A atuação do Ministério Público:
O Ministério Público do Trabalho há muito vem ingressando com ações buscando a anulação de cláusulas de convenções e acordos coletivos que fixam contribuições, especialmente confederativa e assistencial, de forma indiscriminada, ou seja, que abranjam tanto aos filiados quanto os não filiados à entidade sindical.
O sucesso destas ações é previsível, em vista do comportamento da jurisprudência sobre o tema, mas muitas vezes; considerando que os termos normativos, e especialmente as cláusulas de custeio das atividades sindicais, tem em geral prazo de validade de um ano; considerando que leva determinado período para o fechamento do ajuste, que em geral ultrapassa a data base, mais algum tempo para que a notícia chegue ao parquet; considerando que ainda normalmente são tomadas medidas administrativas e investigativas preliminares, e mesmo depois da interposição da ação civil pública, sua tramitação obedece aos ditames normais, ou seja, estão sujeitos à morosidade habitual; temos que mesmo se o resultado da ação é a anulação da cláusula, normalmente esta declaração acontece após finalizado o ciclo de arrecadação anual.
Surge neste ponto uma questão interessante. O parquet indubitavelmente tem competência para pleitear a anulação da cláusula normativa. Mas será que teria também competência para requerer a restituição daquilo que já foi indevidamente recolhido aos cofres da entidade sindical? Parece-nos que a resposta é negativa. Que somente o suposto "lesado", após declarada nula a norma, poderia requerer a devolução do que foi "indevidamente" cobrado. Segundo recente consulta realizada, parece ser este o entendimento predominante dos tribunais superiores que tem apreciado esta questão.
E nesse caso, parece que a medida judicial acaba por não alcançar efetivo resultado. Talvez seja eficiente do ponto de vista jurídico, mas lhe falte eficácia plena e pragmática. E imaginem as dificuldades de, anos e anos passados na tramitação da ação, os legítimos interessados efetivamente pleitearem o retorno de seu dinheiro. Muitos não pertencem mais à categoria. Muitos não terão acesso à informação. Muitos não conseguirão provar que a empresa efetuou o desconto, ou ainda que recolheu o que descontou aos cofres do Sindicato.
Recentemente atendemos em nosso escritório um grupo de trabalhadores indignados, exatamente com esse problema. Eram empregados de uma grande companhia do setor financeiro. O sindicato, também estruturado e poderoso, fora condenado a restituir-lhes as contribuições assistenciais, em ação promovida pela legitimada procuradoria do trabalho, mas somente eles logicamente tinham legitimidade para requerer a devolução. Mas o sindicato impôs a condição, a primeira vista justa, de que para o recebimento, os beneficiários teriam que demonstrar, via holerites, o desconto das contribuições. E os tais empregados simplesmente não tinham holerite de papel. Recebem, há vários anos, por transferência eletrônica e confirmação – quando existe - via internet, perdida a esta altura. Simples, peçam segunda via a empresa. Esta, porém, que talvez não queira problemas com o Sindicato, se negou a fornecer. Disse que não possuía os arquivos. E então? O que fazer? São uns R$300,00 para cada um dos dez trabalhadores que nos procuraram, que saíram do escritório com a tarefa de engrossar as fileiras para uma atitude conjunta, desta vez individual plúrima e não homogênea. Mas sintam, caros leitores, a dificuldade do negócio. Garantimos que grande parte já desistiu, deixou para lá, e como dizem, "foram cuidar da vida".
Porém, e esta sim é uma realidade interessante, em alguns casos, apesar do que dispõem as orientações emanadas dos tribunais superiores já analisadas sobre as contribuições ora analisadas, e de todo o poder conferido ao Ministério Público após a edição da Constituição de 1.988, os procuradores tem admitido e até entabulado acordos com entidades sindicais, através dos conhecidos termos de ajustes de conduta, em que respeitam a cobrança de contribuições, desde que satisfeitos alguns critérios, em geral a razoabilidade dos valores, que deve ser compatível com a atuação sindical e os benefícios conquistados para a categoria, e o respeito ao direito à oposição dos não filiados, inclusive com obrigação de ampla divulgação dos termos ajustados à categoria, através de boletins informativos e outros meios comumente utilizados, que são eficazes.
