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Imputação falsa de paternidade.

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Agenda 10/08/2024 às 20:38

A falsa imputação de paternidade viola o direito da personalidade e gera responsabilidade civil. O tema envolve o equilíbrio entre os direitos das partes nas relações familiares.

Resumo: Este artigo tem como objetivo a bordar a questão da imputação falsa de paternidade como uma violação ao direito da personalidade, destacando sua relevância no contexto do direito civil e da dignidade humana, através de uma revisão da literatura e análise de casos, o artigo explora as implicações dessa violação.

Palavras-chave: Falsa imputação de paternidade; Filiação; Direito da personalidade; Responsabilidade civil.

Sumário: Introdução. 1. Conceito de filiação. 2. Prova e Formas de Reconhecimentos dos Filhos. 2.1. Presunção pater is est. 2.2. Reconhecimento Voluntário. 2.3. Reconhecimento Judicial. 2.4. Reconhecimento da Filiação Socioafetiva. 2.5. Multiparentalide. 3. Falsa Imputação de Paternidade e Responsabilidade Civil. 4. Considerações Finais. 5. Referências.


INTRODUÇÃO

A instituição da filiação e os processos de reconhecimento de paternidade têm sido temas de constante reflexão e evolução no campo jurídico, refletindo não apenas mudanças nas estruturas familiares, mas também a busca por uma abordagem mais inclusiva e sensível às necessidades individuais. Desde a promulgação da Constituição de 1988, que consagrou a igualdade de todos os filhos, independentemente de sua origem, até as recentes decisões judiciais que reconhecem a multiparentalidade, o Direito de Família tem passado por transformações significativas.

Com isso, torna-se importante analisar, por meio de casos jurisprudenciais e posicionamentos doutrinários, a responsabilidade civil decorrente da falsa imputação de paternidade, um tema que provoca debates acerca da proteção dos interesses existenciais nas relações familiares e da necessidade de equilibrar os direitos das partes envolvidas.

O artigo adota uma abordagem indutiva e qualitativa, valendo-se da técnica de pesquisa bibliográfica. Nele, são analisados a filiação e suas formas de reconhecimento, bem como a responsabilidade civil decorrente da falsa imputação de paternidade. A partir dessa análise, é traçado um paralelo entre os principais aspectos abordados, além de ser examinada a possibilidade de compensação do dano moral sofrido pela pessoa falsamente identificada como genitor.


1. CONCEITO DE FILIAÇÃO

A filiação é a relação de parentesco entre duas pessoas quando uma delas descendente diretamente da outra, sendo denominada maternidade ou paternidade do ponto de vista dos pais, sendo um importante elemento do status do indivíduo, trazendo notáveis repercussões nas relações pessoais e patrimoniais, como a adoção do sobrenome, o exercício do poder familiar, o dever de alimentos e o direito à sucessão.1

Com a promulgação da Constituição de 1988, consoante a dicção do artigo 227, §6º, e a consequente constitucionalização do direito civil, a filiação passou a ser considerada um conceito unitário, isto é, não mais sendo admitidas distinções entre filhos ou adjetivações discriminatórias, tais como filiação adulterina, ilegítima ou adotiva, que eram utilizadas para diferenciar o tratamento entre os filhos.2

Em virtude disso, é importante observar que a filiação, como instituto jurídico, assume um caráter instrumental em virtude de sua submissão aos valores sociais constitucionais, sendo um meio para a efetivação da dignidade das pessoas envolvidas nesse vínculo, sendo um instrumento que visa garantir o pleno desenvolvimento do sujeito que dela depende. Logo, a isonomia dos filhos, com fundamento constitucional e reproduzido no código civil, visa estabelecer que não importa a origem dos filhos, todos devem ser tratados de forma igualitária, não havendo discriminação entre os filhos com base na forma como foram filiados.3


2. PROVA E FORMAS DE RECONHECIMENTO DOS FILHOS

A prova da filiação, segundo a legislação vigente, é a certidão de nascimento registrada no Registro Civil. Conforme a atual codificação, o vínculo de filiação é estabelecido pela presunção ou pelo reconhecimento voluntário, ou judicial do genitor. A legislação e a doutrina estabelecem diversas formas para a constituição desse vínculo e da relação de parentesco de primeiro grau, podendo essas formas exigirem ou dispensar o reconhecimento, como veremos.

