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A evolução do conceito de culpabilidade no Direito Penal:

Análise das teorias e implicações práticas

RESUMO

Este trabalho teve como propósito realizar uma análise aprofundada sobre o conceito de culpabilidade no contexto do direito penal e na teoria do crime, utilizando como base a legislação, a literatura jurídica e os precedentes judiciais. O enfoque principal foi investigar detalhadamente a culpabilidade, destacando seus elementos e as circunstâncias que podem mitigá-la, evidenciando que vai além de ser meramente um princípio do direito penal. Desse modo, exploramos a evolução dos conceitos da culpabilidade e do Direito Penal, mostrando que a culpabilidade não apenas fundamenta a aplicação da pena, mas também a limita. Em resumo, a pena só pode ser imposta se houver culpabilidade do agente, e a culpabilidade também determina o alcance dessa pena, assim, reconhecemos a culpabilidade como uma ferramenta essencial na busca pela justiça por parte do juiz ao determinar uma punição.

Palavras-chave: Culpabilidade; Direito Penal; Pena.

ABSTRACT

This work aimed to conduct an in-depth analysis of the concept of culpability within the context of criminal law and the theory of crime, drawing on legislation, legal literature, and judicial precedents. The main focus was to investigate culpability extensively, highlighting its elements and mitigating circumstances, demonstrating that it transcends being merely a principle of criminal law. Thus, we explored the evolution of culpability and criminal law concepts, showing that culpability not only underpins the imposition of punishment but also sets its limits. In summary, punishment can only be imposed if there is culpability on the part of the agent, and culpability also determines the extent of that punishment. Therefore, we recognize culpability as an essential tool in the pursuit of justice by judges when determining a sentence.

Keywords: Culpability; Criminal law; Punishment.

INTRODUÇÃO

Este trabalho acadêmico pretende examinar a culpabilidade no sistema jurídico penal atual. Inicialmente, o foco será a evolução histórica desse conceito no campo do direito e, em seguida, a análise detalhada da culpabilidade no contexto do direito penal vigente. O estudo se baseará em análises doutrinárias de diversos autores penalistas, que apresentam perspectivas sólidas e, ao mesmo tempo, conflitantes. Por esse motivo, o trabalho abrangerá todas as interpretações relevantes sobre o assunto em questão.

Apesar das divergências de opinião, as diferentes perspectivas surgem a partir da indagação sobre o Código Penal na qual não é estabelecida claramente o significado e a função da culpabilidade. No entanto, as correntes doutrinárias e as decisões judiciais supriram essa falta de definição, como será explicado mais adiante.

METODOLOGIA

Este estudo baseou-se em uma abordagem qualitativa de caráter explicativa quanto ao seu objetivo. Para uma melhor contextualização na sua veracidade, foi utilizada a técnica de documentação indireta de fontes primárias, utilizando pesquisa documental em jurisprudências como também foi utilizada a documentação de fontes secundárias, com pesquisa bibliográfica em doutrinas e artigos científicos.

PRIMEIRAS CONCEPÇÕES ACERCA DA CULPABILIDADE

De acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, conforme previsto no Código Penal e de acordo com a doutrina majoritária, o conceito de Culpabilidade constitui no juízo de reprovação social pelo qual o estado penal pode aplicar uma sanção a quem praticou um fato típico e antijurídico.

Em síntese, a culpabilidade está intimamente ligada à ideia de que uma pessoa é considerada culpada quando, tendo pleno conhecimento das consequências de seus atos, age de forma contrária à lei ou de maneira descuidada, resultando em danos ou consequências indesejadas que poderiam ter sido evitadas, assim, a culpabilidade é um dos elementos essenciais para estabelecer a responsabilidade penal de um indivíduo.

Ao passo que, o Código Penal não fornece uma definição clara de culpabilidade, a avaliação desse conceito cabe à doutrina jurídica, levando a interpretações diversas sobre o assunto, existindo assim, duas interpretações amplas sobre culpabilidade, derivadas do conceito analítico de crime. A primeira corrente defende que o crime consiste em um ato típico e contrário ao direito, sendo a culpabilidade apenas um elemento para determinar a pena, ou seja, um requisito para a imposição da proteção pelo Estado. Essa perspectiva é conhecida como teoria bipartida do crime. Já a segunda corrente, traz a teoria tripartite, onde o crime é composto por três elementos distintos: fato típico, antijurídico e culpável. Nessa abordagem, a culpabilidade é considerada um dos elementos essenciais do crime, juntamente com a tipicidade e a antijuridicidade. Nesse contexto, refere-se à capacidade do agente de ser culpado pela conduta criminosa, envolve não apenas a capacidade de entender a ilicitude de seus atos (aspecto cognitivo), mas também a capacidade de agir de acordo com essa compreensão (aspecto volitivo), bem como a reprovação social da conduta.

