Resumo: Este trabalho teve como propósito realizar uma análise aprofundada sobre o conceito de culpabilidade no contexto do direito penal e na teoria do crime, utilizando como base a legislação, a literatura jurídica e os precedentes judiciais. O enfoque principal foi investigar detalhadamente a culpabilidade, destacando seus elementos e as circunstâncias que podem mitigá-la, evidenciando que vai além de ser meramente um princípio do direito penal. Desse modo, exploramos a evolução dos conceitos da culpabilidade e do Direito Penal, mostrando que a culpabilidade não apenas fundamenta a aplicação da pena, mas também a limita. Em resumo, a pena só pode ser imposta se houver culpabilidade do agente, e a culpabilidade também determina o alcance dessa pena, assim, reconhecemos a culpabilidade como uma ferramenta essencial na busca pela justiça por parte do juiz ao determinar uma punição.
Palavras-chave: Culpabilidade; Direito Penal; Pena.
INTRODUÇÃO
Este trabalho acadêmico pretende examinar a culpabilidade no sistema jurídico penal atual. Inicialmente, o foco será a evolução histórica desse conceito no campo do direito e, em seguida, a análise detalhada da culpabilidade no contexto do direito penal vigente. O estudo se baseará em análises doutrinárias de diversos autores penalistas, que apresentam perspectivas sólidas e, ao mesmo tempo, conflitantes. Por esse motivo, o trabalho abrangerá todas as interpretações relevantes sobre o assunto em questão.
Apesar das divergências de opinião, as diferentes perspectivas surgem a partir da indagação sobre o Código Penal na qual não é estabelecida claramente o significado e a função da culpabilidade. No entanto, as correntes doutrinárias e as decisões judiciais supriram essa falta de definição, como será explicado mais adiante.
Este estudo baseou-se em uma abordagem qualitativa de caráter explicativa quanto ao seu objetivo. Para uma melhor contextualização na sua veracidade, foi utilizada a técnica de documentação indireta de fontes primárias, utilizando pesquisa documental em jurisprudências como também foi utilizada a documentação de fontes secundárias, com pesquisa bibliográfica em doutrinas e artigos científicos.
PRIMEIRAS CONCEPÇÕES ACERCA DA CULPABILIDADE
De acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, conforme previsto no Código Penal e de acordo com a doutrina majoritária, o conceito de Culpabilidade constitui no juízo de reprovação social pelo qual o estado penal pode aplicar uma sanção a quem praticou um fato típico e antijurídico.
Em síntese, a culpabilidade está intimamente ligada à ideia de que uma pessoa é considerada culpada quando, tendo pleno conhecimento das consequências de seus atos, age de forma contrária à lei ou de maneira descuidada, resultando em danos ou consequências indesejadas que poderiam ter sido evitadas, assim, a culpabilidade é um dos elementos essenciais para estabelecer a responsabilidade penal de um indivíduo.
Ao passo que, o Código Penal não fornece uma definição clara de culpabilidade, a avaliação desse conceito cabe à doutrina jurídica, levando a interpretações diversas sobre o assunto, existindo assim, duas interpretações amplas sobre culpabilidade, derivadas do conceito analítico de crime. A primeira corrente defende que o crime consiste em um ato típico e contrário ao direito, sendo a culpabilidade apenas um elemento para determinar a pena, ou seja, um requisito para a imposição da proteção pelo Estado. Essa perspectiva é conhecida como teoria bipartida do crime. Já a segunda corrente, traz a teoria tripartite, onde o crime é composto por três elementos distintos: fato típico, antijurídico e culpável. Nessa abordagem, a culpabilidade é considerada um dos elementos essenciais do crime, juntamente com a tipicidade e a antijuridicidade. Nesse contexto, refere-se à capacidade do agente de ser culpado pela conduta criminosa, envolve não apenas a capacidade de entender a ilicitude de seus atos (aspecto cognitivo), mas também a capacidade de agir de acordo com essa compreensão (aspecto volitivo), bem como a reprovação social da conduta.
