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Compra, venda e arrendamento de terras para estrangeiros no Brasil

Agenda 24/05/2024 às 09:04


Este assunto voltou a repercutir depois que a Paper Excellence, uma das maiores produtoras de papel e celulose do mundo, acusou os gestores da Eldorado Brasil Celulose de agir com deslealdade em favor da J&F na tentativa de obstruir a transferência do controle da companhia.


Haveria sido distorcida uma nota técnica do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) onde era solicitado à Eldorado desfazer um acordo de compra e venda firmado em 2017, gerando tal processo administrativo, em razão não só da transferência do controle da Eldorado, mas também dos contratos com proprietários de imóveis rurais, um assunto judicializado há anos.


A legislação brasileira sobre compra ou arrendamento de imóveis rurais por estrangeiros tem como objetivo proteger a soberania nacional e a segurança alimentar, bem como garantir o cumprimento da reforma agrária, por vezes criticada, sob argumento de que é excessivamente restritiva e dificulta a entrada de investimentos estrangeiros no setor agropecuário brasileiro.


Por que há envolvimento do INCRA e por que a preocupação com terras arrendadas passarem para o controle de acionistas estrangeiros?


A legislação brasileira possui regulamentação específica para aquisição de imóveis rurais por estrangeiros, a Lei Federal nº 5.709/1971, com orientações geográficas e demográficas específicas neste sentido. Existe competência do INCRA com relação à aquisição de imóveis rurais, ou seja, compra e venda, como orienta o artigo 10 do Decreto Federal nº 74965/1974.


De acordo com essa legislação, a aquisição de imóvel rural por pessoa física estrangeira é livre para imóvel com área não superior a três módulos fiscais, que é uma unidade de medida agrária que varia de acordo com a região do país. Acima de três módulos, a aquisição de imóvel rural por pessoa física estrangeira dependerá de autorização prévia do INCRA.


A aquisição de imóvel rural por pessoa jurídica estrangeira também dependerá de autorização prévia do Incra, independentemente da área do imóvel. Além disso, as pessoas jurídicas estrangeiras, em qualquer que seja a dimensão do imóvel rural, devem obrigatoriamente apresentar projeto de exploração da área para terem deferida sua aquisição.


Ao final de 2017, fazendo uso de suas competências, o INCRA editou a instrução normativa do INCRA nº 88, de 13/12/2017, revogando a instrução normativa nº 76/2013 e tratando da aquisição e arrendamento de imóvel rural por pessoa natural estrangeira residente no País, pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil e pessoa jurídica brasileira equiparada à estrangeira.


E no que diz respeito ao arrendamento ou parceria rural para estrangeiros, a orientação vem da Lei da Reforma Agrária, Lei Federal nº 8629/1993, que no artigo 23, determina que as regras aplicáveis são as mesmas da Lei Federal nº 5.709/1971 (art. 23).


O arrendamento de imóvel rural por estrangeiros também dependerá de autorização prévia do INCRA, independentemente da área do imóvel.


Em resumo, desde 1971 o assunto possui regulamentação legal e em 1988 a Constituição Federal (art. 171), distinguiu “empresa brasileira”, “empresa de capital nacional” e “empresa estrangeira”, criando o impasse jurídico, com entendimento de um lado rigoroso para compra e arrendamento, de outro, pela flexibilização das regras neste tipo de aquisição.


Desde então este assunto demanda discussões e interpretações, envolvendo questões de ordem econômica, soberania, produção e fronteiras, como também a judicialização de vários casos neste sentido.


Sem maiores delongas jurídica, são pareceres da Advocacia Geral da União (AGU), Projetos de Lei em ambas as casas do Congresso e demandas judiciais como a ADPF 342 e ACO 2.463, ambos pendentes de julgamento no Supremo Tribunal Federal, com pedido de ingresso de várias entidades.


A AGU, convocada para resolver a controvérsia, já emitiu três pareceres, sendo os dois primeiros favoráveis à flexibilização estrangeira e o último mantendo restrições.


O Supremo Tribunal Federal (STF) ainda não resolveu a questão, estando atualmente vedados registros imobiliários de imóveis rurais por sociedades brasileiras com controle estrangeiro, como também a celebração de arrendamentos rurais que tenham como partes pessoas jurídicas brasileiras de controle multinacional, até que seja feita uma equilibrada interpretação do texto constitucional.

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Em 20 de junho de 2018, o STF decidiu no Recurso Extraordinário 1.047.277, que a legislação não impede que estrangeiros residentes no Brasil adquiram imóvel rural com área superior a 50 módulos fiscais, desde que a aquisição seja feita por meio de sucessão legítima.


Em outras palavras, a sucessão legítima ocorre quando o estrangeiro adquire o imóvel por meio de herança de um brasileiro ou de outro estrangeiro residente no Brasil, deixando de aplicar a regra geral que depende de autorização do INCRA para compra ou arrendamento de imóveis rurais por estrangeiros com área superior a 50 módulos fiscais, possibilitando a estrangeiros residentes no Brasil a aquisição por meio de sucessão legítima.


Em 2 de setembro de 2022, no julgamento do Recurso Especial 1.746.336, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a legislação não impede que estrangeiros residentes no Brasil adquiram imóvel rural com área superior a 50 módulos fiscais, desde que a aquisição seja feita por meio de usucapião.


Em resumo, os tribunais têm flexibilizado algumas das regras da legislação em casos específicos, com diversos processos judiciais em andamento, ainda pendentes os julgamentos mais relevantes.


No caso das propostas legislativas, o principal projeto de lei é o PL 2.963/2019, que propõe alteração da legislação de 1971, tendo como principais mudanças na aquisição de imóvel rural por pessoa física estrangeira:


1) Dispensa de autorização prévia do Incra para aquisição de imóvel com área não superior a 15 módulos fiscais;


2) Limitação da área total adquirida por pessoa física estrangeira a 25% da superfície do município onde se situarem os imóveis.


