Resumo: No decorrer da evolução histórica da relação entre autor e seus direitos decorrentes de produções intelectuais, com o advento da Era Digital, momento em que as informações são transmitidas amplamente com muita mais agilidade e abrangência, algumas intercorrências substanciais trouxeram novos desafios que precisam ser superados a fim de se conferir uma melhor proteção jurídica a esses criadores. Especificamente em relação à licença, é necessário tanto uma nova flexibilização burocrática e jurídica, quanto uma ampliação de medidas protetivas a depender do tipo de direito autoral que se pretender ceder.
Palavras-chave: Licenças. Direitos Autorais. Era Digital.
Introdução
Os direitos autorais são os direitos de autor e conexos cuja natureza de proteção é híbrida, tanto em relação ao objeto produzido quanto ao seu produtor. São direitos transcendentes, positivados (seja no ordenamento interno constitucional e infraconstitucional, seja no ordenamento internacional), e diante do caráter internacional, assim considerados direitos humanos.
Esses direitos ganham novas interações sociais a partir da Era Digital. Tal período tem facetas de difusão de informações e amplitude de pessoas atingidas por essas informações nunca vistas na história social. Isso pode ser um fator favorável aos produtores intelectuais, já que a sua notoriedade e o conhecimento da sua obra ou produto pode ser muito amplo mundialmente, fato proveniente da globalização. De outro lado, pode ser uma arma deletéria aos direitos autorais diante da facilidade de manipulação e transgressão jurídica pelo farto campo digital dessas mesmas obras.
Pretende-se com esse trabalho expor algumas opções de licenças de direitos autorais já vigentes em alguns outros países que ganharam certo destaque no Brasil, especificamente na Era Digital. No entanto, é importante situar e caracterizar esse período histórico, já que ao mesmo tempo em que há uma maior difusão de informações, tanto na amplitude de consumidores quando na agilidade temporal, há uma facilidade de vilipêndio da licença desses direitos.
O objetivo, portanto, é oferecer novas opções de cessão patrimonial e extrapatrimonial de direitos autorais, diante de um cenário em que a legislação então vigente de propriedade intelectual é incapaz de dar guarida suficiente a diversas situações existentes com o advento da internet. É oferecer novas opções de acessibilidade aos usuários e destinatários do objeto intelectual, mas ao mesmo tempo favorecer os produtores ou fornecedores disso.
1. Era Digital
Era Digital refere-se ao período histórico da sociedade contemporânea na qual se existe uma sociedade de informações em que há interação entre seus membros através de um ciberespaço. Ao longo dos anos, percebe-se que a comunicação social antes não era verbal e passou a ser escrita.
Essa percepção de evolução histórica pode ser facilmente compreendida a partir da análise da Revolução Industrial. Na Primeira Revolução Industrial, destaca-se a criação e existência da máquina a vapor. Já na Segunda Revolução, há o surgimento do motor, do petróleo e da eletricidade como combustíveis para os frutos de criações de objetos que hoje são considerados essenciais para nossa sobrevivência.
A partir da Terceira Revolução Industrial, na qual surgiu a Era Digital, são perceptíveis algumas características que também podem ser propostas como essenciais à sociedade. Dentre as quais, reconhece-se a transmissão de informações muito de modo ágil, a ampliação da robótica em todos os setores econômicos, a existência de serviços computorizados e a biotecnologia.
Dessa forma, melhor seria conceituar a era digital como fenômeno histórico e social
c aracterizado pelo acúmulo de dados, pela manipulação de infindáveis informações, que conferem ampliação de participação e comunicação de indivíduos, tudo isso tendo como meio principal a internet. Segundo Ingo Wolfgang Sarlet,
A era digital se caracteriza por uma combinação de aceleração e tecnologia, que são responsáveis por afetar todas as demais dimensões da vida humana. Na era digital, a ‘tecnologização’ das interações sociais, o condicionamento robótico das ações sociais e a desumanização das relações humanas arriscam o horizonte do futuro na direção do desprezo à dignidade humana. Em estudo anterior foi possível definir a emergência deste novo modelo de sociedade - nos termos de uma sociedade digito-cêntrica -, conceito este que é aqui invocado para nominar o conjunto das transformações nas sociedades contemporâneas, digitalizadas e hipertecnológicas. Nela, o horizonte do futuro passa a se fundir com o horizonte do presente. Aliás, é isto que faz da era digital a nova fronteira da modernidade, enquanto se inscreve, no horizonte do presente a vitória do tempo sobre o espaço.