Em nossa atuação neste setor, tivemos o prazer e o aprendizado de acompanhar alguns destes ajustes, muito bem sucedidos por sinal, realizados entre o MPT de São Paulo – 2ª Região – e entidades sindicais, inclusive alguns de amplo espectro, realizados com organizações de níveis superiores, em representação de diversos sindicatos e federações. Em geral, após uma análise da convenção coletiva e de acordos coletivos localizados, número e resultados de ações coletivas, inclusive civis públicas, visita à sede e postos sindicais, diálogo com diretores e assessoria jurídica, comprovação de estrutura e patrimônio da categoria, são fixados valores de teto de contribuições, em geral naquilo que se esperava fosse o teto do que viria com a frustrada reforma sindical, direito amplo à oposição a qualquer tempo, desde que pessoal, e informação inconteste destes fatos, tanto da atuação da entidade quanto do direito da oposição, de como é feito e até do que pode acarretar. Os termos de ajuste são realizados por prazo indeterminados, mas sujeitos à comprovação e a revisão por iniciativa das partes, inclusive logicamente quando venha ocorrer algum fato novo que altere as condições do pacto em vigência.
Pois bem, a pergunta que fazemos aqui é a seguinte: Será que compensa ao Ministério Público simplesmente propor ações indiscriminadas contra sindicatos obreiros para cassar sua arrecadação, que na prática tem apresentado resultado ineficaz, ou é mais inteligente e eficaz a iniciativa de alguns procuradores de entendimento aprofundados do problema, a análise das situações concretas, e proposta de ajustes razoáveis que permite o desempenho do trabalho dos sindicatos sob parâmetros justos, visando o bem estar da categoria? Parece-nos, singelamente, que a segunda opção apresenta maiores vantagens.
Cobrança das contribuições:
Há profissionais, que por terem formação e experiência diferenciadas, conseguem proteger a si e a sua carreira individualmente. São privilegiados. A maioria dos profissionais, no entanto, são frágeis caso considerados individualmente. Quanto maior a falta de especialização e profissionalização, maior o desequilibro de forças entre o empregado e a empresa. Daí a necessidade dos trabalhadores se organizarem, de possuírem um órgão de defesa coletiva, com funções de orientação e defesa dos interesses específicos, na orla administrativa e judicial.
São muitos os exemplos que podem ser dados de atuação positiva dos sindicatos obreiros. Acordos de participação nos lucros e resultados, organização de manifestações e mesas redondas para solução de problemas que afligem empregados de determinada categoria ou empresa, interposição de ações coletivas, de cumprimento e civis públicas. Somente no exemplo da ação de cumprimento, é de se mencionar o benefício do ajuizamento de ações desta índole que obrigam as empresas ao cumprimento das normas coletivas, enquanto os trabalhadores individualmente não tem sequer a possibilidade de ajuizarem ações individuais no curso do contrato, pois põem em risco o próprio emprego.
Entendemos que os trabalhadores devem, no entanto, participar ativamente da vida sindical, exigir o seu trabalho, a prestação de contas devida, fiscalizar sua arrecadação e aplicação dos recursos, participar das assembléias, cobrar e controlar os benefícios que são úteis à categoria, participar e sugerir alterações na estrutura e na forma de condução das negociações, das reivindicações etc. Devem deixar as organizações cientes de suas dificuldades e necessidades, denunciar irregularidades, exigir providências. Melhor que acabar com as organizações obreiras, ou simplesmente deixá-las de lado, é participar de sua organização e gestão, buscando um futuro melhor para sua categoria e sua vida profissional.
A organização sindical, se bem conduzida, e atuante na defesa da categoria, certamente serve a garantir a proteção da coletividade de trabalhadores, inclusive no que se refere á formação e adaptação profissional ao mercado, melhoria de sua imagem em relação à sociedade, e até mesmo no que diz respeito ao enfrentamento do tão temido desemprego.
No que diz respeito às contribuições, todas elas devem ser aprovadas em assembléias. A solução então é a efetiva participação dos trabalhadores. E importante ainda que se vá a assembléia com espírito aberto para discutir os verdadeiros anseios e necessidades da categoria, a forma de contribuição do sindicato em questão, e a necessidade dos recursos, bem como sua limitação. É noção corrente a de que a atividade sindical necessita de recursos, sem os quais tais entidades não teriam como negociar e discutir com as empresas em condições de igualdade, mas logicamente que a cobrança deve ser adequada às necessidades e aos serviços oferecidos e à competência demonstrada.
