Resumo: O Novo Constitucionalismo Latino-Americano (ou Constitucionalismo Andino) é um movimento constitucional proveniente da luta dos povos ameríndios tendo como frutos o reconhecimento da diversidade cultural dentro do território e de suas respectivas populações no âmbito Político-jurídico. Com enfoque na constituição do Equador (2008), o presente artigo discorre sobre o modelo (Neoconstitucionalismo) e faz uma análise de caso da Constituição do Equador.
Palavras-chave: Novo Constitucionalismo Latino-Americano; Neoconstitucionalismo; Estado plurinacional; Equador.
INTRODUÇÃO
O Novo Constitucionalismo Latino-Americano (ou Constitucionalismo Andino) surgiu entre o final do século XX e o início do século XXI. É um movimento constitucional proveniente da luta dos povos ameríndios trazendo como fruto as diversas reformas inseridas nas vigentes Constituições de certos países da América Latina, como por exemplo a mudança de tratamento por parte do Estado com relação a grupos excluídos como índios e afrodescendentes, o reconhecimento da diversidade cultural de suas respectivas populações e o pluralismo jurídico.
O Neoconstitucionalismo Transformador Latino-americano incluiu no sistema político dos países as diversas culturas presentes neles que foram reprimidas e excluídas dos processos constitucionais anteriores, permitindo que a população em sua totalidade possa reconhecer como legítimo o poder do Estado.
Também vem ganhando visibilidade pela maneira com que trata as esferas sociais marginalizadas, principalmente a população indígena, e também por implementar conceitos novos e utilizar conceitos antigos em novas situações (como o fato de considerar a natureza como sujeito de Direitos). Ademais, tal tema evidencia a luta dos povos nativos latino-americanos e vai em contraposição à tendência eurocêntrica da comunidade intelectual.
Por ser um sistema mais inclusivo aos povos indígenas, implementa na própria constituição maneiras que ajudam a amenizar problemas sociais, culturais, e ambientais, enfrentados atualmente por grande parte da comunidade internacional, porém esse estilo de constitucionalismo ainda é pouco conhecido e, assim, pouco implementado. Além disso, o Constitucionalismo Andino consolidou um novo tipo de Estado, o Estado Plurinacional, que se tornou uma forma de desvinculação da política Latino-americana de suas raízes coloniais europeias.
Esse novo modelo é promissor aos países sul-americanos por apresentar uma proposta que, em teoria, minimiza os conflitos que mais marcam essa região, pois foi criado considerando a história, a população e a cultura específica dessa parte do mundo.
O objetivo do presente artigo é analisar as diferenças do Constitucionalismo Andino, investigar quais são suas bases, seus fundamentos, verificar sua extensão e sua efetividade e examinar o texto constitucional Equatoriano para verificar como o modelo foi implementado.
O capítulo “Evolução do Constitucionalismo” aborda o tema Constituição de uma forma ampla, demonstrando os objetivos pretendidos com a criação dos Textos constitucionais. Já no capítulo “neoconstitucionalismo”, com um foco maior na teoria brasileira, há uma definição do tema constituição nos parâmetros atuais.
O capítulo “O Novo Constitucionalismo Latino-americano” introduz o novo texto constitucional como resultado de uma intensa luta popular para romper com a herança deixada pelo colonialismo.
Por fim, o capítulo ”Estudo de caso” toma como base a Constituição do Equador para analisar as peculiaridades do novo texto.
O presente artigo desenvolveu uma pesquisa bibliográfica sobre o neoconstitucionalismo andino, bem como tem o intuito de servir como ferramenta para melhor compreensão sobre o tema.
EVOLUÇÃO DO CONSTITUCIONALISMO
Flávio Martins descreve o constitucionalismo como um movimento social, jurídico e político o qual tem como principal objetivo limitar o poder do Estado.
