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A nova lei do Pantanal Sul-Mato-Grossense

Agenda 24/05/2024 às 09:00

Foto: iStock


No diário oficial do estado do Mato Grosso do Sul, do dia 19/12/2023, foi publicada a Lei Estadual nº 6.160/2023, com vigência datada para iniciar em 19/02/2024, colocando fim à polêmica da regulamentação do pantanal sul-mato-grossense antes realizada por um decreto estadual, o de número 14.273/2015.


A polêmica teve origem quando a Advocacia Geral da União junto ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, em 17/07/2023, emitiu o Parecer nº 00349/2023, que em suas conclusões recomendou que “o Decreto Estadual nº 14.273/2015, do Mato Grosso do Sul, deve ser revisado com urgência”, partindo de uma equivocada premissa de que “o emprego, pelo Estado do Mato Grosso do Sul, de critérios inconsistentes ou desprovidos do devido respaldo científico”, demandaria revisão naquele decreto.


Além da AGU, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, por meio da nota técnica 1520/2023 fundamentou sua pretensão de uma única lei para o pantanal, com regulamentação a ser ditada por “resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente no âmbito do colegiado”, distorcendo completamente a ideia de regulamentação do pantanal por lei e não resolução.


Havia uma clara intenção de usurpar competências locais para realizar uma intervenção ambientalmente mais radical do CONAMA, disputando espaço com os governos estaduais, ameaçando a colaboração de participantes e entidades locais, colocando em risco peculiaridades pantaneiras.


Tanto a AGU quanto o Ministério desconsideraram recomendações já existentes da Embrapa a respeito da exploração ecologicamente sustentável enquanto órgão oficial de pesquisa, o que logo foi pacificado pelo Governo Estadual, em 16/08/2023, publicando a suspensão de licenças ou autorizações de supressão vegetal para uso alternativo do solo no pantanal sul-mato-grossense.


A nova lei estadual então cumpre exatamente o que determina a Constituição Federal, onde o pantanal deve ser regulamentado por lei (não por decreto) e o artigo 10 do Código Florestal, no sentido de que é permitida exploração ecologicamente sustentável no bioma, devendo considerar as recomendações técnicas dos órgãos oficiais de pesquisa e autorização do órgão estadual do meio ambiente para supressões.


De antemão, já podemos observar que todas as novas regras trazidas para o pantanal sul-mato-grossense exigirão dos proprietários de imóveis rurais pantaneiros, uma completa revisão das informações preenchidas no Cadastro Ambiental Rural, para enquadramento nas novas definições da legislação, como também uma revisão de todas as intervenções realizadas na propriedade, com ou sem licenciamento, tais como barragens, estradas e outras benfeitorias para não haver surpresas com fiscalização.


Além disto, também será divulgado em breve um regulamento, provavelmente um decreto estadual ou normativas do órgão ambiental com maiores detalhes a respeito da lei estadual, definindo, por exemplo, quais espécies vegetais exóticas da fauna e flora poderão ser introduzidas no bioma, as regras para desmates menores do que 500 (quinhentos) hectares e maiores detalhes sobre as chamadas “amostras representativas da diversidade dos tipos de vegetação (fitofisionomias)”.


Sobre as novas definições ambientais para classificação da propriedade

Com relação às novidades, a nova legislação inicia considerando como pantanal o mapeamento feito pelo IBGE em 2019, mais atualizado do que o polígono utilizado pela Lei da Mata Atlântica, de 2006, que traz tamanhas polêmicas, inclusive sobre áreas pantaneiras.


Interessante observar também que expressões e definições do vocabulário popular como o “brejo”, “murundu”, “capões de mato”, “corixo”, “florestas”, “cerradão e cerrado”, ganharam suas próprias definições na legislação, descrevendo espécies locais, inovando naquilo que a própria legislação federal não é capaz de fazer em razão da grande diversidade de realidades e fitofisionomias em todo o país.


Merece atenção o fato de que a substituição de pastagens nativas com capim caronal, fura-bucho e capim-vermelho, para implantação de outro tipo de pastagem, deve ter autorização do órgão ambiental estadual por meio de licenciamento.