A era digital instaura uma nova esfera de riscos às interações sociais. O aumento de riscos - na base de interações digitais, fluídas e fugazes - instaura no império do efêmero um novo modo de produção da insignificância humana. No ambiente digital, os ‘avatares humanos’ são corpos fluídos, reduzidos a interações aceleradas, definidas por intensa circulação de dados pessoais, codificações e hipercodificações. A intensidade da comunicação aliada à rapidez, hiperfluidez e à vacuidade da informação acabam por promover um paulatino processo de rebaixamento da condição humana, advertência esta que atiça a Teoria do Direito no sentido de despertar o Direito para as tarefas de seu tempo. Na lógica da vitória da máquina sobre o homem, inscreve-se a potência perigosa do esquecimento do reconhecimento - na linha de análise do filósofo alemão Axel Honneth, na obra Luta por reconhecimento (Kampf um Anerkennung) -, matriz da desconsideração e do desrespeito, equação adequada para o aumento das violações à dignidade da pessoa humana. No ambiente digital, a proliferação de condutas antissociais tem permitido que a opressão se aloje e se prolifere, encontrando no anonimato, na invisibilidade, na hipercodificação os meios para tornar o ambiente favorável para tanto..2
Nesse ambiente digital, há implicações boas e ruins. A implicação boa mais notória é a acessibilidade de conteúdo, já que os custos são mais baixos frente ao cenário histórico anterior e existe uma transferência de dados muito mais ampla e ágil. Isso é uma oportunidade para os criadores intelectuais na medida em que a facilidade e ampliação do acesso e a menor burocracia permitem uma difusão maior do trabalho do autor. Por outro lado, nota-se uma dificuldade para os autores, já que a facilidade de reprodução e comunicação ultrapassa largamente a capacidade de controle legal e fiscalizatório.
Por isso, considerando esse ambiente hostil, há necessidade de uma renovação por meio da legislação, jurisprudência e doutrina a fim de se ostentar avanços que permitam a dignidade humana de todos, autores e destinatários. A comunicação em massa na sociedade capitalista hipertecnológica é um ambiente que não tem regulamentação suficiente, não possui proprietário, com uma vastidão que confere múltiplos ambientes, até mesmos os propícios para a atividade ilícita.
2. Direitos Autorais
Os direitos autorais são direitos relacionados às produções intelectuais de cunho diverso da propriedade industrial de ordem patrimonial e extrapatrimonial que visa a proteger tanto o objeto proveniente dessa produção quanto o próprio produtor intelectual. Trata-se, portanto, de um direito constitucional transcendente, regulamentado tanto internamente na ordem constitucional e legal, quanto na seara internacional. Além disso, segundo a Lei 9.610/98, é um direito móvel (art. 3º).
Na visão de José de Oliveira Ascenção,
Os direitos autorais, na terminologia usual no Brasil, são o direito de autor e os direitos conexos. Se bem que em ambos os casos se exprimam particularmente pela outorga de direitos exclusivos, há que reconhecer que o direito de autor é a figura paradigmática, até por ter chegado a um grau de maturidade que os direitos conexos não atingiram ainda. Isso resulta desde logo da falta de homogeneidade derivada da natureza híbrida do objeto da proteção dos direitos conexos – ora prestações pessoais2, ora prestações empresariais. Por isso, será o direito de autor que teremos sempre predominantemente em vista.”.3
Por ter muita importância e ser um complexo normativo sistemático, há corrente doutrinária que considera o direito autoral como ramo do Direito Civil. Aliás, pela natureza jurídica patrimonial, é plenamente viável caracterizar o Direito Autoral como pertencente ao Direito Privado. No entanto, não se pode confundir tal direito com Direito Industrial (Propriedade Industrial).