E a empresa, o que deve fazer?
Foi-se o tempo do embate entre capital e trabalho. Os novos tempos valorizam as duas forças como partes de uma mesma engrenagem. Já se fala, até mesmo em nosso País, em participação acionária dos operários, de formas de auto-gestão ou participação dos trabalhadores em conselhos de administração, e a participação nos lucros e resultados é realidade em muitas categorias e empresas.
Atualmente, não são poucas as negociações, que com criatividade, trazem conquistas consideráveis à classe trabalhadora, gerando custos mínimos à classe empresarial. Os acordos de participação nos lucros e resultados, e novas formas de remuneração, como os stock options, incentivam a produtividade reduzindo custos financeiros e tributários. Há acordos, ainda, que quando divulgados, trazem melhoria à imagem da empresa, no contexto econômico e especialmente social, gerando desenvolvimento. Demissões em massa no passado hoje são substituídas por substituição na alta gestão da empresa, o que demonstra que na maioria das vezes o problema das empresas é de políticas internas e posicionamento no mercado, e não está relacionado ao desempenho dos trabalhadores. O segredo, então, é entender como se relacionar bem com os sindicatos e com os trabalhadores pode trazer benefícios recíprocos. Investir no desenvolvimento de boas políticas de relacionamento sindical, assim como em políticas de humanização do trato com os trabalhadores, sem dúvida vale a pena.
As convenções e acordos coletivos ganharam efetiva importância após a Constituição de 1988, movimento que vem ganhando força a cada dia. Cite-se, neste sentido, a recente Portaria 412 do Ministério do Trabalho e Emprego, de 20 de setembro de 2007, que estabelece ser somente possível a alteração alteração dos turnos ininterruptos de revezamento atuais das empresas, mediante convenção ou acordo coletivo de trabalho.
No que se relaciona especificamente com as contribuições dos empregados, recomendamos uma posição de neutralidade. Efetivamente, a relação que se dá é entre sindicato profissional e os trabalhadores, sendo a empresa ente estranho a tal relação. A obrigação da empresa, é meramente de desconto e repasse, ou segundo o que eventualmente estiver estabelecido na convenção coletiva. Caso haja oposição do empregado a qualquer desconto, realizada junto ao sindicato, a empresa deve arquivar uma cópia do documento protocolado, e se abster de efetuar o desconto. Não são recomendáveis o incentivo à oposição, a passagem de listas e abaixo assinados e outros atos que algumas empresas costumam assumir. Dentre as prerrogativas da empresa, não está a de tutelar o eventual direito do empregado em relação ao sindicato. Ao final, caso tome algumas destas atitudes, pode acabar assumindo uma obrigação que não era sua em uma ação de cobrança, e certamente que tais atitudes prejudicarão o seu relacionamento com o sindicato profissional, caso necessite de um futuro entendimento. Mas esta é apenas uma sugestão, de parte de profissionais que trabalham junto ao sistema, que é repleto de falhas e impropriedades. O mundo não é perfeito, nem o sistema sindical, especialmente o brasileiro. Isso para se dizer que, logicamente, cada empresa deverá analisar o seu universo particular e se posicionar de acordo com os riscos e expectativas nele existentes.
Problema comum trazido pelas ações trabalhistas individuais, é o pleito de empregados para que as empresas devolvam os descontos realizados a título de contribuição descontada, e "não autorizada". As soluções são as mais diversas possíveis, mas é comum vermos condenações de empresas a tais devoluções, sendo que os valores não ficaram efetivamente com elas, mas foram repassadas aos sindicatos de direito, conforme previsão convencional. A solução está em um acréscimo nas cláusulas coletivas que tratam do desconto de contribuições, onde se firme a responsabilidade do sindicato profissional em devolver ou indenizar a empresa nos valores objeto da eventual condenação. Caso tal devolução ou indenização não aconteça, a cláusula não deve ser renovada. Tal inclusão, quando as partes são confiáveis, costuma resolver a questão. Logicamente que, em uma ação de dezenas de pedidos, quando há acordo, não há como exigir tal reparação, sendo que nesta hipótese o valor provavelmente constará da redução dos valores próprias dos acordos.