Dando exemplo a outros biomas e regiões onde a conservação é promovida por comunidades tradicionais, o pantanal fechou a porteira para novos projetos de assentamento, senão aqueles destinados a reassentamento de comunidades tradicionais, em vista de melhorias da infraestrutura de moradia e do saneamento básico da região, o que certamente traz maiores chances de práticas conservacionistas.


A nova lei também acrescentou mais 03 (três) novos tipos de áreas de preservação permanente (APPs), além das 11 (onze) modalidades já previstas pelo Código Florestal, passando então a considerar como APPS, os landis1 em toda a vegetação arbórea que cobre o curso d’água ou que a este margeia, até seu limite externo com a vegetação campestre ou a de savana; as salinas2, o corpo de água, a praia circundante, na faixa marginal de 100 (cem) metros; e os meandros abandonados3, em toda a área alagada ou seca ocupada pelo meandro.


Conforme determina a legislação e o próprio conceito da APP, sua função é preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitando fluxo da fauna e flora, além de proteger também o solo e assegurar o bem-estar das populações.


Apesar de a legislação estadual regulamentar regras para o bioma pantanal, as determinações do Código Florestal enquanto lei federal, permanecem vigentes e aplicáveis a todos os biomas, onde se deve lembrar das chamadas “áreas consolidadas”, aplicáveis em APPs, definidas pelo Código Florestal (artigo 3º, IV) como a área de imóvel rural com ocupação antrópica preexistente a 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris.


A função das áreas consolidadas é servir para solução de conflitos ou lesões a direitos, diante da transição entre as legislações ambientais federais de 1934 até 2012, como também às novas regras estaduais, respeitando o ato jurídico perfeito praticado em legislações anteriores, especialmente nas intervenções realizadas antes de 22 de julho de 2008.


O Mato Grosso do Sul já havia dado solução local a estes casos ao publicar a Deliberação Normativa CECA nº 26, de 17/12/2019 com objetivo de regulamentar o artigo 61-A do Código Florestal, definindo “atividades de ecoturismo ou turismo ecológico” e incluindo como atividades de ecoturismo ou turismo ecológico os ranchos de lazer ou os ranchos pesqueiros, particulares ou de uso coletivo, destinados ao lazer e contemplação, por fazerem parte da cultura local que, em geral atendem aos critérios da definição de ecoturismo.


E mesma normativa aceita a “construção de decks ou de passarelas de madeira, para acesso a cursos hídricos, com fins de evita pisoteio e processos erosivos, limitado a ocupação de no máximo 5% da área de preservação permanente” (inciso XVII).


Sobre as peculiaridades pantaneiras para APPs e Reserva Legal

Mais uma vez inovando em atenção às características do bioma, foi permitida a presença de gado em pastagens nativas nas APPs dos rios, corixos, salinas e baías desde que não provoque a degradação da área, sem comprometer suas funções ambientais, acrescentando à regra já prevista no decreto anterior de que é permitida também a presença de gado em áreas de reserva legal, em determinadas situações.

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Permite-se gado em área de reserva legal, se não se restringir apenas a áreas florestais ou de vegetação nativa de porte arbóreo e se possuir em seu interior áreas de pastagens nativas; se o uso pecuário for efetuado de forma a reduzir a biomassa vegetal e, consequentemente, o risco de incêndios florestais; se o uso pecuário extensivo não descaracterizar a cobertura vegetal e não prejudicar a conservação da vegetação nativa da área de Reserva Legal; e se o uso pecuário extensivo não comprometer a manutenção da diversidade de espécies e a resiliência da Reserva Legal, esta que também terá critérios para alocação, definidos pela nova lei.


Entre os anos de 2013 e 2014, nas discussões para a elaboração do antigo decreto estadual de 2015, a Embrapa Pantanal emitiu duas notas técnicas, respectivamente em 18/10/13 e 14/08/14, alertando para o risco de incêndios se houver remoção total do gado com o consequente acúmulo de matéria vegetal combustível por falta de herbivoria, o que deu origem a estas regras, com intuito de reduzir tal biomassa vegetal, popularmente chamado de “boi bombeiro”.


