“É melhor prevenir os crimes, do que ter que puni-los. O meio mais seguro, mas ao mesmo tempo mais difícil de tornar os homens menos inclinados a praticar o mal, é a educação.”
(Cesare Beccaria)
O presente trabalho trás um debate sobre a influência dos estudos criminológicos e de política criminal na resposta estatal de segurança pública. Debate-se a estratégia do Estado em realizar o controle social formal em conjunto com o controle social informal, além de organizar políticas públicas voltadas para os setores menos favorecidos da população. De acordo com os estudos realizados, restou evidente que a principal forma de realizar um controle efetivo se dá por meio de uma aproximação das instâncias de controle, com uma polícia mais cidadã, mais integrada na sociedade e com um sistema criminal mais individualizado e funcional. Para chegar a esta conclusão, foram estudadas diversas teorias do saber criminológico e de política criminal, além de uma análise, em números, dos principais fatores criminais e dos estados que mais sofrem com a criminalidade. Ademais, chegou-se a conclusão de que criar normas punitivas ou ter um sistema carcerário que mais prende, não resolverá o problema da criminalidade.
Palavras – chave: criminologia. Política criminal. Segurança pública.
The present work brings a debate on the influence of criminological studies and criminal policy on the state response to public security. The State's strategy of carrying out formal social control together with informal social control is debated, in addition to organizing public policies aimed at the less favored sectors of the population. According to the studies carried out, it was evident that the main way to carry out effective control is through bringing the control bodies together, with a more citizen-oriented police, more integrated in society and with a more individualized and functional criminal system. To reach this conclusion, several theories of criminological knowledge and criminal policy were studied, in addition to an analysis, in numbers, of the main criminal factors and the states that suffer most from crime. Furthermore, it was concluded that creating punitive norms or having a prison system that most arrests will not solve the problem of crime.
Keywords: criminology. Criminal policy. Public safety.
INTRODUÇÃO
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CRIMINOLOGIA COMO CIÊNCIA
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Breves apontamentos da evolução histórica da criminologia.
A Escola Clássica…
Biologia Criminal de Cesare Lombroso e a evolução do positivismo criminal
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Objeto de estudo da criminologia…
O crime
O delinquente
Controle social
A vítima
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Teorias macrossociológicas da criminalidade
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Teorias do consenso
Escola de Chicago…
Tolerância zero (lei e ordem) e janelas quebradas
Anomia
Associação diferencial
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Teorias do Conflito…
Labelling Approach…
Teoria Crítica
Instâncias formais e informais de controle
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Processos de Criminalização e prevenção criminal
Modelos de prevenção…
Teorias de aplicação da pena
Modelos de reação ao crime
Função da criminologia e suas metas
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POLÍTICA CRIMINAL E DIREITO PENAL…
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O direito penal e suas vertentes
O abolicionismo penal
Direito Penal máximo…
Direito Penal Mínimo…
Princípio da intervenção mínima do Direito Penal e suas vertentes
Direito Penal simbólico e expansão da criminalização indiscriminada…
Política Criminal
Processos de criminalização…
Integração entre política criminal, direito penal e estudos criminológicos
Políticas de controle da criminalidade
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O CRIME E A SEGURANÇA PÚBLICA
Segurança Pública na Constituição Federal
Criminologia e Segurança pública.
Política criminal e segurança pública…
A execução da pena e os estudos criminológicos
A política criminal e a criminologia no direito penal e processual
Criminalidade em números
Criminalidade e política criminal de drogas
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
O tema segurança pública sempre foi alvo de debates no mundo jurídico e social, contudo, é uma temática que carrega uma preocupação cada vez mais frequente na população, já que ganhou uma relevância absurda após ocorrer a expressividade da internet e do mundo globalizado, dando novos contornos para a criminalidade.
Diante desses desafios, para realizar o controle da criminalidade, o Estado se viu obrigado a modificar a abordagem ao fenômeno criminal, utilizando-se de políticas públicas, de um novo sistema e forma de repressão, com maior colaboração social. Por essa razão, passa a existir um elo de ligação entre a política criminal, a criminologia e a repressão ao crime, perpassando pelo controle social formal e informal, melhoria da qualidade de vida, reintegração de ex-detentos ou de presos em processo de ressocialização.
No âmbito dos estudos da criminologia, suas diversas teorias estudam o comportamento social, o crime, o criminoso, a vítima, além de traçar um perfil de comportamento do delinquente, da forma do cometimento do crime, da colaboração das atitudes vitimais. A criminologia também trás um viés colaborativo no que tange à disposição da sociedade urbana, das zonas da periferia, dos locais de crime e explicações do que poderia ser feito para evitar determinadas infrações específicas.
Ademais, o próprio cumprimento e execução da pena também faz uso dos estudos criminológicos e da política criminal quando estabelece formas de individualizar a pena, cumprindo, pelo menos em tese, o que manda a Constituição Federal, separando os condenados e os presos provisórios, os reincidentes e os primários, além de estabelecer a obrigatoriedade de um exame criminológico obrigatório para os que cumprem pena em regime fechado e facultativo para os de regime semi aberto, além de situações em que o magistrado considerar necessário para aferir o grau de perigo que o criminoso oferece. Outrossim, esse exame também é requisito para progressão de regime e do livramento condicional.
Como se pode perceber, toda essa questão da individualização da pena possui duas faces: a primeira, voltada para a sociedade, protegendo-a do indivíduo que comete o crime e também fornecendo uma sensação de segurança; a segunda, voltada para o próprio criminoso, que terá, tecnicamente, seus direitos fundamentais respeitados, os ditames constitucionais
seguidos e poderá ser melhor reinserido socialmente diante dos parâmetros coletados nos exames.
Já no que tange a política criminal trará como base as ideologias políticas, com a conscientização dos envolvidos, contribuindo de forma positiva para que os estudos criminológicos, anteriormente citados, possam ser efetivados da maneira correta, quando colocados em prática com o direito de punir, funcionando como a ponte de ouro entre a criminologia e o próprio direito penal.
Por fim, neste trabalho, será estudado a evolução das teorias criminológicas, os setores de política criminal e de prevenção ao crime, abordando de forma integrada as pesquisas realizadas por cada fonte do saber, com vistas a promover uma discussão e uma reflexão da efetividade do sistema criminal, das políticas públicas oferecidas pelo Estado, do comportamento social e das ideologias políticas que conduzem ao controle da delinquência.
CRIMINOLOGIA COMO CIÊNCIA
A palavra “criminologia” foi criada por Paul Topinard, em 1883, mas ganhou destaque apenas com Raffaele Garófalo, no livro Criminologia, em 1885.1É palavra de origem híbrida, unindo um elemento latino, crimino, que significa crime, e outro da língua grega, logos, que significa estudo, portanto, corporificando as duas expressões, temos: o estudo do crime.2
A criminologia é ciência social empírica e interdisciplinar que tem como objeto o estudo do crime, da pessoa do infrator, da vítima e do controle social. É de natureza autônoma, com foco nos efeitos da criminalidade, baseada na visão do padrão de “homem delinquente”,seu comportamento, personalidade e conduta.
É a criminologia que analisa quais os fatores que levam ao cometimento dos crimes. É a ciência que possui ferramentas, saberes, que examina o fenômeno criminológico que ocorre na sociedade. Não faz parte dos seus estudos – pois isso é tarefa para o direito penal – punir o transgressor, e nem definir qual procedimento da persecução penal, esta última, tarefa do direito processual penal.3
O estudo da Criminologia visa métodos de prevenção e tratamento do crime. Porém, apesar de autônoma, é uma ciência interdisciplinar, utilizando-se das ciências humanas e sociais para basear seus estudos e, quem sabe, reinserir o delinquente no meio social, ou, ainda, evitar o crime.
Como ciência que é, possui um método empírico- experimental, analisando o mundo do “ser”, mas, abordando de maneira científica os fatores que levam ao cometimento de crimes. Recebe este título de “ciência empírica” por fazer análise de observação dos fatos e das relações sociais, baseada na realidade, de forma flexível e compatível com a evolução da história social. Também se utiliza de um método indutivo (ou indutivo – experimental), trabalhando com casos concretos, específicos, para gerar uma premissa maior.
A finalidade da criminologia é de buscar entender o contexto da prática do delito, analisando o modelo de justiça, o comportamento social, a pessoa do delinquente, a vítima, o controle social e também o reflexo do ordenamento jurídico dentro da sociedade atual.4
A criminologia, a política criminal e o direito penal são os três pilares do sistema das ciências criminais, inseparáveis e interdependentes. A criminologia deve orientar a política criminal, dando substrato para prevenção dos crimes, além de influenciar o Direito Penal na repressão das condutas indesejadas que não foram evitadas.5
Breves apontamentos da evolução histórica da criminologia
Apesar de apenas ser considerada ciência após os estudos de Lombroso, estudioso da Escola positivista, houveram grandes contribuições da Escola Clássica, no período pré- científico, não considerada ciência por causa do método de estudo utilizado à época(dedutivo), mas, que diante da grandiosidade dos seus expoentes, dentre eles Marquês de Beccaria, abriu caminhos sobre a nova maneira de punição do Estado. Beccaria, deu início aos princípios da legalidade, da vedação da livre interpretação judicial da lei, livre conhecimento do ordenamento, proporcionalidade das penas, publicidade do processo e valoração das provas.
Juntamente com o Marquês, Francesco Carrara, um nome muito importante dos Clássicos, passou a defender a concepção do delito como ente jurídico, constituído pela força física – movimento corpóreo e dano – e por uma força moral – a vontade livre e consciente do delinquente. Diante disso, restou fundado que a principal característica da Escola Clássica era acreditar no livre arbítrio, no homem que procura o crime, como um ser livre e racional, tomando decisões e enfrentando consequências.6
A era científica da criminologia foi inaugurada por Cesare Lombroso, com suas teorias de antropologia criminal, reunindo conhecimentos de médico, professor, antropólogo, político, pesquisando o crime sob ponto de vista naturalista, com a tese do delinquente nato.7 Lombroso trouxe à tona a chamada Escola Positivista, que buscava entender o motivo e os fatores determinantes que levavam o homem a cometer um crime.
Em específico, Lombroso trabalhava com a ideia de um criminoso nato, com características mentais ou físicas, ligações com antepassados, que o levavam a cometer crimes, devido a sua aparência criminosa. Porém, complementando os ideais do importante estudioso, surge Enrico Ferri, incluindo nos estudos a contribuição das condições sociais como um fator determinante para alteração da personalidade do indivíduo, levando-o ao crime.
Para os positivistas, que deram origem ao método empírico- indutivo, até hoje utilizado, o delito é um fator histórico e real, que prejudica a sociedade, devendo ser cortado na raiz através de programas de prevenção. De índole determinista, classifica a pena como uma retribuição pelo mal causado, pela responsabilidade social,visando o bem estar da sociedade.8
A Escola Clássica
Apesar de ter se estabelecido na fase pré-científica, o idealismo da Escola Clássica teve grande importância para a criminologia, pois, através dos postulados consagrados pelo iluminismo buscou avançar na humanização das penas. O maior nome deste período foi Cesare Beccaria, que defendia as liberdades do homem e enaltecia a dignidade humana.
A Escola Clássica possuía como base duas grandes outras teorias, o jusnaturalismo, acreditando na natureza do ser humano e o contratualismo, baseado nas ideias de Rousseau, com fundamento no contrato social e no utilitarismo da ação.
Preconizando pelo livre arbítrio, fugindo da teoria de um indeterminismo, os clássicos acreditavam que o crime acontecia por uma libre escolha, puramente racional do delinquente, que realizava uma análise dos riscos e benefícios que o o crime poderia lhe oferecer. Apena, nesse caso, teria uma função quase que pedagógica, pois o criminoso teria o tempo que ficaria recluso para refletir sobre a infração que cometeu, mas, também serviria como uma forma de punição pelo mal causado.
Outro pensador importante da Escola Clássica foi Francesco Carrara, que trouxe principalmente a discussão sobre penas proporcionais, abolindo a pena de morte e as penas cruéis. Ademais, trouxe o conceito de crime como um ente jurídico, que merecia sofrer uma reprimenda, porém, não seria viável que funcionasse como um castigo, e sim, como uma inibição do cometimento de novos delitos.9
Biologia Criminal de Cesare Lombroso e a evolução do positivismo criminal
Essa linha de estudo teve seu momento mais acalorado durante a Escola Positivista, na verdade, atuando como uma de suas fases. Encabeçada por Lombroso, que como já citado, foi um dos expoentes positivistas, a biologia criminal centrava seus estudos na antropologia, com a finalidade de criar um padrão para o criminoso nato, utilizando-se das medidas do crânio.
Como já mencionado, a escola positivista teve uma grande importância para criminologia porque inaugurou o método científico desta ciência, inclusive, por meio dos estudos de Lombroso. Porém, como ele utilizava métricas cranianas, esses estudos logo foram considerados ultrapassados, mas, apesar disso, não se pode negar o grande destaque que possuiu na construção do saber criminológico.
O maior objeto desta teoria era o delinquente, através de suas características físicas ou de algum mal funcionamento do corpo que pudesse caracterizá-lo na figura criminosa. Lombroso fez uma análise de mais de 25 mil detentos, 6 mil criminosos vivos e algumas centenas de autópsias, com o objetivo de criar um padrão para o “homem delinquente”. Salienta-se que a principal obra de Lombroso recebe justamente este nome, produzida no ano de 1876.
Acreditando no atavismo, ou seja, que o homem já nasce delinquente, através de um fenômeno biológico, por meio de características físicas e morais, que davam ao homem características selvagens e animalescas, ele deu início a era científica da criminologia, mobilizando a criação da Antropologia Criminal e descobrindo que o homem apresentava tendências comportamentais que se originavam em determinadas áreas do cérebro, que em certas ocasiões era mais preponderantes que outras, além de relacionar a criminalidade a hereditariedade.
De acordo com os estudos feitos por Lombroso, o criminoso tinha um padrão físico, com mandíbulas robustas, assimetria da face, falta de barba, com pele, olhos e cabelos escuros, além de orelhas desiguais. Também mantinha relação com o peso, medidas do crânio, estudos de tolerância a dor, falta de senso moral, dentre outras. Essas caraterísticas eram atribuídas a um padrão de “delinquente nato”, que para Lombroso, era um doente, sem solução e que deveria ser encarcerado antes mesmo de cometer algum crime para proteção da sociedade, pois se ele já nascia criminoso, era certo que em algum momento da sua existência, ele poderia sair pelas ruas e cometer grandes atrocidades.10
Certo que essa teoria vigorou por anos na Europa, mas, como já mencionado, entrou em desuso, ainda mais após os discípulos de Lombroso encabeçarem teorias complementares a dele, como foi o caso de Enrico Ferri e Garófalo, que adicionaram à Escola Positivista duas fases: a sociológica e a jurídica, respectivamente.
Na fase sociológica, colaborada com os estudos de Enrico Ferri, houve uma sustentação da inexistência do livre arbítrio, a pena com uma função de intimidação e de segregação social, além de trabalhar com a ideia de uma responsabilidade social, trazendo o criminoso nato como um ser incorrigível. A diferença entre Ferri e Lombroso ficou estabelecida a partir do momento em que foi adicionado às características biológicas do indivíduo também uma interação social.