Questão não atinente diretamente ao tópico, mas que se vê debatida nos meios sindicais e já chegou aos tribunais, é a que se relaciona com a fixação de contribuições, ao sindicato profissional, a serem arcadas pelas empresas, em geral em acordos coletivos. A prática é, a primeira vista, questionável, do ponto de vista que, em um mundo mercantil, baseado na troca, a tal contribuição não viria gratuitamente, e criaria uma dependência do sindicato profissional em relação à empresa, ou uma, digamos, "pelegagem" (o termo não consta dos dicionários, mas é utilizado de forma corrente no meio sindical) constituída. A nosso ver, embora a prática não seja de todo recomendável, tal contribuição torta, nesta hipótese, fixada em contrato coletivo, tem pelo menos o benefício da transparência, ou seja, tanto melhor que seja assim, à luz do dia, funcionando como um plus ao que é eventualmente dado ao trabalhador, já que este deixa de contribuir diretamente com o sindicato, isso sendo feito pela empresa, do que "às escuras" e em evidente fraude, como infelizmente acontece neste País, pelo visto até no congresso nacional. De qualquer forma, existem julgados que condenam tal prática, e recentemente tivemos acesso a um julgado que a considera normal. Logicamente que para haver tal fixação e cobrança, isso deve ser aprovado em assembléia e constar do termo de ajuste coletivo, tudo bem às claras.
Nossas conclusões:
Procuramos trazer neste artigo, algumas das questões práticas atinentes às contribuições sindicais, bem como, brevemente, outros temas de interesse. Tentamos trazer nossas experiências através de orientações e opiniões para diversos problemas que são recorrentes.
Como vimos, não é importante apenas visualizarmos isoladamente o quanto determinado sindicato arrecada, mas também qual o nível de sua atuação em prol da categoria, em termos de quantidade e qualidade, do contrário não teremos uma visão clara de seu efetivo desempenho, de seu "custo benefício" para a categoria representada.
Embora as nossas relações sindicais estejam longe das ideais, o empenho conjunto das categorias profissionais e econômicas tem apresentado evolução e conquistas. É comum hoje em dia, através de negociações coletivas criativas e sensíveis às necessidades das partes, o estabelecimento de benefícios mútuos de grande valia, a baixos custos para as empresas. São exemplos os acordos de distribuição de participação nos resultados e stock options, em que há benefícios à produtividade e economia nas esferas financeira e tributária.
Há ainda, e isso é inegável, uma tendência à elevação da participação dos contratos coletivos nos pactos trabalhistas individuais. O estudo, análise e reflexão sobre este importante universo, é, portanto, fundamental quando se busca o desenvolvimento social e econômico.
Notas
01 - Sobre o posicionamento do Ministério do Trabalho em sua atividade administrativa, destacamos a Portaria 160, de 13.04.2004, que estabelecia que a as contribuições fixadas em assembléia geral constantes dos acordos e convenções coletivas, somente seriam devidas pelos empregados sindicalizados, e em relação aos demais, haveria necessidade de prévia e expressa autorização do empregado. Esta portaria foi declarada inconstitucional em decisão do STF na ADIN 3206. Veio então a Portaria 180 do mesmo MTE, de 30.04.2004, que cancela (suspende a eficácia) da portaria 160; e considera o compromisso das centrais sindicais de orientação das entidades filiadas quanto à necessidade de obediência ao princípio da razoabilidade na fixação das contribuições e aos limites estabelecidos no Fórum Nacional do Trabalho para a futura contribuição negocial; Exige alguns requisitos formais para a cobrança, com regras de transparência – data da assembléia de instituição das contribuições / identificação do tipo de contribuição, seu valor e forma de cálculo / período de vigência da cláusula que instituiu as contribuições.
02 - in Aspectos Polêmicos e Atuais do Direito do Trabalho – Homenagem ao Professor Renato Rua de Almeida.- Ed. LTr, Junho de 2007 – São Paulo – Colaboradores Diversos – Organizadoras: Ivani Contini Bramante e Adriana Calvo.