pretensões deduzidas, e o direito ao devido processo legal.

Sendo assim, a apreciação de mérito quanto ao cabimento ou não da proposta de suspensão cabe ao Ministério Público. Segundo a lei, é este órgão que formulará ou não a proposta. É o Parquet que verificará, preliminarmente à instauração do processo, se o acusado preenche os requisitos legais: pena mínima cominada ao crime, inexistência de antecedentes, personalidade, etc., aquilatando do "merecimento" da proposta.

Tais juízos se inserem no mérito administrativo, não podendo a autoridade judiciária imiscuir-se em assuntos da Administração strictu sensu, mormente quando se sabe que o novel instituto é um instrumento de política criminal entregue ao Parquet, num momento processual em que vige o axioma in dubio pro societate. Feita a instrução, caberá ao juiz a palavra final sobre as circunstâncias do art. 59. do Código Penal, e aí estará o magistrado exercendo competência própria, podendo, ou não, aplicar o sursis do art. 77. do CP, segundo o seu livre convencimento.

O supramencionado acórdão do TA-MG merece outros reparos. Embora tenha reconhecido que o juiz não pode suspender o processo ex officio (no que merece encômios), deliberou que o magistrado deve intimar o réu para, querendo, formular pedido de suspensão do processo.

Essa solução também afronta o art. 129, inciso I, da CF, pois a ação penal (com os seus consectários, inclusive a proposta de suspensão) é privativa do Ministério Público, não podendo o réu usurpar atribuição constitucional do Parquet, excluindo-o da relação processual, pois, a partir daí ter-se-á uma tratativa bilateral entre juiz e acusado, instituindo-se uma relação processual linear, e não triangular (actum trium personarum).

Ofende-se também o art. 25, parágrafo único, da Lei n. 8625/93 (que impõe nulidade do ato praticado por terceiro estranho aos quadros do Parquet) e a letra e o espírito do art. 89. da LJE, pois retira-se à Acusação Oficial o direito de ação pública, tudo a reclamar a impetração de mandado de segurança para defesa de direito líquido e certo do Ministério Público.

O art. 89, §6º, da LJE determina a suspensão do curso do prazo prescricional durante o período de prova resultante da suspensão. Sabe-se que a prescrição não corre na pendência de um acontecimento que impossibilite alguém de agir. Logo, vê-se que há verdadeira limitação do direito de ação do Estado, sem forte razão jurídica ou qualquer justificativa plausível.

Em suma, a falta de acordo entre as partes quanto a todos os termos da suspensão impede que qualquer juiz ou tribunal homologue, decrete ou conceda a suspensão condicional do processo, pois tal imposição ou deferimento malfere as garantias constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da imparcialidade do juízo e desestabiliza o sistema acusatório.

O due process of law fica ameaçado porque o julgador subverte a ordem processual, impede a parte pública de provar a acusação e, no limiar da ação penal, antecipa uma valoração dos antecedentes, da personalidade e da culpabilidade do autor do fato, sem contato prévio com a prova, bem como faz juízo sobre a conduta do réu (que ainda não conhece). Assim, não aceito ou desfeito o acordo, estará o juiz irremediavelmente vinculado àquele pronunciamento prévio e inoportuno, no átrio da relação processual, com evidentes implicações sobre sua imparcialidade.

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Desrespeita-se também o princípio da tripartição dos poderes do Estado de Direito, pois o Judiciário assume para si uma tarefa do Estado-Administração, bem como violenta a vontade do Poder Legislativo, ao dar à expressão legal sentido diverso do pretendido pelo Parlamento. Sabe-se que a separação funcional de poderes constitui instrumento para a garantia dos direitos humanos, que ficam ameaçados com o surgimento da figura do juiz-legislador, ou, pior, do juiz-acusador.

Que faz o juiz quando procede ex officio? Constitui-se simultaneamente em julgador e parte adversa do réu. Agora, pensemos que a suspensão, considerada equivocadamente um direito (trata-se de mera expectativa de direito), seja deferida ao réu contra a vontade do Ministério Público. Assim, estará o réu, no exercício desse suposto direito, obrigado a cumprir as condições que lhe são impostas por lei, além das especificadas pelo juiz, bem como sujeito à suspensão do prazo prescricional. Estranho direito...