Nesse contexto encontra-se o posicionamento do doutrinador Nucci:

Note-se, pois, que culpabilidade é fundamento e limite da pena, integrativa do conceito de crime não mero pressuposto da pena, como se estivesse fora da conceituação. Pressuposto é fato ou circunstância considerado antecedente necessário de outro, mas não, obrigatoriamente, elemento integrante. Considerar a culpabilidade como pressuposto da pena é retirar o seu caráter de fundamento da pena, pois fundamento é base, razão sobre a qual se ergue uma concepção, ou seja, é verdadeiro motivo de existência de algo. Logo, culpabilidade, se presente, fornece a razão de aplicação da pena e o crime nada mais é do que o fato típico e antijurídico, merecedor de punição, tendo em vista que o tipo incriminador é formado – e isto é inegável – pela descrição de uma conduta, seguida de uma pena (ex.: “matar alguém: pena – reclusão, de seis a vinte anos”, constituindo o homicídio). Portanto, torna-se incabível, em nosso ver, desmembrar a pena da conduta, acreditando que uma subsista sem a outra, no universo dos tipos penais incriminadores, ou seja, no contexto do crime (NUCCI, 2017, p. 239).

É correto afirmar que, apesar das divergências doutrinárias, tanto a concepção de culpabilidade como elemento do crime quanto sua interpretação como critério de dosagem da pena convergem para o mesmo ponto central: a responsabilidade do agente por sua conduta no contexto penal. Desse modo, a culpabilidade é fundamental no direito penal pois está diretamente ligada à ideia de que uma pessoa só pode ser punida se for considerada responsável por suas ações, determinando assim a medida em que o agente é merecedor de censura e, portanto, de pena, estabelecendo a justificação da aplicação da sanção penal.

RESPONSAPILIDADE OBJETIVA PARA A SUBJETIVA

Os primeiros contatos que as sociedades primitivas tiveram com o direito penal remontam ao tempo em que se acreditava que a paz era uma dádiva assegurada pela vontade dos deuses, e que o infrator deveria ser punido para satisfação da vingança divina. A prática da vingança privada era o normal a se fazer, sendo suficiente para a punição, que na maioria das vezes era desmedida, a mera existência de nexo causal entre a conduta e o resultado. A responsabilidade era objetiva e nem se ouvia falar sobre culpabilidade. Não havia medidas a serem seguidas ou padrões a serem respeitados.

A primeira evolução relevante ao direito penal adveio com a Lei de Talião, do Código de Hammurabi, conhecida pela expressão: “olho por olho, dente por dente”. Nele, as penas passaram a ser previamente fixadas, bem como pessoais e proporcionais ao delito cometido, contendo, assim, os excessos cometidos nas sociedades primitivas que utilizavam da vingança privada. Contudo, mesmo com a individualização das penas, a responsabilidade, neste momento, ainda era objetiva.

O outro grande passo de evolução do direito penal se deu no período romano. Com a Lei das Doze Tábuas, a aplicação da pena passou a ser do Poder Público e, com isso, a punição perdeu seu caráter vingativo. Além disso, com ela também houve um grande desenvolvimento da teoria da culpabilidade e caracterização da responsabilidade subjetiva e pessoal.

Posteriormente, na idade média, a justiça, por influência da filosofia cristã, passou a ter como base o livre-arbítrio, seguindo a linha de responsabilidade subjetiva e proporcionalidade da pena. Assim, a culpabilidade foi se aperfeiçoando até chegar no conceito empregado nos dias de hoje. Atualmente, a culpabilidade é vista como a possibilidade e reprovar o autor de um fato punível que, de acordo com as circunstâncias, deveria agir de uma maneira diferente e não o fez. Se não for constatada a culpabilidade do agente, não há punição, se não há culpabilidade, não há que se falar em pena.

Por essas razões, a reponsabilidade objetiva (calcada exclusivamente na relação natural de causa e efeito) é insustentável no sistema penal vigente. Ela corria: (i) quando alguém era punido sem ter agido com dolo ou culpa; (ii) quando alguém era punido sem culpabilidade”. (CAPEZ, 2020, p. 416).

No cenário atual do direito penal, é evidente a inaplicabilidade da responsabilidade objetiva. Com a evolução do arcabouço jurídico e o refinamento das concepções sobre o crime, compreende-se que este é constituído pelo fato típico, antijurídico e culpável, praticado por um sujeito determinado. Logo, torna-se inviável avaliar a culpabilidade de um indivíduo sem uma análise subjetiva de sua intenção (dolo) e negligência (culpa), destacando assim a predominância da responsabilidade subjetiva.

TEORIAS

Após o período da responsabilidade objetiva, emergiram teorias sobre os requisitos necessários para a responsabilização do agente, os quais serão discutidos separadamente a seguir.

Teoria psicológica da culpabilidade

A teoria psicológica da culpabilidade surge com o conceito clássico de delito, na Escola Clássica, com Franz Von Liszt e Beling, e busca explicar com critérios científicos e empíricos a responsabilidade penal.

Nesses termos, vinculada a essa concepção de Von Liszt, “culpabilidade é a responsabilidade do autor pelo ilícito que realizou”, ou, em outras palavras, culpabilidade é a relação subjetiva entre o autor e o fato. Em termos bem esquemáticos, culpabilidade é o vínculo psicológico que une o autor ao resultado produzido por sua ação. (BITENCOURT, 2022, pag.466).

Segundo essa tese, a culpabilidade é um vínculo psicológico estabelecido entre a conduta e o resultado, seja através do dolo ou da culpa, essa corrente adota a perspectiva de que o juízo de reprovação está vinculado à relação psicológica do autor com sua conduta, assim, a culpa é considerada o vínculo psicológico que conecta o agente ao evento. Nesse contexto, defende-se uma responsabilidade subjetiva, onde é fundamental investigar a "culpa" do autor da conduta. Essa abordagem está associada à teoria causalista, que enfatiza a relação subjetiva entre o autor e o fato. No âmbito da culpabilidade, tanto o dolo quanto a culpa são examinados, sendo esta última vista apenas como um elemento psicológico.