Sobre os critérios para supressão de vegetação nativa ou desmate

O decreto estadual de 2015 já determinava que supressões deveriam ser feitas com o atendimento de critérios como comprovar a inscrição no CAR, comprovar ausência de infrações administrativas nos últimos 03 (três) anos; realizar processo de licenciamento ambiental; demonstrar manejo do gado nas pastagens nativas conforme recomendações técnicas; e atender a chamada “relevância ecológica”, uma criação normativa sul-mato-grossense, recomendada pela Embrapa durante a elaboração daquele decreto, para resguardar amostras representativas da diversidade dos tipos de vegetação.


A relevância ecológica, mesmo não prevista em outras legislações, principalmente federais, atende princípios e objetivos estabelecidos de forma geral em outras leis ambientais e é geralmente considerada com base em critérios como a diversidade biológica, a representatividade de ecossistemas, a presença de espécies endêmicas ou ameaçadas de extinção, a função ecológica do local, entre outros aspectos que contribuem para a conservação da natureza.


A nova lei manteve estas exigências e assim como já previa o decreto estadual de 2015, definiu expressamente o que seria a manutenção de “amostras representativas da diversidade dos tipos de vegetação (fitofisionomias)”, determinando que nas formações de cerrado, e formações florestais, o percentual deve ser superior a 50% (cinquenta por cento) do total dessas áreas existentes na propriedade; e nas formações campestres, o percentual deve ser igual ou superior a 40% (quarenta por cento).


Foi criada também uma regra no sentido de que no caso de as restrições territoriais somarem 60% (sessenta por cento) ou mais da área do imóvel, é autorizado uso alternativo do solo em até 40% (quarenta por cento) da área do imóvel, seguindo o futuro regulamento e recomendações técnicas da EMBRAPA Pantanal.


Houve manutenção de comprovação “prévia” das mesmas condições, incluindo como novidade, a necessidade de comprovação de regularidade em atividades de limpeza de pastagem, além da necessidade de respeitar a proteção de APPs e Reserva Legal em áreas de Mata Atlântica inseridas no bioma.


A nova legislação, trouxe do manual de licenciamento ambiental (Resolução SEMADE 09/2015) para seu texto, a exigência de Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), para desmates a partir de 500 (quinhentos) hectares, registrando que haverá um “regulamento” para estudos elementares de desmates para até 500 (quinhentos) hectares.


Muita atenção, pois a legislação refere-se ao termo “empreendimento”, o que pode gerar certa obscuridade na interpretação entre sua referência à propriedade ou ao desmate e o descumprimento destas regras todas pode impedir novas licenças até que sejam resolvidas as irregularidades.


E neste sentido, a legislação orienta que “nos casos em que o percentual de substituição de pastagem nativa for superior a 50% (cinquenta por cento) do empreendimento, será exigido como estudo elementar o Estudo Ambiental Preliminar - EAP, limitado até 1000 hectares da área total do empreendimento”, orientando também que são somadas às autorizações já concedidas ou executadas sem autorização no imóvel no intervalo de 05 (cinco) anos, incluindo também imóveis desmembrados do mesmo grupo econômico.


Para o caso de Corte de Árvores Nativas Isoladas, conhecido por CANI, será permitido nas áreas já convertidas para uso alternativo do solo, ocupadas por pastagens cultivadas/exóticas, mediante prévia autorização ambiental.


Com relação às proibições inseridas nesta nova legislação, estão a proibição de supressão de vegetação nativa nas áreas de veredas, landis, salinas, capões e cordilheiras, áreas baixas, murundus e corredores ecológicos, exceto casos de utilidade pública, de interesse social e de baixo impacto, entretanto, permitida pecuária nestas áreas desde que não acarrete degradação ambiental, que é definida em outra legislação, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei Federal nº 6.938/1981), como sendo “a alteração adversa das características do meio ambiente” (artigo 3º, inciso II).