Se, por acaso, o réu não cumprir uma das condições obrigatórias (como o ressarcimento do dano, por exemplo), que fará o juiz: a) suportará os ônus do não cumprimento do "acordo"?; b) imporá o cumprimento imediato das condições?; c) devolverá ao MP a ação penal? Enfim, qual a garantia que é dada à vítima, ao Parquet e à sociedade de que o acusado cumprirá as condições da suspensão? Nenhuma. E não se pode esquecer que os direitos em jogo não são apenas os do réu.

Limitar dessa forma o exercício da ação penal pode conduzir sempre a um desfecho citra petita, no qual se abandonam os próprios objetivos do processo penal, e que desconsidera os interesses gerais da coletividade para privilegiar interesses individuais nem sempre legítimos, nem sempre justos.

O maior direito que tem o réu na relação processual é o direito a um julgamento justo, por um juiz imparcial. Se inocente, o acusado tem direito impostergável à absolvição, e o Ministério Público deve ser o primeiro a reconhecê-lo. Se culpado, o réu tem direito a uma pena justa, e o Estado tem o poder de obtê-la e executá-la. Já a suspensão condicional do processo deixa sempre uma dúvida sobre a culpabilidade do acusado, seja ele culpado ou inocente e é óbvio que, no caso de inocência, o julgamento de mérito é mais favorável ao réu.

Não merece acolhida, outrossim, o entendimento de que a possibilidade de requerimento de suspensão pelo réu visa a assegurar o princípio da isonomia processual. Não nos convencemos do acerto da tese, pois no processo instaurado o acusado poderá exercer sua defesa em toda a sua inteireza, inclusive obtendo provimento absolutório, se for o caso.

A pretexto de igualar as partes, não se pode impedir o exercício de um direito (o de ação) por uma delas. Os direitos de acusação e defesa podem e devem coexistir, sem exclusão de nenhum deles, até a decisão final do Judiciário. Sacrificar o direito de ação do Ministério Público - que, em última análise, é o direito de ação da sociedade -, não atende as necessidades de uma Justiça eficiente e igualitária. Ademais, a lei é clara e atribui a proposta ao Ministério Público como dominus litis.

A esse respeito, deve-se dizer que não se conceberia a hipótese de o juiz, tendo à frente a proposta do Ministério Público, impor ao acusado a sua aceitação, ou decretar diretamente a suspensão. Se tal paisagem processual é absurda, como admitir o contrário, sem violar o princípio da isonomia das partes? Claro está que tal princípio não existe apenas para beneficiar o réu, mas milita também em favor do defensor da sociedade: o Ministério Público. Não se pode invocar a isonomia aqui (permitindo requerimento do réu) e abandoná-la ali ("dispensando" a concordância do Parquet), inaugurando-se um processo penal de dois pesos e duas medidas.

De igual sorte, não deve prosperar a compreensão de que a privatividade da proposta de suspensão do processo pelo Ministério Público a exclui do controle jurisdicional (art. 5º, inciso XXXV, CF). Sabe-se que o juiz é o fiscal do princípio da obrigatoriedade, à luz do art. 28. do CPP, devendo encaminhar os autos de inquérito policial ao Procurador-Geral sempre que discordar do pedido de arquivamento.

Se é assim em relação à propositura ou não da ação penal (o mais), deve ser assim em relação à oferta de suspensão condicional do processo (o menos). O controle jurisdicional da proposta de suspensão estará sempre presente, seja pela homologação ou não da avença pelo juiz, seja pela remessa dos autos ao Chefe do Parquet, para que, dentro do Estado-Administração, decida-se, definitivamente, quanto ao exercício da faculdade inserta no art. 89. da LJE.

O ato dependente de homologação não tem eficácia enquanto não a recebe. Assim é com a proposta de suspensão. A homologação é ato de controle judicial, que apenas pode confirmar o ato (no caso o pacto), ou rejeitá-lo, a fim de que a irregularidade seja corrigida por quem a praticou.

Daí é que advém o entendimento de que à recusa ministerial à proposta deve seguir-se a remessa dos autos ao Procurador-Geral, para que examine da conveniência e da oportunidade de oferecimento da proposta, pois unicamente o Estado-Administração (aí representado pelo Ministério Público) pode valorar internamente se praticará o ato ou se absterá de fazê-lo.