Em breve síntese, na fase jurídica, Garófalo ainda seguiu os ideais de Lombroso, porém, adicionou uma sistematização jurídica à Escola Positivista, estabelecendo alguns princípios de responsabilidade: o primeiro, diz respeito a periculosidade como fundamento da responsabilização do delinquente, o segundo, trata da prevenção especial da pena, já o terceiro fundamenta o direito de punir, direcionando que o objetivo era segregar o criminoso e defender a sociedade, não se preocupando com o efeito ressocializador (ele acreditava que a defesa social era a maior justificativa para pena de morte dos criminosos natos). Foi com Garófalo que passou a existir o conceito de temibilidade ou de periculosidade, atuando como propulsor da conduta criminosa além de estabelecer o grau de maldade que o delinquente possuía, sendo o crime um delito natural com violação dos sentimentos de piedade, altruísmo e probidade.11
Objeto de estudo da criminologia
Durante o decorrer da evolução dos estudos criminológicos, ocorreram mudanças de paradigmas, e assim, também foi modificado, na verdade, adicionado, o objeto de estudo da criminologia. Na época das escolas clássicas, preconizava exclusivamente o crime, mas, com a inovação do método pré-científico para o científico, os doutrinadores tiveram a oportunidade de dedicar seus estudos para o delinquente.
Então, no século XX, houve uma ampliação do objeto da criminologia, passando a inserir a vítima e o controle social. Essa mudança do objeto da criminologia foi uma mudança de paradigma, pois, enquanto estava apenas fixada em avaliar o crime ou o criminoso, não haviam questionamentos criminológicos à respeito da produção do tipo penal, das normas, dos instrumentos de controle e nem muito menos o questionamento de políticas de prevenção.12
A partir de então, os objetos da criminologia passaram a ser explicitamente: o delito, a vítima, o controle social e o criminoso.
O crime
É certo que para criminologia, o crime é fenômeno social, que deve apresentar incidência massiva, reiterada, causar aflição à sociedade e a vítima – produção de dor, devendo ocorrer em um espaço de tempo e local – praticado ao longo do território por um período de tempo relevante, reconhecido através de sua origem – com consenso sobre etiologia e técnicas de intervenção, possibilitando formas de combatê-lo. Não tem relação com a lei penal propriamente dita, devendo apenas preencher os requisitos elencados acima para ser de interesse da ciência empírica.
O conceito de crime também passou por uma evolução dentro da sociedade. Se nos primórdios, o crime era visto como um “tabu” que merecia uma punição para que a harmonia social fosse reestabelecida, pois ofendia os deuses.
Uma outra fase do conceito de crime, vem da relação das tribos, que apesar de ainda aplicarem a ideia de crime como um tabu, buscava uma forma de retribuição pelo mal causado. Exemplo dessa fase é a “lei de talião”, que punia com base no brocardo “olho por olho, dente por dente”, ou seja, se o ladrão roubasse algo, sua mão seria cortada. Assim, ele poderia ser identificado na sociedade pela sua conduta, além de ainda receber uma punição pelo mal que causou.
Com a evolução da sociedade, a questão da Igreja começou a ser afastada da noção de Estado, o que trouxe grandes reflexos para o conceito de crime, que passou a deixar de ser visto como violação da lei divina, para ser visto como uma ofensa ao contrato social. Julgamentos começaram a ser públicos, as pessoas passavam a ser punidas em meio à praça pública, como se fosse um verdadeiro evento.
Atualmente, o conceito de crime é dado pelo próprio Código Penal e pela Doutrina. Pela Doutrina, crime é todo fato típico, ilícito e praticado por agente dotado de culpabilidade. Pelo código penal, crime é a infração penal a que a lei comina uma pena de reclusão ou detenção, quer isolada, quer alternativamente ou cumulativamente com a pena de multa. Porém, para a criminologia, o conceito de crime é mais abrangente, sendo definido como um problema social e comunitário.13
O delinquente
O conceito de criminoso varia conforme a interpretação ou seguimento da criminologia. Para os Clássicos, o delinquente é um ser livre, capaz, que opta pelo bem ou mal, justo ou injusto, sopesando possibilidades, acredita no livre arbítrio do indivíduo. Na vertente Positivista, já na fase científica, o criminoso é tido como um indivíduo portador de uma patologia, um ser atávico, primitivo, mas, como já destacado, seguindo a evolução da própria escola positivista, também um ser influenciado por fatores sociais.
Uma corrente importante, porém ainda não mencionada, é a Marxista. Essa escola deu ensejo a uma das teorias do conflito, qual sera, a teoria crítica. Aqui, imprescindível mencionar que o delinquente figura como uma vítima da estrutura econômica, é tido como inocente, como corrompido pela sociedade capitalista em que vive.
Durante anos buscou-se uma definição perfeita dos criminosos, contudo, Enrico Ferri foi um dos primeiros a tentar classificar os delinquentes, colocando-os nas categorias de natos, habituais, loucos, ocasionais e passionais.
Importante salientar que para criminologia moderna, o estudo do delinquente passa a ficar em segundo plano, analisado como uma unidade biopsicossocial, que tem interação com o meio, mas, sem o caráter individual, pois, os estudiosos modernos se voltam para questões sociais gerais, visando uma evolução da política criminal.
Controle Social
Controle social é o conjunto de instituições e sanções da sociedade para submeter os indivíduos às normas de convivência em comunidade.14 Basicamente, é a interação do indivíduo versus a sociedade, explicando o fenômeno criminal. O controle social divide-se em controle social formal e controle informal. Em breve síntese, pois esse tema será desenvolvido mais para frente, o controle formal caberá às instâncias de controle do Estado e o controle informal será atribuído a própria sociedade.
É sabido que a forma como o indivíduo vive em sociedade influencia direta e indiretamente em seu comportamento. A própria criminologia já explicou isso através dos estudos das escolas macrossociológicas, como, por exemplo, a teoria da associação diferencial15, que faz parte do segmento de teorias do consenso. De toda forma, o processo de socialização, de convivência e de interação do indivíduo com o crime ou com o criminoso levam a uma maior relativização da noção de certo ou errado, bem ou mal, justo ou injusto.
De toda forma, após a devida análise do crime, do criminoso e da vítima, quando a Criminologia volta seus estudos para o controle social, está buscando uma forma de controlar a criminalidade, seja pela atuação estatal, seja pela ação social.
2.A vítima
O último dos objetos, mas, não menos importante, a vítima deve ser analisada no contexto do crime, não apenas como o indivíduo que sofre as consequências direta do crime, e sim, como aquele que também é atingido indiretamente pelo crime. De forma geral, a sociedade é vítima, pois a sensação de insegurança, de medo, de se sentir o próximo alvo, a assola como um todo.
O estudo da vítima ganhou atenção tão especial que se tornou uma disciplina dentro do estudo criminológico, chamado de Vitimologia. Não é apenas a vítima propriamente dita, enquanto sujeito passivo do crime, mas sim, o seu comportamento, a sua participação, a vulnerabilidade diante do crime que passaram a ser estudados com o avanço histórico da criminologia.
O conceito de “vítima” para a criminologia e para o Direito Penal são distintos. Para o primeiro, como já fora mencionado, o conceito é amplo, compreendendo todo o corpo social, atingido por todo e qualquer crime, e não somente contra quemo agente faz recair a conduta. Na realidade, a vítima é aquela que pode sofrer as consequências inclusive dos próprios atos, sofrendo com a ação de outrem ou do acaso. Para o segundo, vítima é o sujeito passivo do crime, aquele que diretamente sofre com a ação/omissão do sujeito ativo, podendo, inclusive, haver um crime sem vítimas. 16
Assim como o estudo do criminoso, o estudo da vítima, ou da vitimologia, também passou por fases. A primeira fase trazia a vítima como protagonista, chamada de idade do ouro, onde a justiça privada era extremamente potente, com a lei de talião. A segunda fase, chamada de neutralização, é a denominação dada para a fase onde o poder público intervem nas relações. Nessa fase a pena torna-se uma garantia da ordem coletiva, a vítima passa a ser um personagem secundário. Na terceira e última fase, após a segunda grande guerra, há um redescobrimento da vítima, que volta a ter importância na relação jurídico penal, sob enfoque mais humano, respeitando a integridade e o ressarcimento do dano.
O grau de classificação da vítima varia de acordo com os efeitos do crime. Inicialmente, temos a vitimização primária, relacionada ao indivíduo atingido diretamente pela conduta, posteriormente, têm-se a vitimização secundária, agindo como consequência do crime perante a vítima que vai notificar a polícia e não consegue, diante da omissão, ou que, passou por um processo de heterovitimização, recontando a história várias vezes para diferentes instâncias de controle, para poder conseguir efetivar um direito de queixa que é seu. Ademais, na terceira e última categoria, chamada de vitimização terciária, há um excesso de sofrimento pois os efeitos do crime ultrapassam os limites, resultando em um abandono da vítima pela sociedade, pelo estado, incentivando a cifra negra.17
Para fins didáticos, as vítimas se classificam em três grandes grupos: em primeiro plano, as vítimas inocentes, ou seja, as que não tem nenhum grau de culpa no crime ocorrido, em segundo, as vítimas culpadas, que induzem, provocam, colaboram com o agente delituoso, e o terceiro grupo, as vítimas alternativas, que vezes se comportam como vítimas e vezes como delinquente18
No ordenamento jurídico brasileiro, alguns exemplos de normas que protegem as vítimas, dando protagonismo, são as leis 9.099/95, que estimula a justiça consensual, a Lei 9807/99, com mecanismos de proteção à vítimas e testemunhas e a Lei 11.719/08 que obriga o juiz a fixar valor mínimo de reparação dos danos causados pela infração penal.19
Teorias macrossociológicas da criminalidade
Diante dos conceitos já apresentados e da evolução histórica dos estudos criminológicos, mais uma vez a criminologia se viu diante de novo viés, o sociológico. Estudiosos passaram a a pontar teorias sociológicas da criminalidade, com importante visão sobre composição da sociedade, que foi dividida em duas vertentes: a do consenso e a do conflito.
As teorias do consenso, possuem um cunho funcionalista, de integração, pregam que o fim social é atingido quando existe uma perfeita harmonia e um perfeito funcionamento das instituições, onde os indivíduos possuem objetivos comuns, aceitam regras vigentes e impostas de forma geral, compartilhando de regras sociais dominantes.20
Já para as teorias do conflito, deve haver força e coerção, sujeição de uns e dominação de outros. É a divisão da classe social em burguesia e operários que gera esse tipo de conflito, pois é a junção do poder e da riqueza que determina quem vai explorar quem, quem será o dominante e quem será o dominado. Há quem considere que dentro de uma sociedade o conflito é normal, contínuo dos relacionamentos, sendo também um aprimoramento das relações, pois sem o conflito de classes, não haveria uma política progressista e evolutiva da sociedade.
Partindo destas duas premissas, é necessário adentrar nos conceitos e caminhos trazidos por essas duas grandes correntes e, assim, entender melhor o funcionamento social, o aspecto do criminoso, o comportamento das vítimas diretas e indiretas e posteriormente relacionar seus conceitos ao propósito deste trabalho, percorrendo os estudos da segurança pública.
Teorias do Consenso
Neste item serão abordadas algumas das teorias do consenso, dentre elas a Escola de Chicago, Lei e ordem, tolerância zero, teoria da anomia e, por fim, a teoria da associação diferencial. Essas teorias aparecem em uma sociedade onde há concordância das regras de convívio, com harmonia das instituições, objetivos comuns e aceite de normas vigentes. Mas, aquele que comete o desvio, receberá uma punição pelo mal causado, pois este, é de sua inteira e única responsabilidade, por ferir o pacto social.
Escola de Chicago
O marco importante do nascimento desta Escola, foi o fato de mudar o paradigma de estudo das teorias. A Escola de Chicago passava a analisar a sociedade como um todo e como a disposição dos elementos sociais influenciavam no números de delitos. Os principais nomes dessa escola são Robert Park, Ernest Burgess. Clifford Shaw e Henry McKay.
O princípio norteador desta Escola era a análise de melhorias sociais, através de programas e investimentos nas questões urbanas. Na época, a Cidade de Chicago passava por uma explosão demográfica, com alto índice de imigração, o que aumentou significativamente os números da criminalidade. Diante da investigação científica e de implantação de programas sociais, estudiosos passaram a constatar que a gênese delitiva está relacionada diretamente com o conglomerado urbano.21
Por estudar com ênfase a disposição urbana das cidades e a expansão demográfica ocorrida, os sociólogos passaram a trabalhar com uma teoria de base, que ficou conhecida como Teoria Ecológica Criminal ou Teoria da Desorganização social. Segundo os ditames desses estudos teóricos, a conclusão que se chegou foi que as zonas onde mais aconteciam os crimes eram as mais distantes do centro. Em outras palavras, “a concentração de criminosos ia diminuindo conforme as áreas residenciais se distanciavam do centro”22. Isso acontece devido a grande desorganização dos grandes centros, com a consequente ausência do controle social formal e informal.
Importante salientar que diante de todos os estudos, acreditava-se que programas sociais e de integração de cidadãos poderiam diminuir a taxa de criminalidade. Acreditando em seus estudos, Clifford Shaw criou o projeto Chicago Area Project, implementando programas esportivos e recreativos, explorando o problema social, incluindo os indivíduos que foram segregados pela disposição urbana da cidade. Até hoje, apesar de os estudos não terem sido concluídos, projetos semelhantes são realizados mundo a fora, inclusive no Brasil.
Tolerância zero (lei e ordem) e janelas quebradas
Por breve, é preciso assinalar que as três teorias estão interligadas. A Teoria das Janelas quebras é a base para as outras duas. Surge em 1982, apresentada por James Wilson e George Kelling, com o ideal de repressão total a todo e qualquer tipo de conduta que leve ao cometimento de crimes, pois, segundo seus estudiosos, é preciso reprimir qualquer tipo de delitos menores para tolher os delitos mais graves.
Assim, a Teoria das Janelas quebradas deu margem para uma Política de Tolerância Zero (também denominada de Lei e ordem, realismo de direita ou neorretribucionismo), implementada em Nova Iorque em 1993, pela polícia novaiorquina, a mando do Prefeito Rudolph Giuliani. Aos adeptos, não bastava apenas inibir o crime, era preciso investir para que o crime não acontecesse e, assim foi feito. A polícia da cidade recebeu uma maior verba, investindo em monitoramento, policiamento ostensivo, câmeras na cidade etc.
O que ficou claro nesta teoria, foi que o fator determinante do crime não está ligado à classe social do criminoso e sim a ocupação do Estado no seio social. Concluiu-se que se não há um responsável pelo bem ou pelo local, há uma sensação de abandono, e que ninguém se importará com os fatos ali ocorridos. Por isso, tão importante que o Estado se mantenha presente, atento e vigilante.23
Ocorre que à época, a sociedade – e também a polícia- não estava preparada para esse tipo de ação incisiva no enfrentamento do crime. O que na verdade aconteceu foi um aumento significativo da violência policial, que tinha seus alvos prediletos, ou seja, pessoas negras e as minorias sociais acabaram vítimas do próprio sistema de proteção, pois houve uma detenção em massa, corriqueiramente abusiva, preferencialmente em bairros pobres e uma consequente desconfiança nos serviços policiais.
Insta salientar que no Brasil não se encontra nenhum resguardo a esta teoria no ordenamento jurídico, já que os Tribunais Superiores e a doutrina adotam o princípio da insignificância penal ou da criminalidade de bagatela24, preceito este que torna a conduta materialmente atípica diante da sua mínima ofensividade e lesão.
