Uma alteração no Código de Processo Civil que merece destaque foi a livre eleição de foro convencionada entre as partes, do art. 63 do CPC. A mudança sancionada pelo Presidente Lula entrou em vigor logo após sua publicação no dia 04 de junho de 2024. Também não deixemos de atribuir nota ao autor do projeto, o Deputado Federal Rafael Prudente através da PL 1.803/23.
De início, observemos a redação antiga em comparativa a nova do CPC:
Art. 63. As partes podem modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde será proposta ação oriunda de direitos e obrigações.
§ 1º A eleição de foro só produz efeito quando constar de instrumento escrito e aludir expressamente a determinado negócio jurídico.§ 1º A eleição de foro somente produz efeito quando constar de instrumento escrito, aludir expressamente a determinado negócio jurídico e guardar pertinência com o domicílio ou a residência de uma das partes ou com o local da obrigação, ressalvada a pactuação consumerista, quando favorável ao consumidor.
Também foi adicionado o § 5º:
§ 5º O ajuizamento de ação em juízo aleatório, entendido como aquele sem vinculação com o domicílio ou a residência das partes ou com o negócio jurídico discutido na demanda, constitui prática abusiva que justifica a declinação de competência de ofício.
Destarte, a modificação foi motivada principalmente após o grande volume de ações ao TJDF, já que possuem as custas mais baratas do país e tem um serviço célere. Outrossim, isso é muito comum, afinal, os advogados optam em fugir das custas, como por exemplo no estado de Goiás que tem altas custas e proximidade territorial com Brasília. De forma comparativa notemos o gráfico feito pelo portal Migalhas, em 2023, apresentando como base o valor de custas caso o valor da causa fosse R$ 100.000,00 (cem mil reais).
Portanto, vemos que existe uma disparidade nas custas que chega a 1.200% entre o primeiro colocado e o último da lista, assim, muito se atribui esse fato até mesmo ao cerceamento a autonomia privada. Todavia, após a sobrecarga do sistema judiciário de Brasília e demais estados o legislador recorreu a esta saída.
Agora tratando sobre as alterações feitas, a modificação de foro ainda é permitida, contudo foi limitada e agora depende de que haja realmente uma conexão entre as partes ou entre a obrigação e o foro eleito. Nota-se que o legislador teve o cuidado de se atentar as ressalvas do Código do Consumidor que permaneceu intacto, claro, comprovado a relação consumerista. Isto posto, lemos sobre os contratos paritários, nas palavras do grande jurista Flávio Tartuce em sua rede social:
“(...) A Autonomia privada traz a ideia de respeito a normas cogentes ou de ordem pública, como está no art. 3º, VIII, da Lei da Liberdade Econômica. Cabe ao legislador escolher o que é matéria cogente e o que não o é. E ele o fez, no local apropriado, que é o Congresso Nacional. Entendo, porém, que deveria ter sido feita uma ressalva para os contratos e negócios jurídicos paritários, sobretudo firmados entre empresas. Mas não foi incluída essa exceção. Veremos se a jurisprudência interpretará dessa forma.”
Nesse sentido, compartilho a mesma ideia, afinal, no cenário atual é comum magistrados que buscam legislar e vice-versa, porém o palco de discussão para isto é o Congresso e não no julgamento dos fatos. Sobre os contratos paritários, penso que o legislador não se posicionou sobre, para que se enquadrem nos artigos 46 a 53 do CPC, oque faz com que cada vez mais empresas busquem as cortes arbitrais, por fim, nos resta aguardar a jurisprudência.
Ademais, como vimos no § 5º do art. 63, o ajuizamento de ação em juízo aleatório permitirá a declinação de competência de ofício. Na prática tínhamos que alguns magistrados já adotavam essa estratégia, mas após a busca pelo 2º grau do interessado, prevalecia-se o entendimento da livre eleição de foro com exceção as cláusulas abusivas previstas no § 3º do mesmo artigo.
§ 3º Antes da citação, a cláusula de eleição de foro, se abusiva, pode ser reputada ineficaz de ofício pelo juiz, que determinará a remessa dos autos ao juízo do foro de domicílio do réu.
Perceba que a discussão do artigo 63 se limita exclusivamente a eleição de foro, que é totalmente diferente da eleição de cortes arbitrais, lembre-se que apesar das cortes exercerem um papel jurisdicional e suas sentenças terem força de título judicial, não fazem parte dos órgãos do judiciário, por isso é regida pelo art. 42 do CPC e pela Lei nº 9.307/96. Nestes casos, o entendimento segue o mesmo, a corte arbitral deverá ser mantida como prioritária e o juiz só poderá declinar de sua competência, após a alegação do réu em questão de preliminar de contestação e contraditório, como expressa o artigo 337, X e súmula 33 do STJ, caso contrário haverá a prorrogação de competência pelos arts. 64 e 65 do CPC.
SÚMULA 33. A incompetência relativa não pode ser declarada de ofício.
(CORTE ESPECIAL, julgado em 24/10/1991, DJ 29/10/1991, p. 15312)
Art. 64. A incompetência, absoluta ou relativa, será alegada como questão preliminar de contestação.
§ 1º A incompetência absoluta pode ser alegada em qualquer tempo e grau de jurisdição e deve ser declarada de ofício.
§ 2º Após manifestação da parte contrária, o juiz decidirá imediatamente a alegação de incompetência.
§ 3º Caso a alegação de incompetência seja acolhida, os autos serão remetidos ao juízo competente.
§ 4º Salvo decisão judicial em sentido contrário, conservar-se-ão os efeitos de decisão proferida pelo juízo incompetente até que outra seja proferida, se for o caso, pelo juízo competente.
Art. 65. Prorrogar-se-á a competência relativa se o réu não alegar a incompetência em preliminar de contestação.
Parágrafo único. A incompetência relativa pode ser alegada pelo Ministério Público nas causas em que atuar.
Por final, do ponto de vista processualista, creio que o legislador buscou a saída certa, visto que o foro competente deve ter relação com a causa ou com as partes, ora essa é a verdadeira função de existirem as repartições estatais e seus respectivos juízos. Por outro lado, observando o âmbito da advocacia privada, temos uma perda, por vez que não existe paridade das custas e em alguns territórios se mostram extremamente excessivas, de tal forma que em muitos casos é mais vantajoso deixar de ingressar com a ação que recorrer a estes juízos.