"O juízo de conveniência ou oportunidade de revisão e controle é fundamentalmente político-administrativo e discricionário" (HELY LOPES MEIRELLES, op. cit., p. 573).

Em razão disso, o controle da conveniência, justiça, eficiência e oportunidade da proposta é privativo da chefia do Ministério Público, que exerce o controle de legalidade e de mérito, ao passo que o Judiciário limita-se ao controle de legalidade, não podendo pronunciar-se sobre o mérito dos atos da Administração, aqui entendida como Estado-acusador, pois, assim agindo, estaria desbordando de sua competência jurisdicional, para atuar como parte na relação processual a se formar.

De qualquer sorte, o controle jurisdicional do art. 5º, inciso XXXV, da CF, estará sempre presente. Tenha sido proposta ou não a suspensão, o processo continuará sob a presidência do juiz, a quem caberá, no exercício de atividade jurisdicional , absolver o réu ou condená-lo, e, neste caso, conceder ou não o sursis do art. 77. do Código Penal. Ao final, nenhuma eventual lesão ou ameaça a direito será excluída da apreciação do Poder Judiciário.


16. DISCRICIONARIEDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO COMO ENTE DA ADMINISTRAÇÃO

Não se pode negar que o Ministério Público integra o Estado-Administração porque a instituição atua independentemente de provocação para que a vontade legal seja cumprida, ao passo que a jurisdição atua mediante provocação da parte interessada.

JOSÉ AFONSO DA SILVA diz que o Ministério Público é "uma instituição vinculada ao Poder Executivo, funcionalmente independente, cujos membros integram a categoria dos agentes políticos e, como tal, há de atuar com plena liberdade funcional"(in Curso de direito constitucional positivo, São Paulo: Malheiros, 9ª edição, p. 511).

MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO corrobora o pensamento de JOSÉ AFONSO DA SILVA, asseverando que "A discricionariedade, sim, tem inserida em seu bojo a idéia de prerrogativa , uma vez que a lei, ao atribuir determinada competência, deixa alguns aspectos do ato para serem apreciados pela Administração diante do caso concreto; ela implica liberdade a ser exercida nos limites fixados na lei" (in Direito administrativo, São Paulo: Atlas, 1990, p. 70).

A renomada administrativista esclarece que no poder vinculado a lei não deixa opções à Administração. "Ela estabelece que, diante de determinados requisitos, a Administração deve agir de tal ou qual forma. Por isso mesmo se diz que, diante de um poder vinculado , o particular tem um direito subjetivo de exigir da autoridade a edição de determinado ato, sob pena de, não o fazendo, sujeitar-se à correção judicial" (op. cit., p. 161). Isto em matéria de vinculação (e não discricionariedade). Aduz mais que:

"Em outras hipóteses, o regramento não atinge todos os aspectos da atuação administrativa; a lei deixa certa margem de liberdade de decisão diante do caso concreto, de tal modo que a autoridade poderá optar por uma dentre várias soluções possíveis, todas válidas perante o direito. Nesses casos, o poder da Administração é discricionário, porque a adoção de uma ou outra solução é feita segundo critérios de oportunidade, conveniência, justiça, eqüidade, próprios da autoridade, porque não definidos pelo legislador" (op. cit., p. 161).

DI PIETRO conclui que a atuação da Administração é discricionária diante do caso concreto quando "tem a possibilidade de apreciá-lo segundo critérios de oportunidade e conveniência e escolher uma dentre duas ou mais soluções , todas válidas para o direito". Eis a hipótese que surge quando da aplicação dos arts. 76. e 89 da Lei n. 9099/95, que é a norma que expressamente criou novos espaços de atuação institucional do Ministério Público, conferindo-lhe a possibilidade de atuar ou não, de forma discricionária.

Contudo, no que se refere à proposta de suspensão do processo, não há discricionariedade na escolha do momento da prática do ato, porque a lei determina que seja ela promovida ao se oferecer a denúncia (embora seja possível proposta posterior, em certas hipóteses). Nesse ponto, a atividade é vinculada e sujeita ao controle jurisdicional, tal como no que se refere à competência, à forma e à finalidade.