Anomia
Prima facie, insta salientar que para os seguidores desta teoria o delito é algo normal dentro do corpo social, desde que seja controlado, pois, apenas com o desvio é que poderá haver uma evolução social. O que não poderá acontecer é o comportamento desviante ultrapassando os limites da normalidade, promovendo uma desorganização social, abalando o sistema.25
Desenvolvida por Durkheim e posteriormente ajustada por Robert Merton, o principal intento foi demonstrar que a própria estrutura social, as metas e os meios, exercem pressão sobre os indivíduos, de forma que se torna impossível seguir as normas impostas de convivência social e consequentemente atingir seus fins, sem desviar do caminho traçado26. É esse desvio que leva ao crime, ou seja, a procura de meios mais fáceis para se chegar nas metas estabelecidas.
Com as devidas adaptações, Robert Merton traçou os caminhos dos padrões de comportamento do indivíduo, desde uma postura de conformidade (aceitando os meios e as metas, não apresentando comportamento desviante), ate a uma postura de inovação, onde se aceita as metas, mas buscam-se outros meios – não necessariamente lícitos, para atingir os fins, ou, uma postura de rebelião, não aceitando nem as metas e nem os meios, assumindo uma postura revolucionária no corpo social. Resta claro que o efetivo desvio acontece com os sujeitos que assumem uma postura de inovação.
Associação diferencial
O seu expoente foi Edwin Sutherland, que tratou aprendizado da delinquência (também pode ser assim denominada) diante da convivência de um indivíduo com outro ou com determinado grupo social. Para Sutherland, um comportamento delituoso, assim como o bom comportamento, é suscetível de aprendizado.
Por óbvio, não se pode dizer que apenas pelo simples fato de uma pessoa viver em ambiente hostil, ela irá automaticamente assumir o papel de criminoso. Não é isso. Existirá um processo de comunicação, adaptação, com uma atitude do sujeito, que quer aprender o crime. Irá existir o contato direto, com processos de aprendizagem, justificativas, onde o indivíduo torna-se criminoso a partir do efetivo aprendizado e convivência.27
Posteriormente esta teoria serviria para explicar os Crimes de Colarinho Branco (expressão criada pelo próprio Sutherland), cometidos por pessoas com alto poder econômico, que aparentemente não precisariam do dinheiro/objeto arrecadado com o crime, mas que o cometem pelo próprio aprendizado e pela busca incansável de poder.
Teorias do conflito
Possuem cunho revolucionário, partindo da ideia de que a sociedade é dividida em grupos que não comungam dos mesmos interesses e, por essa razão, o conflito é tratado como algo natural dentro da própria estrutura social. Inclusive, é tido como um fato desejado, pois é através dele que a sociedade tem a chance de alcançar o progresso, desde que se mantenha dentro de uma zona de controle. As teorias mais importantes são as Teorias do Etiquetamento (ou Labelling Approach) e a Teoria Crítica.
Labelling Approach
Também chamada de Teoria da Rotulação, etiquetamento ou reação social. Surgiu nos EUA, e assim como a teoria da Anomia, igualmente foi inspirada em Durkheim, porém, produzida por Howard Becker.
Segundo essa teoria, a criminalidade advém do próprio controle social, que estigmatiza, rotula e grava no homem o papel de desviado, a partir do momento que comete determinado crime. Esse rótulo de criminoso dificulta a reinserção na sociedade, pois o indivíduo passa a acreditar no papel que lhe foi atribuído, gerando receio, rejeição e exclusão social.
O centro desta teoria é demonstrar que a partir da primeira conduta criminosa, o agente passa a personificar a figura que a sociedade o atribui, seja de bandido, ladrão, assassino, estuprador, e que essa percepção sobre si mesmo afeta o comportamento perante a sociedade, além de gerar descrença numa possível ressocialização.
É perceptível que com o surgimento da Teoria da Rotulação a atenção passou para o sistema penal em si, desde o momento da produção da norma até o cumprimento da pena e ressocialização do indivíduo, contextualizando o comportamento social de rotulação e estigmatização.28
Que fique claro que não é apenas a população em geral, pessoas leigas, que causam esse rótulo no criminoso. As instâncias de controle, ou seja, a polícia, o ministério público, o judiciário, os executores das penas, todos, estigmatizam o ser humano de acordo, muitas vezes, pela a cor da pele, pela classe social a que pertencem, pelas roupas que vestem. Não raro encontramos situações esdrúxulas de pessoas condenadas por estarem “na hora errada, em local errado”, sem nenhuma investigação baseada em princípios da legalidade, da isonomia, da proporcionalidade, apenas por serem quem são.
Teoria Crítica
Recebe igualmente o nome de Teoria radical, possui base no marxismo e tem como expoentes Ian Taylor, Paul Walton ,Jock Young e Alessandro Baratta.
A base principal é a observação do comportamento das classes menos abastadas economicamente, com análise de todo um contexto histórico, tratando o criminoso como um ser normal, comum. Segundo seus princípios teóricos, o crime está diretamente ligado a uma estrutura política e econômica29, e o indivíduo que comete o crime, não está apenas praticando um fato não tolerado, mas sim, afrontando o interesse de uma classe dominante.
Partindo da ideia de que a divisão de classes do sistema capitalista gera desigualdade e violência, o que esta teoria propõe é uma melhor estabilidade das instituições de controle e da norma, com o fim de conter conflitos entre a classe dominante e dominada.30 O governo deve buscar uma melhor condição de vida das pessoas, reduzindo a desigualdade social, além de demonstrar interesse na punição dos crimes cometidos pela alta cúpula social, pois, apenas assim, poderia ocorrer um senso de segurança jurídica da norma e da diminuição da luta de classes.
Instâncias formais e informais de controle
Como já fora mencionado anteriormente, o controle social é um dos objetos da criminologia, porém, em momento anterior foram realizados breves apontamentos, que serão desenvolvidos melhor neste tópico.
Conforme a explicação dada, o controle social divide-se em controle formal e informal, sendo o primeiro realizado pelo Estado e o segundo pela sociedade. Discorreu-se até aí.
Pois bem, o controle formal é formado pelos órgãos do Estado e dividido em três instâncias de controle, sendo a primeira instância o controle a polícia judiciária, responsável pelas investigações, a segunda instância cabe ao Ministério Público, como órgão de acusação e a terceira instância, cabe ao judiciário, dedicado ao julgamento do indivíduo.
Já o controle informal, ele não se divide em nenhuma sessão, é formado diretamente pela família, pela escola, opinião pública, igrejas, amigos, associações. Ao nascer o indivíduo já entra em contato direto e permanente com esse tipo de controle e isso se estende por toda vida, o que nos leva a crer que o controle informal é o principal meio de socialização, sendo o controle formal uma espécie de controle subsidiário, que só vai entrar em ação quando o informal for incapaz de controlar o sujeito que cometeu um crime.
O controle formal é uma barreira ao cometimento de crimes, já que as sanções morais e informais, assim como o fator referencial (a referência de bússola moral que o indivíduo possui), possuem mais eficácia na prevenção dos delitos do que uma sanção penal, pois a internalização das normas e valores sociais do meio estreita os laços com a sociedade, dando uma sensação de pertencimento.
Um debate que permanece aceso na sociedade é sobre como o controle formal pode se mostrar presente. Por óbvio, mais policiamento nas ruas, celeridade processual no julgamento e condenações justas são uma forma de impor controle e mostrar que o sistema funciona. Porém, seria a construção de presídios também uma solução viável? É certo que quanto mais presídio, não significa que mais pessoas serão presas. Hoje, o Brasil é um dos países que mais prende no mundo. Um levantamento do G1 ressalta que o país tem 322 pessoas presas a cada
100 mil habitantes, o que dá ao Brasil o número 26 na posição de um ranking de aprisionamento com outros 222 países e territórios. E pior, se for considerar um número absoluto, o país está em 3º posição, apenas atrás da China e dos EUA.31
Diante desses dados, respondendo o questionamento feito outrora, construir mais presídios não terá nenhuma relação com a demonstração do controle formal, que é relativo, o que precisa é estreitar a relação do controle formal e informal, estudar com afinco o poder punitivo estatal e como ele tem funcionado e se a forma de punição tem sido efetiva, tanto do ponto de vista de coerção social para não cometer crimes, quanto do ponto de vista da ressocialização.32
Uma outra vertente de controle, originada da teoria crítica, recebe o nome de controle alternativo, estudado como forma de reação popular ao sistema penal vigente , com intuito de combater injustiças e disparidades. É um processo através do qual os membros da sociedade organizam defesas públicas eficazes, fazendo frente a negatividade social e à violência exercida pelas minorias que detém o poder.33Dessa forma, o controle alternativo deve buscar uma estratégia global, encarando o fenômeno violência numa ótica bastante ampla, através da igualdade e da legalidade entre todos que pertencem a uma população, independentemente de possuir poder ou não, com regras gerais que servirão de garantia contra arbitrariedades, de forma concreta, se dirigindo às causas da violência, de forma ativa e imediata, funcionando como princípio geral de prevenção.34
A partir desses sistemas de instâncias de controle, passam a existir diversas teorias sobre o tema, dentre elas o conjunto de Teorias do Controle Social Informal, que visam explicar o comportamento criminoso considerando as regras sociais. Esse conjunto de teorias dá destaque às duas principais: a primeira, a teoria da Contenção, idealizada por Reckless, e a segunda, a da Neutralização, desenvolvida por Matza e Gresham Sykes.
Segundo a concepção da contenção, existe um controle interno, relacionado a autoestima, capacidade de autocontrole e a visão de si mesmo, e há um controle externo, onde está inserido o controle informal social (escolas, família, trabalho etc), com convenções e expectativas colocadas sob determinada pessoa, assim como, um juízo negativo pelo julgamento social. São esses dois pilares que irão conter eventual desvio, ou seja, se houver falha nesse sistema de controle, ocorrerá o crime.
Já no que tange a teoria da neutralização, que trata sobre delinquência juvenil, quando uma pessoa, ainda não social e mentalmente desenvolvida, entra em contato com crime, por ainda não possuir o propósito firme da não delinquência, o sujeito sucumbe. É como se houvesse um limbo, onde o jovem fica à deriva, entre o certo e errado e em algum momento ele deve tomar a decisão.35
Por causa dessa postura de tomada de decisão, estudam-se técnicas de neutralização, para que o sujeito não tenha como justificar a sua empreitada criminosa, através de argumentos que possam tornar sua ação mais justificável.
Por fim, ressaltasse que o sistema de justiça criminal não é apenas formado pelas instituições oficiais, pois o controle informal também faz parte dele, através de uma integração e participação do controle, seja como operadores do direito, seja como expressão de opinião pública sobre determinado fato ou alguém. O atual sistema é um articulado e dinâmico processo de integração entre a atuação do estado/justiça e a sociedade, e apesar de serem divididos em controle formal e informal, juntos, eles formam um único sistema institucionalizado36.
Processos de Criminalização e prevenção criminal
Insta destacar que processo de criminalização é o nome dado as atividades desempenhadas pelo Estado, para conduzir a uma efetiva sanção e uma correta aplicação da lei penal e processual penal. Se divide em dois grupos: a criminalização primária, direcionada para atividade legislativa, consistente na publicação e sancionamento das leis penais, que abstratamente incrimina certas condutas, como um ato formal, fundamentado e programático, que deve ser cumprido por todas as outras instâncias de controle, e a criminalização secundária, que é a efetiva aplicação da lei no caso concreto, direcionada a uma pessoa determinada em razão da conduta ser espelho da norma abstrata37.
O que muito se é discutido é a efetiva aplicação da criminalização secundária e o reflexo da atuação de acordo com a situação do sistema carcerário do Brasil. É certo que a criminalização secundária é seletiva e vulnerável. Seletiva, porque há tendências do poder punitivo do Estado ser exercido sobre pessoas estigmatizadas e determinadas, e isso se comprova pelo simples fato de grande parte da população carcerária do Brasil ser compostas de pessoas negras e pobres. Vulnerável, pela fragilidade do sistema, que nasce com um objetivo de ressocialização, mas, no fundo, não consegue atingir suas metas, já que hoje, o índice de reincidência ainda se encontra bastante elevado.
No atual cenário criminológico, de estigmatização, vulnerabilidade e endurecimento das normas de emergência, além do ideal do Estado Democrático de Direito busca-se muito mais prevenir o crime, do que sancionar condutas. Prevenção delitiva é o conjunto de ações que visam evitar, direta ou indiretamente, a ocorrência do delito.38O maior marco desta fase é a busca da ressocialização, reparação do dano e repressão ao crime, através de programas de assistência social, prevalência dos direitos humanos e das garantias fundamentais, busca pela igualdade e pela justiça.
As medidas de prevenção podem ser diretas ou indiretas. As medidas diretas são direcionadas para o delito, agindo diretamente sobre o crime, são as penas, o sistema prisional, o processo penal. Já as medidas indiretas, atuam de maneira mediata, profilática, direcionada para as causas do crime, atingindo os grupos de minorias, proteção de direitos, busca de melhor condição de vida.
Quanto às medidas indiretas direcionadas para o próprio indivíduo, elas devem levar em consideração o aspecto pessoal, ou seja, caráter, temperamento, personalidade. Já as medidas indiretas que visam o meio social, devem ser direcionadas para políticas econômicas, melhoria da qualidade de vida, ampliando o máximo possível seu direcionamento para atingir o maior número de pessoas possíveis39.
A respeito das medidas diretas, a resposta é dada pelo aparelhamento Estatal, com grande destaque para polícia ostensiva, nos setores de vigilância e manutenção da ordem e atuação do poder judiciário e da polícia judiciária para atuar diretamente sob o crime.
Baseado nesses ideais prevencionistas, cria-se princípios que se tornam os guias para os modelos de prevenção, dentre esses princípios temos: o existencialismo absoluto da relação de causa-efeito (nada existe sem uma causa), a prevenção é a única responsável pela neutralização das causas e a solução para o problema criminal está na transformação do mau caráter em bom caráter.40
Modelos de prevenção
Insta salientar que existem três mecanismos de prevenção.
A primeira delas, a prevenção primária, visa neutralizar as causas do crime e ocorre por meio da conscientização social como um todo, através de investimentos em saúde, educação, emprego, de forma que a população resolva seus conflitos sem precisar da atuação do estado, sem uso de força ou violência. É medida direcionada à população geral, relacionada diretamente com questões sociais, qualidade de vida, dignidade, cumprindo aquilo que a Constituição da República Federativa do Brasil reconhece como princípio fundamental da dignidade humana.
Quando se fala em prevenção primária, fala-se em mecanismo de médio e de longo prazo, com algumas limitações práticas diante de situações que exigem um certo imediatismo. Lida-se com a eficiência do Estado na prestação dos serviços públicos, políticas públicas e de governo, ações pontuais, como atendimento de qualidade aos necessitados, educação, saúde, implantação de meios para construção de valores morais e éticos, de forma universal e progressiva, com foco em neutralizar o crime antes que ele se manifeste.
Na segunda vertente da prevenção, a prevenção secundária, os mecanismos de controle são voltados para determinados setores da sociedade que possuem maior chance de se envolver com a criminalidade ou que representam mais probabilidade de serem sujeitos passivos do delito41. É voltada para ações policiais e políticas públicas, atuando em momento posterior ao crime ou na iminência do seu acontecimento. São medidas de médio prazo, como por exemplo, o aumento do efetivo de policiais, aumentando a vigilância e mostrando um Estado presente, evitando, assim, a presença de criminosos – ou possíveis criminosos - naquele local.
Retratando o último mecanismo de prevenção, a prevenção terciária, percebe-se a presença de políticas públicas voltada ao grupo que já está encarcerado. O objetivo principal aqui é tentar ressocializar aqueles que já foram condenados, que receberam uma aflição punitiva do Estado, de forma a evitar a reincidência. É verificada após a prática do crime, dirigida de forma individual ao sujeito criminoso, como medida de curto e médio prazo, através de trabalho do preso, medidas socioeducativas, serviços comunitários, saídas da prisão, cursos profissionalizantes.