De acordo com essa abordagem, tanto o dolo quanto a culpa são considerados como as únicas formas de culpabilidade, o dolo é caracterizado pela intenção do agente em produzir o resultado, enquanto a culpa ocorre quando essa intenção está ausente ou quando o agente assume o risco de produzi-la. Portanto, junto com a imputabilidade, conforme estudado nesta doutrina, a culpabilidade é formada por dois elementos: a imputabilidade e o dolo ou culpa.

Neste contexto, a conduta é vista de forma puramente naturalista, sem qualquer valor, sendo apenas a causa do resultado. A ação é considerada o componente objetivo do crime, enquanto a culpabilidade é vista como o elemento subjetivo, apresentando-se ora como dolo, ora como culpa. Assim, para esta teoria, o único requisito necessário para a responsabilização do agente é a imputabilidade, aliada ao dolo ou à culpa.

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Para a teoria psicológica, em sua concepção original, a culpabilidade somente poderia ser afastada diante de causas que eliminassem o vínculo psicológico tantas vezes referido. Essas causas seriam o “erro”, que eliminaria o elemento intelectual, ou a “coação”, que suprimiria o elemento volitivo do dolo, o qual, para essa teoria, repetindo, era puramente psicológico (vontade e previsão). (BITENCOURT, 2022, pag.466).

Apesar da importância inicial dessa teoria em rejeitar a responsabilidade objetiva, atualmente ela é alvo de críticas por parte dos doutrinadores. Uma das principais críticas é o fato de que ela se limita à avaliação de dolo ou culpa pelo agente, sem considerar, por exemplo, a culpa inconsciente, que ocorre quando o resultado não é previsto pelo agente, e, portanto, não há dolo ou culpa.

Damásio de Jesus explica:

O erro dessa doutrina consiste em reunir como espécies fenômenos completamente diferentes: dolo e culpa. Se o dolo é caracterizado pelo querer e a culpa pelo não querer, conceitos positivo e negativo, não podem ser espécies de um denominador comum, qual seja, a culpabilidade. Não se pode dizer que entre ambos o ponto de identidade seja a relação psíquica entre o autor e o resultado, uma vez que na culpa não há esse liame, salvo a culpa consciente (DAMÁSIO, 2019, p. 586).

Portanto, é evidente que esta teoria não é mais aceita no sistema penal contemporâneo, sendo substituída pela teoria psicológico-normativa da culpabilidade, que será discutida a seguir.

Teoria Psicológico-Normativa

Com o surgimento dessa teoria na estrutura penal, foi introduzido mais um critério para análise da culpabilidade, conhecido como exigibilidade de conduta diversa. Além disso, foram apresentados outros dois critérios pela Teoria Psicológica: imputabilidade e o elemento psicológico-normativo (dolo ou culpa).

Essa abordagem foi fundamental para o avanço do conceito de culpabilidade, uma vez que introduziu a ideia de que há condutas dolosas que não são consideradas culpáveis, como é o caso da coação moral irresistível.

O sujeito que mata em estado necessário age dolosamente. Sua conduta, porém, não é culpável, uma vez que, diante da inexigibilidade de outro comportamento, não se torna reprovável. Então, não somente em casos de dolo, mas também em fatos culposos, o elemento caracterizador da culpabilidade é a reprovabilidade. Quando é inexigível outra conduta, embora tenha o sujeito agido com dolo ou culpa, o fato não é reprovável, i.e., não se torna culpável. Assim, a culpabilidade não é só um liame psicológico entre o autor e o fato, ou entre o agente e o resultado, mas sim um juízo de valoração a respeito de um fato doloso (psicológico) ou culposo (normativo). (DAMÁSIO, 2019, p. 587).

Assim, a Teoria Psicológico-Normativa introduziu o elemento do juízo de valor, ou reprovação social, que deve ser feito em relação ao autor de um fato típico e antijurídico, desde que considerado imputável e que tenha agido com dolo ou culpa. Além disso, essa teoria estipula que deve haver prova da exigibilidade e da possibilidade de atuar de acordo com as regras do Direito.

No entanto, apesar de representar um avanço no estudo da culpabilidade, a Teoria Psicológico-Normativa ainda retém elementos da Teoria Psicológica, como o fato de que o dolo e a culpa são considerados como elementos da culpabilidade e não da conduta em si.

Nesse sentido, pune-se alguém por ser determinada pessoa, porque apresenta determinadas características de personalidade, e não porque fez algo, em última análise. Essa concepção justificaria, por exemplo, intervenções cada vez mais em desacordo coma proteção de direito se garantias individuais, podendo chegar, numa fase mais avançada, a um arbítrio sutil, modelando, inclusive, a personalidade do indivíduo. (BITENCOURT, 2022, pag.473).

Devido a essas características, essa teoria não é amplamente aceita entre os penalistas, o que ressalta a necessidade de estudar a próxima teoria da culpabilidade.

Teoria Normativa Pura

A teoria normativa pura da culpabilidade é caracterizada pelo seu caráter finalista, o que significa que, de acordo com essa doutrina, a conduta humana é vista como um comportamento consciente direcionado a um objetivo específico.