Quanto ao motivo do ato administrativo, DI PIETRO acentua que será discricionário quando a lei não o definir, deixando-o ao inteiro critério da Administração ou defini-lo "utilizando noções vagas, vocábulos plurissignificativos, que deixam à Administração a possibilidade de apreciação segundo critérios de oportunidade e conveniência administrativa"(op. cit., p. 164).

É o que ocorre, por exemplo, com os requisitos da suspensão condicional do processo. Alguns deles são indicados precisamente, com conceitos matemáticos. São os requisitos objetivos, e, por isso, vinculados. Outros requisitos são de apreciação subjetiva, segundo conceitos de valor, como os atinentes aos antecedentes, personalidade, culpabilidade, conduta social do agente, motivos e circunstâncias do crime (art. 77, CP, e art. 76, §2º, inciso III, da Lei n. 9099/95).

E continua: "Com relação aos atos discricionários, o controle judicial é possível, mas terá que respeitar a discricionariedade administrativa nos limites em que ela é assegurada à Administração Pública pela lei (...) Daí porque não pode o Judiciário invadir esse espaço reservado, pela lei, ao administrador, pois, caso contrário, estaria substituindo por seus próprios critérios de escolha, a opção legítima feita pela autoridade competente com base em razões de oportunidade e conveniência que ela, melhor do que ninguém, pode decidir diante de cada caso concreto" (op. cit., p. 165).

Observe-se que o art. 76, §2º, inciso III, da Lei n. 9099/95 determina que sejam analisadas a necessidade e a suficiência da medida, erigindo mais dois elementos discricionários para o fim de oferecimento e homologação da proposta de transação, cabendo ao Ministério Público apreciá-los. É evidente que tais conceitos legais são absolutamente subjetivos e, como tal, escapam ao controle de legalidade estrita.

Contudo, de forma alguma ter-se-á arbítrio no agir do Ministério Público. Discricionariedade não se confunde com arbítrio. Este lembra abuso de direito, excesso, violação da lei; aquela significa exercício legítimo de atribuições dentro do campo delimitado pela legislação. Justamente, para que não se confunda discricionariedade com arbítrio é que a lei exige que as manifestações do Ministério Público sejam fundamentadas.

Novamente, é HELY quem elucida o tema: "convém esclarecer que poder discricionário não se confunde com poder arbitrário. Discricionariedade e arbítrio são atitudes inteiramente diversas. Discricionariedade é liberdade de ação administrativa, dentro dos limites permitidos em lei; arbítrio é ação contrária ou excedente da lei. Ato discricionário, quando autorizado pelo Direito, é legal e válido; ato arbitrário é sempre ilegítimo e inválido" (op. cit., p. 103).

Diz mais o publicista, que para a prática de um ato discricionário o agente do Estado deve ter competência legal, deve atender à forma prescrita em lei e ter por finalidade a consecução do interesse público.

"O ato discricionário praticado por autoridade incompetente, ou realizado de forma diversa da prescrita em lei, ou informado de finalidade estranha ao interesse público, é ilegítimo e nulo. Em tal circunstância, deixaria de ser discricionário, para ser ato arbitrário - ilegal, portanto". (op. cit., p. 103).

Assim, conclui-se que o membro do Ministério Público, como agente político, tem o poder discricionário de requerer o arquivamento ou de oferecer a denúncia e, neste caso, de também oferecer a proposta de suspensão condicional do processo. A competência (atribuição) para a prática do ato é privativa do Ministério Público, por expressa disposição normativa, do art. 129, inciso I, da CF, e do art. 89. da LJE.

Se o magistrado pratica tal ato, está agindo com arbítrio e dando origem a uma ilegalidade, além de ofender o art. 5º, inciso LIII, da Lex Legum. Não podendo anular ou integrar o ato omissivo (a não oferta da proposta), o máximo que poderia fazer seria não receber a denúncia, por falta de condição de procedibilidade, como defende o juiz RICARDO GALBIATI (in A natureza jurídica da proposta de suspensão condicional do processo penal. São Paulo: IBCCrim n. 60. - nov/97, p.10),

Se o Ministério Público não propõe a suspensão com a denúncia, pode o juiz rejeitá-la com base no art. 43, inciso III, parte final, do CPP, por "faltar condição exigida pela lei para o exercício da ação penal". O parágrafo único do art. 43. estabelece que a rejeição da denúncia não obstará o exercício da ação penal, desde que satisfeita a condição, ou seja, desde que se ofereça a proposta de suspensão, quando cabível.

