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Inclusão digital na sociedade

Agenda 18/05/2024 às 09:00

Apresenta-se a inclusão digital como garantia para o exercício do direito fundamental à informação e da plena cidadania.

INTRODUÇÃO

O presente artigo almeja examinar a inclusão digital como uma espécie de garantia para o exercício do direito fundamental à informação e da plena cidadania.

Para melhor compreensão do tema, convém iniciar o exame do direito fundamental à informação e da cidadania. E, após, das garantias fundamentais, especialmente o acesso a tecnologias (inclusão digital), e sua relação com a efetividade do direito à informação e o exercício da cidadania.

1 O DIREITO FUNDAMENTAL À INFORMAÇÃO E A CIDADANIA

Primeiramente, cabe lembrar que os direitos fundamentais são aqueles que materializam a dignidade humana. Eles não diferem, essencialmente, dos denominados direitos humanos. Apenas a nomenclatura direitos fundamentais é usualmente utilizada quando tais direitos são positivados no ordenamento jurídico interno do Estado, ao passo que a terminologia direitos humanos é eleita, no mais das vezes, para se referir a esses mesmos direitos sob a perspectiva do direito internacional.1

A Constituição da República de 1988, em seu Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais -, encarta múltiplos direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5º) e direitos sociais (arts. 6º e 7ª). E, entre esses direitos e garantias fundamentais, tem-se o direito à informação, inserto no art. 5º, inciso XIV, assim redigido: “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”.2

Aliás, o direito à informação se relaciona diretamente ao direito fundamental da liberdade de expressão. Este, conforme a Corte Interamericana de Direitos Humanos, enfeixa uma dimensão individual e uma dimensão coletiva. Enquanto a individual protege o direito dos indivíduos de “manifestar publicamente ideias de qualquer índole e o direito de utilizar todos os meios lícitos para disseminá-los amplamente, em prol do enriquecimento do acervo de informações e conhecimentos da humanidade”, a coletiva garante justamente “o direito de receber informações e ideias alheias”3, vale dizer, o direito à informação.

Doutro pórtico, a cidadania geralmente se confunde com o exercício do direito político ao voto. Porém, é certo que o seu conceito é mais abrangente, alcança “uma série de fatores que permitem o exercício consciente dos direitos políticos, como à educação, à informação, ao emprego, à moradia etc.” Isto é, concretiza-se “quando o cidadão se torna consciente de seus deveres e de suas obrigações na sociedade”4.

A cidadania, inclusive, possui assento destacado no Texto Constitucional, posicionando-se logo no Título I – Dos Princípios Fundamentais -, mais precisamente em seu art. 1º, inciso II, como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito.

Diante dessas considerações vestibulares sobre o direito fundamental à informação e a cidadania, é possível extrair, prima facie, que os seus conceitos são nuclearmente aliançados, na medida em que não é possível acreditar no exercício efetivo da cidadania, sem que se garanta, preliminarmente, o acesso à informação. Em outras palavras, o direito à informação precede e condiciona a efetiva cidadania. Em suma, somente com a garantia do direito à informação, é possível o cidadão se tornar consciente de seus deveres e de suas obrigações (cidadania).

Nota-se, ademais, que o direito fundamental à informação não se restringe à esfera de interesse pessoal ou particular, mas, também, coletiva ou geral, o que permite, na prática, o cidadão exercer, conscientemente, os seus direitos e deveres, como indivíduo e, ainda, como um membro da sociedade5, inclusive em face do Poder Público (v.g., fiscalização as políticas e gastos públicos – controle social).

2 GARANTIA DO DIREITO FUNDAMENTAL À INFORMAÇÃO E DO EXERÍCIO DA CIDADANIA A PARTIR DA INCLUSÃO DIGITAL

Em prosseguimento, deve-se investigar como se garante o direito fundamental à informação e, por consequência, o exercício da cidadania.

Nesta esteira, vislumbra-se que a Constituição Federal, no bojo de seu art. 5º, consagra meios que visam garantir a eficácia dos direitos fundamentais, como, v.g., o direito à liberdade de locomoção (inciso XV) é tutelado pelo habeas corpus, instrumento direcionado a proteger justamente aquele que “sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder” (inciso LXVIII).

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O direito à informação, como direito fundamental, também possui garantias constitucionais, como, v.g., a possibilidade de obter certidões em repartições públicas, para esclarecimento de situações de interesse pessoal (art. 5º, inciso XXXIV, alínea “b”), e o habeas data, medida judicial manejada para “assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante” (art. 5º, inciso LXXII, alínea “a”). 

Paralelamente a essas garantias constitucionais (previstas no Texto da Constituição), existem as garantias gerais, “destinadas a assegurar a existência e a efetividade (eficácia social) daqueles direitos” e que se traduzem como condições sociais, políticas, econômicas e culturais que viabilizam ou fomentam o efetivo exercício dos direitos fundamentais6. Nesta classificação se posiciona, inclusive, a denominada inclusão digital na/da sociedade.

Ora, como cediço, a sociedade é cada vez mais complexa, com um aumento quantitativo e qualitativo (de espécies) de relações interpessoais e jurídicas. A par desse fato, ainda se observa a incorporação cada vez mais frequente de novas tecnologias aplicadas para o aperfeiçoamento das atividades e interações humanas.

Neste contexto, é induvidoso que a utilização da tecnologia ou a inclusão digital se afigura como medida incontornável na sociedade contemporânea, inclusive para fins de acesso a informações, pessoais e coletivas e, consequentemente, para o exercício de direitos e deveres, próprios ou peculiares da cidadania.