Nesse contexto, o dolo é compreendido como a vontade de realizar os elementos objetivos do tipo penal, enquanto a culpa é definida como a negligência na observância do cuidado objetivo necessário, resultando em uma conduta que produz um resultado previsível tanto objetiva quanto subjetivamente. Com essa abordagem sobre o dolo e a culpa, observouse que esses elementos, na verdade, não constituíam a culpabilidade, mas sim faziam parte da conduta em si.

Dessa maneira, o dolo e a culpa foram removidos do conceito de culpabilidade e passaram a integrar os elementos do tipo penal e do fato típico. Assim, esses elementos compõem o tipo penal e o fato típico, sendo formados por: conduta dolosa ou culposa, resultado, nexo de causalidade e tipicidade. A culpabilidade, por sua vez, passa a ser analisada separadamente, como o juízo de reprovação sobre a conduta do agente, considerando sua capacidade de entender o caráter ilícito do ato ou de se comportar de acordo com esse entendimento.

O dolo que foi transferido para o fato típico não é, no entanto, o normativo, mas o natural, composto apenas de consciência e vontade. A consciência da ilicitude destacou-se do dolo e passou a constituir elemento autônomo, integrante da culpabilidade, não mais, porém, como consciência atual, mas possibilidade de conhecimento do injusto. Por exemplo, a culpabilidade não será excluída se o agente, a despeito de não saber que sua conduta era errada, injusta, inadequada, tinha totais condições de sabê-lo (CAPEZ, 2020, p. 418).

Com essa teoria, ficou evidente que os elementos da culpabilidade são normativos, ou seja, são puramente avaliativos e representam juízos de reprovação social direcionados ao agente que cometeu a conduta ilícita. Nesse contexto, qualquer elemento psicológico é excluído da culpabilidade.

Portanto, a partir do estudo dessa teoria, conclui-se que a culpabilidade é composta por três elementos principais: Imputabilidade (a capacidade do agente de entender o caráter ilícito de sua conduta e de agir de acordo com esse entendimento), exigibilidade de conduta diversa ( a possibilidade de o agente se comportar de maneira diferente daquela que resultou na conduta ilícita) e o potencial consciência da ilicitude ( a capacidade potencial do agente de compreender que sua conduta é contrária à lei, mesmo que ele não tenha efetivamente percebido isso no momento da prática do ato).

ELEMENTOS DA CULPABILIDADE

De acordo com a perspectiva adotada pelo Código Penal Brasileiro, a culpabilidade é considerada normativa e composta por três elementos essenciais: i) Imputabilidade; ii) Potencial consciência da ilicitude; iii) Exigibilidade de conduta diversa;

Esses elementos são fundamentais para a concretização do juízo de valor e reprovação social que o juiz utiliza para aferir a culpabilidade de determinado agente. Cada um desses componentes será abordado individualmente no decorrer desde trabalho para uma compreensão mais detalhada de seu papel na análise da culpabilidade.

Imputabilidade

Imputabilidade é a capacidade que o agente possui de entender o caráter ilícito de sua conduta. É o conjunto de condições pessoais que dão ao agente capacidade para lhe ser juridicamente imputada a prática de um fato punível e determina-se de acordo com esse entendimento. Além disso, a imputabilidade também compreende o fato de que o agente, no momento de sua ação, deve ter pleno controle sobre sua vontade.

Imputabilidade, como já afirmamos, é a capacidade de culpabilidade, é a aptidão para ser culpável. Como afirma Muñoz Conde, “quem carece desta capacidade, por não ter maturidade suficiente, ou por sofrer de graves alterações psíquicas, não pode ser declarado culpado e, por conseguinte, não pode ser responsável penalmente pelos seus atos, por mais que sejam típicos e antijurídicos. (BITENCOURT, 2022, pag.498).

O código penal brasileiro não define imputabilidade penal de forma explícita, mas estabelece as circunstâncias que a afastam. Essas circunstâncias estão delineadas nos casos de "inimputabilidade", como previsto no caput do artigo 26 do Código Penal:

Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Este artigo estabelece que não são imputáveis aqueles que, "por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, eram, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapazes de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento".

Essa redação foi modificada pela Reforma Penal de 1984, que substituiu a expressão "caráter criminoso" por "caráter ilícito" do fato. Essa mudança é considerada mais precisa tecnicamente, uma vez que faz referência direta à consciência da ilicitude como um elemento da culpabilidade. Além disso, essa alteração evidencia que o conceito de não imputabilidade não se limita apenas a fatores biológicos, mas também considera aspectos biopsicológicos.

Nos casos em que o agente padece de doença mental ou de desenvolvimento mental incompleto ou retardado é necessário constatara consequência psicológica desse distúrbio (sistema biopsicológico), pois este é o aspecto relevante para o Direito Penal no momento de decidir se o sujeito pode ser, ou não, punido com uma pena. (BITENCOURT, 2022, pag.500).

Em resumo, podemos concluir que a imputabilidade envolve tanto um aspecto cognitivo, relacionado à capacidade de entendimento, quanto um aspecto volitivo, que diz respeito à capacidade de controlar a própria vontade. No entanto, é comum encontrar confusão entre os conceitos de imputabilidade, capacidade e responsabilidade no âmbito jurídico.