Sobre o licenciamento corretivo e as supressões sem licença

Como se sabe, em caso de desmatamento ilegal, existe possibilidade de regularização, chamado licenciamento corretivo, desde que sejam áreas licenciáveis, ou seja, não estando inseridas em áreas protegidas ou impeditivas pela legislação.


Esta possibilidade é garantida pelo artigo 79-A da Lei Federal nº 9.605/1998, para todas as atividades realizadas sem a avaliação de impactos ambientais de procedimento licenciatório, onde devem os órgãos ambientais celebrar termo de compromisso em até 90 (noventa) dias da solicitação, com os responsáveis pelas atividades utilizadores de recursos ambientais, exigindo as devidas compensações ambientais e reposição florestal.


Ocorre que, no caso da lei do pantanal sul-mato-grossense, ficou estabelecido que nestas situações de desmate sem licença, mesmo que sejam áreas licenciáveis, foi estabelecida a obrigação de recuperação por meio de Projeto de Recuperação de Área Degradada ou Alterada (PRADE/PRADA), impedindo uso agropastorial até efetiva recuperação comprovada por laudo técnico e nova solicitação de licença.


Esta nova exigência, além de confrontar regra normativa já consolidada por lei federal, não apresenta muita coerência, já que, se é uma área licenciável, o proprietário acabará dispendendo desnecessários recursos financeiros, recursos humanos e tempo para recuperação de uma área que posteriormente será licenciada para desmate, além de arcar com os ônus da infração ambiental, reposição florestal e compensações ambientais.


Sobre as novas definições para baixo impacto ambiental e limpeza de pastagem

A legislação estadual trouxe também definições importantes como atividades eventuais ou de baixo impacto ambiental, incluindo sede e retiros de fazendas quando destinados à habitação de ribeirinhos, preservando a cultura pantaneira, incluindo também a abertura de pequenas vias de acesso interno, pontes e pontilhões para travessia de curso d’água tanto de pessoas como de animais, para obtenção de água ou para manejo agroflorestal sustentável.


Foi também incluída como atividade de baixo impacto ambiental a “limpeza de pastagens cultivadas” e “atividades para a manutenção da fitofisionomia de áreas de campo nativo”, na tentativa de encerrar discussões e excesso de fiscalização com relação ao manejo de pastagem pantaneiro, que já é realizado de maneira sustentável no bioma há mais de duas centenas de anos.


Estas duas atividades de baixo impacto, a limpeza de pastagens e a manutenção da fitofisionomia de pastagem nativa, ganharam definições específicas para trazer maior segurança jurídica nestes casos.


A limpeza de pastagens ficou considerada como “manejo de pastagens cultivadas, visando ao controle de espécies lenhosas e arbustivas invasoras e a manutenção da fitofisionomia campestre e da capacidade de suporte para o rebanho”.


E a manutenção da fitofisionomia de pastagem nativa ficou definida como sendo “manejo de pastagens nativas, que visa ao controle de espécies lenhosas e arbustivas invasoras, reduzindo sua densidade a um nível que não interfira na produtividade, na função e nos processos do ecossistema”.


Reforçando este entendimento, o artigo 16 da nova lei, considera como baixo impacto ambiental, porém vinculadas ao licenciamento ambiental, a limpeza de pastagens cultivadas, para as operações que envolvam o corte de cambará (Vochysia divergens); pateira (Couepia uiti); pimenteira (Licania parvifolia); aromita (Acacia farnesiana); lixeira (Curatella americana); canjiqueira (Byrsonima orbignyana); pimenta de macaco ou pindaíba (Xylopia aromática); louro preto (Cordia glabrata), de qualquer circunferência, e as regeneradas ou as invasoras de outras espécies, com circunferência na altura do peito (CAP) superior a 32 cm (trinta e dois centímetros), e que, eventualmente, gerem material lenhoso para utilização no local.