Social, pois é resultado de uma sucessão de feitos coletivos historicamente relevantes. Jurídico, já que consiste na construção de princípios que limitam a convivência social. Político, pois fatores reais de poder foram fundamentais para sua criação. Tal definição de constitucionalismo, que utiliza a constituição como limitação ao poder do Estado é, segundo o autor, uma concepção moderna. (MARTINS, 2019, p. 42)
Martins ainda explica que existiram movimentos constitucionalistas visando a limitação do poder do Estado em momentos anteriores à efetiva elaboração de uma constituição, razão pela qual é possível afirmar que o constitucionalismo teve diferentes desenvolvimentos ao longo da história e nos diferentes países e continentes e por conta disso dá-se um favoritismo pelo termo “movimentos constitucionais”. (MARTINS, 2019, p. 42).
Já Gomes Canotilho estabelece constitucionalismo como uma teoria que limita o governo a qual é vital para garantir à população o combate à supremacia autoritária e organiza o país nos âmbitos político, econômico e social, ou seja, delimita a atuação estatal através da separação de poderes e dos Direitos/garantias fundamentais/individuais:
... teoria, ou ideologia, que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade. Nesse sentido o constitucionalismo moderno representará uma técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos, o conceito de constitucionalismo transporta, assim, um claro juízo de valor. É, no fundo, uma teoria normativa da política, tal como a teoria da democracia ou a teoria do liberalismo. (CANOTILHO, 2003, p. 51)
Chama-se de “movimentos constitucionais” os vários tipos de constitucionalismos, como o inglês, o americano e o francês, etc. Canotilho estabelece que “(...) dizemos ser mais rigoroso falar de vários movimentos constitucionais do que de vários constitucionalismos porque isso permite recortar desde já uma noção básica de constitucionalismo”. Ele define constitucionalismo como uma “Teoria (ou ideologia) que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade…” e estabelece, em resumo, dois movimentos constitucionais: o antigo e o moderno, sendo o moderno “... uma técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos”. (CANOTILHO. ed.7, p. 51)
Pedro Lenza cita a Separação de Poderes como meio de preservação do Estado de Direito o qual, sabe-se, é o princípio que assegura a imediata aplicação dos direitos fundamentais. Desse modo, através da Separação de Poderes e dos direitos fundamentais é que se impõe os limites do poder do Estado (LENZA, 2020, p. 135. e 295).
Estado de direito significa, como descreve Gomes Canotilho, uma forma de organização político-estadual a qual sua atuação é limitada e determinada pelas leis, isto é, pelo direito. Assim, reconhece aos indivíduos uma condição de liberdade ante ao Estado que está vinculado a limites jurídicos. Tais limites jurídicos podem ser resumidos em direitos fundamentais e separação de poderes. (CANOTILHO, 1999, p.4)
Ao longo das eras, vários textos foram tidos como base política-jurídica e garantiam direitos a certos grupos sociais. A Carta Magna é considerada o marco principal do constitucionalismo atual. É apontada como a base dos Direitos Humanos e alega-se que foi através dela que se estabeleceu pela primeira vez o Princípio Constitucional o qual dita que o poder do rei (Estado) pode ser limitado por uma “concessão escrita” (Princípio da Legalidade). (MACHICADO, 2008)
Com a Primeira Grande Guerra Mundial foi constatado pelas classes mais baixas que o Estado deveria adotar uma postura mais ativa para garantir a real igualdade jurídico-formal já consolidada nos textos constitucionais pela máxima “todos são iguais perante a lei”. Assim, surge o “Constitucionalismo social” (Constitucionalismo social-integracionista) particularizado pelo prelúdio do Estado Social, com o reconhecimento de direitos sociais e sujeitos coletivos, com a ampliação das bases de cidadania. É o próprio Estado que define o modelo de integração dos índios com ele e com o mercado, no entanto, não há rompimento da ideia de Estado Nação e Monismo jurídico. Marcando tal fase, temos a Constituição do México de 1917 e a Constituição Alemã de Weimar de 1919.