Para esclarecer, a capacidade é um conceito mais amplo do qual a imputabilidade é uma parte específica. Ela engloba não apenas a capacidade de entender e controlar as ações no contexto penal, mas também inclui a aptidão para realizar atos em outras áreas, como civil e processual. Dessa forma, podemos dizer que a imputabilidade é a capacidade aplicada ao âmbito penal. Por outro lado, a responsabilidade penal se refere às consequências legais decorrentes das ações praticadas por um indivíduo. É importante destacar que a responsabilidade abarca a imputabilidade, pois sem esta última, o autor das ações não pode ser legalmente responsabilizado pelos seus atos.

Imputabilidade não se confunde com responsabilidade, que é o princípio segundo o qual a pessoa dotada de capacidade de culpabilidade (imputável) deve responder por suas ações. Aliás, também nesse particular, foi feliz a Reforma Penal de 1984, ao abandonar a terminologia responsabilidade penal, equivocadamente utilizada pela redação original do Código Penal de 1940. (BITENCOURT, 2022, pag.499).

Potencial Consciência da Ilicitude

O segundo requisito para caracterizar a culpabilidade é a potencial consciência da ilicitude, que se refere à capacidade do agente de compreender, no momento da ação ou omissão, a natureza injusta de seus atos. Em outras palavras, para ser considerado culpável, o autor do crime deve ter consciência de que sua conduta constitui uma violação da lei penal, ou pelo menos ter a capacidade de perceber essa ilicitude.

Isso significa que, ao cometer o crime, o indivíduo deve estar ciente de que sua ação ou omissão é contrária à lei, moralmente reprovável e sujeita a punição legal. Mesmo que não tenha uma compreensão completa da ilegalidade de seus atos, é suficiente que exista a possibilidade de ele entender essa ilicitude.

Em suma, a potencial consciência da ilicitude é um aspecto fundamental da culpabilidade, pois demonstra a capacidade do agente de discernir entre o que é permitido e o que é proibido pela lei, refletindo assim sua responsabilidade moral e jurídica pelos atos praticados.

Exigibilidade de Conduta Diversa

O terceiro e último elemento que constitui a culpabilidade é a exigibilidade de conduta diversa. Isso significa que, para que uma conduta seja considerada culpável, além dos dois primeiros elementos discutidos anteriormente, é necessário que, dadas as circunstâncias do fato, o autor tivesse a possibilidade de agir de maneira diferente, de acordo com as normas estabelecidas pelo ordenamento jurídico.

Em outras palavras, a exigibilidade de conduta diversa ocorre quando, no momento em que o agente cometeu o ato ilícito, ele poderia ter escolhido uma alternativa de ação que não violasse a lei, espera-se nesse caso que o indivíduo adote uma conduta diferente da praticada. Assim, não haverá reprovação quando, em certas circunstâncias, for impossível exigir outra conduta.

Esse elemento é fundamental para todo o conceito de culpabilidade e crucial para determinar a responsabilidade criminal do sujeito, para que o Estado possa punir alguém pelo delito, é necessário que, no caso específico, houvesse a possibilidade de agir de maneira diferente, ou seja, não cometer o crime. Conforme mencionado, existem excludentes legais expressas em lei para este elemento, que são a coação moral irresistível e a obediência hierárquica.

CAUSAS EXCLUDENTES DE CULPABILIDADE

Conforme abordado, a culpabilidade é composta pelos elementos: imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa. Cada um desses elementos possui causas que, se configuradas, excluem a culpabilidade do agente. A seguir, cada uma dessas causas será abordada individualmente.

Causas de Exclusão Relacionadas à Imputabilidade

Inicialmente, cabe citar que existem três critérios para aferição da inimputabilidade:

  1. sistema biológico;

  2. sistema psicológico;

  3. sistema biopsicológico.

No sistema biológico, para a análise da inimputabilidade, considera-se apenas se o agente é portador de alguma doença mental ou desenvolvimento mental incompleto, independentemente de essas características terem afetado o autor no momento de sua conduta. Já o sistema psicológico leva em consideração apenas se, no momento da ação ou omissão, o criminoso possuía ou não condições de entender o caráter delituoso de sua conduta e de determinar-se de acordo com esse entendimento, sendo a existência de alguma deficiência um fato irrelevante.

Por último, o sistema biopsicológico combina os dois sistemas anteriores. Para esta vertente, é inimputável o indivíduo que, em razão de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto, for, no momento da ação ou omissão, incapaz de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

A teoria adotada no sistema biopsicológico foi incorporada pelo Código Penal. Segundo Fernando Capez, são necessários três requisitos para sua incidência:

  1. causal: existência de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto;

  2. cronológico: atuação ao tempo da ação ou omissão delituosa;

  3. consequencial: perda total da capacidade de entender/querer.

Os requisitos são cumulativos, com exceção dos menores de idade, que são regidos pelo sistema biológico. De acordo com o Código Penal, baseado no sistema biopsicológico, existem quatro causas que excluem a imputabilidade:

i. doença mental; ii. desenvolvimento mental incompleto; iii. desenvolvimento mental retardado;

iv. embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior.

Esse tema encontra-se elencado no Título III do Código Penal, abrangendo os artigos 26 e seguintes, sendo cada uma dessas excludentes analisada detalhadamente a seguir.

Inimputabilidade por Doença Mental

Para fins do direito penal, a doença mental abrange perturbações mentais ou psíquicas de qualquer natureza que sejam capazes de eliminar ou prejudicar a capacidade do indivíduo de compreender o caráter criminoso do ato ou de agir conforme essa compreensão.