A Propriedade Industrial se refere a outros bens, como marcas e inventos, que possuem exploração econômica com aplicação industrial e fruto de uma atividade inventiva. Já a propriedade intelectual é o bem de criação do espírito, expresso por qualquer meio ou qualquer suporte, tangível ou intangível. O art. 7º da Lei 9.610/98 enumera alguns exemplos (rol exemplificativo):
Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:
I - os textos de obras literárias, artísticas ou científicas;
II - as conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza;
III - as obras dramáticas e dramático-musicais;
IV - as obras coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se fixe por escrito ou por outra qualquer forma;
V - as composições musicais, tenham ou não letra;
VI - as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográficas;
VII - as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia;
VIII - as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética;
IX - as ilustrações, cartas geográficas e outras obras da mesma natureza;
X - os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência;
XI - as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova;
XII - os programas de computador;
XIII - as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual.”.4
Também, é mister a definição de autoria ou a parte subjetiva da relação jurídica de direito autoral. Segundo a Lei de Direitos Autorais – LDA, o autor pode ser pessoa física, desde que seja criadora de obra literária, artística ou científica. É possível também a ampliação da guarida da lei às pessoas jurídicas.
Ao unir todos esses conceitos, depreende-se que o direito autoral é válido para o meio digital, mormente em razão de que a própria LDA (art. 7º, caput) considera qualquer meio ou fixado em qualquer suporte como forma de exteriorização da propriedade intelectual. E depois, é completamente subsumível o conceito de autor e o de objeto intelectual quando expressos no meio digital, afinal ainda assim são seres humanos que performam uma obra fixada no meio digital.
Na violação desses direitos na rede mundial de computadores, classifica-se o controle desses direitos como: a) direto, aquele exercido diretamente pelo titular; b) indireto, o não exercido pelo titular originário, mas por titulares derivados ou representantes, tendo como exemplo o realizado por editores ou gravadores; c) coletivo, manifestado por entidade de gestão coletiva representativa de um conglomerado de titulares em específico a determinado gênero ou obra.
Daí surgem regimes jurídicos específicos desse exercício: a) o originário de controle, proveniente do próprio titular da propriedade intelectual; b) o condicionado à comprovação documental, desde os cessionários ou representantes possuam legitimidade nesse sentido; c) o de gestão coletiva, o exercício do direito autoral em determinada modalidade é prescrito por determinada lei independente de comprovação da representação.
3. Transferência de Direitos Autorais - Licença
Após a criação de um objeto intelectual, existe a possibilidade da qualquer exploração, seja econômica, seja a de direitos morais, pela transmissão de cópia ou do próprio objeto a terceiro interessado. Essa exploração não necessita ser realizada exclusivamente pelo criador. É viável ainda que exista uma transferência da exploração a terceiro, de modo que essa exploração possa ser mais bem realizada e/ou de que o autor tenha uma retribuição financeira mais imediata.
Por isso, extrai-se que a transferência dos direitos do autor nada mais é do que a transmissão a terceiros de direitos patrimoniais e extrapatrimoniais decorrente da atividade inventiva intelectual. Essa transmissão pode ocorrer total ou parcialmente. É legítimo que o terceiro seja os sucessores do autor, a título universal ou singular, seja pessoalmente ou por representantes com poderes especiais. De mais a mais, o instrumento jurídico de transmissão pode ser o licenciamento, concessão ou cessão.
No presente trabalho, fixar-se-á a transmissão por licenciamento ou licença, aquele em que o titular da obra, por intermédio de um contrato de licença, permite o uso da sua obra por terceiros, mas não deixa de ser o titular por essa utilização alheia. De outro modo, a cessão detém caráter de definitividade e de transmissão da titularidade. Em abono:
A Lei de Direitos Autorais prevê a cessão e a licença de direitos. A cessão é a transferência definitiva de todos os direitos patrimoniais do autor sobre a obra ou parte dela, o que significa que não receberá direitos em virtude da obra cedida. Já a licença é limitada, pode ser por período definido para veiculação ou por meio de utilização ou comercialização e é muito conhecida pelo termo merchandising.”.5
Portanto, o contrato de licenciamento de direitos autorais é verdadeiro negócio jurídico típico no Direito Brasileiro, cujos efeitos são justamente a criação de direitos e deveres patrimoniais específicos. Trata-se de substituição temporária da titularidade desse direito, mediante, geralmente, a uma remuneração financeira. É um contrato bilateral, consensual, oneroso por presunção, aleatório ou comutativo, de execução diferida ou continuada ou instantânea. Então, a licença é exteriorização de vontade de cunho patrimonial, já que as de natureza extrapatrimonial não podem ser transferidas por alienação ou renúncia (art. 27. da Lei 9.610/98.