Nesse contexto encontra-se o posicionamento do doutrinador Nucci:
Note-se, pois, que culpabilidade é fundamento e limite da pena, integrativa do conceito de crime não mero pressuposto da pena, como se estivesse fora da conceituação. Pressuposto é fato ou circunstância considerado antecedente necessário de outro, mas não, obrigatoriamente, elemento integrante. Considerar a culpabilidade como pressuposto da pena é retirar o seu caráter de fundamento da pena, pois fundamento é base, razão sobre a qual se ergue uma concepção, ou seja, é verdadeiro motivo de existência de algo. Logo, culpabilidade, se presente, fornece a razão de aplicação da pena e o crime nada mais é do que o fato típico e antijurídico, merecedor de punição, tendo em vista que o tipo incriminador é formado – e isto é inegável – pela descrição de uma conduta, seguida de uma pena (ex.: “matar alguém: pena – reclusão, de seis a vinte anos”, constituindo o homicídio). Portanto, torna-se incabível, em nosso ver, desmembrar a pena da conduta, acreditando que uma subsista sem a outra, no universo dos tipos penais incriminadores, ou seja, no contexto do crime (NUCCI, 2017, p. 239).
É correto afirmar que, apesar das divergências doutrinárias, tanto a concepção de culpabilidade como elemento do crime quanto sua interpretação como critério de dosagem da pena convergem para o mesmo ponto central: a responsabilidade do agente por sua conduta no contexto penal. Desse modo, a culpabilidade é fundamental no direito penal pois está diretamente ligada à ideia de que uma pessoa só pode ser punida se for considerada responsável por suas ações, determinando assim a medida em que o agente é merecedor de censura e, portanto, de pena, estabelecendo a justificação da aplicação da sanção penal.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA PARA A SUBJETIVA
Os primeiros contatos que as sociedades primitivas tiveram com o direito penal remontam ao tempo em que se acreditava que a paz era uma dádiva assegurada pela vontade dos deuses, e que o infrator deveria ser punido para satisfação da vingança divina. A prática da vingança privada era o normal a se fazer, sendo suficiente para a punição, que na maioria das vezes era desmedida, a mera existência de nexo causal entre a conduta e o resultado. A responsabilidade era objetiva e nem se ouvia falar sobre culpabilidade. Não havia medidas a serem seguidas ou padrões a serem respeitados.
A primeira evolução relevante ao direito penal adveio com a Lei de Talião, do Código de Hammurabi, conhecida pela expressão: “olho por olho, dente por dente”. Nele, as penas passaram a ser previamente fixadas, bem como pessoais e proporcionais ao delito cometido, contendo, assim, os excessos cometidos nas sociedades primitivas que utilizavam da vingança privada. Contudo, mesmo com a individualização das penas, a responsabilidade, neste momento, ainda era objetiva.
O outro grande passo de evolução do direito penal se deu no período romano. Com a Lei das Doze Tábuas, a aplicação da pena passou a ser do Poder Público e, com isso, a punição perdeu seu caráter vingativo. Além disso, com ela também houve um grande desenvolvimento da teoria da culpabilidade e caracterização da responsabilidade subjetiva e pessoal.
Posteriormente, na idade média, a justiça, por influência da filosofia cristã, passou a ter como base o livre-arbítrio, seguindo a linha de responsabilidade subjetiva e proporcionalidade da pena. Assim, a culpabilidade foi se aperfeiçoando até chegar no conceito empregado nos dias de hoje. Atualmente, a culpabilidade é vista como a possibilidade e reprovar o autor de um fato punível que, de acordo com as circunstâncias, deveria agir de uma maneira diferente e não o fez. Se não for constatada a culpabilidade do agente, não há punição, se não há culpabilidade, não há que se falar em pena.
Por essas razões, a reponsabilidade objetiva (calcada exclusivamente na relação natural de causa e efeito) é insustentável no sistema penal vigente. Ela corria: (i) quando alguém era punido sem ter agido com dolo ou culpa; (ii) quando alguém era punido sem culpabilidade”. (CAPEZ, 2020, p. 416).