O artigo 26 do Código Penal apresenta a seguinte redação:

Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Da análise deste dispositivo, conclui-se que, para que o agente seja isento de pena, ou seja, considerado não culpável devido à sua doença mental, ele deve, no momento da ação ou omissão, ser completamente incapaz de compreender a ilicitude do ato e de agir conforme a lei. Portanto, não é suficiente que o agente tenha uma doença mental para ser isento de pena; ele deve ser totalmente incapaz de entender seus atos e controlar sua vontade devido à doença.

Se, no momento do ato delituoso, o autor não era completamente incapaz de entender o caráter ilícito de sua ação, a culpabilidade não é excluída, mas a pena pode ser reduzida de 1/3 a 2/3.

Inimputabilidade por Desenvolvimento Mental Incompleto ou Retardado

O desenvolvimento mental incompleto refere-se à condição em que o processo de maturação mental não está concluído, geralmente devido à pouca idade cronológica do indivíduo (menoridade penal) ou à falta de convivência em sociedade, como no caso de indígenas não adaptados, resultando em imaturidade mental e emocional (CAPEZ, 2020, p. 423).

O artigo 27 do Código Penal estabelece claramente a inimputabilidade devido à menoridade: "Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial." É importante mencionar que, embora menores de 18 anos sejam inimputáveis, eles estão sujeitos aos procedimentos e medidas socioeducativas previstas na Lei n° 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente).

Por outro lado, o desenvolvimento mental retardado difere do desenvolvimento mental incompleto. Ele se caracteriza quando a capacidade do indivíduo não corresponde às expectativas para sua idade, indicando que a plena capacidade nunca será alcançada. Este é o caso de surdos-mudos, cuja capacidade de compreensão e autodeterminação é afetada devido à deficiência. Além disso, os oligofrênicos, que também são inimputáveis por desenvolvimento mental retardado, são classificados em três subgrupos: i) debilidade mental; ii) imbecilidade; iii) idiotia.

Em todos esses casos, a inimputabilidade deve ser avaliada por meio de perícia e comprovada através de laudo pericial, pois essa questão exige conhecimentos técnicos que o juiz não possui. No entanto, é importante ressaltar que a perícia realizada não vincula o magistrado, que pode formar seu entendimento com base nas demais provas colhidas durante o processo.

Inimputabilidade por Embriaguez Completa

Primeiramente, é essencial distinguir as quatro categorias de embriaguez: Embriaguez não acidental voluntária ou culposa, embriaguez acidental decorrente de caso fortuito ou força maior; embriaguez patológica e embriaguez preordenada.

A embriaguez patológica, ocorre em alcoólatras e dependentes químicos e é equiparada a uma doença mental. Assim, é tratada como tal, reconhecendo que pode comprometer seriamente a capacidade do indivíduo de entender e controlar seus atos. Já na embriaguez voluntária ou culposa, ocorre quando o indivíduo consome substâncias alcoólicas ou análogas intencionalmente para se embriagar ou, mesmo sem essa intenção, acaba se embriagando. Nesses casos, a culpabilidade não é excluída, pois o agente tinha a liberdade de escolha no momento da ingestão. Este conceito é conhecido como “actio libera in causa” (ações livres na causa), onde a ação é livremente escolhida, mas realizada em estado de inimputabilidade, significando que havia liberdade original, mas não no momento da conduta delituosa. Por vez, embriaguez preordenada acontece quando o agente se embriaga com a intenção específica de cometer um crime. Neste caso, a ingestão da substância é vista como o início do comportamento criminoso e constitui uma circunstância agravante, conforme o art. 61, II, l, do Código Penal. Por fim, a embriaguez acidental quando se verificada, se ela for completa, o agente é isento de pena. Se for parcial, a pena pode ser reduzida de um terço a dois terços, conforme o grau de perturbação mental do agente.

Portanto, a única causa que exclui a imputabilidade é a embriaguez acidental, resultante de caso fortuito (ocorrência rara e difícil de verificar) ou força maior (uma força externa que obriga o agente a consumir a substância). Nesses cenários, o agente não exerceu livre-arbítrio na decisão de consumir a substância.

Causa de Exclusão Relacionada à Potencial Consciência da Ilicitude

A potencial consciência da ilicitude refere-se ao conhecimento do agente, no momento da ação ou omissão, de que o ato praticado constitui ou pode constituir um delito. A simples alegação de desconhecimento da lei não é suficiente para excluir esse elemento da culpabilidade, pois existe uma presunção absoluta de que todos conhecem a lei. Esta presunção é expressa no artigo 21 do Código Penal e no artigo 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito brasileiro (LINDB), conforme a seguir:

Art. 21 do Código Penal: "O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminui-la de um sexto a um terço."

Art. 3º da LINDB: "Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece."

Dessa forma, a potencial consciência da ilicitude é eliminada apenas quando o sujeito, além de não conhecer o caráter ilícito do fato, não tinha nenhuma possibilidade de saber. Essa situação é conhecida como erro de proibição e será estudada a seguir.

Erro De Proibição

O erro de proibição ocorre quando o agente compreende perfeitamente a situação de fato, mas faz uma avaliação errada sobre a ilicitude de sua conduta (Capez, 2020, p. 441). Em outras palavras, o indivíduo, em determinada situação, realiza uma ação contrária às normas legais, mas, devido a uma interpretação equivocada das leis, acredita que sua conduta não seria ilegal naquela circunstância. Assim, pode ser classificado como erro direto ou indireto.

