Resumo: Este trabalho aborda o tema do aborto mediante as perspectivas legais brasileiras, assim como do Peru e Uruguai, frisando a complexidade na abordagem do tema, destacando qual é o seu impacto para com mulheres em situação de vulnerabilidade. Apesar do prisma da proibição legal impostas pelas legislações, ainda sim ocorre que 45% dos abortos no mundo são considerados inseguros, contribuindo significativamente para a mortalidade materna. A história do aborto reflete uma transformação na perspectiva cultural e legal, especialmente a partir da ascensão do movimento feminista e da laicização. O Brasil, em destaque, está atualmente envolvido no julgamento da ADPF n. 442, que propõe a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. Em contraste, o Uruguai, pioneiro na América do Sul, descriminalizou o aborto em 2012, resultado de uma luta feminista bem-sucedida. No entanto, o Peru mantém restrições severas, mesmo em casos de risco à vida da gestante. Busca-se enfatizar que a criminalização não impede a prática do aborto e destaca a necessidade de políticas públicas e educação sexual. Em conclusão, o debate sobre a descriminalização do aborto está em curso na região, com o Uruguai fornecendo um paradigma potencial para reformas.
Palavras-chave: aborto, descriminalização, direitos reprodutivos, América do Sul.
INTRODUÇÃO
A criminalização do aborto no Brasil é um problema que afeta diretamente as mulheres mais pobres do país. A violência que atinge essas mulheres resulta de um desamparo estatal e social, uma vez que, mesmo proibida, a prática é corriqueira, sem nenhum amparo de qualquer órgão de saúde e as mulheres acabam vindo a óbito no processo do abortamento. As questões morais e religiosas sempre estiveram atreladas à condenação da prática do aborto, uma vez que o Brasil e todos os países da América do Sul são religiosos e patriarcais. Esses dogmas são muito mais duros para as mulheres que, desde os primórdios da civilização, estão ligadas à ideia do papel de mãe, onde o destino é a maternidade.
A Organização Mundial da Saúde (OMS), define o aborto coma a interrupção da gravidez antes das 22 semanas. Pode ocorrer tanto o aborto espontâneo quanto o induzido, o qual trataremos ao longo deste paper. No Brasil, a prática do aborto é considerada crime, salvo nos casos expressos no Código Penal, e existem sanções adotadas para quem o comete. A discussão sobre o aborto no Brasil gira em torno da religiosidade que defende que a vida humana começa desde a concepção, adotando a Teoria concepcionista que teve influência no Direito Francês. Segundo essa teoria, o nascituro adquire a personalidade jurídica desde a concepção, sendo sujeito de direitos (Stolze, 2022).
Mundialmente, o aborto é dividido em 2 grupos, o aborto seguro e o inseguro, este último realizado de forma precária e sem nenhuma assistência médica, levando a mulher a um grande risco de vida, podendo resultar em morte. Em países onde o aborto é ilegal, existem meios clandestinos que realizam a prática e são feitos por profissionais capacitados, porém existe um alto custo e geralmente quem pode pagar realiza o procedimento de forma segura (Maia (ed.), 2008)
Trazendo esse contexto para a América do Sul, podemos observar que há países onde o aborto é proibido quase que totalmente, como no Peru, onde os ideais religiosos estão fortemente presentes. No nosso vizinho Uruguai, o aborto é legalizado desde o ano 2012 com a promulgação da Lei 18.937 de 2012. No Brasil, alguns casos não são penalizados, e as mulheres podem abortar sem grandes transtornos. (Otoboni, 2020)
No ano de 2015, a Pesquisa Nacional detectou cerca de meio milhão de abortos no Brasil; uma a cada cinco mulheres de até 40 anos já praticou aborto ao menos uma vez. No Peru, as políticas contra o aborto são altamente restritivas e conservadoras, só sendo permitido o aborto terapêutico em casos onde há risco de vida para a mulher. Em 2022, a Comissão de Justiça e Direitos Humanos do Congresso arquivou um projeto que visava a descriminalização do aborto com o slogan: “Ninãs, no madres”. Por outro lado, no ano de 2012, o Uruguai foi o primeiro país da América do Sul a permitir a prática do aborto até a 12ª semana de gestação. (Opera Mundi, 2022).
Assim, este trabalho tem como objetivo geral levantar dados e analisar a legislação, as políticas e os impactos do aborto nas conjunturas legais, sociais e de saúde pública no Brasil, Uruguai e Peru. Quanto a objetivos específicos, este trabalho faz um processo de investigação e comparação entre as legislações referentes ao aborto nos países em estudo; analisa o impacto da criminalização do aborto nas mulheres; e avaliar as influências culturais, religiosas e políticas que moldaram as políticas de aborto em cada país.