Teorias de aplicação da pena
Por muito tempo a pena tenha uma relação direta com o desconhecimento dos fenômenos naturais e das leis da natureza, o que fez com que as pessoas acreditassem que a punição aplicada serviria para aplacar a ira dos deuses. Eram penas sem nenhuma coerência com a justiça e sem proporcionalidade entre a conduta e a sanção aplicada.42
Foram fases de desenvolvimentos, passando por uma vingança privada, permitindo que a própria vítima do crime, ou seus familiares, fizessem justiça com as próprias mãos, até que o Estado se tornasse uma nação soberana com governantes, leis e penas previamente estabelecidas, assumindo para si, o direito de punir, afastando a ideia de vingança privada.
A partir daí, surgem teorias de aplicação da pena, pois em diversos momentos históricos a interpretação do governante sobre a determinação da sanção imposta variava de acordo com o sistema político vigente. Na idade moderna, o poder dos soberanos era absolutista, e para reafirmar a sua autoridade, utilizavam penas de execução em praça pública. Na idade contemporânea, foram criadas várias possibilidades de penas, sem a intenção de vingança ou manutenção do poder43, mas seguindo as finalidades estabelecidas no próprio Código Penal, em seu art. 59.44
A primeira teoria que apareceu foi a Teoria Absoluta, também chamada de retributiva,que determinava a aplicação da pena através de uma retribuição pelo mal causado. Os teóricos são conscientes que a pena é um mal, porém, um mal necessário, como sinal de retribuição pelo crime/mal cometido pelo infrator. Essa linha de pensamento leva a sociedade a pensar na sanção penal de forma mais severa, clamando pela criminalização de novas condutas, punições mais fortes e céleres, muitas vezes, gerando um discurso de eliminação do agressor. 45
Já a segunda teoria, chamada de Teoria Relativa, ou preventiva, foca em evitar o crime, trabalhando na ideia de prevenção. Nesse caso, trabalha-se com a ideia de que a pena se impõe para que o sujeito não volte a delinquir, ou seja, a pena deixa de ser uma justificativa do mal causado, para se tornar um meio de evitar o cometimento dos crimes.46
Seguindo a linha preventiva, para essa teoria, deve-se dividir o direcionamento da prevenção em duas formas: Prevenção geral e prevenção especial. A primeira, é focada na demonstração de que não se deve praticar crimes, é uma resposta à sociedade. A segunda, focada diretamente no criminoso, mostrando que o crime não compensa.
Ambas se subdividem em prevenção negativa e positiva. Ao tratar da prevenção geral positiva, busca-se a educação da sociedade, demonstrando a existência das normas e a sua aplicabilidade. No que tanque a prevenção geral negativa, refere-se a intimidação, para persuadir a população de que se praticar um crime, lhe será atribuída uma sanção. Já a respeito da prevenção especial positiva, ela busca a ressocialização, direcionada para os encarcerados, como forma de incentivo para que eles busquem viver em sociedade seguindo a moral e a ética. Na visão especial negativa, a ideia é intimidação, para evitar a reincidência, não permitindo que o condenado volte a praticar outros crimes.
Importante salientar que o art. 59 do Código penal, já aqui mencionado, adota uma teoria mista, dispondo que a pena será estabelecida por um juiz de forma que seja suficiente e necessária para reprovação e prevenção do crime47. Assim como, a Lei de Execuções Penais também prevê diversas maneiras de prevenção do crime e de reinserção do condenado na sociedade, propondo acompanhamento de assistência social, projetos de readaptação e uma volta gradativa de convivência, com o plano de progressão de regimes.
No mais, resta claro que com a evolução da teoria da pena, não há mais espaço para penas desumanas, degradantes, mas é certo que elas devem cumprir o seu propósito, com a segregação do condenado, sua responsabilidade pela reparação do dano, e como forma de demonstrar o poder do Estado para manter a ordem social.
Modelos de reação ao crime
Os modelos de reação ao crime ou modelos de justiça criminal são respostas que seguem os estudos da Teoria da reação social do delito. Segundo esta teoria, quando ocorre uma ação criminosa, há uma reação do Estado, contraposta ao crime, porém, proporcional à empreitada criminosa. Nesse sentido, surgem três modelos de reação ao crime: o dissuasório, o ressocializador e o integrador.
O primeiro modelo que será analisado será o dissuasório, também chamado de clássico ou retributivo, foca na punição do crime para demonstrar que o crime não compensa, que existe uma resposta estatal suficiente para punir e prevenir o crime. Esse modelo é utilizado na justiça retributiva. O protagonista deste modelo são o Estado e o criminoso, não sendo direcionado para vítima e nem para a sociedade.48
No modelo ressocializador, o objetivo é recuperar o delinquente, pois a pena tem uma finalidade de ressocialização. É utilizado na justiça retributiva e na justiça consensual. É de índole humanista, intervindo diretamente na vida do condenado e necessita da participação social de forma efetiva, aceitando e tirando o rótulo do criminoso à medida que ele volta ao convívio social.
Já no modelo Integrador, ou restaurador, que também recebe o nome de Justiça restaurativa, busca-se o status quo ante dos protagonistas do conflito.49 Ou seja, visa recuperar o delinquente, mostrar que o controle social está mantido e ainda proporcionar a restauração do dano à vítima. São os modelos de conciliação, que compreendem o crime como fenômeno interpessoal, defendendo meios alternativos, sem formalismo.
Função da criminologia e suas metas
Diante de todos os fatos aqui explanados, resta apenas definir precipuamente a função e as metas dos estudos criminológicos, para finalmente adentrar no campo da discussão entre dados da criminologia e a segurança pública.
A criminologia compreende o problema criminal com o intuito de prevenir o delito, além de explicá-lo cientificamente desde sua origem até as suas principais características e de colaborar com a coletividade e com o poder público.50
Estudar a criminologia, conhecer seus métodos e suas bases apura a visão crítica, científica e social de quem pretende avaliar a delinquência,51além de fornecer respostas minuciosas sobre problemas criminais presentes no corpo social. E é exatamente disso que os órgãos de segurança pública precisam. Explico: de nada adiantaria colocar um grupo policial em determinada região que não conhece o tipo de crime que é cometido naquele local, que não entende um padrão que vem acontecendo, pois em nada seria efetivo, seria apenas a presença ínfima do Estado em um local sem nenhum tipo de conhecimento. Agora, quão mais efetivo seria, se a própria polícia tivesse conhecimento da forma de atuação de determinada área, onde, em que rua, qual frequência de horário esses crimes acontecem, quais as condições favoráveis para o cometimento daquele ou de outro delito? Não seria apenas a presença do corpo policial, e sim uma presença efetiva, que antecipa o crime, que faz um policiamento preventivo e ostensivo, e, com certeza, mais efetivo. Esse é o início da relação entre as três ciências do crime.
Quanto às metas, a doutrina estabelece que serão três principais: a primeira, visa esclarecer o abalo da pena sob o criminoso, tanto em relação a sua reinserção na sociedade quanto na restrição da liberdade; a segunda meta é pela busca de meios de avaliação do delinquente que vise a reintegração progressiva do criminoso no ambiente de trabalho e familiar, sem traumas; e por fim, a terceira meta, que tem a finalidade de mostrar ao corpo social que sim, o crime acontece, a sociedade contribui para seu acontecimento, a partir do momento que passa a segregar o indivíduo ou rotulá-lo como criminoso, desmerecendo seu retorno digno ao convívio social52.
É certo que a sociedade cria fatores estimulantes para o cometimento dos crimes, pois o sujeito ativo encontra caminhos de realizar seus interesses, muitas vezes, saindo dos meios indicados e dos fins a serem atingidos, criando oportunidades de cometer crimes. Claro, nem todo criminoso será uma resposta ao comportamento social, existem aqueles criminosos patológicos, que possuem satisfação com o delito, mas, é cediço que a distribuição de riquezas, o enfraquecimento do poderio estatal, a ausência de uma moradia digna, a imigração, a pobreza, dentre outros, são justificativas que levariam ao crime.
POLÍTICA CRIMINAL E DIREITO PENAL
Muito foi discutido sobre a Criminologia até aqui, até mesmo para dar um norte da integração entre as três ciências em questão, porém, a criminologia sozinha, não dá muitas informações sobre a criminalidade, seus índices e como proteger a sociedade dos seus efeitos. Por isso, apesar de autônomas, as três ciências – criminologia, política criminal e o direito penal – são colaborativas, e uma ajuda/integra o estudo da outra.
Zaffaroni costuma definir a política criminal como “a ciência ou a arte de selecionar os bens (ou direitos), que devem ser tutelados jurídica e penalmente, e escolher os caminhos para efetivar tal tutela, o que iniludivelmente implica a crítica dos valores e caminhos já eleitos”. Ou seja, a política criminal trabalha as estratégias e os meios de controle social.
Em síntese, o criminólogo estuda o crime e fornece os dados para a política criminal, que transforma em dados para elaboração da legislação penal. A ciência do direito penal normatiza as reivindicações e o processo penal aplica o ius puniendi de acordo com o processo legal.53Se o papel da criminologia é fornecer base para as teorias de proteção social contra violência, à política criminal cabe, através do conhecimento empírico da criminalidade, dos seus níveis e causas, deve fornecer estratégias de controle da criminalidade.
Já o Direito penal e processual penal fazem parte do lado jurídico desta relação. A ciência penalista só deve ser utilizada como ultima ratio, diante do fracasso ou da insuficiência das outras formas de controle e de outros ramos do direito, o que leva a uma estreita relação com a intervenção mínima. Ademais, o direito penal possui três aspectos: o primeiro, o aspecto formal ou etático, que são os conjuntos de normas mediante o qual o Estado qualifica comportamentos humanos como infrações penais, define os sujeitos da relação e estabelece as sanções aplicáveis, no segundo aspecto, o material, refere-se a comportamentos reprováveis e que causam dano a convivência social. Em um terceiro aspecto, o sociológico ou dinâmico, a ciência penal é um dos instrumentos do controle social utilizado pelo Estado para assegurar a convivência pacífica dos grupos sociais.54 No mais, o direito penal se ocupa da norma, como ciência normativa que é, situada no expecto do “dever ser”.
O Direito penal e suas vertentes
Como ciência normativa, no âmbito do “dever ser”, é certo que o Direito Penal se preocupa com a aplicação e criação da norma em resposta estatal a um mal causado. Porém não há uma única vertente à respeito de sua aplicação e como ela deve ser feita, em síntese, há quem defenda uma completa abolição da ciência jurídica, há quem diga que deve-se aplicar sempre e há aqueles que procuram pelo equilíbrio, aplicando apenas quando necessário. Diante desta celeuma, trataremos a seguir das três principais correntes a respeito do Direito Penal.
O abolicionismo penal
Surgiu no final da Segunda grande Guerra, como principal vertente da criminologia crítica, defendendo como nocivo os instrumentos de repressão à criminalidade, que deveria ser efetivamente abolido.
Para os abolicionistas a prisão e o sistema penal é anômica – alheia à valores sociais, irracional, estigmatizante, seletiva, marginalizadora e formadora de delinquentes.55A teoria abolicionista embasa seus princípios na teoria do etiquetamento, sendo assim, a estigmatização de pessoas é destinada a uma parcela específica da população e quem sofre o etiquetamento tende procurar por outras pessoas também etiquetadas, levando a uma marginalização do grupo formado.
Para os teóricos do abolicismo, o próprio sistema penal cria o criminoso e o rotula como tal. Por essa razão, deverá haver uma supressão completa do Direito Penal e buscar outros meios para solução dos conflitos.56Não só o sistema normativo, como também o sistema carcerário, pois este seria um mal social, um instrumento de opressão das classes menos favorecidas e que não tem o condão de diminuir o número de crimes, podendo aumentá-lo, na verdade, por ser uma via de convivência de pessoas criminosas.
No que tange ao direito brasileiro, seria inviável um sistema abolicionista, pois a própria Constituição Federal prevê mandados de criminalização para determinadas condutas, não cabendo a outros ramos do direito a defesa e tutela de bens que reclamam uma intervenção estatal mais dura.
Direito penal máximo
O direito penal máximo nada mais é do que o movimento da “lei e ordem” já explanado anteriormente. Relembrando, o movimento da tolerância zero propaga a ideia de que o Direito Penal seria a solução do problema criminológico e cada conduta, ainda que ínfima, deverá ser punida. É um discurso mais severo, com forte presença da normatividade do direito penal e da atuação do estado.
Aqui, o direito penal deve ser a prima ratio, ao contrário do abolicionismo, o objetivo desta teoria é que haja um papel educador e repressor, punindo qualquer conduta socialmente intolerável.57
Direito penal mínimo
Também chamado de direito penal do equilíbrio, defende o uso do direito penal para tutela dos bens jurídicos relevantes, indispensáveis ao convívio social. É um “mal necessário”, pois tutela as liberdades individuais, porém com grandes limitações de atuação, inclusive, limitado pela própria lei.
Pode ser dividido em duas possibilidades: a primeira, a corrente do minimalismo radical, com ideias que se assemelham ao abolicionismo e só admite a intervenção penal em situações de extrema necessidade, já a segunda corrente, chamada de minimalismo moderado, é de índole garantista, dando ao direito penal a tutela de bens jurídicos relevantes, pautada no princípio da intervenção mínima. 58
A principal base do minimalismo penal é o Garantismo Penal, encabeçado por Ferrajoli, porém, não é tecnicamente atingível, já que atribui uma intervenção mínima do direito penal, porém com as máximas garantias do direito do criminoso. Ou seja, há duas ideias difundidas pelo garantismo, a primeira é de uma proibição do excesso e a segunda, de proibição da proteção deficiente. O Supremo Tribunal Federal apelidou de “garantismo hiperbólico monocular”, pois há um forte discurso de garantia unilateral do réu, direcionado para proibições do excesso e gerando uma garantia de impunidade.
Essa é a teoria adotada pelo sistema jurídico brasileiro, voltada para um direito penal que atua somente nas situações em que outros ramos do direito não conseguem solucionar o problema e nem trazer a paz social. É o que se chama de ultima ratio do direito penal, que apenas irá intervir na tutela dos bens jurídicos mais importantes.
Princípio da Intervenção mínima do Direito Penal e suas vertentes
Conforme leciona a doutrina majoritária, caberá ao direito penal a preocupação com os bens mais importantes e necessários de uma vida em sociedade. O poder de punir do estado não pode ser ilimitado, não devendo intervir em situações onde outros ramos do direito conseguem chegar.
Dessa forma, encontra-se o que se denomina de princípio da intervenção mínima do direito penal, que deve intervir o mínimo possível na sociedade, somente servindo quando os outros ramos da ciência jurídica não forem capazes de proteger os bens de maior importância. Vale dizer, sempre que puder ser evitado o uso do direito criminal, assim deve ser feito. É a última ratio, orientando o limite do poder incriminador do estado.
O princípio da intervenção mínima, por óbvio, não é a única forma de controle de poder do Estado, devendo também ser respeitado o princípio da legalidade. Porém, ocorre que enquanto a legalidade é direcionada para limitação do arbítrio judicial, o princípio da intervenção mínima é direcionado para o legislador, que não poderá criar tipos penais injustos e nem que acarretem sanções cruéis de degradantes.