O erro de proibição direto ocorre quando o agente, no momento de sua ação, desconhece totalmente a norma ou, mesmo conhecendo a legislação, acredita que ela não se aplica à situação em que se encontra. Por outro lado, o erro de proibição indireto ocorre quando o agente tem plena compreensão da norma aplicável à situação, mas acredita erroneamente na existência de uma causa justificante para sua ação. Nesse caso, o erro não é sobre a situação de fato, mas sobre a interpretação dos limites da norma excludente (Capez, 2020, p. 444).

O erro de proibição ainda pode ser classificado como evitável ou inevitável. Sendo o erro de proibição evitável ocorre quando o agente, apesar de desconhecer a ilicitude do fato, tinha as condições necessárias para saber que sua conduta era ilícita. Já o erro de proibição inevitável se caracteriza quando o agente não tinha como conhecer a ilicitude do fato, dadas as circunstâncias concretas. Quando o erro de proibição é inevitável, ele exclui a culpabilidade do agente. O erro de proibição inevitável exclui a culpabilidade do agente e evitável reduz a pena de 1/6 a 1/3.

Causas de Exclusão Relacionadas à Exigibilidade de Conduta Diversa

A exigibilidade de conduta diversa refere-se à expectativa de que o agente, em uma determinada situação, poderia e deveria ter agido de acordo com a lei, mas escolheu cometer uma ação ou omissão ilícita. Existem circunstâncias específicas em que a exigibilidade de uma conduta diferente é afastada, ou seja, situações em que o agente não poderia razoavelmente ser esperado a agir conforme o direito.

Coação Moral Irresistível

De acordo com o art. 22 do Código Penal, se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem. Na coação moral irresistível, o coator força o coato a cometer um delito contra um terceiro (a vítima), suprimindo sua capacidade de resistência através de ameaça.

Segundo Nucci, trata-se de uma grave ameaça feita pelo coator ao coato, exigindo que este cometa uma agressão contra uma terceira pessoa, sob pena de sofrer um mal injusto e irreparável (Nucci, 2011, p.248).

A ameaça deve ser grave, certa e inevitável, de modo a impossibilitar a conduta conforme o direito. Neste caso específico, é interessante notar a semelhança com a legítima defesa, ambas ligadas à tese da inexigibilidade de conduta diversa. Porém, para alegar legítima defesa, é necessário que haja perigo atual e iminente, diferentemente da coação moral, onde o perigo é certo, mas não atual nem iminente.

Obediência Hierárquica

Conforme disposto no art. 22, se o fato é cometido em estrita obediência a uma ordem de um superior hierárquico, desde que não seja manifestamente ilegal, só o autor da ordem é punível, pois não era exigível que o subordinado agisse de outra forma.

A excludente exige que a ordem não seja claramente ilegal, pois se a ilegalidade do comando for flagrante, o subordinado não deve obedecer. Aqui, há uma sobreposição entre a inexigibilidade de conduta diversa e o erro de proibição, que elimina a potencial consciência da ilicitude. Vale destacar que está excludente é relevante apenas para o setor público, pois no setor privado, a punição por desobediência hierárquica seria a demissão, enquanto no setor público, o indivíduo poderia ser submetido a sindicância ou acusado de prevaricação, por exemplo.

Os elementos da obediência hierárquica são:

  1. Existência de uma ordem não manifestamente ilegal: A ordem deve ter uma legalidade questionável. Está excludente combina inexigibilidade de outra conduta com erro de proibição.

  2. Ordem emanada de autoridade competente: A ordem deve vir de uma autoridade com competência para tal. Em casos excepcionais, se o agente cumprir uma ordem de uma autoridade incompetente, mas de boa-fé, pode configurar um erro de proibição escusável.

  3. Existência de três partes envolvidas: Normalmente, estão envolvidos o superior, o subordinado e a vítima.

  4. Relação de subordinação hierárquica no direito público: A excludente não se aplica no direito privado, pois apenas a hierarquia no setor público pode ter consequências graves para o subordinado que desobedece ao superior. No setor militar, por exemplo, a prisão disciplinar pode ser usada pelo superior quando não configurar crime, conforme o artigo 163 do Código Penal Militar: “Recusar obedecer a ordem do superior sobre assunto ou matéria de serviço, ou relativamente a dever imposto em lei, regulamento ou instrução:

Pena – detenção, de um a dois anos, se o fato não constitui crime mais grave”.

  1. Estrito cumprimento da ordem: Para que a excludente seja aplicável, o subordinado deve cumprir exatamente os limites da ordem recebida. Qualquer exagero descaracteriza a excludente, pois se considera que outra conduta era exigível do agente, já que ele ultrapassou os limites da ordem por sua própria conta e risco.

SEMI-IMPUTABILIDADE

A semi-imputabilidade se caracteriza pela perda parcial da capacidade de entendimento e autodeterminação do agente, podendo ser causada por doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado, e embriaguez fortuita.

É importante destacar que a semi-imputabilidade não exclui a culpabilidade. O agente ainda será responsabilizado pelo crime cometido, mas a pena será reduzida de e 1/3 a 2/3 ou medida de segurança. Para a aplicação desta última, é necessário realizar uma perícia e incluir no laudo a recomendação da medida, pois o juiz não pode aplicá-la arbitrariamente.