É importante frisar que os direitos patrimoniais do autor são relacionados principalmente aos atributos da exclusividade pelos direitos de reprodução e representação. Ao se transmitir um direito patrimonial, imperioso que se exista a autorização, seja realizada por concessão, licença ou cessão, e que se delimite as condições de uso desses direitos. No inadimplemento contratual, as consequências são expostas pelo José Carlos Neto como:
Portanto, se o licenciado ou cessionário ultrapassa, no uso da obra autorizada, os limites contratados, estará não só descumprindo os termos do acordo (inadimplemento contratual), mas, principalmente, praticando ato ilícito pela inexistência da autorização para o uso extracontratual, o que é muito mais grave, uma vez que a violação de direitos autorais consiste não só em ilícito civil (de consequência indenizatória, como ocorre na órbita do direito civil), mas em ilícito penal.
Em razão disso, é fundamental que as condições de uso da obra intelectual e a consequente remuneração do autor a título de direitos patrimoniais de autor constem adequadamente do contrato de licenciamento – ou termo de autorização – e, mesmo no caso da cessão de direitos, que conste do instrumento, detalhadamente, qual o seu alcance, pois a interpretação de suas cláusulas será sempre restritiva10 , ou seja, as condições de uso que não estiverem abrangidas pela licença ou cessão serão consideradas não autorizadas e, portanto, importarão em violação aos direitos de autor.6
Toda essa transmissão de direitos patrimoniais pode ser publicizada em averbação na margem do registro. No instrumento de licença é primordial que todos os elementos essenciais do objeto constem no contrato, tal como objeto e condições de exercício do direito no tempo, lugar e preço. Destaca-se que a cessão de obras futuras abarca no máximo o prazo de 5 anos.
A LDA elencou algumas regras de proteção ao titular originário do direito: a) no silêncio do contrato, o prazo máximo da licença é de 5 anos; b) caso não haja estipulação em contrário, em relação ao local de validade do contrato, presume-se só é válido no país onde se firmou o contrato; c) só haverá licença para as hipóteses existentes à época da data do contrato; d) em razão da natureza de limitação de um direito, a interpretação das cláusulas contratuais deve ser restritiva, restringindo-se ao imprescindível para adimplemento da finalidade contratual.
Embora existam algumas regras, a lei possui interpretações favoráveis a criação de outros sistemas.
4. Creative Commons
4.1. Noções Introdutórias
É uma espécie de licença que possibilidade a utilização total ou parcial de determinada obra e o domínio público. Dessa maneira, o autor conserva a titularidade da obra, fato este que é inato ao conceito de licença, mas permite alguns tipos de uso de seu produto intelectual.
Sua origem histórica remonta o ano de 2001, especificamente no território dos Estados Unidos (Universidade de Stanford), cujo criador dessa sistemática de licenças foi Lawrence Lessig. O objetivo dessa criação foi a expansão das criações existentes a serem disponibilizadas ao público, de modo que se permitisse o manuseio, a criação de outras obras sobre elas e seu mútuo compartilhamento. Atualmente, são mais de 2,5 bilhões de obras licenciadas em milhões de sites.
Não é apenas um método ou sistema de licenciamento público de obras, mas o Creative Commons também uma instituição sem finalidade lucrativa, de caráter global. Assim sendo, os voluntários já disponibilizaram vários tipos de obras, desde textos a programas de computadores. É uma verdadeira cooperação fomentadora da criatividade e da divulgação de propriedade intelectual, mas sem vilipendiar direitos autorais, uma vez que cabe ao próprio autor ir selecionando como se dará essa transmissão temporária. Segundo o site do Creative Commons, o seu conceito é:
“Creative Commons (CC) é uma organização internacional sem fins lucrativos que capacita as pessoas a crescer (sic) e sustentar os prósperos bens comuns de conhecimento e cultura compartilhados que precisamos para enfrentar os desafios mais urgentes do mundo e criar um futuro melhor para todos.