Na aquisição de imóvel rural por pessoa jurídica estrangeira, o PL propõe:


1) Dispensa de autorização prévia do INCRA para aquisição de imóvel com área não superior a 25 módulos fiscais;


2) Limitação da área total adquirida por pessoa jurídica estrangeira a 10% da superfície do município onde se situarem os imóveis.


Para aquisição de imóvel rural por estrangeiro residente no Brasil, as alterações sugeridas são:


1) Dispensa de autorização prévia do INCRA para aquisição de imóvel com área não superior a 100 módulos fiscais;


2) Limitação da área total adquirida por estrangeiro residente no Brasil a 40% da superfície do município onde se situarem os imóveis.


E para arrendamento de imóvel rural por estrangeiro, o PL sugere:


1) Dispensa de autorização prévia do Incra para arrendamento de imóvel com prazo não superior a 5 anos;


2) Criação de um cadastro nacional de imóveis rurais adquiridos por estrangeiros, que deverá ser mantido pelo INCRA.


Do ponto de vista econômico para o país, os favoráveis à liberação entendem que tal medida traria maior segurança jurídica às negociações feitas à margem da lei, como também ajudaria a aumentar o orçamento estatal, atraindo capital.


Além do mais, a entrada de investimentos estrangeiros no setor agropecuário brasileiro pode contribuir para o desenvolvimento da produtividade e da competitividade do setor, gerando empregos e renda.


Os investidores estrangeiros podem trazer para o Brasil tecnologia e inovação, que podem ajudar a melhorar a produtividade e a sustentabilidade da produção agrícola, como também podem ampliar o acesso de produtores brasileiros aos mercados internacionais.


Por outro lado, há necessidade de garantir a soberania nacional, em razão do controle de áreas estratégicas por interesses estrangeiros, demandando regras rigorosas neste sentido, evitando também uma ameaça à segurança alimentar, com a concentração de terras e redução da produção de alimentos ao mercado nacional.


É importante também buscar implementar regras que garantam mitigação de desigualdades sociais causadas por uma possível expulsão de pequenos produtores de suas terras.


Portanto, ao mesmo tempo em que não se deve impedir investimentos no potencial produtivo do Brasil, com recursos financeiros que vão além da aquisição das terras propriamente dita, mas com pagamento dos insumos, preparo de solo, tecnologia, profissionais, também há preocupação com a atribuição territorial, soberania nacional, proteção do meio ambiente, das populações rurais, da soberania alimentar, prejuízos sociais, crimes ambientais, problemas fundiários e uma possível estrangeirização desenfreada de terras brasileiras.


Não há dúvida de que é preciso monitorar a aquisição de terras por estrangeiros, o que pode ser feito por meio de registro e atualização dos dados de propriedades rurais, sendo importante lembrar que o Estado, ao regular este mercado, afetará os investimentos no setor agropecuário brasileiro, em especial nos estados cuja economia depende desse segmento.


É certo que recursos financeiros geram empregos, movimentam a economia em diversas etapas das cadeias de produção, geram lucros, são pagos impostos (ICMS, ITR etc.), é fato também que a legislação brasileira não acoberta negócios jurídicos nulos ou feitos em desacordo com a legislação específica sobre o assunto, havendo necessidade de definição da interpretação e validação do conjunto normativo citado, garantindo segurança jurídica e abastecimento interno.


Disponível em https://www.gov.br/incra/pt-br/centrais-de-conteudos/legislacao/in_88_2017.pdf. Acesso em 12/01/2024.

Sobre o autor
Pedro Puttini Mendes

Advogado, Consultor Jurídico (OAB/MS 16.518, OAB/SC nº 57.644). Professor em Direito Agrário, Ambiental e Imobiliário. Sócio da P&M Advocacia Agrária, Ambiental e Imobiliária (OAB/MS nº 741). Comentarista de Direito Agrário para o Canal Rural. Colunista de direito aplicado ao agronegócio para a Scot Consultoria. Organizador e coautor de livros em direito agrário, ambiental e aplicado ao agronegócio. Membro fundador da União Brasileira da Advocacia Ambiental (UBAA), Membro Consultivo da Comissão de Direito Ambiental e da Comissão de Direito Agrário e do Agronegócio da OAB/SC. Foi Presidente da Comissão de Assuntos Agrários e Agronegócio da OAB/MS e membro da Comissão do Meio Ambiente da OAB/MS entre 2013/2015. Doutorando em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental pela Universidade do Estado de Santa Catarina, Mestre em Desenvolvimento Local (2019) e Graduado em Direito (2008) pela Universidade Católica Dom Bosco. Pós-graduação em Direito Civil e Processo Civil pela Anhanguera (2011). Cursos de Extensão em Direito Agrário, Licenciamento Ambiental e Gestão Rural. PRODUÇÃO BIBLIOGRÁFICA: "Pantanal Sul-Mato-Grossense, legislação e desenvolvimento local" (Editora Dialética, 2021), "Agronegócio: direito e a interdisciplinaridade do setor" (Editora Thoth, 2019, 2ª ed / Editora Contemplar, 2018 1ª ed) e "O direito agrário nos 30 anos da Constituição de 1988" (Editora Thoth, 2018). Livros em coautoria: "Direito Ambiental e os 30 anos da Constituição de 1988" (editora Thoth, 2018); "Direito Aplicado ao Agronegócio: uma abordagem multidisciplinar" (Editora Thoth, 2018); "Constituição Estadual de Mato Grosso do Sul - explicada e comentada" (Editora do Senado, 2017).

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