O antigo liberalismo não poderia resolver os problemas gravíssimos das camadas mais pobres da sociedade. A liberdade, por si só, era um remédio inócuo aos famintos e oprimidos. O Estado deveria abandonar sua postura passiva, eminentemente liberal, e assumir um papel positivo, ativo, afim de que a igualdade jurídico-formal apregoada nos textos constitucionais fosse, de fato, concretizada. Nesse contexto, nasce o chamado “Constitucionalismo Social”(...).( MARTINS, 2022, p. 23).
Após a primeira metade do século XX, emergiram diversos movimentos sociais, no mundo todo, reivindicando direitos de minorias. Na América latina, em especial, verificou-se as reivindicações de direitos indígenas e propondo uma nova institucionalização do Estado, eclodindo, assim, o constitucionalismo pluralista. Esse movimento constitucionalista surgiu na Colômbia em 1991, na Venezuela em 1999, no Equador em 2008 e na Bolívia em 2009 (com destaque à Bolívia e ao Equador).
Pedro Lenza explica que o Neoconstitucionalismo (ou constitucionalismo pós-moderno/pós-positivismo) foi uma nova perspectiva elaborada pela doutrina objetivando “não mais apenas atrelar o constitucionalismo à ideia de limitação do poder político”, mas também a real eficácia do texto, visando a consumação dos Direitos Fundamentais. (LENZA, 2020, p. 68)
Direitos fundamentais são Direitos que foram incorporados ao ordenamento jurídico de um país, os quais são direcionados à pessoa humana. Corresponde aos Direitos Humanos do ponto de vista interno de um país, em outras palavras, da esfera Constitucional do país. (MARTINS, 2019, p. 786)
A Separação de poderes se externa, segundo Manoel M. Peixinho, na criação de instituições independentes e autônomas entre si, com funções diferenciadas, objetivando afastar o despotismo, garantir a liberdade e assegurar os direitos fundamentais. (PEIXINHO, 2008, p. 16)
Assim, podemos resumir constituição/”movimentos constitucionais” como o texto que possui efetividade prática, limitando o poder do Estado através dos Direitos Fundamentais e a Separação de Poderes. De forma mais ampla, é a base sobre a qual se rege todo o ordenamento jurídico de um país.
CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA
A história da América-latina tem maior destaque na história mundial a partir do momento de sua “descoberta”, com sua subjugação e subordinação aos Europeus, que levou a uma sucessão de desvalorizações, dissimulação e negação de tudo aquilo elaborado, pensado e experienciado nesta parte do mundo com relação a cultura, organização social, construção de conhecimento, entre outros e juntamente a isso, houve a expropriação de seus recursos naturais e humanos. Esse processo de inferiorização deixou como herança, ou sequela, uma tendência dos intelectuais locais a se inspirarem em modelos euro-estadunidenses. Em seu artigo, Raquel Y. Fajardo, expõe:
El hecho colonial colocó a los pueblos originarios en una posición subordinada. Sus territorios y recursos fueron objeto de expolio y expropiación por terceros; su mano de obra explotada, y su destino mismo como pueblos alienado de sus manos. La ideología de la “inferioridad natural de los indios” y la figura jurídica de la tutela indígena permitieron estabilizar a lo largo del tiempo el modelo de subordinación indígena. La Independencia política de las colonias americanas respecto de las metrópolis no significó el fin de dicha subordinación. Los nuevos Estados latinoamericanos se organizaron bajo flamantes Constituciones liberales pero con proyectos neocoloniales de sujeción indígena. (FAJARDO, 2015, p.172).