METODOLOGIA
Este trabalho de pesquisa trata-se de uma revisão de literatura, centralizando o foco na análise e comparação das legislações, políticas e impactos que o aborto tem nos âmbitos legais, sociais e de saúde pública do Brasil e de países como o Uruguai e Peru. Este Paper terá sua pesquisa guiada através da coleta e análise de dados secundários disponíveis em fontes descritas a seguir:
Biblioteca Digital da FACSUR: Como critério especifico para a composição desta pesquisa, utilizou-se a biblioteca digital da FACSUR como fonte primária para acessar livros e documentos relacionados ao tema, buscando dados específicos sobre as legislações e políticas de aborto nos países em estudo.
Além disso, buscando ampliar e compor uma base solida, utilizou-se também de Periódicos On-line para explorar trabalhos científicos e acadêmicos relacionados à saúde pública, direito e questões sociais para obter informações atualizadas, estudos de caso e análises sobre o aborto nos países em foco.
Para selecionar fontes que abordassem diretamente as legislações relacionadas ao aborto nos países em estudo, selecionou um conjunto de palavras chaves como: Aborto; Legislação do aborto; Direitos das mulheres; Aborto seguro e inseguro; Criminalização do aborto; Políticas de aborto ; Aborto no Brasil, Uruguai e Peru. Tais palavras-chave foram listadas com fundamentais para entender a complexidade do tema do aborto e suas implicações legais, sociais e de saúde pública.
Buscou-se ainda fazer uma seleção de estudos com dados mais recentes sobre o impacto da criminalização do aborto nas mulheres, assim, definindo um marco temporal para os artigos e sites dos últimos 10 anos. Preferencialmente, buscou-se fontes que debatiam influências culturais, religiosas e políticas na formulação das políticas de aborto em cada país.
O processo de análise se deu através da leitura crítica e coleta de dados para identificar propensões, ausências e ainda discrepâncias das políticas de aborto em dos países em estudo. Fazendo uma comparação sistemática dos resultados e conclusões encontrados na literatura, buscando destacar semelhanças e diferenças nas abordagens adotadas.
REFERENCIAL TEÓRICO
A nomenclatura aborto é um termo comumente utilizado para retratar a interrupção da gravidez, o que, consequentemente, resulta na morte do feto. Entretanto, segundo França (2017), entre a medicina legal, obstétrica e ginecológica há certa discordância acerca do momento e da interrupção da gestação. Na visão da ginecologia e da obstetra, o aborto ocorre quando a interrupção da gestação acontece no período que antecede a 22ª semana de gravidez, ou ainda quando o feto possui peso inferior a 500 gramas, sendo classificado em ovular, embrionário e fetal. Já para a perspectiva da medicina legal, o aborto ocorre em qualquer fase da gravidez. (França 2017, p.334)
Apesar das constantes mudanças do direito em todos os países e mesmo com as remotas possibilidades de abortos amparados pela legislação, ainda é possível verificar-se uma prevalência de legislações que criminalizam o aborto. Os fatores que justifiquem tal preponderância muitas das vezes se entrelaçam a dogmas religiosos e sociais, ficando o direito responsável pela tutela e guarda dos objetos relacionados ao aborto.
De acordo com França (2017, p. 334),
[...] O objeto do crime de aborto não é a mulher, mas a vida que se encontra no álveo materno, ainda que se resguardem também a vida e a saúde da gestante, punindo-se os atentados à sua integridade. Por isso, é alvo de sanção mesmo a mulher que pratica em si própria o aborto, pois o que se visa com isso é unicamente a garantia da existência dessa nova vida. (França 2017, p. 334).
A discussão sobre o aborto é um tema que é conhecido por ser um tema de grande objeção e polarização político-religiosa não apenas no território brasileiro, mas na esfera global. Os debates sobre a temática tomam papel de destaque em manchetes jornalísticas e no campo da política brasileira, reafirmando que o tema ainda divide opiniões no país. Portanto, se faz necessário explorar as nuances do aborto, abordando as implicações da sua legitimidade, percorrendo por questões éticas, sócias e religiosas, até as consequências que ele acarreta para a saúde pública.