Dessa forma, o princípio da intervenção é responsável por destacar os bens mais relevantes e que merecem uma proteção mais rigorosa. Ademais, ao mesmo tempo em que sinaliza para o legislador quais bens podem ser alvo do direito penal, sinaliza, como mecanismo de política criminal, quais bens não atendem mais aos requisitos incriminadores e podem passar por um processo de descriminalização através de uma análise fática, sociológica e cultural. Foi o que ocorreu com o crime de adultério, anteriormente previsto no art. 240 do Código Penal, que foi revogado pela lei 11.105/0559.
Por outro lado, sozinho, o princípio da intervenção mínima não tem efetivação. Ele possui outros dois aspectos que são fundamentais na sua função: a fragmentariedade e a subsidiariedade.
No que tange a fragmentariedade do direito penal, é retratado que essa ciência só deve se ocupar com ofensas realmente graves aos bens protegidos. Ou seja, devem ser atípicas as condutas que não ofendam minimamente a um bem jurídico protegido pelo ramo do direito. Esse princípio é a base de um outro princípio muito importante, o da insignificância. Nos casos em que a conduta for considerada insignificante, haverá a exclusão da tipicidade material do crime, logo, não haverá conduta criminosa. De acordo com o princípio da insignificância e os parâmetros estabelecidos pelo STF, deverá existir quatro condições essenciais para que ocorra a criminalidade de bagatela: mínima ofensividade da conduta, inexistência de periculosidade social do ato, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão provocada. Percebe-se que em todas as situações,que, diga-se de passagem são cumulativas, a lesão ao bem jurídico de forma mínima é a regra de maior validade neste jogo.
Em respeito ao princípio da subsidiariedade, tem-se que faz parte da natureza do direito penal atingir situações em que as lesões aos direitos legais e as infrações podem receber as devidas punições se for inevitável para o controle de uma sociedade ordenada. Construindo uma espécie de escalas, quando outros meios do direito, seja de Direito Civil ou de Direito Público, forem suficientes para repressão a determinados atos, não haverá aplicação do direito penal. A maior questão é que não há parâmetros e nem limites estabelecidos pela jurisprudência e nem pelos Tribunais Superiores para entender até que ponto o direito penal deve se manter afastado,Direito Penal simbólico e expansão da criminalização indiscriminada
Nos últimos anos, o poder legislativo expandiu de forma considerável a criminalização de condutas, realizando uma criação em massa de tipos penais que não atendem de forma eficaz as exigências de proteção dos bens constitucionalmente protegidos. Com o acesso da população a mídia, as redes sociais, deu-se mais voz a sociedade, que passou a exercer uma pressão no estado, com um discurso cada vez mais punitivo e repressivo.
Desta forma, o legislativo passou a criar normas, sem uma análise de criticidade e racionalidade, não levando em consideração as circunstâncias da criação de uma lei com caráter emergencial e que não daria solução aos problemas da criminalidade.
Nesse ponto, é necessário trazer à tona novamente a questão dos Movimentos da Lei e Ordem e o Movimento abolicionista do Sistema Penal. Se de um lado, toda e qualquer conduta, por mais ínfima que seja, deverá sofrer controle e pressão pelo poder de punir do Estado, de outro, o Estado não poderia criar um direito penal (ou mantê-lo) para punir pessoas, pois é uma técnica fadada à falhas. Em meio a essa discussão, surge o Direito Penal Mínimo, regido pelo princípio da intervenção mínima e pelas vertentes do caráter fragmentário e subsidiário do direito Penal.
Para essa corrente, o Estado só deve aplicar o direito criminal quando for razoável e necessário, devendo buscar outros meios eficazes para prevenir e reprimir o ilícito, que não necessariamente resulte em prisão ou em uma reprimenda mais forte e enérgica.
Salienta-se que não é apenas a criação de novos tipos penais que chama atenção do Direito Penal de emergência. Em outros termos, se o crime já existe, mas passa por constantes modificações, como uma expansão das situações que o envolvam, aumentos no preceito secundário ou passa por uma redução de garantias, ocorre uma Neocriminalização do direito, que se também possuir essa característica de emergência e resposta imediata a população, também será considerado um direito penal de emergência.
Quanto a relação de um direito penal de emergência, é assim chamado por ter uma função simbólica ou retórica das penas, ou seja, o legislador cria o tipo penal para dar a sensação de tranquilidade, de segurança para a população, além de perpassar na intenção de promover um legislativo atento as necessidades da sociedade.
Porém, se a ideia era passar uma sensação de segurança e punibilidade para a população, esta ideia falhou. Não é preciso ir muito longe para entender que apesar de todo esforço legislativo, a população continua descontente e insegura, desacreditando das penas, da ineficácia de seu cumprimento, do poder intimidatório do estado e do próprio ordenamento.
Aqui, se propõe uma aproximação da sociedade e do criminoso, através de uma política de justiça restaurativa, integradora, proporcionando que a vítima participe da resolução do conflito e que o criminoso possa entender os motivos pelos quais está recebendo uma punição do Estado.
Outrossim, esse clamor social por penas mais severas e pela criação de crimes vem muito do poder midiático, do jornalismo sensacionalista, que retrata o crime e o criminoso como situações e pessoas que devem ser excluídas do seio social. Ademais, além da mídia, a política brasileira também é um importante ponto que merece ser levantado, pois, diante da perda de credibilidade perante a população, os políticos precisaram adotar um discurso mais energético, mais forte, dizendo exatamente o que as pessoas queriam ouvir. Diante disso, inflamam o discurso, propondo à população que em caso de assumirem o poder, irão atrás de mais punição e mais segurança (mesmo sabendo que é uma falsa segurança).
Política Criminal
A política criminal é entendida como estudo de estratégias para repressão ao crime e de todo o conjunto de procedimentos em resposta ao fenômeno criminal. Em síntese, a política criminal se preocupa em compreender e avaliar as estratégias utilizadas para o controle de situações sociais conflitivas e violentas, propondo, a partir dos estudos, novas estratégias para enfrentamento do crime.60
Assim como na criminologia, a política criminal também teve seus movimentos ideológicos, com propostas de reação ao crime. São eles: movimentos punitivistas / repressivistas e os movimentos não intervencionistas. O movimento punitivista tinha a ideia de ampliar o controle do estado, com um uso excessivo do direito penal, propondo a criminalização de novas condutas, punição mais rigorosa para os crimes, prisão como pena etc.61
Já os pertencentes a ideologia não intervencionista, sustentam a diminuição ou eliminação da punição pela via estatal, acreditando na resolução de conflitos por meios informais, seguindo a linha do direito penal mínimo ou do abolicionismo penal. De forma geral, vão propor a descriminalização de condutas, a diminuição da taxa prisional, diversificação de modelos de respostas ao conflito.62
Processos de criminalização
Processo por meio do qual se determina quais condutas deverão ser reconhecidas como crime e quais não devem. É um processo político. Essa ideologia de construção de condutas criminosas está ligada a corrente punitivista, com viés determinados pela teoria da Lei e ordem, estudada na criminologia. O contrário disto, seria a descriminalização, que retira o caráter de fato típico a determinada conduta criminosa.
É complexo tratar da descriminalização de condutas em uma sociedade que é induzida cada vez mais a punição do criminoso de forma proporcional (ou não) ao mal causado. Cada vez mais, utiliza-se do direito penal de emergência, dando uma falsa percepção para a população de que determinadas condutas, que agora, de forma urgente, são previstas como crime, tornam a sociedade mais segura. A opinião pública, a mídia, a falsa sensação de segurança leva governantes e legisladores a empregar uma aparente solução, produzindo mais normas punitivas, em vez de efetivamente punir.
Já no que diz respeito a penalização, ou seja, a penas de prisão ou penas mais rigorosas, no Brasil existe um meio termo. Ao mesmo tempo em que não se admite prisão perpétua e nem a pena de morte (salvo nos casos de guerra declarada), também é possível aplicar penas restritivas de direito em caráter substitutivo, além de haver previsão das medidas despenalizadoras da lei 9.099/95 – Lei dos Juizados Especiais, acreditando em uma resolução de conflitos cada vez mais consensual. Mas, isso não significa que houve uma descriminalização de determinada conduta, o que significa que é o ordenamento jurídico brasileiro passa por um sutil processo de despenalização.
É o que acontece com o art. 28 da lei 11.343/06 – Lei de drogas. O indivíduo que é encontrado portando substância entorpecente de forma ilícita, desde que para uso próprio, não será levado a prisão. Não será atribuída uma pena privativa de liberdade, e sim, as penas previstas no art. 28, que nada mais são do que penas educativas. Mesmo diante de uma possível reincidência neste tipo penal, o sujeito ativo não será levado à prisão, terá apenas um aumento do tempo de pena a ser cumprido, como por exemplo, frequentar cursos sobre os malefícios do uso de drogas ou reuniões de grupo que ajudem a tratar do vício. Esse é o processo de despenalização, ou seja, a conduta ainda é prevista como crime, mas não se atribui a ela uma pena privativa de liberdade, sendo atribuída uma pena mais branda.
Diante desta explanação, é certo que o processo de criminalização muito influencia na visão do direito penal atual, que passa por profundas transformações, sendo um direito penal do equilíbrio, fruto das tendências punitivistas, porém, que ainda busca meios de punir o infrator, sem necessariamente prendê-lo. Porém, apesar de haver essa tendência ao equilíbrio, é possível notar que cada vez mais há novas condutas criminosas surgindo na legislação brasileira, muito também, por causa do avanço tecnológico e pelo surgimento de novas maneiras de cometimento de crimes, além de ocorrer alterações significativas na lei penal, ocasionando um maior rigor repressivo em relação aos crimes clássicos, abrindo espaço para o direito penal de emergência.
Também é perceptível, que o avanço das políticas criminais trouxe uma expansão do direito penal, pautado pela insegurança, pelo medo, pelo processo de globalização, o que implica diretamente no aumento das penas e na inovação de métodos de investigação, como o surgimento da técnica de agentes infiltrados, privatização de segurança, interceptação telefônica, captação ambiental etc.
Integração entre política criminal, direito penal e estudos criminológicos
Se a criminologia estuda o crime e suas nuances, e dos seus estudos derivam dados para que a Política Criminal possa trabalhar, e esta, por sua vez, dá base para que o Direito
penal possa existir, é certo que as três ciências estão mais do que interligadas, podemos dizer que verdadeiramente trabalham em perfeita simbiose.
Essa interligação entre as ciências funciona como uma “escada de conhecimento”, pois, sem a base da criminologia, não há os próximos passos, assim como, havendo criminologia e não havendo política criminal, não há como passar para o degrau seguinte. Imagine que a criminologia é a base de uma construção, é o alicerce da obra, que será toda a estrutura de sustentação para que a obra possa acontecer. Depois, temos a Política criminal, com as paredes da construção, unindo o alicerce ao passo seguinte, que neste caso, seria o Direito penal, dando o acabamento nas paredes construídas.
Ademais, ainda podemos incluir após as reivindicações dos estudos de política criminal e sua transformação em lei, a ciência do Processo penal, aplicando o direito de punir e respeitando os direitos constitucionalmente previstos, principalmente o processo legal e também a fase de execução da pena, através de um procedimento de segregação do criminoso da convivência social, porém, com foco na ressocialização e na retribuição do crime.
Contudo, a Criminologia não é apenas a base de tudo, essa correlação é cíclica, ela não se encerra apenas com a construção do alicerce de tudo. É certo que a partir do momento que o Direito penal é elaborado e aplicado há uma resposta social a isso, e esta resposta social volta a ser objeto de estudo da criminologia. Estuda-se se houve redução dos efeitos criminogênicos, se houve redução da violência, se não houve, de que forma isso afetou o controle social e como a sociedade se comportou diante desta resposta criminosa. E ai, novamente, num novo contexto deste estudo de respostas, volta-se à política criminal, que com o conhecimento empírico da criminalidade, causas e níveis, transforma em estratégias para um novo controle da criminalidade que servirá de modelo para o direito de punir do Estado.63
Políticas de controle da criminalidade
Muito se discute sobre o termo criminalidade e o que ele representa. O termo encunhado pode representar tanto uma macro criminalidade e também, uma micro criminalidade. O primeiro, é a relação da criminalidade com o crime organizado, crimes onde a sociedade é o principal sujeito passivo ou que tratem de um conceito globalizado de crime. Já a micro, é também chamada de criminalidade imediata, e são os delitos comuns, ou seja, os hediondos, os de menor potencial ofensivo, as contravenções etc. Em síntese, a criminalidade é a ocorrência de condutas contrárias aos preceitos legais inibidores da violência, podendo ser uma desobediência direta ou indireta da lei penal. 64
Neste ponto, é importante também conceituar o que é “violência”, pois, para a população comum, que não lida com o saber jurídico, violência e criminalidade são sinônimos. Na verdade, a violência é a violação de um contrato humano de comportamento adequado, aceitável pelo senso comum, ou seja, têm-se violência quando há uma violação da incolumidade aceitada pela maioria, que por sua vez, é positivada no ordenamento jurídico.65
Esclarecido estes dois conceitos, deve-se ter em mente que as políticas públicas são voltadas para diminuição da criminalidade, redução da taxa de crime em si, sendo a diminuição da violência um reflexo dos resultados das políticas públicas.
Ambos são um problema social, pois afetam a todos os seguimentos da sociedade, ainda que de forma desigual. No Brasil, não há exatamente um programa de política pública definido e bem estruturado, pois ainda se discute visões teóricas de como esses dados podem ser melhorados.
De um lado, há quem acredite que políticas públicas de assistencialismo social e educação, com estabelecimento de padrões de comportamento e valores seria uma forma de evitar e prevenir a violência. E de outro, há quem acredite que apenas o endurecimento das penas, fortalecimento da repressão policial e aumento da capacidade de prender seja a solução. 66
É certo que cada setor da sociedade se comporta de uma forma. Na periferia, o acesso ao crime acaba sendo muito mais fácil, pois, diante da pobreza, do descaso, da falta de estrutura, as pessoas não veem saída e acabam aceitando qualquer trabalho que lhe seja oferecido, inclusive, o crime. Então, de fato, não basta apenas um policiamento ostensivo ou repressivo, não basta educação, precisa-se de uma estrutura familiar, social, com condição de uma vida digna, oportunidades de trabalho etc. Dessa forma, estudos demonstram que a forma mais eficaz seria um programa voltado para articulação entre o Estado e a sociedade.
Não é, necessariamente, apenas uma política de bom governo, é reconhecer e saber que determinada área precisa de mais atenção, saber que em determinado setor da população, a facilidade de “entrar para o crime” é maior e precisa de uma forte presença do Estado e do controle social informal. 67
Realmente, no Brasil, as políticas contra criminalidade são mais voltadas para um viés repressivo, preocupando-se muito mais com os fatos posteriores ao cometimento do crime, e esquecendo-se que é possível preveni-lo. Por óbvio, é importante que o Estado tenha uma polícia atuante, um judiciário forte e mais, que tenha um sistema prisional que funcione, que realmente seja voltado para a ressocialização do indivíduo, para que depois que ele sair do cárcere, seja reinserido na sociedade e não volte mais a cometer crimes. Definitivamente, isso não acontece no nosso país.
Os presídios brasileiros são a escola do crime. Em 2020, a taxa de reincidência ficava por volta de 42,5% no sistema prisional e 23,9% no que tange aos menores infratores. Esses números são de uma pesquisa divulgada pelo Conselho Nacional de Justiça. Diante deste cenário, é cada vez mais evidente que somente prender o criminoso, não será o caminho para melhora na taxa de criminalidade. É preciso ter um projeto para ele, que faça parte da sua reabilitação.