Essa tendência se verifica em todos os campos de conhecimento, incluindo o Direito, que no âmbito constitucional importou conceitos e princípios que sustentam essa subjugação dos povos nativos latino-americanos, excluindo essa parte da população de representação intelectual e cultural dentro do Estado, como explica a Dra. Fajardo em seu artigo:
Los estados liberales del s. XIX se configuraron bajo el principio del monismo jurídico, esto es, la existencia de un solo sistema jurídico dentro de un Estado, y una ley general para todos los ciudadanos. El pluralismo jurídico, como forma de coexistencia de varios sistemas normativos dentro de un mismo espacio geopolítico, aún en su forma colonial subordinada, no fue admisible bajo la ideología del Estado-nación. El Estado-nación monocultural, el monismo jurídico y un modelo de ciudadanía censitaria (para hombres blancos, propietarios e ilustrados) fueron las vértebras del horizonte del constitucionalismo liberal del s. XIX en Latinoamérica. Un constitucionalismo importado por las élites criollas para configurar estados a su imagen y semejanza, en exclusión de los pueblos originarios, afrodescendientes, mujeres y mayorías subordinadas, y con el objetivo de mantener la sujeción indígena.(FAJARDO, 2016, p.1)
Ao constatar essa tendência, juntamente com outros fatores, houve uma intensificação dos movimentos sociais objetivando romper com a desvalorização do latino-americano, que atingiu o campo jurídico provocando a concepção de novos textos e conceitos jurídicos, em especial novos textos constitucionais.
Atualmente, existe o chamado “decolonialismo” que consiste em um conjunto de práticas e estudos que buscam combater os efeitos da colonização nas sociedades colonizadas, principalmente através dos estudos do grupo MCD (Modernidade, Colonialidade e Decolonialidade). Essa abordagem visa resistir e desconstruir os padrões impostos aos povos subalternizados ao longo dos anos, criticando diretamente a modernidade e o capitalismo. Ao oferecer uma alternativa, o pensamento decolonial busca dar voz e visibilidade aos grupos marginalizados, como parte de um projeto de libertação social, política, cultural e econômica, promovendo respeito e autonomia tanto a indivíduos quanto a movimentos sociais, como feminismo, movimento negro, movimento ecológico e movimento LGBTQIA+. (AVILA, 2021).
NEOCONSTITUCIONALISMO: CONTEXTUALIZAÇÃO E DEFINIÇÃO
A evolução do Estado liberal para o Estado Social acarreta em uma demanda para se reconhecer Direitos Sociais e implementar o Estado prestacionista, intervencionista e implementador da justiça distributiva (direitos de segunda geração/dimensão).
El neoconstitucionalismo, como indica Carbonell, pretende explicar este conjunto de textos que comienzan a surgir a partir de la década de los setenta. Son constituciones que no se limitan a estabelecer competências o a separar a los poderes públicos, sino que contiene altos niveles de normas materiales o substantivas que condicionan la actuación del Estado por médio de la ordenación de ciertos fines e objetivos. Se aluden como constituciones representativas la española de 1978 o la brasileña de 1988. (PASTOR e DALMAU, 2012, p.161)
Nesse sentido, a partir do início do século XX, se reconhece o Neoconstitucionalismo, também chamado de constitucionalismo pós-moderno, ou, ainda, pós-positivismo. É particularizado por, além de limitar o poder do Estado, buscar a eficácia prática das liberdades fundamentais já contidos nos textos, ganhando valor como norma jurídica, abrangida por imperatividade, superioridade e centralidade dentro do sistema normativo:
Supera-se a ideia de Estado Legislativo de Direito, passando a Constituição a ser o centro do sistema, mascada por uma intensa carga valorativa. A lei e, de modo geral, os Poderes Públicos, então,devem não só observar a forma prescrita na Constituição, mas, acima de tudo, estar em consonância com o seu espírito, o seu caráter axiológico e os seus valores destacados. A Constituição, assim, adquire, de vez, o caráter de norma jurídica, dotada de imperatividade, superioridade (dentro do sistema) e centralidade, vale dizer, tudo deve ser interpretado a partir da Constituição. (LENZA, 2020, p.71)