Legislação brasileira pertinentes ao aborto
O Brasil foi por muito tempo uma colônia de Portugal, logo é compreensivo que os primórdios de suas legislações estejam intimamente ligados as legislações portuguesas. Com a independência no século XIX, se torna nítido a necessidade de se estabelecer uma legislação com abrangência em todo o território nacional. Esta deveria ser baseada nos princípios modernos do Direito Penal que estavam emergindo na época. Deste contexto, mesmo o Brasil sendo um país extremamente escravagista, surge o Código Criminal de 1830, o qual retratava as peculiaridades e desafios de um Brasil recém-independente. (Guedes, 2018)
Segundo Guedes (2018), o Código Imperial de 1930 foi a primeira legislação brasileira a tratar diretamente do aborto, sendo que anteriormente a ela, o Brasil era regido pelo “[...]Livro V 37 das Ordenações Filipinas, que não previa especificamente os crimes de aborto e infanticídio. ” O Código Imperial de 1930, no capítulo I do título II, o qual tratava dos crimes contra a segurança da pessoa, e vida”, em especifico o Art.199 e Art. 200, tratavam do aborto. (Guedes, 2018, p. 28)
O art. 199. trazia que causar o aborto, independentemente dos quais meios fossem utilizados, com o consentimento da mulher grávida, procederia a pena de prisão com trabalho de 1 a 5 anos. Entretanto, caso o aborto fosse praticado sem o consentimento da mulher, esta pena seria dobrada. (BRASIL, 1930)
Já o art. 200. abrangia aqueles que, conscientemente, fornecessem drogas ou quaisquer meios para induzir o aborto, ainda que o aborto em si não fosse consumado. A pena estipulada era de prisão com trabalho de 2 a 6 anos. Se por ventura o crime fosse cometido por um médico, boticário, cirurgião ou qualquer praticante de tais profissões, as penas também seriam dobradas. (BRASIL, 1930)
Em 11 de outubro de 1890, foi publicado o Decreto nº 847, mais conhecido como Código Penal de 1890. Este deu uma maior ênfase ao tema aborto, destinando o capitulo IV para o título “Do aborto”. Segundo Hentz (2013), até então a figura da mulher não era criminalizada pelo Código Imperial, mas a partir do código de 1890 esse panorama muda.
O Código Penal de 1890 introduziu pela primeira vez na legislação penal brasileira a criminalização da mulher que cometesse aborto. Além disso, outras “modalidades” de aborto (provocado por terceiros, por exemplo) e o infanticídio tiveram as penas previstas aumentadas, se comparadas com a legislação anterior. (Hentz 2013, p. 1)
Como visto, a partir de então a figura da mulher não fica apenas no polo passivo, mas passa a ser penalizado a mulher que consentia a prática do aborto. As penas a partir do código de 1890, passam a ter um aumento significativo e o crime de infanticídio também passa a está posto dentro do texto legal. A atuação de médicos e parteiras, é abordado com penalidades específicas, como a privação do exercício da profissão.
É importante destacar que o Capítulo IV do Código Penal brasileiro de 1890 traz a perspectiva do legislador, o qual considera situações em que o aborto é realizado com o consentimento da gestante, estabelecendo penas proporcionais para estes casos. Além disso, ele prevê um aumento da pena se o aborto for praticado para ocultar a desonra própria da gestante, mostrando um lado mais voltado para questões morais do que a proteção do feto.
Com a reformulação do Código Penal em 1921, houve certa inovação e evolução do sistema judiciário brasileiro, onde as mudanças e adequações sociais da época emergiam a necessidade de mudanças. No entanto, mesmo com as mudanças de paradigmas em relação a 1840, o legislador ainda sim manteve os mesmos entendimentos acerca do aborto, visto que não houveram mudanças a respeito das disposições que estavam postas no código penal de 1890. A decisão de preservar essas disposições também pode ser entendida levando em consideração as concepções sociais e morais predominantes naquela época, mostrando uma relutância em fazer alterações drásticas nas questões éticas e legais relacionadas à vida intrauterina. ( Hentz, 2013)
O ano de 1940 traz um novo marco para o direito penal brasileiro, pois em 7 de dezembro daquele ano foi publicado o Decreto-Lei nº 2.848, o qual revoga o código penal de 1890 e passa a ser o Código Penal que está em vigor até os dias atuais desta pesquisa. Sobre a temática, este manteve dispositivos semelhantes ao código anterior, mas com inovações para adequar-se as mudanças socias emergentes.