E considerou como atividade de baixo impacto ambiental, com necessidade de licença ambiental, as atividades para a manutenção da fitofisionomia de áreas de campo nativo, que envolvam a eliminação das mesmas espécies florestais invasoras e/ou monodominantes já mencionadas, para locais que antes eram, comprovadamente, áreas de campo limpo.


Só foram dispensados de licenciamento ambiental nestas duas situações, quando envolver corte das referidas espécies ou invasoras de outras espécies, com circunferência na altura do peito (CAP) inferior a 32 cm (trinta e dois centímetros) que possa ser realizada com a utilização roçadeira de arrasto, foice ou enxada.


Sobre os cuidados com recursos hídricos pantaneiros

A captação e condução de água e efluente tratados com uso insignificante nas medidas estabelecidas, as trilhas para ecoturismo, rampas de lançamento de barcos e pequenos ancoradouros também foram considerados como atividade de baixo impacto ambiental, sendo todos estes e aqueles já mencionados, dispensados de licença ambiental.


A questão dos “usos insignificantes” possui outro lastro normativo, podendo ser encontrado na Resolução nº 1940 de 30/10/2017 da Agência Nacional de Águas, quem considerou como insignificantes os usos de recursos hídricos em captações iguais ou inferiores a 86,4 m3/dia; os lançamentos de efluentes com carga máxima de DBO 5,20 igual ou inferior a 1,0 kg/dia e lançamento máximo de efluente com temperatura superior à do corpo hídrico igual a 216,0 m3/dia, dentre outras regras especializadas.


Ficou proibida também qualquer alteração no regime hidrológico do bioma e a construção de diques, drenos, barragens e outras formas de alteração da quantidade e da distribuição da água, o que antes estava incluído nas permissões gerais do estado pela Resolução Semade 09/2015, conhecido como “Manual do Licenciamento Ambiental”.


Permanecerão apenas aqueles já licenciados, em decorrência de utilidade pública e interesse social, com condicionantes ambientais que minimizem a alteração de regime, qualidade e quantidade dos recursos hídricos.


Os chamados “tanques para dessedentação animal”, feitos com utilização de maquinário devem evitar assoreamento de rios, lagos, baías e vazantes, como também erosões, mantendo o que a lei chama de “vegetação protetora”. Por falar em tanques, para aqueles que pretendem manter atividade de aquicultura no pantanal, criando espécies nativas ou exóticas, deverão buscar licenciamento ambiental.


E com relação às estradas e acessos por meio de aterros, a nova lei recomenda uso de pontilhões, manilhas e outras formas de escoamento para livre fluxo das águas em processo de licenciamento ambiental.


Sobre as proibições de atividades antrópicas no pantaneiro sul-mato-grossense

Mesmo sem fazer qualquer menção à antiga Lei Estadual nº 328/1982, a nova legislação proibiu cultivo agrícola de cana-de-açúcar, ampliando a antiga proibição de instalação de destilaria de álcool e usinas de cana-de-açúcar no bioma, estendendo também a proibição aos cultivos agrícolas de soja, eucalipto e qualquer cultivo florestal exótico (não inclui pastagens), fazendo menção ao instrumento denominado zoneamento agroecológico econômico, responsável pelo ordenamento de ocupação especial de atividades produtivas.


A exceção é para cultivos de agricultura de subsistência em pequena propriedade (até 04 módulos fiscais), para cultivos com objetivo de suplementação alimentar animal e para aqueles proprietários de imóveis rurais pantaneiros com cultivos agrícolas já consolidados até a safra de verão 2023/2024, proibindo-os de ampliar e condicionando ao licenciamento ambiental, sendo recomendado também que tenham em posse um laudo multitemporal que comprove esta consolidação, mesmo que não conste na legislação.


Com relação à estas restrições, trata-se do cumprimento de outras antigas legislações que já definiam o uso e ocupação do pantanal, subsidiando o próprio mapa do bioma na legislação de 2015, sendo o Zoneamento Ecológico Econômico do Estado de Mato Grosso do Sul (ZEEMS), instituído pela Lei nº 3.839, de 28 de dezembro de 2009, incluindo toda a Zona Planície Pantaneira (ZPP).