O principal marco teórico do neoconstitucionalismo é o reconhecimento da ‘força normativa da Constituição’. Essa foi uma importantíssima mudança de paradigma. A Constituição deixou de ser um documento essencialmente político, com normas apenas programáticas, e passou a ter força normativa, caráter vinculativo e obrigatório. (MARTINS, 2021, p. 77)
Pastor e Dalmau apresentam um entendimento singular no que se refere ao Neoconstitucionalismo, o qual auxilia como estrutura auxiliar teórica na diferenciação entre esse e o Novo Constitucionalismo Latino-americano. Afirmam que o Neoconstitucionalismo é uma “teoria do Direito” e não especificamente uma teoria constitucional (e nem pretende ser); sua premissa é o estudo da “dimensão positiva” da constituição para a qual é dispensável uma análise de legitimidade democrática. (PASTOR e DALMAU, 2014, p. 2)
Nesse sentido, pode-se dizer que o neoconstitucionalismo determina a promoção das garantias fundamentais, contidas no próprio texto, como um de seus fins primordiais, utilizando de políticas públicas para isso, sem tornar essas garantias parte do sistema, ao mesmo tempo que abre espaço para debate moral dentro da esfera do poder Judiciário ao legitimar força normativa aos princípios. (DWORKIN, 1996, p.01-38)
Flavio Martins descreve o tema como um aperfeiçoamento do Direito Constitucional, resultado da produção teórica dos estudiosos do ramo do Direito, trazendo como finalidade essencial a procura por maior eficiência da Constituição, especialmente com relação aos direitos fundamentais, se fundando na potência normativa do texto constitucional e no princípio da máxima efetividade e o Princípio da eficiência administrativa. (MARTINS, 2021, p. 89)
Assim, o neoconstitucionalismo não se limita a estabelecer competências ou separar os poderes públicos, mas contêm altos níveis de padrões “materiais” ou substantivos que condicionem a ação do Estado por meio de certas metas e objetivos. (CARBONELL, 2007, p.10)
Este modelo é, atualmente, predominante no mundo, porém não quer dizer que seja o modelo mais adequado a todos os países em que foi implementado. Segundo José Roberto Dromi, podemos esperar das constituições do futuro, cada vez mais, uma tendência a consolidar os valores da transparência, solidariedade (como nova perspectiva de igualdade), consenso democrático, não retrocesso, participação popular (democracia participativa), integração entre os povos e universalização dos direitos fundamentais: “debe ser influenciada hasta identificarse con la verdad, la solidaridad, el consenso, la contribución, la participación, la integración y la universalidad” (DROMI, 1997, p. 108). E é nesse sentido que tende o Neoconstitucionalismo Latino-americano.
Martins explica que, como consequência natural do neoconstitucionalismo, há um maior protagonismo do poder judiciário, já que este tem o dever de garantir a força normativa da constituição como “guardião da constituição”. (MARTINS, 2019, p. 95)
O NOVO CONSTITUCIONALISMO LATINO-AMERICANO
Como dito, a intensa luta popular para romper com a herança deixada pelo colonialismo culminou na promulgação de novos textos constitucionais que buscam aquilo que ficou negligenciado por muito tempo na América-latina: a legitimidade. Assim, atualmente, há um certo consenso em denominar esses novos textos como Neoconstitucionalismo Andino ou Novo Constitucionalismo Latino-Americano (PASTOR e DALMAU, 2010, p. 159). Isso porque foram surgindo diferentes nomenclaturas para se referir a esses textos ao longo de suas promulgações:
Há variadas denominações para esse novo movimento: i) novo constitucionalismo latino-americano; ii) constitucionalismo mestiço; iii) constitucionalismo andino; iv) neoconstitucionalismo transformador; v) constitucionalismo do sul; vi) constitucionalismo pluralista; vii) constitucionalismo experimental ou constitucionalismo transformador; viii) constitucionalismo plurinacional e democracia consensual plural do novo constitucionalismo latino-americano; ix) novo constitucionalismo indo-afrolatino-americano; x) constitucionalismo pluralista intercultural; xi) constitucionalismo indígena; xii) constitucionalismo plurinacional comunitário; xiii) o novo constitucionalismo indigenista; e xiv) constitucionalismo da diversidade; xv) constitucionalismo ecocêntrico; xvi) nuevo constitucionalismo social comunitário desde América Latina (BRANDÃO, 2013, p. 9-11).