Dentro do atual Código Penal, temos que a temática do aborto posta no capítulo I, que trata dos crimes contra a vida. Em especifico o aborto é tratado entre o art. 124. a 128 tratam dos crimes contra a vida intrauterina. Em seu artigo 124, o Código Penal brasileiro trata do aborto provocado pela gestante, ou ainda, com o seu consentimento. Este artigo é muito discutido no sentido de que a vontade individual da mulher sobre o seu corpo não é acolhida pelo código penal brasileiro. Para estes casos, a pena imposta a será de 1 a 3 anos. (Brasil, 1940)
O art. 125. do CP por sua vez vem tratar do aborto que é praticado por um terceiro sem o consentimento da gestante. Neste tipo de conduta, o código penal estipula uma pena mais grave, sendo de reclusão de 3 a 10 anos. Se por outro lado, o art. 124. do CP não recepciona a decisão de abortar, o art. 125. visa proteger não só a vida intrauterina, mas reforçar a decisão da mulher sobre a continuação ou interrupção da gravidez. Aqui fica claro a preocupação que o legislador tem em inibir condutas que possam ocorrer sem o consentimento da mulher. (Brasil, 1940)
Para os casos em que o terceiro venha praticar o aborto com o consentimento da gestante, o art. 126. do CP traz uma pena mais branda em comparação ao artigo anterior, sendo de 1 a 4 anos. Entretanto cabe destacar que o mesmo artigo aponta situações em que este referido consentimento pode estar sendo derrogado em virtude da idade e condição mental, ou ainda nos casos em que o consentimento é obtido através de fraude, grave ameaça ou violência.
Ainda sobre o tema aborto no código penal de 1940, temos o art. 127. que trata de qualificadoras para o crime de aborto, onde as penas previstas anteriormente serão aumentadas de 1/3 até a duplicação da pena. A saber:
Art. 127. - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte. (Brasil, 1940).
Por fim, o art. 128. do código penal vem tratar das formas permissivas do aborto, ou aborto legalizado. O artigo traz exceções em que isenta a pratica do aborto cometido por médicos quando este é meio único e necessário para salvar a vida da gestante. A segunda exceção vem tratar dos casos em que a gravidez é resultante de estupro. Esta situação cabe levar em consideração o consentimento da gestante, ou ainda, se esta não for capaz, de seu representante legal. Assim, atualmente, sobre o aborto no âmbito do código penal brasileiro vigente, estas são as condutas permitidas.
Legislação Peruanas em torno do aborto
O Peru é um país onde o aborto é ilegal, exceto em casos de risco à vida ou à saúde da mãe. A legislação peruana permite o aborto em casos de estupro, incesto ou malformações fetais incompatíveis com a vida. No entanto, a lei é frequentemente ignorada e muitas mulheres são forçadas a recorrer a abortos clandestinos, colocando suas vidas em risco. (Kill et al., 2019)
A legislação peruana em torno do aborto é altamente controversa. Muitos grupos religiosos e conservadores se opõem à legalização do aborto, argumentando que a vida começa na concepção e que o aborto é um assassinato. Por outro lado, muitos grupos de direitos das mulheres argumentam que as mulheres devem ter o direito de escolher o que fazer com seus corpos e que a proibição do aborto é uma violação dos direitos humanos. (CNN Brasil, 2023)
A falta de acesso a serviços de saúde reprodutiva de qualidade é um grande problema no Peru. Muitas mulheres não têm acesso a contraceptivos ou informações sobre saúde sexual e reprodutiva. Isso leva a altas taxas de gravidez indesejada e abortos inseguros. Além disso, muitas mulheres não têm acesso a serviços de saúde de qualidade após o aborto, o que pode levar a complicações graves.
A legislação peruana em torno do aborto é regida pelo Código Penal do Peru, neste tem-se os artigos 114-116 e 118-120, os quais abordam a temática. O art. 119. do Código Penal estabelece que o aborto não é punível se for praticado por um médico com o consentimento da mulher grávida ou de seu representante legal, quando é o único meio de salvar a vida da gestante ou evitar um mal grave e permanente à sua saúde. (La Repiblica, 2023).
Legislações uruguaias que legalizaram o aborto em 2012
A legalização do aborto no Uruguai em 2012 foi um marco histórico para o país. A Ley de Interrupcion Voluntaria del Embarazo, permite o aborto em qualquer circunstância até a 12ª semana de gestação. Em casos de estupro, são permitidos até a 14ª semana. Quando há risco para a mãe ou má formação do feto, podem ser feitos em qualquer período da gestação. No entanto, a lei também estabelece restrições específicas, como prazos gestacionais, circunstâncias permitidas e exceções. (Galli, 2020; Revista Veja, 2012).
As mulheres que enfrentaram desafios devido à legislação do aborto no Uruguai relatam experiências variadas. Algumas mulheres relatam ter enfrentado obstáculos para acessar serviços de saúde reprodutiva de qualidade, incluindo falta de informações sobre seus direitos e opções de tratamento. Outras mulheres relatam ter enfrentado estigma e discriminação por sua escolha de interromper a gravidez. No entanto, muitas mulheres também relatam ter tido experiências positivas com o sistema de saúde uruguaio, incluindo acesso a serviços de saúde de qualidade e apoio emocional. (Galli, 2020)
RESULTADOS E DISCUSSÕES
O Fundo de População das Nações Unidas apurou que 45% dos abortos realizados no mundo são inseguros e que são uma das principais causas da morte materna. Quase metade das gestações no mundo são desejadas e dessas 60% podem ser interrompidas pelo aborto.