Além do mais, o zoneamento agroecológico enquanto instrumento técnico-científico é a ferramenta correta para melhor avaliar potencialidades e vulnerabilidades ambientais de determinada região, principalmente clima, solo, vegetação, geomorfologia, aptidão agrícola, características sociais e econômicas para melhor ordenamento do espaço produtivo.


Foram proibidos também o confinamento bovino; as Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs); e novos empreendimentos de carvoaria, com vistas à mitigação de danos e impactos ambientais no bioma pantaneiro.


A exceção para estes casos são as carvoarias já existentes até o vencimento da licença ambiental, os confinamentos já licenciados antes da nova legislação limitado ao dobro do crescimento e capacidade, como também a concentração temporária de gado em períodos de cheia ou de emergência ambiental.


Sobre captação de recursos e pagamentos por serviços ambientais no pantanal sul-mato-grossense

O Governo Estadual criou o chamado Fundo Clima Pantanal, para gerir operações financeiras que possam financiar Pagamentos por Serviços Ambientais, ou seja, mecanismos criados para incentivar a conservação e a proteção dos recursos naturais e ecossistemas por meio da remuneração dos serviços prestados pela natureza àquele que possui estas áreas e cumpre determinados requisitos publicados em editais, esperando um aporte de 50 milhões para 2024.


Os PSAs no Mato Grosso do Sul já têm sido implementados, como no caso do PSA “Uso Múltiplo Rios Cênicos” vigente nas bacias hidrográficas dos rios da Prata, Formoso, Salobra e Betione, nos municípios de Bodoquena, Bonito, Jardim e Miranda, desde 2021 tendo remunerado mais de 40 propriedades rurais, com quase 2 milhões de reais, beneficiando a recuperação de mais de 3 mil hectares de pastagens, mais de 2 mil hectares de área de conservação (reserva legal, remanescente florestal ou área de proteção permanente), dentre outros, totalizando abrangência de 571.800 hectares.


Os recursos poderão ser captados por agências de financiamento, fundos nacionais e internacionais, doações, como também das próprias multas ambientais aplicadas por supressão irregular de vegetação nativa ocorridas no pantanal sul-mato-grossense, no percentual de 50%, registrando na lei que os editais de PSA serão prioridade.


Já os recursos financeiros arrecadados de compensações ambientais originadas nos processos de licenciamento (EIA/RIMA), destinam-se exclusivamente para unidades de conservação do bioma, o que inclui genericamente tanto as de proteção integral, criadas e geridas pelos governos federal, estadual e municipalidades representando mais de 150 mil hectares do bioma pantaneiro sul-mato-grossense4, como também as de uso sustentável, geridas por particulares a exemplo das RPPN – Reserva Particular do Patrimônio Nacional, atualmente representando mais de 121 mil hectares do bioma pantaneiro sul-mato-grossense 5.


A legislação alerta aos infratores que, em caso de ilícitos ambientais, não haverá direito ao benefício da conversão da multa com até 60% (sessenta por cento) de desconto, para serviços ambientais.


Considerações finais

Espera-se que a nova legislação sirva como exemplo a outros biomas no sentido de adequar a realidade local com regras de melhor uso e ocupação do solo, mantendo práticas sustentáveis e que não inviabilizem a manutenção de antigas comunidades tradicionais que necessitam dispor de um difícil manejo de rebanho pecuário.


As atividades produtivas no bioma pantanal estão presentes há mais de 200 (duzentos) anos, demandando cuidados que podem levar produtores a situações de responsabilização por maus-tratos, como em casos de autuações por deixar animais sem alimentação.


Atualmente existem importantes processos de certificação de carne orgânica, sustentável, incentivos fiscais, que movimentam um mercado sustentável, remunerando melhor o produto pantaneiro em relação à outras categorias de produtos, além de certificações pioneiras em crédito de carbono em razão de boas práticas conservacionistas.