Juntamente com (sic) a nossa comunidade global e múltiplos parceiros, construímos capacidades e infra-estruturas (sic), desenvolvemos soluções práticas e defendemos uma melhor partilha : uma partilha que seja contextual, inclusiva, justa, equitativa, recíproca e sustentável.
Durante mais de 20 anos, o Creative Commons apoiou um movimento global baseado na crença no poder do acesso aberto ao conhecimento e à criatividade. Da Wikipédia ao Smithsonian, organizações e indivíduos confiam no nosso trabalho para compartilhar bilhões de imagens históricas, artigos científicos, artefatos culturais, recursos educacionais, música e muito mais!”7
O ordenamento jurídico permite a existência da Creative Commons pelo artigo 49 da LDA, apesar de o referido dispositivo não ser específico em relação ao que é cessão ou licenciamento:
Art. 49. Os direitos de autor poderão ser total ou parcialmente transferidos a terceiros, por ele ou por seus sucessores, a título universal ou singular, pessoalmente ou por meio de representantes com poderes especiais, por meio de licenciamento, concessão, cessão ou por outros meios admitidos em Direito, obedecidas as seguintes limitações:
I - a transmissão total compreende todos os direitos de autor, salvo os de natureza moral e os expressamente excluídos por lei;
II - somente se admitirá transmissão total e definitiva dos direitos mediante estipulação contratual escrita;
III - na hipótese de não haver estipulação contratual escrita, o prazo máximo será de cinco anos;
IV - a cessão será válida unicamente para o país em que se firmou o contrato, salvo estipulação em contrário;
V - a cessão só se operará para modalidades de utilização já existentes à data do contrato;
VI - não havendo especificações quanto à modalidade de utilização, o contrato será interpretado restritivamente, entendendo-se como limitada apenas a uma que seja aquela indispensável ao cumprimento da finalidade do contrato.8
A transmissão onerosa dos direitos autorais pode ser total ou parcial, exclusiva ou não exclusiva. No caso da Creative Commons é uma licença, porém não exclusiva, já que a sua utilidade não terá limitação de sujeitos. Ultrapassada essa conceituação, algumas circunstâncias podem ser limitadas ou não, dentre as quais a circulação, o uso ou não comercial, com possibilidade ou não da criação de obras criadas a partir de obras depositadas e consideradas como originárias. Conforme consta no livro da Manuella Santos:
As licenças são apresentadas em três níveis diferentes: a) um nível para leigos, escrito em linguagem simples, com símbolos, explicando no que consiste a licença e quais direitos o autor está concedendo; b) um nível para advogados, cuja redação utiliza termos jurídicos, tornando-a válida perante o Judiciário; c) um nível técnico, que consiste numa versão que pode ser lida por computadores e que ajuda mecanismos de buscas e outras aplicações a identificar a obra. 9
Por ter o Brasil aderido ao Creative Commons, qualquer violação a uma licença deste perfil, é também configurada uma violação aos direitos autorais. E essa violação atrai a responsabilidade civil, cujo objetivo é o restabelecimento da situação fática antes da violação danosa. Dessa responsabilidade civil, surge uma indenização de natureza compensatória e sancionatória.
Partindo-se dos pressupostos básicos de responsabilidade civil, a sua configuração ocorre pela existência concomitante de: a) ação comissiva ou omissiva ostentadora de um ato lícito ou ilícito; b) dano material ou moral. A verificação da culpa depende de qual responsabilidade está se tratando. No caso da responsabilidade objetiva, que é a regra na violação de direitos autorais, a comprovação da culpa é dispensável.
Analisadas todas essas premissas teóricas das implicações que o direito autoral tem na sociedade, em especial na sociedade digital, além de verificado o conceito de licença, especificamente a Creative Commons, passamos à análise das espécies propriamente ditas desse tipo de transmissão patrimonial de direitos autorais.
4.2. Espécies
Prevendo uma flexibilidade de limitações e exercícios dos direitos autorais, os tipos de licença da Creative Commons buscam a manutenção do espírito de cooperação, mas também atendem aos interesses dos titulares de propriedade intelectual.
A primeira delas é a “atribuição”, a permissão dada a terceiros para que possam manipular a obra, distribuir ou executar, no entanto sem se olvidar de dar ênfase ao autor originário. É a opção mais flexível de licença.