Proibir o aborto não significa necessariamente que estes não irão mais ocorrer muito pelo contrário nota-se que em países onde as leis são contrárias ao aborto a um índice de 97% da prática, como exemplo temos os países que ficam na América Latina Ásia e África. Na África, o Congo e o Senegal proibiram completamente o aborto.
O Comitê dos Direitos Humanos reconheceu em 2005 que: “negar o acesso ao aborto seguro é uma forma de violação dos direitos das mulheres” e considera uma discriminação por parte do Estado negar o acesso a serviços de saúde seguros para a realização da prática. (Piovesan, 2007)
A prática do aborto só pode ser vista como um direito de escolha da mulher a partir da década de 60, pois até o início do século 20 a interrupção era proibida em praticamente todo o mundo com essa ação da China. (Caballero,2019) Essa mudança de pensamento se deve muito ao avanço do feminismo na sociedade e da laicização dos países.
Em 1975, a Itália tornou inconstitucional parcialmente o artigo 546 do código penal que versava sobre a interrupção voluntária da gravidez. Dez anos depois em 2010, a Espanha também aprovou um projeto de lei que alterava o código penal permitindo abortamento em determinadas hipóteses nas primeiras 22 semanas de gestação. (Fonseca, 2020)
De 1989 a 2017, o aborto era penalizado no Chile em todas as circunstâncias vila, porém há três anos o projeto de lei apresentado pela presidenta Michelle Bachelet foi aprovado, e agora existem 3 circunstâncias que permitem às mulheres o acesso de serviço de saúde legal e seguro. (Fonseca, 2020)
No Brasil, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n.442 está em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). A relatora, Min. Rosa Weber deu parecer favorável para descriminalização em um voto memorável. A ADPF proposta pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol), pede a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação.
Descriminalização do aborto no Brasil e a ADPF n. 442
Com a chegada dos portugueses ao Brasil, também se instalou fortemente o cristianismo na nossa cultura, pois Portugal tinha relações muito fortes com a Igreja Católica e por consequência a religião sempre esteve presente nos assuntos de Estado e por muito tempo interferiu nas decisões de governo. Na época do Brasil Império, vigoravam as Ordenações, que eram um compilado de leis que por diversas vezes confundiam leis e costumes. Ao todo tiveram três Ordenações, as Ordenações Afonsinas (1446-1514), Ordenações Manuelinas (1521-1595) e as Ordenações Filipinas (1603-1916), esta última com mais tempo em vigor e que em seu livro V confundia direito, moral e religião e transformava pecados em crimes com penas cruéis. (Marcos, 2014)
Com a promulgação da Constituição de 1891 houve a separação total da Igreja e do Estado e desde então todas as constituições que vieram posteriormente seguem esse modelo, na Constituição de 1988 o artigo 19, inciso I garante esse direito. Com a laicização do Estado, o esperado era que a religião não mais interferisse nas decisões governamentais, porém, frequentemente há interferências religiosas significativas no cenário político. No preâmbulo da Constituição Federal há um trecho que diz: “[...] promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil”, o preâmbulo não tem força normativa, porém muitos usam desse argumento para dizer que o Estado não é de todo laico e que deveria seguir os princípios cristãos. (Brasil, 2020).
O tema aborto chegou até o Congresso por meio de deputados da Igreja Católica que com o apoio dos deputados evangélicos pretendiam proibi-lo em qualquer hipótese, já que no artigo 128 do Código Penal a prática não é punida e a partir dos anos 90 o tema passou a ser assunto de debate no legislativo (Mariano, Silva, 2017)
O aborto no Brasil Império: o Código Criminal de 1830
Em 1830, o Código Criminal do Império entrava em vigor, com inspiração francesa muito embora não seguisse a teoria tripartite, foi aprovado por uma Comissão especial mista que era formada por deputados e senadores. Esse código vigorou por setenta anos e suas leis abrangiam a população em geral, incluindo as pessoas escravizadas. (Guedes, 2018)
O tipo penal do aborto ficava localizado na terceira parte do código (dos crimes particulares), porém sem o nomen juris aborto, estava previsto na mesma seção do infanticídio, no entanto com penas bem menores, além disso, o autoaborto não era criminalizado somente sendo considerado crime quando realizado por terceiros.