No cenário atual do direito penal, é evidente a inaplicabilidade da responsabilidade objetiva. Com a evolução do arcabouço jurídico e o refinamento das concepções sobre o crime, compreende-se que este é constituído pelo fato típico, antijurídico e culpável, praticado por um sujeito determinado. Logo, torna-se inviável avaliar a culpabilidade de um indivíduo sem uma análise subjetiva de sua intenção (dolo) e negligência (culpa), destacando assim a predominância da responsabilidade subjetiva.
TEORIAS
Após o período da responsabilidade objetiva, emergiram teorias sobre os requisitos necessários para a responsabilização do agente, os quais serão discutidos separadamente a seguir.
Teoria psicológica da culpabilidade
A teoria psicológica da culpabilidade surge com o conceito clássico de delito, na Escola Clássica, com Franz Von Liszt e Beling, e busca explicar com critérios científicos e empíricos a responsabilidade penal.
Nesses termos, vinculada a essa concepção de Von Liszt, “culpabilidade é a responsabilidade do autor pelo ilícito que realizou”, ou, em outras palavras, culpabilidade é a relação subjetiva entre o autor e o fato. Em termos bem esquemáticos, culpabilidade é o vínculo psicológico que une o autor ao resultado produzido por sua ação. (BITENCOURT, 2022, pag.466).
Segundo essa tese, a culpabilidade é um vínculo psicológico estabelecido entre a conduta e o resultado, seja através do dolo ou da culpa, essa corrente adota a perspectiva de que o juízo de reprovação está vinculado à relação psicológica do autor com sua conduta, assim, a culpa é considerada o vínculo psicológico que conecta o agente ao evento. Nesse contexto, defende-se uma responsabilidade subjetiva, onde é fundamental investigar a "culpa" do autor da conduta. Essa abordagem está associada à teoria causalista, que enfatiza a relação subjetiva entre o autor e o fato. No âmbito da culpabilidade, tanto o dolo quanto a culpa são examinados, sendo esta última vista apenas como um elemento psicológico.
De acordo com essa abordagem, tanto o dolo quanto a culpa são considerados como as únicas formas de culpabilidade, o dolo é caracterizado pela intenção do agente em produzir o resultado, enquanto a culpa ocorre quando essa intenção está ausente ou quando o agente assume o risco de produzi-la. Portanto, junto com a imputabilidade, conforme estudado nesta doutrina, a culpabilidade é formada por dois elementos: a imputabilidade e o dolo ou culpa.
Neste contexto, a conduta é vista de forma puramente naturalista, sem qualquer valor, sendo apenas a causa do resultado. A ação é considerada o componente objetivo do crime, enquanto a culpabilidade é vista como o elemento subjetivo, apresentando-se ora como dolo, ora como culpa. Assim, para esta teoria, o único requisito necessário para a responsabilização do agente é a imputabilidade, aliada ao dolo ou à culpa.
Para a teoria psicológica, em sua concepção original, a culpabilidade somente poderia ser afastada diante de causas que eliminassem o vínculo psicológico tantas vezes referido. Essas causas seriam o “erro”, que eliminaria o elemento intelectual, ou a “coação”, que suprimiria o elemento volitivo do dolo, o qual, para essa teoria, repetindo, era puramente psicológico (vontade e previsão). (BITENCOURT, 2022, pag.466).
Apesar da importância inicial dessa teoria em rejeitar a responsabilidade objetiva, atualmente ela é alvo de críticas por parte dos doutrinadores. Uma das principais críticas é o fato de que ela se limita à avaliação de dolo ou culpa pelo agente, sem considerar, por exemplo, a culpa inconsciente, que ocorre quando o resultado não é previsto pelo agente, e, portanto, não há dolo ou culpa.