Essas diversas nomenclaturas que surgiram apresentam várias explicações. A explicação mais relevante é por haver diversas perspectivas pelas quais o tema pode ser discutido: “Cada autor/autora, à sua maneira, estuda as recentes reformas e transformações constitucionais ocorridas na América Latina, de múltiplos âmbitos teóricos e por inúmeras perspectivas ideológicas (...)” (BRANDÃO, 2015, p. 12). Da mesma maneira, o fato desses textos jurídicos serem bastante recentes contribui para essa diversidade de nomenclaturas que, além disto, contribui para a escassez de uma sistemática doutrinária.
Pedro Lenza cita “O novo constitucionalismo democratico latino-americano”; “Constitucionalismo pluralista (andino ou indigena)” e “Estado plurinacional e intercultural” como outras nomenclaturas para o tema. (LENZA, 2020, p.75). Após, Lenza traz uma breve conceituação de tal modelo:
(...) sedimenta-se na ideia de estado plurinacional, reconhecendo, constitucionalmente, o direito à diversidade cultural e à identidade e, assim, revendo os conceitos de legitimidade e participação popular, especialmente de parcela da população historicamente excluída dos processos de decisão, como a população indígena. (LENZA, 2020, p. 69).
Como dito por Pedro Lenza, tal modelo constitucional se firma na concepção de Estado plurinacional. Nesse sentido, Raquel Y. Fajardo determinou 3 ciclos de reformas constitucionais, sendo: I) Ciclo Multicultural; II) Ciclo Pluricultural; e III) Ciclo Plurinacional.
O Ciclo Multicultural é o qual o Brasil se enquadra, pode ser descrito como a “introdução do direito - individual e coletivo - à identidade cultural, junto com a inclusão de direitos indígenas específicos”(FAJARDO, p.25-31). Assim, há o reconhecimento de normas culturais diversas no mesmo país, com a formulação de uma proteção jurídica para essas normas. Apresenta uma forma de democracia mais participativa e direitos sociais mais abrangentes de forma individual.
Já o Ciclo pluricultural, é o qual boa parte dos países da América latina se enquadram, como por exemplo a Argentina (1994). Ele incorpora a convenção 169 da OIT, abraça as várias culturas/etnias presentes na sociedade focando mais no sentido dos direitos individuais, reafirma os direitos à identidade e diversidade cultural já abrangidos no ciclo anterior aprimorando mais o conceito de “Nação Multiétnica” e “Estado Pluricultural” e incorpora Direitos indígenas e de afrodescendentes:(FAJARDO, p.25-31).
É neste ciclo que foi estabelecido uma justiça indigena e um tribunal constitucional em um harmônico paralelo com a justiça ordinária.
Por fim, o Ciclo Plurinacional, o qual é a base do Neoconstitucionalismo Andino é a equalização das várias culturas e etnias no âmbito político e social, consolidando, constitucionalmente, a garantia da pluralidade cultural e identidade dos povos, consequentemente reformando conceitos, especialmente o da legitimidade e participação popular além de reconhecer a autonomia jurídica dos povos nativos:
os povos indígenas demandam que sejam reconhecidos não apenas como ‘culturas diversas’, mas como nações originárias ou sujeitos politicos coletivos com direitos a participar nos novos pactos do Estado, que se configurariam, assim, como Estados plurinacionais. E, além disso, reclamam, ao Estado, direitos sociais e um papel frente às transnacionais e poderes materiais tradicionais. (FAJARDO, p.25-31).
o constitucionalismo plurinacional só pode ser profundamente intercultural, uma vez que a ele corresponde constituir-se no âmbito de relação igual e respeitosa de distintos povos e culturas, a fim de manter as diferenças legítimas, e eliminar - ou, ao menos diminuir - as ilegítimas, mantendo a unidade como garantia da diversidade. (GRIJALVA, 2009. p. 118).