O artigo 199 do Código Criminal punia o aborto praticado por terceiro:
Art. 199. Ocasionar aborto por qualquer meio empregado interior, ou exteriormente com o consentimento da mulher pejada.
Penas- de prisão com trabalho por um a cinco annos.
Se este crime fôr cometido sem consentimento da mulher pejada. Penas- dobradas. (Brasil, 1830)
Nota-se que o verbo utilizado é ocasionar, o que significa que só outra pessoa poderia fazê-lo. Outro fato importante é de que o autoaborto não era punido, o testemunho da mulher só era importante para fins de diminuição da pena para o acusado.
O Código Penal de 1890 e a criminalização do autoaborto
O Brasil caminhava para o início do século XX e com a Proclamação da República em 1889, o país precisava de uma reforma da legislação vigente. Um dos primeiros códigos a serem reformulados foi o Código Criminal de 1830, que agora passa a ser chamada de Código Penal. Muito criticado, o Código da Primeira República, de inspiração italiana foi promulgado antes mesmo da Constituição de 1891, ele foi formulado em apenas 3 meses e vigorou até 1942.
O aborto como tipo penal estava localizado no capítulo IX do título X:
Art. 300. Provocar abôrto, haja ou não a expulsão do fructo da concepção:
No primeiro caso: - pena de prisão cellular por dous a seis annos.
No segundo caso: - pena de prisão cellular por seis mezes a um anno.
§ 1º Si em consequencia do abôrto, ou dos meios empregados para provocal-o, seguir-se a morte da mulher:
Pena – de prisão cellular de seis a vinte e quatro annos.
§ 2º Si o abôrto for provocado por medico, ou parteira legalmente habilitada para o exercicio da medicina:
Pena – a mesma precedentemente estabelecida, e a de privação do exercicio da profissão por tempo igual ao da condemnação.
Art. 301. Provocar abôrto com annuencia e accordo da gestante:
Pena – de prissão cellular por um a cinco annos.
Paragrapho único. Em igual pena incorrerá a gestante que conseguir abortar voluntariamente, empregado para esse fim os meios; e com reducção da terça parte, si o crime for commettido para occultar a deshonra propria.
Art. 302. Si o medico, ou parteira, praticando o abôrto legal, ou abôrto necessario, para salvar a gestante de morte inevitavel, occasionar-lhe a morte por impericia ou negligencia:
Pena – de prisão cellular por dous mezes a dous annos, e privação do exercicio da profisão por igual tempo ao da condemnação. (Brasil, 1890)
Para Guedes (2018), a segurança de pessoa e vida, figura como bem tutelado nessa redação e vai trabalhar com a ideia do bem jurídico duplo: a vida em formação no ventre e a saúde e vida da mulher. Porém na prática os inquéritos serviam para observar se o caso era ou não de infanticídio, pois a mulher sempre era considerada transgressora mesmo se não fosse comprovado o aborto.
O código penal de 1890 trouxe diversas novidades ao crime de aborto, houve a criminalização do autoaborto e o consentimento da gestante para a prática e ainda trazia uma atenuante se a conduta tivesse como objetivo encobrir a desonra própria.
O código penal de 1940
De 1937 a 1945, o Brasil viveu a época do Estado Novo, foi nessa época que o Código de 1940, Decreto lei 2.848 de 7 de dezembro de 1940 foi elaborado. Porém o projeto só serviu de ponto de partida para o definitivo, nomes como Nelson Hungria e Vieira Braga fizeram parte de uma comissão revisora (Bruno, 2005). O projeto inicial foi atualizado e entrou em vigor, publicado no Diário Oficial e sua data de vigência seria para 1° de janeiro de 1942.
O crime do aborto está situado no título que abrange os crimes contra a vida. É interessante observarmos que o tipo penal em questão não sofreu nenhuma alteração em desde sua vigência, com exceção da ADPF n. 54. de 2012, que julgou procedente a ação que descriminalizava a conduta em casos onde o feto é anencefálico. (Guedes, 2018)
No código que está em vigência até hoje o aborto é criminalizado em 3 modalidades:
Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento
Art. 124. – Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: (Vide ADPF 54)
Pena – detenção, de um a três anos.
Aborto provocado por terceiro
Art. 125. – Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:
Pena – reclusão, de três a dez anos.
Art. 126. – Provocar aborto com o consentimento da gestante: (Vide ADPF 54)
Pena – reclusão, de um a quatro anos.
Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou debil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência
O artigo 128 fala sobre o aborto necessário, que inclui 2 hipóteses: quando não há outro meio de salvar a mulher e em casos de estupro. Porém a ADPF n. 54. de 2012 garante que a gestante possa decidir pela interrupção da gravidez caso seja constatada a anencefalia do feto, excluindo a ilicitude do fato.