EMOÇÃO E PAIXÃO

O artigo 28, inciso I, do Código Penal, estabelece que a emoção e a paixão não excluem a imputabilidade penal. Esta posição é considerada acertada, pois em ambas as situações não se trata de uma doença mental nem de uma perturbação capaz de retirar a capacidade de entendimento ou autodeterminação do agente.

Segundo Damásio de Jesus:

Emoção é um estado de ânimo ou de consciência caracterizado por uma viva excitação do sentimento. Paixão é a emoção em estado crônico, perdurando como um sentimento profundo e monopolizante (amor, ódio, vingança, fanatismo, despeito, avareza, ambição, ciúme). Enquanto a emoção é passageira, a paixão é duradoura (DAMÁSIO, 2020, p. 613)

A emoção pode ter tanto um aspecto construtivo, melhorando o desempenho comportamental, quanto um aspecto destrutivo; ela pode fortalecer ou enfraquecer o ser humano. As emoções vivenciadas podem causar alterações no estado de espírito, nas relações afetivas e até mesmo nas condições psicológicas, levando, por vezes, a reações violentas que resultam em infrações penais. Exemplos de emoções incluem alegria, tristeza, aversão, ansiedade, prazer erótico, entre outras, no entanto, essas emoções não servem para anular a imputabilidade, não afetando a culpabilidade. Um agente que, agindo sob emoção, comete um delito, é responsável pelo seu ato, no máximo, se a emoção for intensa e provocada pela conduta injusta da vítima, o agente pode receber algum benefício, como um privilégio ou uma atenuante.

Assim, originada da emoção, a paixão é uma intensa excitação sentimental que perdura por um período prolongado, causando grandes perturbações nervosas ou psicológicas. Embora possa influenciar o raciocínio e a vontade do agente, é passível de controle, não excluindo, portanto, a culpabilidade. Exemplos incluem ódio, amor, vingança, ambição, inveja, ciúme, entre outros.

É importante observar que existem paixões consideradas sociais, que estão alinhadas com os valores aceitos pela sociedade como positivos, assim como paixões consideradas antissociais, que são vistas como negativas aos olhos da sociedade. Exemplos de paixões sociais incluem aquelas relacionadas ao amor, à honra, ao ideal político ou religioso, enquanto paixões antissociais incluem aquelas relacionadas ao ódio, vingança, cobiça e inveja. O cometimento de um crime, muitas vezes homicídio, motivado pela paixão, não isenta o agente de punição, pois não elimina sua imputabilidade. No entanto, ao aplicar a pena, é importante considerar que tipo de paixão motivou o autor, se social ou antissocial, para graduar a pena.

Como a paixão é uma expressão da personalidade do agente, seu caráter pode ser avaliado: quando positiva, pode servir como elemento para mitigar a pena; quando negativa, pode servir como fator para aumentar a sanção.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho apresentou uma explanação sobre o conceito e funções da culpabilidade, foram discutidas as teorias bipartite e tripartite do crime, acentuando a evolução histórica do instituto da culpabilidade foi delineada, desde a transição da responsabilidade objetiva para a subjetiva até as teorias contemporâneas, com destaque para a teoria limitada.

Os elementos da culpabilidade, suas especificidades e causas dirimentes foram examinados em detalhes, seguidos pela abordagem das causas de semi-imputabilidade, que podem influenciar a pena aplicada pelo magistrado em casos concretos. Conclui-se que, apesar da falta de definição clara no campo legal, a culpabilidade é passível de estudo devido ao vasto volume de jurisprudência e doutrina que a envolve.

Embora haja divergências entre os doutrinadores quanto à posição da culpabilidade na teoria do crime, todas convergem para sua importância na aplicação da sanção estatal pelo juiz, sendo um critério fundamental para avaliar o grau de reprovação de uma conduta delituosa.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Lilia Brito. Manual instrutivo de elaboração de paper acadêmico. Maranhão: FACSUR, 2024. Disponível em: [https://facsur.net.br/wp-content/uploads/2023/08/PAPER-academico-facsur-2023.pdf]. Acesso em: 20/05/2024.

BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral - 24ª Ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

DICIO, Dicionário online de português. Porto: 7Graus, 2024. Disponível em: [https://www.dicio.com.br]. Acesso em: 20/05/2024.

JESUS, Damásio de. Direito penal, volume 1: parte geral / Damásio de. Jesus. — 32. ed. — São Paulo: Saraiva, 2011.

Lei nº 13.655, de 25 de abril de 2018. Dispõe sobre a aplicação de normas jurídicas sobre segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do direito público. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 abr. 2018. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 20/05/2024.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral; parte especial. 7. Ed.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

SEMER, Marcelo. Entre salas e celas: dor e esperança nas crônicas de um juiz criminal.

São Paulo, Autonomia Literária, 2017.

Sobre os autores
Herbeth Barreto de Souza

Advogado e Professor. Mestre em Ciências Criminais pela PUCRS e Professor da disciplina de Direito Penal IV da FACSUR︎

Bruna Darly Gomes Pereira

Discente do Curso de Direito da Facsur

Thiffane Carolaine Mendonça Gonçalves Lima

Discente do Curso de Direito da Facsur︎

Informações sobre o texto

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