Desde o início dos estudos sobre o criminoso – estudos criminológicos- já se sabe que há aqueles criminosos incorrigíveis, que o sentimento da criminalidade está encrustado na sua personalidade. Para essas pessoas também deve haver um programa de punição adequado, assim como um posterior monitoramento de suas condutas após sua liberação, já que no Brasil não se admite prisão perpétua e nem pena de morte, o que faz com que até mesmo o mais cruel dos criminosos voltem a conviver na sociedade, caso ele saia vivo do sistema prisional.
Pois bem, diante do já explanado, só resta, por hora, entender como uma política pública preventiva funcionaria, pois, a repressiva já ficou evidente que apresenta atos falhos. Políticas públicas preventivas não apenas aquelas direcionadas diretamente para a ação criminosa, também se enquadra neste conceito as políticas indiretas, como por exemplo, as medidas de assistência social, que servem para inclusão populacional, retirando pessoas da extrema miséria.
Segundo estudiosos, as políticas públicas preventivas devem ter aspectos essenciais para garantir sua eficiência, utilizando-se de diagnósticos locais, gestão participativa, circunscrição territorial, autoridade política e articulação intersetorial.68São situações de médio e longo prazo, que consideram o problema como multidimensional, com participação integrativa entre Estado, sociedade e órgãos de controle.
Resta evidente que não adianta apenas políticas de assistência social, de educação, ou apenas políticas voltadas para repressão do crime, é preciso uma complementariedade entre elas, não cabendo apenas ao Estado como ente federativo, mas sim, a todos os entes estaduais, municipais, distritais, em conjunto com o controle social informal, apoiado em medidas diretas e indiretas de prevenção ao crime e de repressão, voltada para uma ressocialização e reinserção social.
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O CRIME E A SEGURANÇA PÚBLICA
Segurança Pública na Constituição Federal
De acordo com o art. 144 da Constituição Federal, a segurança pública é um dever do estado e um direito e responsabilidade de todos, devendo ser exercida para buscar a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio público.
O regime de segurança pública será formalizado pela polícia administrativa, o que abrange uma atuação preventiva, ostensiva, buscando evitar que o crime ocorra e pela polícia judiciária, que atua após a ocorrência do crime, de modo repressivo, sendo responsável pela investigação do fato delituoso.
De acordo com a Constituição da República, os órgãos encarregados da segurança pública são a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, a Ferroviária Federal, as Polícias Civis, a polícia Militar e o Corpo de Bombeiro militar e as Polícias Penais Federal, Estadual e Distrital. Segundo o STF, esse rol é taxativo, de observância compulsória, ou seja, os Estados também devem segui-lo, não podendo a Constituição Estadual ou legislação estadual, alterar, acrescer ou diminuir a previsão.
Seguindo os ditames constitucionais, a Polícia Federal é destinada a apurar infrações penais contra ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades, além de infrações cuja prática tenha repercussão internacional ou interestadual e exija repressão uniforme; prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, contrabando, descaminho; exercer a polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
Já à Polícia Rodoviária Federal caberá o patrulhamento ostensivo das rodovias federais. Da mesma forma, à Polícia Ferroviária Federal caberá o patrulhamento ostensivo,porém, das ferrovias federais.
No caso das Polícias Civis, que serão dirigidas por Delegado de Polícia Civil de carreira, ressalvada as competências da União, caberá as funções de polícia judiciária e a apuração das infrações penais, exceto as militares. É essa a polícia mais próxima da população, que recebe maior ênfase, junto com a Polícia Militar, no controle social formal.
À Polícia Militar, órgão que também recebe previsão no art. 144 da Constituição Federal, cabe o policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública. No mesmo inciso, consta o Corpo de Bombeiros Militar, a quem cabe a atividade de defesa civil.
No ano de 2019, foi aprovada uma Emenda Constitucional, que adicionou ao rol do art. 144 da Constituição a Polícia Penal, que são vinculadas ao órgão administrador do sistema penal, cabendo a segurança pública dos estabelecimentos penais.
Ademais, também é previsão da Constituição, porém fora do rol taxativo do artigo em questão, a criação das guardas municipais, constituídas pelos Municípios para proteção de seus bens, serviços e instalações públicas.
O que fica bastante perceptível é que cada polícia é responsável por um setor da sociedade. Esta é uma forma de tornar o serviço público mais eficiente, pois cada uma é responsável por agir de determinada forma na condução social. Ocorre que, apesar de autônomas, as polícias trabalham de forma colaborativa entre si, ou seja, a Polícia Militar faz um patrulhamento ostensivo da região, tentando inibir o cometimento dos crimes, mas, caso venha ocorrer um ilícito, ela deverá acionar a Polícia Civil ou a Polícia Federal, a depender do caso concreto.
O setor de segurança pública do Estado tem um ideal bastante coerente, abrangendo teoricamente todos os departamentos necessários para coibir o crime ou manter um controle social. Contudo, falta verba e organização. De um lado, tem-se notícias de policiais trabalhando com baixas de pessoal, de salários que não condizem com a responsabilidade do trabalho, equipamentos de segurança vencidos, armas e munições em péssimo estado. De outro lado, cada vez mais, os criminosos estão mais articulados, mais armados e preparados para um possível embate.
Criminologia e segurança pública
A relação da criminologia com a segurança pública tem relação direta com a prevenção e repressão do crime, desde sua gênese até seus desdobramentos na sociedade. A criminologia busca fornecer informações para nortear as ações de segurança pública, com técnicas de investigação específicas que permitem um tracejado do perfil criminológico.
Ressalta-se que diante de todo o estudo da segurança pública a contribuição da criminologia não diz respeito apenas ao criminoso em si. Relembre-se que o objeto da criminologia envolve além do sujeito ativo do crime, a vítima, o controle social e o próprio crime. Nesse sentido, todos os fatores criminais são importantes, inclusive os dias da semana, as condições climáticas, a hora do fato, o local, com observações minuciosas escritas em um croqui descritivo, estritamente de acordo com a lei.69
Mas, não são apenas as políticas públicas que se alimentam dos estudos da criminologia para buscar uma melhor contenção do crime. O próprio corpo policial responsável por determinada área deveria estabelecer um contato mais próximo das pessoas daquela comunidade específica, ou seja, o controle formal deveria se aproximar do controle informal para juntos estabelecerem uma forte relação com o condão de impedir ou prevenir o cometimento do crime.
A polícia, quando estabelece sua corporação em determinado setor social, deve fazer um reconhecimento do espaço geográfico, da disposição populacional, do nível socioeconômico, do nível de escolaridade, dos projetos sociais ali presentes, qual o maior índice de criminalidade e a taxa de incidência de determinados tipos de crimes. E é nesse ponto que a criminologia mostra sua importância, pois é ela que vai permitir esse vasto olhar, através dos estudos do modus operandi, de uma apuração criteriosa dos fatos.
No controle social formal sabemos que há camadas de controle e é a polícia que ocupa a primeira camada, quer dizer, é ela a base do controle, a primeira que possui contato com o crime e com os problemas sociais ali presentes, seguidas do Ministério público e do judiciário. Mas, percebe-se que, como numa escada, o controle social é formado de degraus, e é a polícia o primeiro deles, devendo disseminar as políticas públicas, atuar no direcionamento dos jovens em situação de risco, protegendo o cidadão e trazendo o mesmo para mais perto do poder estatal. Tudo isso, são comportamentos analisados pelos estudos criminológicos, que contempla nos seus objetos de estudos todos os setores do crime.
Por óbvio, não pode toda sobrecarga ser colocada no órgão policial, pois, até mesmo a Constituição Federal coloca a segurança pública como dever do Estado, porém, como uma responsabilidade e direito de todos. Outrossim, nos estudos da vitimologia, do controle social informal e até mesmo da disposição geográfica do crime, resta evidente que a sociedade também tem seu percentual de colaboração na dinâmica criminosa e na atuação do Estado no setor da segurança pública.
De toda forma, diante da crescente desigualdade social e da exclusão, principalmente em relação a moradores dos bairros periféricos, é esperado que haja um aumento da criminalidade. E é neste ponto que fica evidente a responsabilidade social no que tange à segurança pública, pois, se não há uma maior inserção social de determinados indivíduos e nem uma abertura de oportunidades, seja de emprego, inclusão, resolução de conflitos, não há a efetividade de um controle social informal.
A própria sociedade, como já explanado nos estudos da teoria do Labelling Approach, nega oportunidades para aqueles que já tiveram passagem pelo sistema policial. Estigmatizam, segregam, fazem com que o criminoso mergulhe no rótulo que lhe foi atribuído, e sem oportunidades, não resta outra opção senão a reincidência. Não há emprego, não há oportunidade, não há inclusão social, não há cidadania, parece que tudo foi retirado daquela pessoa e restou apenas o criminoso, que não merece uma segunda chance.
É certo que o que se discute são situações em que o próprio delinquente quer e busca ser reinserido, visto que, não tem como obrigar ninguém a ter um comportamento positivo sem a pessoa querer. Nesse diapasão, voltamos a pergunta que a maioria das teorias criminológicas tentam responder: porquê essas pessoas cometem crimes?
Muitas das teorias relacionam a falta de moradia, a situação de extrema pobreza, a falta de educação, lazer, imigração, movimento das cidades e outras relacionam, como por exemplo, a teoria a da Associação Diferencial, com o aprendizado do crime, com a criação de oportunidades, o que justificaria, inclusive, os crimes cometidos por pessoas economicamente favorecidas. Nenhuma delas deve ser descartada, pois o que se observa é que há uma relação entre todos esses motivos.
No mais, pelos estudos da criminologia, defende-se uma polícia mais comunitária, envolvida em programas sociais, promovendo uma atuação mais próxima da população, participando de resolução dos conflitos, assegurando os direitos do cidadão. Ao mesmo tempo, requer uma atuação por parte do Estado, voltada para uma política penitenciária condizente com a realidade, respeitando a individualidade dos delitos, um maior empenho do governo nas políticas públicas de segurança e na condução de projetos voltados a melhoria de condição de vida. Ademais, como já explanado, a segurança pública é responsabilidade (e direito) da sociedade, mas, para isso é necessário um corpo social menos limitante e menos estigmatizante, mais acolhedor para os que desejam se reestabelecer – e não mais delinquir - com uma efetiva atuação do controle informal, já que ele é a principal fonte de controle.
Política Criminal e Segurança Pública
Em uma realidade teórica, a política criminal, como já evidenciado, tem a finalidade de evitar o cometimento dos crimes, bem como, reprimi-los, caso eles venham a acontecer. Também no campo teórico, deveria a política criminal fornecer meios de o Estado evitar o crime e punir o criminoso sem necessitar de novas leis, novos tipos penais, pois, já evidente que criar crimes e prender pessoas, não necessariamente, fará diminuir a taxa da criminalidade. Porém, como já dito, isso é na teoria.
Na prática, os estudos da política criminal tem sido utilizados para atender um clamor social, que busca, cada vez mais, um recrudescimento da lei, das penas, com o necessário afastamento total do criminoso da sociedade. Assim, no decorrer dos anos, o papel do Estado diante das conclusões dos estudos, tem sido atribuir ao legislativo a competência para criar novas leis e endurecer penas de crimes já existentes. Em síntese, estudos que deveriam servir para amenizar o encarceramento e a criação de novos tipos, tem sido utilizado para endurecer ainda mais.70
Na sociedade muito se acredita que quanto maior for a pena de determinado crime, menos criminosos irão cometê-lo, contudo, esse pensamento é errado e já foi provado por inúmeros estudos de política criminal e da criminologia que não é assim que funciona, pois os crimes continuam a acontecer e, muitas vezes, de formas mais graves. O papel das duas ciências é encontrar uma forma de diminuir a criminalidade, estudando o crime e elaborando as estratégias de contenção, porém, aparentemente, quando essas propostas chegam ao Poder legislativo, juntamente com o poder judiciário, as determinações são de aplicação de leis mais severas e penas maiores, por causa de um clamor social direcionado ao pensamento em questão.
Através dos estudos da política criminal, além da construção de estratégias para diminuição da criminalidade, é possível fazer uma análise do patamar civilizatório que determinado Estado alcançou, além de verificar o grau de efetividade que os direitos humanos obtiveram. A depender da forma como o Estado se comporta ouvindo seu corpo social, será tido como um estado autoritário ou democrático, e por isso, muitas vezes, buscando este cunho de uma “democracia”, é que a política criminal se confunde em produção de leis mais duras e penas maiores.
Salienta-se que não é apenas o Poder executivo que é responsável pela política criminal. Sim, o judiciário e o legislativo aplicam a política criminal transformando-a em normas, mas, muito além disso, a política criminal seria um vetor de interpretação para aplicação da lei. Por exemplo, quando um juiz, em um processo decide se aplica ou não o princípio da insignificância, com base em critérios subjetivos, ele está realizando a atividade de política criminal, pois está fazendo uma análise do alcance das liberdades e garantias dos indivíduos.71
Uma outra fonte da política criminal é o Plano Nacional de Segurança Pública, emitido pelo Ministro de Estado da Justiça e Segurança pública, que visa estabelecer metas, planejamento e compromisso em conjunto das esferas públicas para redução da criminalidade. Ocorre que em 2017 este plano sofreu diversas mudanças com reforço de medidas repressivas e aumento da vigilância por parte dos órgãos de segurança, afastando-se dos propósitos de segurança e paz social. Neste plano, não se trabalhou na raiz do problema da criminalidade, e sim, houve uma releitura da “lei de tolerância zero”.72
Dessa forma, voltamos ao ponto central, ao cerne do problema de operacionalização das políticas criminais, pois muito se pensa em punir e pouco se pensa em chegar na raiz do problema. É certo que o plano de operacionalização deveria se preocupar em capacitar o efetivo estatal, em melhorar as condições dentro dos presídios, reduzir o caos dentro dos estabelecimentos, dar oportunidades para os egressos.
É de se recordar, diante deste cenário, o incidente em Manaus- Amazonas, onde facções de dois estabelecimentos diferentes que comandam o sistema prisional, organizaram motins, resultando em 60 mortos e em 184 detentos fugitivos. Mas claro, esse fato não é uma situação isolada, já aconteceram situações parecidas73 como essas em outros estabelecimentos, porém, o que chama atenção é que justamente que dias após esse fato, o plano de 2017, acima citado, foi elaborado. Aparentemente, quem elaborou o plano de segurança, não aprendeu com os fatos daquela época, uma vez que, diante da situação dos presídios, do caos instaurado, das recomendações da própria ONU, que, diga-se de passagem, já havia visitado o mesmo presídio em 2015, através do seu subcomitê, e denunciou superlotação, violência, impunidade e péssimas condições nas quais os detentos eram submetidos, seria evidente que piorar a situação dos presídios com mais pessoas lá dentro e penas mais graves, não iria resolver.
A execução da pena e os estudos criminológicos
Com o caminhar da história da humanidade as penas e o sistema de execução penal sofreram profundas mudanças, a principal delas, respeitada em boa parte do mundo, ao menos na teoria, diz respeito a concretude de direitos humanos, preservando a dignidade humana, a vida, o mínimo necessário para que um ser humano seja reconhecido como pessoa.
Mas, como mencionado, essa ideologia é um tanto quanto utópica, principalmente na realidade do Brasil, com superlotação nos presídios, desídia dos estados em promover políticas de segurança e integração social, a demora de julgamento dos processos, o que colabora com o encarceramento excessivo, pois estima-se que ao menos 32% da massa carcerária é de presos que ainda aguardam julgamento, além, por certo, das condições que essas pessoas vivem dentro dos presídios, submetidas ao comando de facções, controle dos próprios presos, que por muitas vezes, decidem quem vive e quem morre lá dentro.
