O presente escrito deseja refletir se há risco ou não na conduta de compelir os alunos das escolas públicas a orar coletivamente o Pai Nosso. No Brasil, muitas escolas fazem a mencionada oração; há Municípios que até instituíram normativas internas tornando-a obrigatória, como é o caso de Barra Mansa/RJ, que regulamentou a obrigatoriedade por meio da Ordem de serviço 008/2017 – SME, art. 2º.
Como é do conhecimento de todos, o Brasil adotou o Estado Laico. O artigo 19, inciso I, da Carta Maior é categórico em proibir os Estados, União e Municípios de “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”.
A mesma Constituição garantiu a todos os cidadãos o direito à “liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias” (artigo 5º, inciso VI).
O Ministro já aposentado do Supremo, Marco Aurélio, ao apreciar a ADPF n. 54/DF, na condição de Relator, destacou em seu voto que “a garantia do Estado laico obsta que dogmas da fé determinem o conteúdo de atos estatais”, embora na ocasião analisou-se o aborto dos fetos anencéfalos, tal conclusão pode ser aplicáveis aos atos de coordenação, gestão e direção dos estabelecimentos escolares mantidos pelo Estado.
Não se ignora que as crianças estão em fase de formação, justamente por estarem em desenvolvimento não é justo que orações ou gestos religiosos lhes sejam impostos, caso contrário haverá um risco real de afronta à liberdade de escolha de uma religião ou crença, que é um direito assegurado a todos os brasileiros.
Tal liberdade é ratificada no Estatuto das Crianças e Adolescentes – ECA, artigo 16, inciso III, portanto, não há maiores dúvidas quanto ao direito à não imposição de uma religião aos alunos das escolas públicas.
Também não soa prudente separar em filas ou grupos os alunos colocando de um lado aqueles que aceitam rezar o Pai Nosso e deixando de outro os que se recusam, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro já disse que tal segregação configura intolerância religiosa, anulando a Ordem de serviço 008/2017 – SME do Município de Barra Mansa/RJ conforme se extraí do acórdão proferido na Apelação Cível n. 0013080-15.2017.8.19.0007, julgada em 25/02/2021.
Outro cuidado que a direção deve ter é com a obrigatoriedade dos funcionários, servidores e professores a orarem o Pai Nosso, visto que há decisões no Poder Judiciário condenado empregadores a indenizar os seus empregados compelidos ao ato de rezar o Pai Nosso, o valor reparatório pode chegar a R$ 10.000,00 (dez mil reais), como noticiado pelo TRT-MG em seu site, mencionado o processo n. 0010821-11.2020.5.03.0016, julgado pelo juízo da 16ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte.
Portanto, em que pese o Brasil ter uma parcela considerável da sociedade aderente ao catolicismo, temos que há sim risco na conduta do gestor ou diretor que imponha aos alunos de uma escola pública a oração do Pai Nosso.
Igualmente arriscado é segregar a turma para fins de oração, podendo gerar condenações e anulações dos atos administrativos, como ocorrido com a Ordem de Serviço 008/2017 do Município de Barra Mansa/RJ.
Um outro ponto a ser observado com cautela é eventual obrigatoriedade dos funcionários a orar, porque na Justiça temos condenações de empregadores em danos morais por compelirem os seus colaboradores a rezar o Pai Nosso.
O ideal é evitar imposições, pois ela pode gerar problemas e dor de cabeça, visto que o ato de orar deve ser algo facultativo de cada pessoa e não uma obrigação imposta pela escola de maneira coletiva ou discriminatória.