2.1. PRESUNÇÃO PATER IS EST

A primeira forma é a da legalidade ou da presunção pater is est, este critério só pode ser invocado se a pessoa nascer de pais casados, pois entre os cônjuges há o dever de fidelidade, sendo exclusivas das relações sexuais, ou quando os cônjuges por liberalidade decidem utilizar a técnica de reprodução assistida. Assim, o critério da presunção legal tem como fundamento as relações sexuais e os deveres do casamento; nesse caso, a filiação é constituída automaticamente por força dos incisos do artigo 1.597 do Código Civil.4

Em casos de reconhecimento do vínculo de filiação extramatrimonial, sua determinação requer o reconhecimento, seja por meio de presunções, por vontade das partes ou judicialmente. No entanto, esse critério muitas vezes entra em conflito com um dos princípios fundamentais da família contemporânea: a diversidade de modelos familiares. Em muitos desses modelos, a presunção não é aceita, o que gera um dilema, pois a ênfase recai primariamente na origem da criança para estabelecer o vínculo de filiação.5

Apesar disso, a doutrina contemporânea argumenta a viabilidade de aplicar tal presunção à união estável. Essa posição se baseia, principalmente, na equiparação entre casamento e união estável estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal. Portanto, o artigo 1.597 é aplicado analogicamente, fortalecendo esse entendimento da presunção pater is est no âmbito das uniões estáveis.6

2.2. RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO

O reconhecimento voluntário é um ato espontâneo, irretratável e personalíssimo que não pode ser submetido a nenhuma condição ou a termo, podendo ser concretizado por vários meios de acordo com o artigo 1.609, do CC, sendo eles: a) o registro de nascimento; b) por escritura pública; c) por testamento, ainda que incidentalmente manifestado; d) por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que contém. Logo, trata-se, de um ato jurídico em sentido estrito, no qual a vontade é exteriorizada, sujeitando-se aos efeitos legais previstos, ou seja, os efeitos são determinados pela lei, configurando um ato ex lege.7

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Nesse contexto, é importante observar que o reconhecimento voluntário, via de regra, é um ato unilateral. Isso se deve ao fato de que o reconhecimento como filho ocorre independentemente do consentimento deste, sendo uma exceção a essa regra o caso do reconhecimento de filhos maiores, conforme previsto no artigo 1.614 do Código Civil. Contudo, para evitar violações às questões existenciais, o sistema proporciona ao filho que foi reconhecido enquanto menor a oportunidade de impugnar motivadamente o reconhecimento no prazo decadencial de 4 anos após a maioridade ou a emancipação.8

2.3. RECONHECIMENTO JUDICIAL

O reconhecimento judicial do vínculo parental, seja ele biológico ou afetivo, é estabelecido por meio de uma ação de parentalidade, conforme estipulado no artigo 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo essa ação imprescritível, irrevogável e irretratável, no qual a sentença que confirma essa parentalidade possui os mesmos efeitos do reconhecimento voluntário. 9

Quanto à legitimidade para propor a ação de investigação de paternidade, cabe primeiramente ao filho buscar o reconhecimento da parentalidade e a desconstituição de eventual vínculo anterior, bem como aos pais que podem iniciar ações negatórias de paternidade, ou um terceiro que tenha interesse na impugnação. Por consequência, a identificação legal do vínculo entre pais e filhos geralmente se dá por meio de processos investigativos, como a ação de investigação de paternidade ou maternidade; contudo, outras ações igualmente relevantes, todas embasadas no princípio da verdade, são reconhecidas em nosso sistema jurídico, a exemplo das ações: anulatória de registro, a declaratória de falsidade e a negatória de paternidade.10

Nesses casos de reconhecimento de paternidade, o exame de DNA emerge como um elemento de suma importância, pois revolucionou completamente a forma como as filiações são estabelecidas. No entanto, sua obrigatoriedade gerou debates acalorados, especialmente até que o Supremo Tribunal Federal decidisse pela sua não obrigatoriedade, já que era comum a aplicação da chamada "condução debaixo de vara", que consistia na condução coercitiva daquele que se recusasse a realizar o exame de DNA. Atualmente, essa prática não mais se sustenta, pois contraria a própria essência dos direitos da personalidade; no entanto, sua recusa induz presunção juris tantum de paternidade. 11