O ciclo plurinacional concebe o pluralismo jurídico, validando uma coexistência de normas oriundas de fontes diversas, formando uma união entre as diretrizes emanadas do Estado, como fonte oficial/formal de Direito, e os preceitos de conduta provenientes das comunidades nativas que ganharam valor normativo. Além disso, esse ciclo se organiza em torno de um regime jurídico moldado em uma soberania popular intercultural, que gerou mecanismos que possibilitam a participação política concreta dos vários grupos sociais. Como exemplo, temos a Bolívia, que em sua Assembleia Legislativa Nacional deve ser formada por integrantes de diversos grupos sociais, incluindo reserva de vagas aos indígenas. Portanto, o ciclo plurinacional apresenta uma maior preocupação cultural, em oposição aos ciclos anteriores que tem um enfoque maior no formalismo.
Segundo Fajardo, no constitucionalismo plurinacional, ao contrário das constituições previamente formuladas em que somente trazem os direitos e cosmovisões indígenas em seu texto, há uma reelaboração da estrutura institucional do Estado trazendo uma paridade de representação nos importantes cargos que constituem os poderes estatais, gerando isonomia às diversas etnias que compõem o país:
Las Constituciones de Ecuador y Bolivia se proponen una refundación del Estado, iniciando con el reconocimiento explícito de las raíces milenarias de los pueblos indígenas ignorados en la primera fundación republicana, y se plantean el reto histórico de dar fin al colonialismo. Los pueblos indígenas son reconocidos no sólo como “culturas diversas” sino como naciones originarias o nacionalidades con autodeterminación o libre determinación. (FAJARDO, 2010, p. 182).
Como dito anteriormente, o ciclo plurinacional, o qual se situa o neoconstitucionalismo, abrange o conceito de “pluralismo jurídico” que faz um certo antagonismo ao “monismo jurídico", com o intuito de superá-lo, no sentido de que também considera parte do sistema Estatal aquilo que vem da cultura/tradição indigena. Pode-se conceituar pluralismo jurídico como a aceitação e implementação harmônica dos princípios provenientes de diferentes etnias.
Assim, é nesse terceiro ciclo que se encontram os efeitos das lutas populares por equidade, mostrando explicitamente uma proposta “descolonizadora” que reivindica uma interculturalidade, igualdade e dignidade aos povos e culturas historicamente renegados. (FAJARDO, 2010, p. 9)
Pedro Brandão aborda o tema apontando seu parecer a respeito das doutrinas mais fortes sobre o tema, que tendem à esquerda mais inflexível da política e que se mostram menos inclinadas a “reconhecer a contribuição indigena” no processo constitucional. Brandão propõe a reunião dos processos constituintes consolidados nos países sul-americanos em uma única denominação: Novo Constitucionalismo Pluralista Latino-americano para desenvolver melhor os pontos que considera fundamentais para a instauração de um direito plurinacional. (BRANDÃO, 2015, p. 38)
Outra peculiaridade do modelo, é a forma como trata da natureza. Rompe com alguns dos preceitos mais enraizados e conservadores em matéria de titularidade de direitos, pois abrange além do ser humano, abrindo, assim, novas perspectivas sobre a própria visão e função dos direitos ao considerar a Natureza sujeito de direitos e não mero objeto de direito. Antes do governo eleito em 2018, o Brasil tendia a trazer características desse constitucionalismo Pluralista que fica evidente com o decreto 8.246, em que houve a criação de uma política nacional de diálogo institucional (movimentos sociais formalizados e não formalizados) e a criação de conselhos populares que permitiu o ingresso de movimentos populares em órgãos que têm uma função de fiscalização, direcionamento, estabelecimento de diretrizes, entre outros, para os órgãos públicos (Institui a Política Nacional de Participação Social - PNPS e o Sistema Nacional de Participação Social - SNPS).