Por certo, do lado de fora das grades, vemos uma população cada vez mais empenhada em um discurso de desprezo pelas normas de direitos fundamentais, por direitos subjetivos dos presos, pelo que fora estabelecido pelo Direito Constitucional e que deve ser respeitado por todos os setores da sociedade.
Por essa razão, se faz cada mais necessário estabelecer regras e princípios que norteiem o cumprimento da pena, que traga segurança para o condenado e que ao mesmo tempo, traga respostas para uma população inquieta. Salienta-se que proteger o condenado com o fim de ressocializar e lhe dar oportunidades, não significa encher de regalias e benefícios, significa que diante de um ato criminoso, não só pela definição legal de crime como fato típico, antijurídico e culpável, mas também pela problemática dos atos praticados e o reflexo na sociedade, deve-se ofertar a chance de uma reabilitação, e não é em um sistema criminal cruel como o brasileiro, que este objetivo será alcançado.
Um dos maiores estudiosos sobre o tema da execução penal e a interação com os saberes criminológicos, Alvino Augusto de Sá, relatava que é sim possível a ressocialização, não ela pura e simples, mas sim, adicionada de um diálogo e de reintegração social. Alvino Augusto não é abolicionista, mas reconhece que a realidade do cárcere é completamente distante do que seria ideal para uma política de prevenção/repressão ao crime74.
Por certo, a execução penal tem o objetivo de efetivar as disposições da sentença, da decisão criminal, e para isso, classifica-se o condenado segundo seus antecedentes e sua personalidade, orientando, assim, a individualização da pena. Uma comissão técnica de classificação será designada para esse estudo, seja para presos provisórios, seja para os definitivamente condenados. Essa Comissão é composta, no mínimo, por dois chefes de serviço, um psiquiatra, um psicólogo e um assistente social, além de ser presidida pelo diretor do estabelecimento e deverá avaliar a personalidade do agente, podendo entrevistar pessoas, requisitar dados do condenado a outros estabelecimentos e repartições e realizar outras diligências e quaisquer exames necessários.
Essa classificação dos presos não é apenas uma norma da Lei de Execuções Penais, é uma norma constitucional, prevista no artigo 5, sobre individualização da pena e deve ser obedecida. A execução de uma pena não pode ser igual para todos e nunca será, pois cada pessoa, por mais cruel que tenha sido o crime cometido, receberá a pena de uma forma diferente.
São analisadas as condutas anteriores, o comportamento social, o crime cometido, as razões, a forma e, o objetivo principal, além de assegurar a individualidade, é estabelecer uma meta de ressocialização, de progressão de regime, conversões de pena, auxiliando no cumprimento das penas privativas de liberdade e restritivas de direito.
É cediço que desde os primórdios dos estudos criminológicos tenta-se explicar a personalidade, a conduta, do criminoso, traçando, muitas vezes, o perfil pela aparência, por métricas do rosto (Lombroso fez muito técnica), atribuindo, até mesmo antes do período científico, o cometimento do crime a fisionomia do indivíduo. O que se sabe é que não é apenas o perfil pessoal do indivíduo que resulta na conduta criminosa, por isso outras teorias começaram a considerar o contexto social, a interação das pessoas com outras- através de grupos culturais, o aprendizado do crime, dentre outras. E da mesma forma que é importante individualizar o motivo, a forma e o contexto de determinado crime, também é importante personalizar a pena e a forma de cumprimento de determinado criminoso, até mesmo, para que ele não fique mais ainda inserido no contexto criminal.
Em relação ao exame criminológico, importante mencionar que após alterações legislativas, ele passa a ser obrigatório somente para os indivíduos condenados a uma pena privativa de liberdade em regime fechado, se for o caso de ser estabelecido um regime semiaberto, será facultativo. Em outras situações é necessário que o juiz determine sua feitura, cabendo apenas em situações necessárias e imprescindíveis.
Atenta-se que o trabalho da Comissão Técnica não é apenas individualizar a pena de maneira inicial, estabelecendo onde será cumprida, em que condições, qual melhor direcionamento do preso etc. O trabalho vai além, pois muito se discute da necessidade de um parecer da Comissão para se estabelecer um mérito objetivo nos critérios de progressão de regime e o livramento condicional.
Outro ponto que merece ser observado é que segundo a lei, a realização dos exames de classificação deveriam ocorrer em estabelecimentos específicos de observação, porém, no Brasil ainda não foram implantados. O que leva, novamente, a um debate sobre a qualidade da lei versus a realidade. Pois bem, foi estudado até aqui, que boa parte dos estudos criminológicos e da política criminal dão base e fundamento para elaboração das leis pelo legislativo e, como se vê, de forma acertada, ficou estabelecido, seguindo os ditames constitucionais, um plano de individualização, recuperação e reinserção, mas tudo isso se torna impossível e utópico quando observa-se a prática.
Ademais, a própria Lei de Execuções, seguindo teorias da criminologia, como por exemplo a Teoria da Associação Diferencial, encabeçada por Edwin Sutherland, que explicita que o comportamento criminoso é resultado de um aprendizado, preza pela separação dos presos provisórios dos efetivamente condenados, assim como, também determina a separação dos presos primários dos reincidentes, tentando evitar uma possível influência do comportamento.
A realidade é que os presídios brasileiros não acompanham a Lei de Execuções Penais. Por melhor que fosse a sua redação, as ideias, por melhor que seja o fundamento criminológico, a política pública, na prática, a realidade é muito distante da teoria. O que vemos, como já citado aqui, são presos separados pela quantidade de pena, pelo tipo de crime cometido, pouco obedecendo o que a lei determina e pior, ofendendo a própria Constituição da República, quando não individualiza e mantém o sistema carcerário fadado ao desastre.
A política criminal e a criminologia no direito penal e processual
O Direito penal é uma ciência de repressão social ao crime, servindo de base para punição do criminoso, como resposta ao mal causado. O art. 59 do Código Penal é a base de toda dosimetria da pena, abraçando o princípio da individualização da pena, que será formalizado pelo Processo penal.
No art. 59 o juiz deve analisar a culpabilidade, os antecedentes, à conduta social, a personalidade do agente, aos motivos, as circunstâncias e as consequências do crime, além do comportamento da vítima, estabelecendo uma resposta equilibrada pelo crime causado. Isso não é apenas a lei penal. O art. 59 é reflexo dos estudos criminológicos, que permitem que o magistrado identifique a real causa da conduta delituosa e os motivos que levaram à sua prática.
Dessa forma, diante do estudo do criminoso, é possível que o poder judiciário decida individualmente pela aplicação de uma pena ou por uma medida de segurança. Ademais, o comportamento da vítima também tem um peso no estudo da individualização da pena, exemplo disso é o fato de uma provocação injusta ou uma retorsão imediata ter reflexos diretos na aplicação da pena e no crime.
Após a aplicação da pena de maneira correta e individualizada, também é necessária a execução da pena de maneira acertada, pois, se o objetivo é ressocializar o criminoso, nada mais justo do que dar meios para que isso ocorra. A LEP faz previsão de estudos do comportamento criminoso através de uma Comissão Técnica de Classificação, que elaborará programas de individualização da pena, específicos para cada condenado ou para presos provisórios. Além disso, cada preso passará por exames criminológicos para sua classificação.
Por outro lado, garante assistência ao preso, para prevenir novos crimes e orientar o indivíduo ao retorno social. É certo que a partir do momento em que o indivíduo ingressa no sistema carcerário, todo seu comportamento passa, teoricamente, a ser estudado, assim como as medidas que devem ser tomadas para que ele possa ser reintegrado. A criminologia atua também neste ponto, pois também estuda o comportamento social e sua maneira de lidar com o reinserido.
Já a política criminal atua dentro das penitenciárias, para que a passagem do criminoso pelo sistema seja efetiva, e que a pena cumpra seu objetivo de prevenir a prática de novos crimes. É através de estratégias, estatísticas e planos, que a política criminal procura reintegrar o egresso e avaliar a sensação de segurança da sociedade diante da liberdade daquele indivíduo.75
As duas ciências devem atuar conjuntamente dando base para que o Estado possa aplicar uma política criminal, com fulcro em prevenção e redução dos crimes em determinados espaços geográficos. A politica criminal se preocupa com a estratagema do crime, com as suas circunstâncias e a partir daí elaborará um plano de prevenção efetivo, e a criminologia irá fornecer substrato para esses estudos, através dos seus objetos: o crime, o criminoso, a vítima e o controle social.
Mas, olhando firmemente para a segurança pública em si, o Estado possui a função de garantir a prevenção do crime, fornecendo um sistema eficiente. É certo que a redução do números de crimes se mostra pelas políticas e cooperações das áreas de segurança pública, que foram completamente direcionadas para fortalecer ações positivas no combate ao crime. Além disso, estudos demonstram áreas de vulnerabilidade, que precisam de uma maior atenção estatal, onde a população é mais ou menos propícia à criminalidade, por questões regionais, pobreza, miséria, moradia.
Criminalidade em números
No Brasil, são realizadas pesquisas anuais para fazer a análise da criminalidade em números. O instituto responsável é o IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, que em colaboração com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública – FBSP e Instituto Jones dos Santos Neves – USN, realizou o Atlas da Violência, do ano de 2021.
Os dados desta pesquisa são coletados pelo Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e pelo Sistema de Informações de Agravos de Notificação (SINAN), órgãos do Ministério da Saúde. Em regra, registrou-se um aumento nos números das mortes violentas por causas indeterminadas, em 2019. Já pelo SINAN, os estudos demonstram que o principal alvo foram a população LGBTQI+ e as pessoas com deficiências.
Nessas pesquisas são levados em consideração quatro grandes pontos: o primeiro deles, é a campanha armamentista que vem sendo desenvolvida pelo governo federal desde 2019, pois, a facilitação ao acesso das armas da população – o que pode aumentar o índice de crimes passionais e interpessoais – também pode resultar no mais fácil acesso de criminosos à armas de fogo, já que há uma estreita relação entre o mercado legal e o ilegal de armas, impossibilitando o rastreamento destes objetos. O segundo ponto é o recrudescimento da violência de campo, que tem como maiores vítimas os índios, os sem teto, os assentados e a liderança agrária. Já o terceiro, faz uma análise da violência policial, diante da ausência de mecanismos institucionais de controle, fazendo uso da força, vitimizando não só civis como os próprios policiais. O quarto e último ponto diz respeito ao risco de politização das organizações de segurança pública, principalmente com a Polícia Militar76.
O Atlas da violência 2021 revelou que a taxa de homicídios em todos os estados brasileiros apresentou queda, salvo o estado do Amazonas, que desde 2018 apresenta um aumento no percentual. Porém, ressalta que houve um aumento nos registros de mortes violentas por causa indeterminada, que são aquelas que não é possível identificar a motivação, que saltou de 12.310 para 16.648. Essas mortes podem ter sido provocadas por agressões, suicídios, assassinatos ou acidentes, mas entram como indefinidas e faz com que o números de homicídios diminua77.
No Monitor da Violência, contabilizaram-se 41.069 mil assassinatos no país durante o ano, um número 7% menor do que o ano de 2019. Esse valor quantitativo está de acordo com o Monitor de Violência, parceiro do site de notícias do G1 e do Núcleo de Violência da Universidade de São Paulo, em conjunto com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Segundo os especialistas essa redução no números de assassinatos está relacionada com as políticas públicas de teor social e de segurança, com a redução do número de jovens na população brasileira e com o controle dos governos em relação aos criminosos.78
Colocando em números outros aspectos da criminalidade, sabemos que os crimes contra o patrimônio, sejam tentados ou consumados, são as modalidades que mais prendem no Brasil. São 278.809 pessoas encarceradas por causa deles, onde o roubo qualificado atinge
102.068 detentos dentre o primeiro patamar. Na lei de drogas, são 176.691 pessoas presas, e no caso de crime contra pessoas, com destaque para os homicídios qualificados, que batem 84.686 presos, sobressai um total de 37.907 criminosos.
Segundo a pesquisa, os estados da federação que mais possuem pessoas presas é São Paulo(33,03%), Minas Gerais (9,40%) e Paraná (7,11%) , conforme levantamento realizado pelo DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional.79
Segundo a reportagem do Grupo Globo, no Jornal G1, noticiada online no dia 22/02/2022, em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Núcleo de Estudos de violência da USP, o Amazonas se tornou o estado com maior taxa de mortes violentas no país, no ano de 2021. Na outra ponta da lista está São Paulo, com 6,6.80
Essa questão do Amazonas tem recebido maior evidência diante do aumento da pirataria praticada na fronteira, pelo tráfico de drogas na região e pelos crimes ambientais, como garimpos ilegais, desmatamento e grilagem. Se de um lado grupos criminosos tentam reconquistar territórios para praticar o tráfico de drogas, de outro, cresce os homicídios em regiões de desmatamento por causa do conflito direto da população – principalmente indígena, com os empreteiros.
Ainda de acordo com a pesquisa, os estados do Norte e do Nordeste estão no topo da lista, mas, não necessariamente por serem mais violentos, e sim, pela contagem ser atribuída na relação de assassinatos por habitante. Após o estado do Amazonas, aparece o estado do Ceará, com 35,7%, Amapá, com 35,6% e Pernambuco, com 34,8%. O curioso é que a Bahia, por exemplo, em números absolutos, teve mais homicídios do que qualquer outro estado do país, com 5.099 vítimas de assassinato, mas na lista, em percentual, aparece logo após o Estado de Pernambuco.81
Entre os estados menos violentos, aparece Santa Catarina, com 9,2% e São Paulo, como já mencionado. O Distrito Federal e Minas Gerais também aparecem no fim da lista, com 10,5% e 11.3% respectivamente.
É certo que em 2021 os números caíram de maneira significativa, mas ainda são alarmantes. O número de homicídios foi o menor, desde 2007, por exemplo. Mas e os motivos dessa queda, quais são?
Estudiosos atribuem a um conjunto de fatores82:
. Profissionalização do mercado de drogas: os próprios traficantes encontraram uma forma de conviver e regulamentar a relação entre eles, reduzindo o número de conflitos fatais.
. Maior controle e influência dos governos sobre os criminosos: como parte das lideranças dos grandes comandos criminosos está dentro do sistema penitenciário, as ordem por eles dadas passaram a objeto de constante vigilância das autoridades, o que obriga um comando mais diplomático e lucrativo por parte das gangues.
. Apaziguamento de conflito entre facções
. Criação de programas de focalização e outras políticas públicas: vários estados adotaram um programa de redução de homicídios nos territórios. Em Pernambuco, o “pacto pela vida”, no Espírito Santo, o “estado presente”, no Ceará, o “ Ceará pacífico”, são exemplos que buscaram integrar ações policiais e medidas de caráter preventivo. Além disso, outros mecanismos, focados em inteligencia policial e investigação também foram implementados.
. Criação do SUSP- Sistema Único de Segurança Pública e mudanças nas regras de repasses: o SUSP é responsável pela integração e eficiência das instituições de Segurança Pública.
Em suma, percebe-se que não apenas o Estado encontrou uma forma de introduzir políticas públicas, como também, conseguiu se fazer presente, mesmo que de forma mínima, dentro dos presídios brasileiros. Ainda há uma grande desordem, visto que comandos de gangues, como por exemplo o PCC ou o Comando Vermelho, acontecem de dentro dos presídios, porém, um passo de cada vez. Ter uma queda no número de homicídios já é uma resposta significativa, mas é preciso ir além: não há mais como permitir que os próprios criminosos comandem dentro e fora dos estabelecimentos penais,
É preciso que o Estado evolua na forma de punir, que busque novos mecanismos de controle da criminalidade, que invista na população menos favorecida economicamente, principalmente em oportunidades de emprego, de melhoria na condição de vida dessas pessoas. Faz-se necessário bater de frente com o crime organizado, com o tráfico de entorpecentes, combater os crimes cibernéticos que estão cada vez mais evidentes nos tempos atuais. Há muito trabalho pela frente, a sociedade encontra-se em constante evolução, e assim como ela, deve o direito penal, a criminologia e a política criminal procurar evoluir para que o combate a criminalidade seja cada mais efetivo, e, se for o caso, a ressocialização esteja cada vez mais presente.
