Nos contratos de compra e venda, principalmente quando envolve a negociação de um bem de alto valor, como imóveis ou veículos, é comum que haja garantias envolvendo o próprio bem vendido, por meio da chamada "reserva de domínio", que é uma cláusula prevista no Código Civil.
Mas ainda surgem muitas dúvidas sobre como executar a reserva de domínio e recuperar o bem vendido caso a negociação não ocorra de forma esperada.
Vamos debater neste artigo o tema, visando esclarecer a cláusula de reserva de domínio, além de outras garantias comumente negociadas na compra e venda, como a Alienação Fiduciária e a Fiança.
Esperamos fornecer informações para ajudar a entender como proceder nas negociações com garantias em seus contratos.
Reserva de domínio
A cláusula de reserva de domínio é comumente utilizada em contratos de compra e venda com pagamento a prazo. Nesse contexto, o vendedor transfere a posse direta do bem ao comprador, mas mantém a propriedade até que o preço total acordado pela venda seja pago. Essa garantia está prevista nos artigos 521 a 528 do Código Civil.
No antigo Código de Processo Civil de 1973, existiam regras específicas para cobrança em caso de inadimplência com cláusula de reserva de domínio, permitindo ao vendedor solicitar judicialmente a apreensão do bem sem a necessidade de ouvir o comprador.
Com a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015 – NCPC), essa questão não é mais abordada de forma específica, sendo aplicadas as regras gerais de cobrança e execução de contratos, incluindo a possibilidade de busca e apreensão do bem.
Ao incluir a cláusula de reserva de domínio em um contrato, é fundamental redigi-la com cuidado. Recomenda-se estabelecer a obrigação de o comprador manter o bem sob sua guarda, seguindo as disposições dos artigos 627 a 646 do Código Civil.
Para que a reserva de domínio seja válida contra terceiros, o contrato deve ser celebrado por escrito e registrado em cartório de títulos e documentos no domicílio do comprador, conforme o artigo 522 do Código Civil.
Além disso, é importante que o contrato seja assinado pelas partes, com reconhecimento das firmas das assinaturas, e por duas testemunhas, para que possa constituir um título executivo extrajudicial, conforme o artigo 784, III, do NCPC.
Em caso de não pagamento pelo comprador, o vendedor deve constituir o comprador em mora, por meio de protesto do título ou notificação judicial, conforme o artigo 525 do Código Civil. Se o pagamento não ocorrer mesmo após a constituição em mora, o vendedor pode ajuizar uma ação para cobrar as prestações em atraso ou recuperar a posse do bem vendido, conforme o artigo 526 do Código Civil.
Se o contrato estiver devidamente assinado pelas partes e testemunhas, constitui-se um título executivo extrajudicial que permite ao vendedor iniciar uma ação de execução de forma mais rápida, possibilitando a recuperação da posse do bem e a cobrança dos valores devidos.
Caso o contrato não seja assinado por duas testemunhas, o vendedor pode ajuizar uma ação com pedido de tutela de urgência para busca e apreensão, conforme os artigos 300 a 310 do NCPC, ou para cobrança do valor devido, incluindo correção monetária, multa e juros previstos no contrato, conforme o artigo 311, III, e parágrafo único, do NCPC.
Se o vendedor optar por recuperar a posse do bem, ele poderá reter as prestações pagas pelo comprador até o valor necessário para cobrir a depreciação do bem, despesas e outros valores devidos. O valor restante será devolvido ao comprador, e o valor em falta será cobrado, conforme o artigo 527 do Código Civil.
É importante destacar que o Novo Código de Processo Civil permite que as partes ajustem alguns procedimentos processuais por meio de contrato ou acordo, adaptando-os às suas necessidades específicas. Por exemplo, as partes podem estipular se o comprador pode requerer um prazo para quitar o débito se já tiver pago mais de 50% do preço, ou definir quem arcará com as despesas de avaliação e honorários periciais.
Alienação fiduciária
Nesse tipo de garantia, o comprador transfere a propriedade temporária e a posse indireta de um bem para o vendedor como forma de garantir o pagamento de uma dívida. Quando a dívida é quitada, a propriedade do bem é restituída ao comprador. Essa garantia é regulamentada pelos artigos 1.361 a 1.368-B do Código Civil.
O comprador, mesmo após a transferência fiduciária, permanece como depositário do bem e pode utilizá-lo conforme sua finalidade, assumindo a responsabilidade pela sua manutenção adequada.
Para formalizar a Alienação Fiduciária, é necessário registrar o contrato no Cartório de Registro de Títulos e Documentos do local de residência do comprador, ou, no caso de veículos, na repartição responsável pelo licenciamento.
O contrato deve conter informações essenciais, como o valor total da dívida ou uma estimativa, o prazo para pagamento, a taxa de juros (se aplicável) e uma descrição detalhada do bem, incluindo elementos para sua identificação específica (conforme o artigo 1.362 do Código Civil).
Se o comprador não efetuar o pagamento conforme o contrato, o vendedor precisa notificá-lo por carta registrada com aviso de recebimento para constituí-lo em mora. O comprador deve então entregar o bem ao vendedor.
Se o comprador não entregar o bem, o vendedor pode solicitar judicialmente a busca e apreensão do mesmo, com pedido de urgência.
Quando o vendedor tem posse do bem, ele pode vendê-lo judicial ou extrajudicialmente a terceiros. O valor da venda é usado para pagar a dívida e as despesas de cobrança, e qualquer saldo restante é devolvido ao comprador com uma prestação de contas adequada (conforme o artigo 1.365 do Código Civil).
Se o valor da venda não cobrir a dívida e as despesas, o comprador continua responsável pelo restante do pagamento (conforme o artigo 1.366 do Código Civil).
Se o bem não for encontrado durante a busca e apreensão ou não estiver mais com o comprador, o vendedor pode exigir o pagamento integral da dívida e encargos conforme o contrato.
Fiança
As partes podem também optar por estabelecer a garantia por fiança. Essa garantia consiste na obrigação assumida por terceiros de assegurar o cumprimento da obrigação pelo comprador, caso ele não a cumpra. A fiança é regulada principalmente pelos artigos 818 a 839 do Código Civil.
Para que a garantia da fiança seja eficaz, o vendedor deve verificar se a pessoa que se propõe a ser fiadora é confiável e possui bens suficientes para cumprir a obrigação no local determinado, caso o comprador não efetue o pagamento.
Na cláusula de fiança, as partes podem estipular diversos aspectos, como:
A responsabilidade do fiador pela dívida principal, correção monetária, multas, juros e outros encargos;
Determinar se o fiador terá o benefício de ordem, ou seja, se os bens do comprador devem ser executados primeiro e, somente se não forem encontrados, os do fiador;
Estabelecer se haverá solidariedade entre o fiador, o comprador e outros fiadores;
Definir se o fiador terá a possibilidade de se exonerar da fiança, entre outras situações.
É importante observar que, se o fiador for casado, o consentimento expresso do cônjuge deve constar no contrato (conforme os artigos 1.642, IV, e 1.647, III, do Código Civil), a menos que o casamento seja pelo regime de separação de bens (conforme o art. 1.687 do CC).
Em caso de renegociação ou acordo, tanto o fiador quanto seu cônjuge também devem concordar e assinar, caso contrário estarão isentos da fiança (conforme os artigos 366 e 844, § 1º, do CC).
Conclusão
Essas são as principais características dessas modalidades de garantia em contratos de compra e venda.
Cabe às partes envolvidas, considerando seus próprios critérios, analisar e escolher a opção que oferece maior segurança.