Vale observar, contudo, que a presunção não implica na procedência automática da paternidade, pois o artigo 2º -A da lei 8.560 de 1992 e a própria súmula 301 do STJ estabelecem que quando o réu se recusa a realizar o exame, ele será submetido a uma presunção relativa de paternidade, que deve ser confirmada pelo juiz com outros elementos constantes nos autos.12 Com fulcro em tais considerações, a jurisprudência embasada em um entendimento moderno, reconhece a ideia de que até mesmo encontros passageiros, como uma "ficada" numa balada, pode confirmar a presunção de paternidade quando o suposto pai se recusa a fazer o exame de DNA.13

2.4. RECONHECIMENTO DA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA

No cenário do Direito Civil contemporâneo, é reconhecida a importância da paternidade ou maternidade biológica sem que isso signifique uma priorização sobre a afetiva. Nessa condição, a filiação pode se desenvolver ao longo do tempo com base na socioafetividade, representando um novo paradigma de parentesco que transcende o vínculo genético, pois está imbuído de um significado mais profundo, em que o afeto supera a mera conexão sanguínea.14

João Baptista Vilellela, em seu artigo sobre a desbiologização da paternidade, preleciona que:

A desbiologização da paternidade, que é, ao mesmo tempo, um fato e uma vocação, rasga importantíssimas aberturas sociais. Em momento particularmente difícil, quando o mundo atravessa aguda crise de afetividade, e dentro dele o País sofre com seus milhões de crianças em abandono de diferentes graus e espécies, a consciência de que a paternidade é opção e exercício, e não mercê ou fatalidade, pode levar a uma feliz aproximação entre os que têm e precisam dar e os que não têm e carecem receber.15

Complementa Anderson Schreiber:

Deve-se ter em mente, contudo, que a verdade biológica não equivale, necessariamente, à verdade jurídica. Respeitado o direito do filho de conhecer sua origem genética, a relação de filiação consiste em vínculo familiar que transcende o dado biológico, devendo ser levados em consideração outros aspectos, em especial a eventual consolidação de uma paternidade socioafetiva, a ser objeto de ponderação no caso concreto para fins de se determinar aquilo que mais atende à dignidade.16

Diante dessa mudança na concepção da filiação, reconhece-se a família como uma estrutura social, na qual os papéis desempenhados reciprocamente têm maior relevância do que os laços de sangue. Apesar disso, esse tipo de parentesco não é diretamente abordado na legislação, sendo principalmente reconhecido pela doutrina e jurisprudência com base compreensão envolve deveres constitucionais e legalmente estabelecidos.17

Segundo Paulo Lôbo, para a configuração do parentesco socioafetivo, uma relação jurídica irrevogável, é necessário comprovar a posse de estado de filho, elemento essencial em ações de declaração de paternidade socioafetiva. Esta posse é estabelecida quando observado um ou alguns dos seguintes requisitos: a) manifestação de comportamento social típico entre pais e filhos; b) convivência familiar duradoura; c) existência de uma relação de afetividade familiar. 18

Assim, a tutela jurídica da posse de estado de filiação engloba os chamados filhos de criação, inseridos na filiação socioafetiva, que é um direito personalíssimo do filho que pode ser exercido pelo próprio ou por seu representante legal, sendo que os herdeiros também têm legitimidade para dar continuidade à ação, a qual é imprescritível e possibilita a regularização do registro de nascimento, bem como a certificação da paternidade e maternidade.19

2.5. MULTIPARENTALIDADE

Para além do reconhecimento da filiação socioafetiva, é fundamental destacar a importância da multiparentalidade, um tema que tem despertado cada vez mais interesse tanto na doutrina quanto na jurisprudência, e que se refere à possibilidade de incluir no mesmo registro civil dois ou mais genitores, sem estabelecer hierarquia entre eles, o que acarreta importantes efeitos jurídicos.20

Nesse cenário, o Supremo Tribunal Federal, ao examinar o tema 622 durante o julgamento do Recurso Extraordinário 898060/SC, estabeleceu uma tese de suma importância, qual seja: "A paternidade socioafetiva, independentemente de ter sido oficialmente registrada ou não, não impede o reconhecimento simultâneo do vínculo de filiação com base na origem biológica, com todas as suas consequências jurídicas".21 À luz exposto, observa-se que esta decisão foi crucial ao reconhecer a importância da paternidade socioafetiva, ao mesmo tempo que esclarece que esse reconhecimento não exclui automaticamente a paternidade biológica.22