A ADPF n. 442
No ano de 2017 foi proposto pelo Psol a ADPF n. 442, que pretende pela descriminalização do aborto voluntário até o terceiro mês de gestação (12ª semana). A ação foi protocolada no STF, já que a corte tem o dever de avaliar a compatibilidade dos artigos 124 e 126 do código penal com o princípio da dignidade humana prevista na Constituição Federal. Os peticionários entendem que a criminalização do aborto fere vários direitos fundamentais das mulheres e princípios, como a igualdade, o planejamento familiar e os direitos sexuais e reprodutivos já que estes não estavam presentes no momento da criação do Código Penal em 1940 e esses princípios e direitos só vieram a aparecer com a promulgação da Constituição de 1988.
Em agosto de 2018, a Ministra Rosa Weber realizou audiência pública com intuito de ampliar o debate e tratá-lo com a complexidade que existe. (Guedes, 2018). A Ministra ainda fala que o tema é “sensível e de extrema delicadeza”, pois além da via judicial ele levanta questões como “ordem, moral ética e religiosa”. Porém ela considera que a criminalização do aborto voluntário enfatiza “a questão, do direito à vida e sua correlação com o direito à saúde e os direitos das mulheres”. (STF, 2023)
Em 22 de agosto de 2023 a presidente do STF, Rosa Weber votou a favor da descriminalização do aborto voluntário até a 12ª semana de gestação. Em seu voto, que contém 129 páginas ela destaca que a proibição não é o meio mais eficiente para evitar o aborto sendo mais adequado a adoção de políticas públicas que possam prevenir a gravidez indesejada, como a educação sexual.
“A maternidade é escolha, não é obrigação coercitiva. Impor a continuidade da gravidez, a despeito das particularidades que identificam a realidade experimentada pela gestante, representa forma de violência institucional contra a integridade física, psíquica e moral da mulher, colocando-a como instrumento a serviço das decisões do Estado e da sociedade, mas não suas.” (Rosa Weber, 2023)
O voto da Ministra levantou debate entre os conservadores já que para eles o feto deve ter seus direitos resguardados desde o momento da concepção, por outro lado, a posição favorável de Weber é histórica para os defensores, pois trata-se de um direito das mulheres que foi suprimido no Código Penal de 1940, haja vista que os valores e princípios daquela época eram muito diferentes do que se vivencia hoje e as mulheres não tinham voz para grandes decisões.
“[...] nós mulheres não tivemos como expressar nossa voz na arena democrática. Fomos silenciadas! Não tivemos como participar ativamente da deliberação sobre questão que nos é particular, que diz respeito ao fato comum da vida reprodutiva da mulher, mais que isso, que fala sobre o aspecto nuclear da conformação da sua autodeterminação, que é o projeto da maternidade e sua conciliação com todos as outras dimensões do projeto de vida digna.” (Rosa Weber, 2023)
Ela encerra seu voto enfatizando que a vida digna do ponto de vista da moralidade da década de 1940 excluía as mulheres de qualquer decisão, seja de perfil político ou cívico, nas palavras da Ministra: “excluía as mulheres da condição de sujeito de direitos.” Se aprovada, a ADPF n. 442. será um marco nos direitos reprodutivos e na autodeterminação e liberdade da mulher.
Política e implicações do aborto no Peru
No Peru, a política do aborto sofre com o conservadorismo extremo da nação. O aborto só pode ser praticado em situações muito especiais, em que comprovadamente, a mulher corre risco de morte ou para evitar uma enfermidade muito grave e permanente. No ranking Latino-Americano, o país ocupa o segundo lugar em mortalidade materna, consequência do aborto clandestino que ocorre frequentemente no país. (Kill et al., 2019)
O código penal peruano (1924) em seus artigos 114-116 e 118-120, tratam de vários tipos de aborto e quais as consequências legais. Esses artigos falam sobre: autoaborto, aborto consentido, aborto sem consentimento, preterintencional, terapêutico e o aborto sentimental e eugenésico.
De todos os países que legislam sobre o aborto, o Peru é o único que usa o termo aborto terapêutico e que é o único tipo em que não há sanção penal, pois nesse dispositivo a interrupção voluntária da gravidez se deve ao fato de que de não haver outro modo para salvar a vida da gestante. (Nascimento, 2017)
O termo aborto terapêutico é desatualizado e contraditório, porque não é um tratamento que assegure melhorar a saúde da mulher nem da criança. O termo apropriado deveria ser interrupção da gravidez por questões médicas. (Pacora-Portella, 2014, p. 238)
Em 2022, foi apresentado um projeto que dava fim à criminalização do aborto no país, porém foi arquivado pela Comissão de Justiça e Direitos Humanos do Congresso peruano. A deputado Ruth Ibarra, apresentou fortes argumentos para a descriminalização, ela destaca que grande parte das mulheres que engravidam em decorrência do estupro são menores de idade, por isso o slogan “Ninãs, no madres”; o país se define com Estado laico, porém as políticas conservadoras revelam o contrário. (Opera Mundi, 2022).