Criminalidade e política criminal de drogas
Dentre os inúmeros temas que poderiam ser escolhidos para exemplificar o que fora tratado durante todo o trabalho, será escolhido o tema de drogas para exemplificar a linha de raciocínio das políticas públicas e da criminalidade, e a relação delas com a resposta do crime, com a ação do Estado e as condutas tomadas pelo legislador para realizar a política de prevenção em âmbito legislativo.
Nem sempre o uso de drogas foi considerado proibitivo pela legislação. A política criminal brasileira passou por um processo de repressão a partir do ingresso do país no modelo internacional de controle de drogas, iniciado pela Convenção de Genebra em 1936, que regulamentava a produção, tráfico e consumo, proibindo, inclusive, diversas substâncias consideradas entorpecentes.
Com o Código Penal de 1940, houve uma tentativa de preservar o que ficou estabelecido em Genebra, estabelecendo regras gerais de interpretação e aplicação das legislações extrapenais. E assim, consolidaram-se diversas leis sobre drogas tratando o tema de maneira diferenciada.
Já nessa época, fala-se em conduta desviante, subculturas e identificação de usuários, criando um esteriótipo social e moral do consumidor e do vendedor da droga. Após o período militar e a promulgação da Convenção Única sobre Entorpecentes, subscrito por Castelo Branco, o Brasil embarcou na jornada de combate as drogas de forma enérgica.83
Porém, ter uma legislação que criminalizasse a conduta de vender, portar, possuir drogas, não foi suficiente para afastar o crescimento do mercado no Estado. O consumo de drogas ganhou cada vez mais amplitude, cada vez mais as pessoas consumem, compram, vendem, produzem. Para os três poderem que compõe o Estado, ficou claro que apenas criminalizar essas condutas estava longe de ser o suficiente. Era preciso mais, preciso ação do estado de forma direta na prevenção, atingindo a população mais vulnerável, investindo em educação e conhecimento.
Além disso, passa-se a adotar um discurso diferenciador entre os próprios sujeitos envolvidos com drogas. Ficou evidente que havia o traficante habitual, contumaz, que fomentava a violência do tráfico e havia o consumidor, taxado muitas vezes como um doente, dependente e que merecia uma posição de tratamento.
Se a legislação da década de sessenta considerava o esteriótipo do usuário dependente e do traficante delinquente, passou-se a prever a necessidade de medidas preventivas e terapêuticas, bem como a distinção do apenamento entre o tráfico e o uso. E neste contexto que surge a lei 6368/76.
Ao mesmo tempo, a Constituição de 88, em seu art. 5, passou a prevê disposições sobre o combate as drogas, equiparando, inclusive, a crimes hediondos, estabelecendo um tratamento diferenciado, o que impede a concessão de anistia e graça, por exemplo.
Toda essa explanação histórica foi para demonstrar o quanto a política de drogas evoluiu até o momento, contrapondo ao fato de, na prática, a questão do tráfico de entorpecentes ainda ser fundamento de grandes discussões doutrinárias e criminológicas, no que tange ao seu combate e financiamento.
A lei em vigor que trata sobre o tráfico ilícito de entorpecentes, é a lei 11.343/06, que trouxe como eixo principal uma sólida política de prevenção ao uso, assistência e reinserção social, eliminação da pena de prisão do usuário, um rigor punitivo do traficante e do financiador, mantendo a distinção entre o traficante profissional e ocasional.84
O que se percebe é que a nova lei fez mais do que apenas manter ou criar condutas típicas de crime, ela trouxe um grau de atenção especial para o usuário e dependentes, com planos de reinserção social, redução de riscos e conscientização dos danos causados à saúde, com uma descarcerização porém, mantendo seu viés proibicionista.
Lembrando que o fato do Estado trazer a não prisão para o usuário, não significa uma abstenção do estado, e sim, que não se aplica pena carcerária, porém, conserva-se mecanismos de controle. Tanto é que o porte de drogas para uso próprio, previsto no art. 28 da lei 11.343/06 é apenado com advertência sobre os efeitos da droga, com prestação de serviços à comunidade ou com medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
Mas, o que toda essa explicação tem de relação com este presente trabalho? Na realidade, apesar de toda política prevencionista proposta pela lei, a mesma é ineficiente. Por um lado, continua punindo o usuário, mesmo que com penas leves, mas ainda, com uma postura extremamente conservadora, quando na realidade, boa parte da sociedade não reprova ou não tende a reprovar o usuário, principalmente nos grupos mais jovens da sociedade. Por outro ângulo, pune severamente o traficante, que com certa vênia, mesmo sendo primário, fica proibido de ter benefícios em seu favor, como por exemplo, substituição das penas privativas de liberdades por penas restritivas de direito.
Como já fora mencionado aqui, o trabalho do Estado não é apenas punir, é criar oportunidades para que as pessoas se afastem do desvio. Mas, e as pessoas que moram nas periferias, que não possuem oportunidades e que muitas vezes não tem opção se não realizar um serviço para o traficante do morro? Todos sabemos que no mundo das drogas, principalmente quando falamos dos traficantes, aviõezinhos , informantes, só há uma maneira de sair.
E diante de tudo que já fora exposto, resta claro que o Estado precisa é de uma política pública voltada para a prevenção das drogas, e não apenas do seu uso, mas sim, prevenir que o jovem que mora na periferia, muitas vezes ainda criança, envolva-se com o crime. É necessário criar oportunidades, educação, escolas, lazer, para que o adolescente ou a criança não veja o tráfico como a única solução.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de tudo que fora explanado aqui, é perceptível que o sistema carcerário brasileiro precisa passar por extensas modificações. Na realidade, não apenas o sistema penal em si, mas, o sistema como um todo, desde a formalização dos estudos criminológicos e de política criminal até o momento de elaboração das normas penais e processuais.
É certo que somente a criação de normas e o endurecimento da maneira de punir não são eficazes para manter o controle punitivo do Estado. É preciso a presença forte e efetiva do Estado nas ruas, através de policiamento ostensivo e, se necessário, repressivo. Por outro lado, também é preciso um investimento social, seja mediante a realização de políticas públicas, com foco na melhoria da qualidade de vida, seja na feitura de programas sociais de inclusão de jovens ou de ex- detentos.
É preciso muito mais do que prender, muito mais do que colocar o preso em um estabelecimento superlotado, com condições degradantes. É de extrema necessidade que haja uma melhor individualização da pena, individualização dos delitos, dos presos – no sentido do cumprimento da pena, uma separação entre um grande traficante de drogas e uma pessoa que em determinadas condições praticou um crime de furto, por exemplo. O governo precisa estar atento e ser enérgico no controle do sistema penal, é urgente a interferência na condução das Secretarias de Segurança, no comando dos estabelecimentos penais, nas políticas de ressocialização.
É por isso que os estudos criminológicos possuem grande importância, pois trazem uma visão mais comunitária, colocando o agente de segurança mais próximo da sociedade, através de práticas de inserção social e cidadania. Ademais, a Criminologia, como ciência que é, faz um estudo do próprio comportamento social e de como a sociedade responde ao criminoso, ao crime e até mesmo a vítima. O que fica perceptível é que quanto mais a polícia se aproxima da sociedade, com uma participação ativa, assegurando direitos fundamentais, mais a comunidade responde de forma positiva tanto quanto na resolução dos conflitos, quanto na atividade de controle informal.
Desde os primórdios dos estudos criminológicos buscou-se justificar o cometimento de crimes, seja através das escolas clássicas, com a ideia de um indeterminismo e do livre arbítrio, seja pela escola positivista, com um homem determinado por fatores biológicos e
sociais. Mas, além de definir um padrão do criminoso, que já se constatou por vezes não existir, apesar da visível seletividade do sistema penal atual, era necessário buscar as causas do crime, o modo como ele aconteceu, quais os motivos diretos e indiretos para que aquele criminoso procurasse a infração penal como solução para alguma questão ou se o crime tinha sido realizado como mera fonte de prazer pessoal. E a criminologia buscou isso.
Com o avanço histórico, diversas teorias começaram a surgir, explicando não só o criminoso, como também o crime, a vítima, o controle social, englobando paradigmas sociais, o comportamento das pessoas, a condição social, qualidade de vida. Por isso fala-se em avanço do objeto da criminologia, pois os estudiosos perceberam que o foco não deveria ser apenas a pessoa do criminoso, e sim, a sociedade como um todo e os reflexos que o crime causa dentro dela.
Como já demonstrado, para um controle efetivo da criminalidade e políticas de prevenção criminal, é preciso a colaboração de todos os setores sociais, desde o controle formal – polícia, ministério público e o poder judiciário – até o controle informal, representado pela sociedade. É cediço que o acesso do controle formal na periferia e em bairros mais afastados dos grandes centros tem seus percalços, pois, o histórico dessas intervenções trás lembranças que envergonham o sistema. Mas, o Estado precisa trabalhar para modificar essa visão, precisa procurar uma forma de se inserir no cotidiano dessas pessoas, para que se crie uma sensação efetiva de proteção e segurança.
É relevante mencionar que os estudos criminológicos sobre essa interação entre o controle formal e o informal é que instruem a política criminal para que o governo possa desenvolver as políticas públicas necessárias. De toda forma, resta evidente que na ausência de qualquer das duas ciências (política criminal e criminologia) há uma defasagem de conhecimento e se torna impossível a atuação estatal, visto que, é a partir delas que novas técnicas investigativas são criadas, métodos de prevenção são desenvolvidos e um perfil do crime, do criminoso, da vítima e da sociedade são traçados.
Por fim, importante mencionar que a criminologia e a política criminal são fontes inesgotáveis para as ciências criminais, pois estão em constante modificação, já que acompanham a interação social, mas, também servem de controle para o Estado, que fazendo uso dos seus estudos, pode buscar melhorar a qualidade do cumprimento da pena, recuperar o controle dos estabelecimentos penais (que hoje se encontra sob o controle indireto dos
próprios presos), diminuir a criminalidade, enxugar o sistema processual dando celeridade aos procedimentos e ainda contribuir para a reinserção e ressocialização dos detentos.
É inadmissível, em pleno século XXI, situações como a rebelião de Manaus, como a chacina do Carandiru, a briga de facções do PCC e do Comando Vermelho, a guerra do tráfico nos morros das periferias, pessoas inocentes pagando por isso, vendo seus parentes e conhecidos mortos, por uma briga que não lhes pertence. O Estado precisa intervir, sem demoras.
NOTAS
PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Manual esquemático de criminologia. São Paulo: Saraiva, 2012.
HABERMANN, Josiane C. Albertini. A ciência criminologia. Revista de Direito, vol. 13, nº17, Ano 2010.
FONTES, Eduardo. HOFFMAN, Henrique. Carreiras Policiais: criminologia – 2 ed. rev.,atual., ampl./ Salvador. Editora: JusPodivm. 2019.
Id ibidem
5. 5. FONTES, Eduardo. HOFFMAN, Henrique. Carreiras Policiais: criminologia – 2 ed. rev.,atual., ampl./ Salvador. Editora: JusPodivm. 2019.
6. FONTES, Eduardo. HOFFMAN, Henrique. Carreiras Policiais: criminologia – 2 ed. rev.,atual., ampl./ Salvador. Editora: JusPodivm. 2019.
7. HABERMANN, Josiane C. Albertini. A ciência criminologia. Revista de Direito, vol. 13, nº17, Ano 2010.
8. HABERMANN, Josiane C. Albertini. A ciência criminologia. Revista de Direito, vol. 13, nº17, Ano 2010.
9. PAULINO, Lincoln. Direito Penal: as escolas penais. JusBrasil. 2020. Disponível em: https://lincolnpaulino99.jusbrasil.com.br/artigos/873161096/direito-penal-as-escolas-penais> Acesso em 21/03/22.
10. FERNANDES, Bianca da silva. Cesare Lombroso e a teoria do criminoso nato. Canal de Ciências Criminais. 2020. Disponível em < https://canalcienciascriminais.com.br/cesare-lombroso-criminoso-nato/> Acesso em : 21/03/22.
11. RIBEIRO, Marcelo dos Santos. Criminologia. Um breve histórico das escolas: clássica, positiva, crítica, moderna alemã e a influência da escola positiva na formação do Código Penal de 1940. Jus.com.br. 2017. Disponível em <https://jus.com.br/artigos/59164/criminologia#:~:text=Desse%20modo%2C%20pode%2Dse%20afirmar,quais%20iremos%20discorrer%20mais%20adiante.> Acesso em 21/03/22.
12. Resumo Esquematizado. Instituto Fórmula. Equipe Jornalismo/ concurso público/ criminologia. Disponível em < https://www.institutoformula.com.br/objetos-da-criminologia/#:~:text=O%20objeto%20de%20estudo%20da,v%C3%ADtima%20e%20do%20controle%20social.> Acesso em 22/03/22
13. GHIRALDELLI, Felipe Vittig. Objetos da criminologia: delito, delinquente, vítima e controle social. Portal da Jurisprudência. Disponível em: <https://portaljurisprudencia.com.br/2018/03/11/objetos-da-criminologia- delito-delinquente-vitima-controle-social/#:~:text=Para%20o%20direito%20penal%2C%20crime,um%20problema%20social%20e%20comunit%C3%A1rio.> Acesso em: 22/03/22
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Teoria criada por Edwin Sutherland para explicar crimes cometidos por pessoas com mais poder econômico, que não tinham motivos aparentes para o cometimento de delitos, salvo, o aprendizado do crime em si, através da convivência com outras pessoas. Posteriormente esta teoria serviu para explicar os famosos crimes de colarinho branco.
16. 16FONTES, Eduardo. HOFFMAN, Henrique. Carreiras Policiais: criminologia – 2 ed. rev.,atual., ampl./ Salvador. Editora: JusPodivm. 2019.
17 GHIRALDELLI, Felipe Vittig. Objetos da criminologia: delito, delinquente, vítima e controle social. Portal da Jurisprudência. Disponível em: <https://portaljurisprudencia.com.br/2018/03/11/objetos-da-criminologia- delito-delinquente-vitima-controle-social/#:~:text=Para%20o%20direito%20penal%2C%20crime,um
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18HABERMANN, Josiane C. Albertini. A ciência criminologia. Revista de Direito, vol. 13, nº17, Ano 2010.
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21. 21FONTES, Eduardo. HOFFMAN, Henrique. Carreiras Policiais: criminologia – 2 ed. rev.,atual., ampl./ Salvador. Editora: JusPodivm. 2019.
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40. 40FONTES, Eduardo. HOFFMAN, Henrique. Carreiras Policiais: criminologia – 2 ed. rev.,atual., ampl./ Salvador. Editora: JusPodivm. 2019.
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43. FONTES, Eduardo. HOFFMAN, Henrique. Carreiras Policiais: criminologia – 2 ed. rev.,atual., ampl./ Salvador. Editora: JusPodivm. 2019.
44. Art. 59-O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:I- as penas aplicáveis dentre as cominadas;II- a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;III- o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;IV- a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.
45. BUSATO, Paulo César. Direito Penal Parte Geral. São Paulo. Atlas, 2013.
46. BITENCOURT. Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2014.
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