Contudo, a multiplicidade de pais em uma situação familiar complexa deve ser sempre abordada com o foco no bem-estar da criança, como evidenciado no julgamento do Recurso Especial nº 1.674.849/RS pela Terceira Turma do STJ, sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze. No caso em questão, a mãe da menor estava envolvida romanticamente com dois homens simultaneamente, sendo que um deles já tinha outros dois filhos com ela e procedeu ao registro da menor como sua filha, apesar de não ter certeza sobre a verdade biológica, bem como expressou o desejo de continuar cuidando da criança. Por outro lado, o pai biológico demonstrou repetidamente durante o processo seu desinteresse em registrar a filha e manter vínculos afetivos com ela.23

Nesse caso, a Terceira Turma entendeu que reconhecer a multiparentalidade poderia ser interpretado como favorecimento a uma utilização inadequada da criança, contrária às leis, sobrepondo os interesses da mãe aos da menor. Além disso, foi destacado também o direito da filha de buscar o reconhecimento da paternidade biológica em seu registro civil ao atingir a maioridade, visto que o estado de filiação é um direito pessoal, indisponível e imprescritível, que pode ser exercido sem restrições contra os pais ou seus herdeiros.


3. FALSA IMPUTAÇÃO DE PATERNIDADE E RESPONSABILIDADE CIVIL

Ao longo do tempo, a concepção de família evoluiu ao superar o modelo unitário familiar para se tornar uma aspiração comum, fundamentada na inclusão de minorias e defesa dos direitos fundamentais. Esta evolução reflete não apenas mudanças sociais, mas também transformações jurídicas que reconhecem e protegem a diversidade de arranjos familiares. A centralidade da filiação e a garantia da sucessão de gerações passaram a ser o cerne das relações familiares, respaldados por princípios constitucionais e internacionais que protegem os direitos das crianças, conforme estabelecido no art. 227. da Constituição Federal e na Declaração dos Direitos da Criança da ONU de 1989.24

Paralelamente, o Direito de Família tem se aproximado cada vez mais da Responsabilidade Civil, anteriormente considerada como um campo antagônico dentro da sistemática civilista. Essa aproximação tem permitido uma abordagem mais abrangente, expandindo o escopo da responsabilidade civil além do patrimônio, para proteger os interesses existenciais nas relações familiares. Nesse sentido, questões como responsabilidade civil pela desistência da adoção, pelo abandono material e afetivo, e pela violação do dever de fidelidade pessoal têm recebido maior destaque, refletindo a expectativa de que as relações familiares sejam baseadas em convivência saudável e no afeto.25

Nos ensinamentos de Maria Celina Bodin de Moraes sobre a responsabilidade civil e dano moral à luz do direito civil constitucional, ela dispôs:

Em uma leitura civil-constitucional da responsabilidade civil, concluiu-se que o dano moral é a violação à integridade física e psíquica, à liberdade, à igualdade ou à solidariedade de uma pessoa humana. Estes princípios, porém, podem entrar em colisão entre si. Neste caso, será preciso, através do exame dos interesses em conflito, ponderar tais princípios em relação ao seu fundamento, isto é, a própria dignidade humana.26

Somado a isso, insta mencionar os ensinamentos de Ruy Rosado de Aguiar:

Toda ofensa à dignidade da pessoa, por constituir um fato ilícito, pode ser objeto de responsabilização do agressor, não importando o ramo do direito em que tal relação seja regulada, no direito das obrigações ou no de família, no direito privado ou no direito público. Mesmo o direito de família não é infenso à indenização por descumprimento de seus preceitos.27

À vista disso, a responsabilidade civil por falsa atribuição de paternidade abrange duas situações distintas de responsabilidade civil: uma relacionada ao reconhecimento voluntário de filho derivado de erro, em que o indivíduo é induzido pela genitora a acreditar que a criança é sua, levando-o a registrar o filho equivocadamente; e outra situação refere-se à falsa imputação judicial de paternidade, na qual a genitora, ciente de que a criança não é filha de seu companheiro, move uma ação de investigação de paternidade contra ele.28