Descriminalização do Aborto no Uruguai
Diferente do Brasil, que por ora ainda não é aceito o aborto legal, que, em 2023 ainda considera o aborto crime (artigo 124 do Código Penal), destaca-se o Uruguai, primeiro país da América do Sul a descriminalizar o aborto livre e incondicionado conforme a promulgação da lei 18.987/2012, foi o primeiro país da América do Sul a permitir que acontecesse na 12º semana de gravidez e o terceiro da América Latina, atrás de Cuba e Guiana. No Uruguai, o prazo pode ser estendido nas primeiras catorze semanas nos casos de estupro e pode ser maior no caso de risco de morte para a gestante ou anomalias fetais incompatíveis com a vida.
Após a aprovação da lei de descriminalização do aborto no Uruguai, destaca-se que a lei é essencial para a continuidade das políticas públicas na área da saúde, no qual tem como objetivo, a redução de riscos nas principais causas de mortes de gestantes, destacando as complicações causadas por abortos clandestinos. A principal política pública sobre aborto no Uruguai se deu com a regulamentação da lei sobre interrupção da gravidez através do Decreto 375/2012 (“Regulamentacion de La Ley de IVE”), publicado em 29 de novembro de 2012. Decreto este que diz: “Estabelece as condições para qualquer mulher que possa levar a cabo a interrupção voluntária do embaraço até as 14 semanas de gestação, inclusive sem custo algum”.
Segundo a regulamentação, estabelece mediante os princípios que a atuação das instituições médicas e de pessoal nos procedimentos regulados pela Lei do Aborto serão atuadas por meio da: confidencialidade, o consentimento informado e o respeito à autonomia da vontade da mulher. Fazendo com que o pessoal de saúde deve abster-se de impor seus valores e crenças, tendo que agir e informar à mulher que deseja interromper uma gravidez de acordo com as evidências científicas disponíveis e necessárias. Podendo a gestante abster-se em caso de falta de confiança solicitando pelo Conselho Nacional de Saúde a troca de profissional. Segundo a regulamentação da lei nº 18.987/2012, que diz com relação à interrupção voluntária:
Em relação aos requisitos para solicitar a interrupção voluntária da gestação estão apenas a nacionalidade uruguaia, natural ou legal, bem como mulheres estrangeiras com mais de um ano de residência no país. Sobre o procedimento, a mulher deve comparecer ao hospital credenciado ao Sistema Nacional Integrado de Saúde solicitando uma consulta médica e manifestar seu interesse de interromper a gravidez ao médico, citando qualquer uma das razões estabelecidas na Lei n.° 18.987/12. Sobre tais requisitos, são eles as circunstâncias decorrentes das condições em que ocorreu a concepção: situações de penúria econômica, social, familiar ou de idade que, na opinião da gestante, impedem que prossiga com o andamento da gravidez.
No Uruguai, mediante lei supracitada, o Estado garante o direito à procriação consciente e responsável, reconhece o valor social da maternidade, protege a vida humana e promove o pleno exercício dos direitos sexual e reprodutiva de toda a população, tal lei regulamentadora de lei nº 18.987 apresenta 42 artigos que prescrevem todas as condições legais diante da interrupção voluntária até o consentimento.
Mortes maternas no Brasil decorrentes de aborto
Números de abortos clandestinos no Brasil e no Peru
Existem cerca de 214,300,000 milhões de pessoas no Brasil. Dessas pessoas, há uma estimativa de 800 mil abortos realizados por ano. 62,2% são considerados inseguros, totalizando em torno de 59,575,400 pessoas que optaram pelo aborto clandestino. Diferente do Peru, onde habitam 32,720,00 milhões de pessoas, país no qual o aborto não é legalizado. Por ano são totalizados 370,000 mil abortos anualmente e a porcentagem de abortos são de apenas 37,9%, 62,3% a menos que no Brasil.
Porcentagem do número de abortos realizados no Uruguai
No Uruguai existem cerca de 3.999.236 pessoas habitantes. A porcentagem equivalente ao número de pessoas que optam pelo aborto é de 37%. Tendo em vista que esse número totaliza em torno de 2.519.518 pessoas.