Poderia também, com base no mesmo art. 43, inciso III, do CPP, não receber a incoativa, por falta de interesse de agir (segundo entende MARCELO ROCHA MONTEIRO, in Ausência de proposta do ministério público na transação penal: uma reflexão à luz do sistema acusatório. São Paulo: IBCCrim n. 69. - ago/98, p.19) ou simplesmente remeter o processo ao Procurador-Geral, na forma do art. 28. do CPP, em aplicação analógica.

A competência para a proposta de suspensão é do Ministério Público; a forma da proposta é escrita, concomitante à denúncia; e a finalidade é a despenalização e a célere resposta estatal à criminalidade, privilegiando-se os interesses da vítima. Tais são elementos vinculados, que não podem ser excluídos ou modificados sob pena de viciar-se o ato com nulidade, ainda mais quando se percebe que no sistema acusatório há rígida separação de funções entre o acusador e o julgador.

MARCELO ROCHA MONTEIRO acrescenta que "Ao abraçar a cláusula do devido processo legal, certamente não quis o constituinte manter um sistema processual penal onde existissem dois órgãos oficiais, promotor e juiz, para tomar iniciativas buscando a punição de um indivíduo, o segundo suprindo eventuais falhas do primeiro" (op. cit., p. 19).

Algumas decisões judiciais têm refletido a lógica do sistema acusatório:

"A medida prevista no art. 89, da Lei n. 9099/95, tem natureza de transação: o Ministério Público propõe ao réu abrir mão de seu direito/dever de ação, enquanto o réu abdica do direito do due process of law, submetendo-se a determinadas condições, que a norma prescreve. À evidência, a Lei 9099/95 não conferiu ao Judiciário a possibilidade de propor a suspensão ex officio do processo, porquanto, não sendo parte, não pode transacionar, até porque não pode o juiz dispor daquilo que não lhe pertence: o direito de ação. Não cabe o argumento de que a suspensão do processo deve ser concedida automaticamente, pelo magistrado, por se tratar de um direito subjetivo do réu. É que não deferiu o legislador ao juiz o poder de determinar a suspensão condicional do processo, no caso de não advir a proposta do Ministério Público, que é o dominus litis" (TJ-SP, mandado de segurança n. 224.533-3/7, 1ª Câmara Criminal, Rel. Des. JARBAS MAZZONI, j. em 05.05.97, unânime).

Buscamos ainda apoio no estimado professor HELY, que asseverava que "o que o Judiciário não pode é, no ato discricionário, substituir o discricionarismo do administrador pelo do juiz", devendo limitar-se a "proclamar as nulidades e coibir os abusos da Administração".(op. cit., p. 105).

Se o agente não dispõe de poder legal para a prática do ato, este é nulo, seja ele ato vinculado ou discricionário. No caso específico, falta ao juiz competência administrativa para manifestar a vontade do Estado-Administração de suspender o processo, mediante condições.

Isto porque a competência administrativa (atribuição) é um requisito de ordem pública do ato administrativo, e, como tal, é intransferível e insuscetível de ser alterada ao alvedrio do executor e contra disposição expressa de lei e da própria Constituição, especialmente o art. 129, §2º, segundo o qual "as funções do Ministério Público só podem ser exercidas por integrantes da carreira".

Negando-se motivadamente a proposta, só restará ao acusado requerer ao juiz que encaminhe os autos ao Procurador-Geral de Justiça ou ao Procurador-Geral da República, para que mantenha o entendimento negativo ou designe outro membro do Parquet para que efetue a proposta suspensiva.

Sobre o autor
Vladimir Aras

Professor Assistente de Processo Penal da UFBA. Mestre em Direito Público (UFPE). Professor da Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU). Procurador da República na Bahia (MPF). Membro Fundador do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (IBADPP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAS, Vladimir. Suspensão condicional do processo: direito subjetivo do acusado?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. -1652, 23 dez. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1083. Acesso em: 22 nov. 2024.

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