Vale destacar que o Superior Tribunal de Justiça, ao analisar a ação negatória de paternidade no caso de reconhecimento voluntário derivado de erro nos autos do Recurso Especial de nº 878.954/RS, concedeu provimento ao pedido autoral para anulação do reconhecimento de paternidade por vício no consentimento; porquanto que a verdade fictícia não pode sobrepor-se à verdade real e incontestável, respaldada por provas de robusta certeza, como o exame genético pelo método DNA. Outrossim, ao considerar a primazia dos interesses da criança, o tribunal enfatizou que a condução do processo deve ser pautada pelo equilíbrio entre o direito do pai de questionar a paternidade em busca da verdade biológica e o direito da criança de manter sua filiação intacta. Isto posto, decidiu no sentido que não há prejuízo para a criança, pois ela tem o direito de buscar a verdade real por meio de uma ação investigatória de paternidade, assegurando assim seu direito indisponível ao reconhecimento do estado de filiação e às consequências, inclusive materiais, decorrentes desse reconhecimento.29

Com base na tese da falsa imputação de paternidade, a 5ª Turma Cível do TJDFT, por unanimidade, se pronunciou expressamente confirmando uma sentença que condenou uma mulher a pagar indenização por danos morais ao autor da ação. A decisão considerou que a omissão da ré em tentar solucionar o impasse revelou sua culpa; isso porque, essa omissão culposa resultou em uma série de prejuízos ao autor, que viveu anos na incerteza sobre sua verdadeira paternidade, sendo ainda demandado judicialmente para pagar pensão alimentícia, enfrentando a ameaça de prisão por dívidas de alimentos das quais não era verdadeiramente responsável, além de críticas de familiares. 30

Em outro julgado sobre o tema, o Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro Marco Aurélio Bezerra de Melo destacou que a análise da responsabilidade civil decorrente da falsa imputação de paternidade requer uma investigação cuidadosa da conduta da genitora, dado que essa responsabilidade é de natureza subjetiva. E, portanto, seria necessário comprovar o dolo ou culpa da ré no evento danoso, ressaltando-se a importância de demonstrar seu conhecimento da verdadeira paternidade das crianças e sua intenção dolosa em induzir o cônjuge a acreditar na sua própria paternidade.31

Demonstrando, de maneira didática, a diferença entre a atuação dolosa e culposa, ensina Pablo Stolze:

Não sendo o caso de se falar em responsabilidade objetiva – pela ausência dos seus pressupostos ou subsunção a noção técnica de risco – somente a má́-fé́, caracterizada pela atuação dolosa, poderia justificar, em nosso sentir, o pagamento de indenização. Admitir-se que a culpa – traduzida no simples erro da genitora (que acreditava naquela paternidade atribuída) – justificaria uma condenação, não se afiguraria justo e razoável, especialmente em se considerando a sensibilidade profunda deste tipo de relação humana, permeada por emoção e sentimento. Por isso, entendemos que somente com a caracterização da má́-fé́ a responsabilidade civil se impõe e justifica.32

Com base nessas considerações, torna-se essencial examinar detalhadamente os elementos de prova disponíveis, incluindo comunicações, testemunhos e evidências materiais, a fim de determinar se a conduta da genitora atende aos requisitos legais para a configuração da responsabilidade civil por falsa imputação de paternidade.

Por fim, é importante ressaltar a independência das instâncias no direito brasileiro, no qual aquele que comete atos ilícitos pode enfrentar consequências nas esferas penais, civis e administrativas. Embora a falsa atribuição de paternidade não se enquadre nesse cenário penal, há quem argumente que essa lacuna legislativa deve ser preenchida com a intervenção legal e a criação de um tipo penal específico, devido ao alto grau de transgressão aos direitos, ao Estado, aos familiares, às vítimas e especialmente aos filhos, que têm o direito inalienável e absoluto de conhecer sua origem e ancestralidade biológica de forma precisa.33

Sobre o autor
Eduardo Carlos Ferreira

Pós-graduando em Direito Civil Constitucional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Especialista em Direito Constitucional. Advogado com atuação nas áreas do Direito Civil, Consumidor e Administrativo. Membro das Comissões de Direito Imobiliário e das Famílias e Sucessões da 20ª Subseção da OAB/RJ.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Eduardo Carlos. Imputação falsa de paternidade.: Desafios legais e implicações para a responsabilidade civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7710, 10 ago. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/110029. Acesso em: 21 nov. 2024.

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