A segunda se relaciona com a utilização econômica, denominada de “uso não comercial, transmissão que permite o manuseio da obra, cópia, criação de outras obras, mas apenas para fins não comerciais.
A terceira é a “não a obras derivadas”, permissão de apenas distribuição da obra originária, de modo a inviabilizar a criação de obras derivadas com parâmetro da obra originária. É apenas permitido a distribuição de cópias, seja sua execução ou sua distribuição.
A quarta é intitulada como “compartilhamento pela mesma licença” cujo objeto primordial é a permissão de distribuição de obras derivadas, desde que estas mantenham um tipo de licença idêntico ao produto originário. Logo, essa licença, por questões lógicas, só pode ser atribuída a obras derivadas, e não originárias.
Por derradeiro, elencam-se as licenças CC-GPL e CC-LGPL especificamente criadas par atender necessidades do Poder Público no Brasil, na incorporação do software livre. Essas licenças, conforme leciona Manuella Santos:
Tais licenças garantem os quatros direitos básicos do software livre: a) a liberdade de estudar o programa com o acesso ao seu código fonte; b) liberdade de executar o programa para qualquer finalidade; c) a liberdade de modifica-lo e aperfeiçoá-lo; d) a liberdade de distribuí-lo livremente.
Há ainda outras licenças para aplicações específicas: licença sampling (recombinação) permite que pequenas partes da obra sejam remixadas em obras novas, ainda que para usos comerciais; b) a licença “compartilhamento de música” é específica para músicos que queiram compartilhar suas obras; c) a licença “nações em desenvolvimento” possibilita ao autor disponibilizar sua obra sob condições menos restritivas para países que não sejam considerados de alta renda pelo Banco Mundial. 10
Esgotadas os tipos de licença, autoriza-se e recomenda-se a combinação de licenças. Daí propicia-se a combinação “atribuição – compartilhamento pela mesma licença”, a mais flexível, já que implica na utilização para fins comerciais, garantindo a referência do autor originário às obras derivadas, desde que a licença derivada ocorra pela mesma licença originária, amplamente utilizada pelos softwares livres.
Mescla-se também a “atribuição – não a obras derivadas”, forma de conceder os créditos ao autor originário, vedando-se a manipulação da obra originária que a modifique. Pode ser utilizada tanto para fins comerciais ou não comerciais. Já a “atribuição – uso não comercial” é a vedação exclusiva de uso comercial, conquanto que exista o crédito ao autor originário.
E mais ainda restritivo é “atribuição – uso não comercial – compartilhamento pela mesma licença”, referência ao autor originário, com vedação de utilização comercial, atrelada ao compartilhamento pela mesma licença. Percebe-se que esse arranjo somente é possível para obras derivadas, já que isso é o pressuposto para o compartilhamento pela mesma licença.
E a mais restritiva de todas e por incrível que pareça a mais utilizada pelos proprietários é aquela que restringe o uso comercial, necessita de conferir crédito aos autores e não permite a criação de obras derivadas, apenas distribuição e manuseio de cópias das obras originais.
Todo esse sistema de licença tem algumas vantagens e algumas críticas, críticas essas que pelo ausência de poder argumentativo não merecem ser citadas. Dentre as principais vantagens, podemos citar: a) a confluência de sistemática entre o meio digital e os direitos autorais; b) cria padrões fáceis identificação dos direitos e deveres do autor; c) proporciona opções bastante flexíveis; d) há validade desse contrato no Brasil e todos aqueles países que aderiram ao Creative Commons; e) possibilita o poder de gestão do autor em relação à transferência de seus direitos; f) fomenta atividades de criação intelectual, a utilização por terceiros de obra originária dirige-se para até mesmo o aperfeiçoamento dessas obras.
Portanto, ao se unir todo o arcabouço jurídico já vigente para as obras intelectuais, tendo como pressuposto o meio digital, vislumbra-se que o Creative Commons é importante instrumento jurídico de transferência patrimonial de direitos autorais com flexibilidade adequável ao meio digital, na medida em que potencializa o acesso pelos destinatários dos produtos intelectuais, democratizando e fomentando novas criações, e em que confere instrumentos mais acessíveis de gestão e proteção jurídica ao titular dessa propriedade.