Damásio de Jesus explica:
O erro dessa doutrina consiste em reunir como espécies fenômenos completamente diferentes: dolo e culpa. Se o dolo é caracterizado pelo querer e a culpa pelo não querer, conceitos positivo e negativo, não podem ser espécies de um denominador comum, qual seja, a culpabilidade. Não se pode dizer que entre ambos o ponto de identidade seja a relação psíquica entre o autor e o resultado, uma vez que na culpa não há esse liame, salvo a culpa consciente (DAMÁSIO, 2019, p. 586).
Portanto, é evidente que esta teoria não é mais aceita no sistema penal contemporâneo, sendo substituída pela teoria psicológico-normativa da culpabilidade, que será discutida a seguir.
Teoria Psicológico-Normativa
Com o surgimento dessa teoria na estrutura penal, foi introduzido mais um critério para análise da culpabilidade, conhecido como exigibilidade de conduta diversa. Além disso, foram apresentados outros dois critérios pela Teoria Psicológica: imputabilidade e o elemento psicológico-normativo (dolo ou culpa).
Essa abordagem foi fundamental para o avanço do conceito de culpabilidade, uma vez que introduziu a ideia de que há condutas dolosas que não são consideradas culpáveis, como é o caso da coação moral irresistível.
O sujeito que mata em estado necessário age dolosamente. Sua conduta, porém, não é culpável, uma vez que, diante da inexigibilidade de outro comportamento, não se torna reprovável. Então, não somente em casos de dolo, mas também em fatos culposos, o elemento caracterizador da culpabilidade é a reprovabilidade. Quando é inexigível outra conduta, embora tenha o sujeito agido com dolo ou culpa, o fato não é reprovável, i.e., não se torna culpável. Assim, a culpabilidade não é só um liame psicológico entre o autor e o fato, ou entre o agente e o resultado, mas sim um juízo de valoração a respeito de um fato doloso (psicológico) ou culposo (normativo). (DAMÁSIO, 2019, p. 587).
Assim, a Teoria Psicológico-Normativa introduziu o elemento do juízo de valor, ou reprovação social, que deve ser feito em relação ao autor de um fato típico e antijurídico, desde que considerado imputável e que tenha agido com dolo ou culpa. Além disso, essa teoria estipula que deve haver prova da exigibilidade e da possibilidade de atuar de acordo com as regras do Direito.
No entanto, apesar de representar um avanço no estudo da culpabilidade, a Teoria Psicológico-Normativa ainda retém elementos da Teoria Psicológica, como o fato de que o dolo e a culpa são considerados como elementos da culpabilidade e não da conduta em si.
Nesse sentido, pune-se alguém por ser determinada pessoa, porque apresenta determinadas características de personalidade, e não porque fez algo, em última análise. Essa concepção justificaria, por exemplo, intervenções cada vez mais em desacordo coma proteção de direito se garantias individuais, podendo chegar, numa fase mais avançada, a um arbítrio sutil, modelando, inclusive, a personalidade do indivíduo. (BITENCOURT, 2022, pag.473).
Devido a essas características, essa teoria não é amplamente aceita entre os penalistas, o que ressalta a necessidade de estudar a próxima teoria da culpabilidade.
Teoria Normativa Pura
A teoria normativa pura da culpabilidade é caracterizada pelo seu caráter finalista, o que significa que, de acordo com essa doutrina, a conduta humana é vista como um comportamento consciente direcionado a um objetivo específico.
Nesse contexto, o dolo é compreendido como a vontade de realizar os elementos objetivos do tipo penal, enquanto a culpa é definida como a negligência na observância do cuidado objetivo necessário, resultando em uma conduta que produz um resultado previsível tanto objetiva quanto subjetivamente. Com essa abordagem sobre o dolo e a culpa, observouse que esses elementos, na verdade, não constituíam a culpabilidade, mas sim faziam parte da conduta em si.