É por intermédio de meios tecnológicos que se obtém, com maior agilidade e precisão, informações e acesso a dados públicos, como das políticas governamentais e despesas do erário, além da atuação dos detentores do poder político (governantes e parlamentares), pressuposto para a participação política do cidadão, inclusive na fiscalização social.

Não por acaso, a Lei n. 12.527, de 2011, nominada Lei de Acesso a Informações7, estipula em seu art. 3º, inciso III, que os procedimentos nela prevista “destinam-se a assegurar o direito fundamental de acesso à informação”, observando-se inclusive diretrizes de “utilização de meios de comunicação viabilizados pela tecnologia da informação”. E mais adiante, em seu art. 8º, caput c/c parágrafo único, também estabelece a obrigação dos órgãos e entidades públicas divulgar informações e interesse coletivo ou geral em sítios oficiais da rede mundial de computadores (internet).

Por outro lado, a obtenção de informações sobre deveres e direitos dos cidadãos, outrora disponíveis apenas em meios físicos, como jornais e revistas, hodiernamente são apresentados, com frequência e minucias, por instrumentos de tecnologia, como a internet. Aliás, não apenas as informações, mas as ferramentas para o exercício desses direitos e deveres, como ocorre, v.g., a realização da declaração do imposto de renda e o preenchimento de cadastro e a formalização de pedido de benefícios sociais.

Desse modo, é incontrastável que a inclusão digital (ou o acesso a meios tecnológicos) consubstancia providência necessária para que os membros da sociedade tenham, com a eficácia desejada, acesso a informações e possam exercer direitos e deveres inerentes à cidadania.

Apesar de se reconhecer que a Constituição da República não explicita o direito subjetivo aos meios tecnológicos, emerge-se plausível compreender que o Poder Público deve, “na medida do possível e progressivamente, adotar políticas públicas que disponibilizem os meios e promovam o acesso igual e universal à informação”8.

CONCLUSÃO

Concluiu-se que a inclusão digital representa objetivo legítimo a ser fomentado, inclusive pelo Estado, com vistas a garantir o efetivo acesso à informação e o exercício da cidadania.

REFERÊNCIAS

AGRA, Walter de Moura. In Comentários à Constituição do Brasil. J.J. Canotilho ... [et. al.]. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.

BARRETO, RAFAEL. Direitos humanos. 3. ed. Salvador: Juspodivm, 2013.

BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Mandado de Segurança n. 18847. Rel. Min. Mauro Campbell Marques. Primeira Seção. Data 12/11/2014. Data da publicação 17/11/2014. Disponível em: <https://www2.cjf.jus.br/jurisprudencia/unificada/>. Acesso em: 27mar.2021.

RODRIGUES JR., Edson Beas. Solucionando o conflito entre o direito de imagem e a liberdade de expressão: a contribuição da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Revista dos Tribunais, v. 905, p. 88-104, mar. 2011.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

STEIMMETZ, Wilson. In Comentários à Constituição do Brasil. J.J. Canotilho ... [et. al.]. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.


  1. BARRETO, RAFAEL. Direitos humanos. 3. ed. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 25-26.

  2. A respeito, o art. 19, da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Todo o homem tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios, independentemente de fronteira”.

  3. RODRIGUES JR., Edson Beas. Solucionando o conflito entre o direito de imagem e a liberdade de expressão: a contribuição da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Revista dos Tribunais, v. 905, p. 88-104, mar. 2011.

  4. AGRA, Walter de Moura. In Comentários à Constituição do Brasil. J.J. Canotilho ... [et. al.]. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 121

  5. Wilson Steimmetz leciona que “o direito fundamental de acesso à informação contribuiu para a livre formação das ideias, opiniões, avaliações, convicções e crenças da pessoa sobre assuntos ou questões de interesse público, relativos ao Estado e à sociedade civil, e de interesse individual ou de grupo. Contribui para o livre, consciente e responsável desenvolvimento da personalidade. Por fim, contribui para a preservação e desenvolvimento do pluralismo político (art. 1º, V) e, por consequência, do regime democrático” (In Comentários à Constituição do Brasil. J.J. Canotilho ... [et. al.]. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 324).

  6. DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 188)

  7. Segundo o Colendo Superior Tribunal de Justiça: “[...] 2. A Lei de Acesso à Informação constitui importante propulsor da cultura da transparência na Administração Pública brasileira, intrinsecamente conectado aos ditames da cidadania e da moralidade pública, sendo legítima a divulgação dos vencimentos dos cargos, empregos e funções públicas, informações de caráter estatal, e sobre as quais o acesso da coletividade é garantido constitucionalmente (art. 5º, XXXIII, art. 37, § 3º, II e art. 216, § 2º, da CF/88). [...]”. (STJ. MS - MANDADO DE SEGURANÇA – 18847. Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES. PRIMEIRA SEÇÃO. Data 12/11/2014. Data da publicação 17/11/2014. Disponível em: <https://www2.cjf.jus.br/jurisprudencia/unificada/>. Acesso em: 27mar2021).

  8. STEIMMETZ, Wilson. Op. cit., p. 324)

Sobre o autor
Wagner Akitomi Une

Mestre em Direito Constitucional pelo IDP; Pós-graduado em Direito Público, Processual Civil, Eleitoral, do Trabalho, Empresarial e Tributário; Bacharelando em Engenharia de Software pelo IESB; Advogado da União; ex-Procurador Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

UNE, Wagner Akitomi. Inclusão digital na sociedade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7626, 18 mai. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/109338. Acesso em: 22 dez. 2024.

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