A Lei da Política Agrícola (Lei Federal nº 8.171/1991), reforça em suas premissas que a atividade agrícola é aquela “onde os recursos naturais envolvidos devem ser utilizados e gerenciados, subordinando-se às normas e princípios de interesse público, de forma que seja cumprida a função social e econômica da propriedade”.


E o Código Florestal de 2012, orienta no seu artigo 1º-A, Parágrafo Único, que tal legislação serve para atender alguns princípios, dentre os quais, a “reafirmação da importância da função estratégica da atividade agropecuária e do papel das florestas e demais formas de vegetação nativa na sustentabilidade, no crescimento econômico, na melhoria da qualidade de vida da população brasileira e na presença do país nos mercados nacional e internacional de alimentos e bioenergia”.


Saudações pantaneiras!


 


 


[1] Art. 2º [...] XXX - landi: a vegetação ripária, de galeria ou ciliar, inundável, que ocorre ao longo de drenagens naturais no Pantanal, onde predominam as espécies arbóreas landi, pimenteira (licania parvifolia) e guanandi (Calophylum brasilienses);


[2] Art. 2º [...] XLIV - salina: o corpo d’água permanente ou temporário do Pantanal, existente, unicamente, na sub-região da Nhecolândia, de água salina, geralmente circundado por faixa de solo arenoso, margeado por florestas estacionais semideciduais e por outras formações vegetais localizadas em cordilheiras, formando um sistema semifechado de aporte hídrico e de nutrientes;


[3] Art. 2º [...] XXXVI - meandro abandonado: o acidente geográfico formado pela alteração do leito de curso d’água de forma natural por influência de fatores climáticos, hidrológicos ou geográficos;


[4] Disponível em: https://www.imasul.ms.gov.br/unidades-de-conservacao-municipais/, e https://www.imasul.ms.gov.br/gestao-de-unidades-de-conservacao/unidades-de-conservacao-estaduais/. Acesso em 08/02/2024.


[5] Disponível em: https://www.imasul.ms.gov.br/conservacao-ambiental-3/reserva-particular-do-patrimonio-natural-rppn/. Acesso em 08/02/2024.

Sobre o autor
Pedro Puttini Mendes

Advogado, Consultor Jurídico (OAB/MS 16.518, OAB/SC nº 57.644). Professor em Direito Agrário, Ambiental e Imobiliário. Sócio da P&M Advocacia Agrária, Ambiental e Imobiliária (OAB/MS nº 741). Comentarista de Direito Agrário para o Canal Rural. Colunista de direito aplicado ao agronegócio para a Scot Consultoria. Organizador e coautor de livros em direito agrário, ambiental e aplicado ao agronegócio. Membro fundador da União Brasileira da Advocacia Ambiental (UBAA), Membro Consultivo da Comissão de Direito Ambiental e da Comissão de Direito Agrário e do Agronegócio da OAB/SC. Foi Presidente da Comissão de Assuntos Agrários e Agronegócio da OAB/MS e membro da Comissão do Meio Ambiente da OAB/MS entre 2013/2015. Doutorando em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental pela Universidade do Estado de Santa Catarina, Mestre em Desenvolvimento Local (2019) e Graduado em Direito (2008) pela Universidade Católica Dom Bosco. Pós-graduação em Direito Civil e Processo Civil pela Anhanguera (2011). Cursos de Extensão em Direito Agrário, Licenciamento Ambiental e Gestão Rural. PRODUÇÃO BIBLIOGRÁFICA: "Pantanal Sul-Mato-Grossense, legislação e desenvolvimento local" (Editora Dialética, 2021), "Agronegócio: direito e a interdisciplinaridade do setor" (Editora Thoth, 2019, 2ª ed / Editora Contemplar, 2018 1ª ed) e "O direito agrário nos 30 anos da Constituição de 1988" (Editora Thoth, 2018). Livros em coautoria: "Direito Ambiental e os 30 anos da Constituição de 1988" (editora Thoth, 2018); "Direito Aplicado ao Agronegócio: uma abordagem multidisciplinar" (Editora Thoth, 2018); "Constituição Estadual de Mato Grosso do Sul - explicada e comentada" (Editora do Senado, 2017).

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