Dessa maneira, o dolo e a culpa foram removidos do conceito de culpabilidade e passaram a integrar os elementos do tipo penal e do fato típico. Assim, esses elementos compõem o tipo penal e o fato típico, sendo formados por: conduta dolosa ou culposa, resultado, nexo de causalidade e tipicidade. A culpabilidade, por sua vez, passa a ser analisada separadamente, como o juízo de reprovação sobre a conduta do agente, considerando sua capacidade de entender o caráter ilícito do ato ou de se comportar de acordo com esse entendimento.
O dolo que foi transferido para o fato típico não é, no entanto, o normativo, mas o natural, composto apenas de consciência e vontade. A consciência da ilicitude destacou-se do dolo e passou a constituir elemento autônomo, integrante da culpabilidade, não mais, porém, como consciência atual, mas possibilidade de conhecimento do injusto. Por exemplo, a culpabilidade não será excluída se o agente, a despeito de não saber que sua conduta era errada, injusta, inadequada, tinha totais condições de sabê-lo (CAPEZ, 2020, p. 418).
Com essa teoria, ficou evidente que os elementos da culpabilidade são normativos, ou seja, são puramente avaliativos e representam juízos de reprovação social direcionados ao agente que cometeu a conduta ilícita. Nesse contexto, qualquer elemento psicológico é excluído da culpabilidade.
Portanto, a partir do estudo dessa teoria, conclui-se que a culpabilidade é composta por três elementos principais: Imputabilidade (a capacidade do agente de entender o caráter ilícito de sua conduta e de agir de acordo com esse entendimento), exigibilidade de conduta diversa ( a possibilidade de o agente se comportar de maneira diferente daquela que resultou na conduta ilícita) e o potencial consciência da ilicitude ( a capacidade potencial do agente de compreender que sua conduta é contrária à lei, mesmo que ele não tenha efetivamente percebido isso no momento da prática do ato).
ELEMENTOS DA CULPABILIDADE
De acordo com a perspectiva adotada pelo Código Penal Brasileiro, a culpabilidade é considerada normativa e composta por três elementos essenciais: i) Imputabilidade; ii) Potencial consciência da ilicitude; iii) Exigibilidade de conduta diversa;
Esses elementos são fundamentais para a concretização do juízo de valor e reprovação social que o juiz utiliza para aferir a culpabilidade de determinado agente. Cada um desses componentes será abordado individualmente no decorrer desde trabalho para uma compreensão mais detalhada de seu papel na análise da culpabilidade.
Imputabilidade
Imputabilidade é a capacidade que o agente possui de entender o caráter ilícito de sua conduta. É o conjunto de condições pessoais que dão ao agente capacidade para lhe ser juridicamente imputada a prática de um fato punível e determina-se de acordo com esse entendimento. Além disso, a imputabilidade também compreende o fato de que o agente, no momento de sua ação, deve ter pleno controle sobre sua vontade.
Imputabilidade, como já afirmamos, é a capacidade de culpabilidade, é a aptidão para ser culpável. Como afirma Muñoz Conde, “quem carece desta capacidade, por não ter maturidade suficiente, ou por sofrer de graves alterações psíquicas, não pode ser declarado culpado e, por conseguinte, não pode ser responsável penalmente pelos seus atos, por mais que sejam típicos e antijurídicos. (BITENCOURT, 2022, pag.498).
O código penal brasileiro não define imputabilidade penal de forma explícita, mas estabelece as circunstâncias que a afastam. Essas circunstâncias estão delineadas nos casos de "inimputabilidade", como previsto no caput do artigo 26 do Código Penal:
Art. 26. - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Este artigo estabelece que não são imputáveis aqueles que, "por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, eram, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapazes de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento".
Essa redação foi modificada pela Reforma Penal de 1984, que substituiu a expressão "caráter criminoso" por "caráter ilícito" do fato. Essa mudança é considerada mais precisa tecnicamente, uma vez que faz referência direta à consciência da ilicitude como um elemento da culpabilidade. Além disso, essa alteração evidencia que o conceito de não imputabilidade não se limita apenas a fatores biológicos, mas também considera aspectos biopsicológicos.
Nos casos em que o agente padece de doença mental ou de desenvolvimento mental incompleto ou retardado é necessário constatara consequência psicológica desse distúrbio (sistema biopsicológico), pois este é o aspecto relevante para o Direito Penal no momento de decidir se o sujeito pode ser, ou não, punido com uma pena. (BITENCOURT, 2022, pag.500).
Em resumo, podemos concluir que a imputabilidade envolve tanto um aspecto cognitivo, relacionado à capacidade de entendimento, quanto um aspecto volitivo, que diz respeito à capacidade de controlar a própria vontade. No entanto, é comum encontrar confusão entre os conceitos de imputabilidade, capacidade e responsabilidade no âmbito jurídico.
Para esclarecer, a capacidade é um conceito mais amplo do qual a imputabilidade é uma parte específica. Ela engloba não apenas a capacidade de entender e controlar as ações no contexto penal, mas também inclui a aptidão para realizar atos em outras áreas, como civil e processual. Dessa forma, podemos dizer que a imputabilidade é a capacidade aplicada ao âmbito penal. Por outro lado, a responsabilidade penal se refere às consequências legais decorrentes das ações praticadas por um indivíduo. É importante destacar que a responsabilidade abarca a imputabilidade, pois sem esta última, o autor das ações não pode ser legalmente responsabilizado pelos seus atos.
Imputabilidade não se confunde com responsabilidade, que é o princípio segundo o qual a pessoa dotada de capacidade de culpabilidade (imputável) deve responder por suas ações. Aliás, também nesse particular, foi feliz a Reforma Penal de 1984, ao abandonar a terminologia responsabilidade penal, equivocadamente utilizada pela redação original do Código Penal de 1940. (BITENCOURT, 2022, pag.499).
Potencial Consciência da Ilicitude
O segundo requisito para caracterizar a culpabilidade é a potencial consciência da ilicitude, que se refere à capacidade do agente de compreender, no momento da ação ou omissão, a natureza injusta de seus atos. Em outras palavras, para ser considerado culpável, o autor do crime deve ter consciência de que sua conduta constitui uma violação da lei penal, ou pelo menos ter a capacidade de perceber essa ilicitude.
Isso significa que, ao cometer o crime, o indivíduo deve estar ciente de que sua ação ou omissão é contrária à lei, moralmente reprovável e sujeita a punição legal. Mesmo que não tenha uma compreensão completa da ilegalidade de seus atos, é suficiente que exista a possibilidade de ele entender essa ilicitude.
Em suma, a potencial consciência da ilicitude é um aspecto fundamental da culpabilidade, pois demonstra a capacidade do agente de discernir entre o que é permitido e o que é proibido pela lei, refletindo assim sua responsabilidade moral e jurídica pelos atos praticados.
Exigibilidade de Conduta Diversa
O terceiro e último elemento que constitui a culpabilidade é a exigibilidade de conduta diversa. Isso significa que, para que uma conduta seja considerada culpável, além dos dois primeiros elementos discutidos anteriormente, é necessário que, dadas as circunstâncias do fato, o autor tivesse a possibilidade de agir de maneira diferente, de acordo com as normas estabelecidas pelo ordenamento jurídico.
Em outras palavras, a exigibilidade de conduta diversa ocorre quando, no momento em que o agente cometeu o ato ilícito, ele poderia ter escolhido uma alternativa de ação que não violasse a lei, espera-se nesse caso que o indivíduo adote uma conduta diferente da praticada. Assim, não haverá reprovação quando, em certas circunstâncias, for impossível exigir outra conduta.
Esse elemento é fundamental para todo o conceito de culpabilidade e crucial para determinar a responsabilidade criminal do sujeito, para que o Estado possa punir alguém pelo delito, é necessário que, no caso específico, houvesse a possibilidade de agir de maneira diferente, ou seja, não cometer o crime. Conforme mencionado, existem excludentes legais expressas em lei para este elemento, que são a coação moral irresistível e a obediência hierárquica.