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As saídas temporárias e a ressocialização do preso.

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A manutenção da saída temporária é coerente com os objetivos da pena, que não se limitam à punição, mas inclui a reintegração do preso à sociedade.

Resumo: Este artigo científico analisa a relação entre a benesse da saída temporária dos presos e o Projeto de Lei nº 2.253/2022, abordando o princípio da dignidade da pessoa humana na aplicação e efetivação da pena. Sendo assim, serão exploradas as funções da pena e a precariedade do sistema penal brasileiro, perpassando por toda sua origem até os dias atuais, após, será analisada a relevância da saída temporária para o processo de ressocialização do preso e, por fim, examinaremos o Projeto de Lei nº 2.253/2022 e seus possíveis impactos na reintegração social do apenado. Para tanto, o presente artigo busca contribuir para o debate acadêmico e a elaboração de propostas que possam conduzir a melhora no cenário da execução penal e, consequentemente, promover um cenário penal mais eficiente e alinhado aos ditames da justiça e da dignidade humana.

Palavras-chave: Lei de Execuções Penais. Ressocialização. Saídas Temporárias. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Projeto de Lei 2.253/2022.


1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O sistema penal é uma estrutura complexa formada por leis, instituições e práticas relacionadas à correta aplicação das penas e ao controle social dos comportamentos criminosos na sociedade. Embora seja concebido como um mecanismo de justiça de prevenção ao crime, restringindo sua intervenção apenas quando necessário, torna-se relevante ponderar que o seu desempenho é repressivo e comprometido com a proteção da dignidade da pessoa humana. Isso porque, a pena e o seu local de cumprimento é estigmatizante e promove uma degradação na figura social daqueles que integram o sistema (BATISTA, 2011).

Visando garantir os direitos dos presos, a Lei nº 7.210/1984 instituiu a Lei de Execução Penal no Brasil, objetivando, conforme o art. 1º, “efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado à sociedade”. Assim, consagrou-se dentro do sistema penal pátrio a ideia de ressocialização do condenado (internado) como principal objetivo da pena, contrapondo o pensamento meramente retributivo. Contudo, o sistema prisional brasileiro tem sido objeto de constantes preocupações ao longo dos últimos anos, tendo os debates mais recentes girando em torno dos temas de direitos humanos e suas violações, segurança pública e política criminal.

Nesse cenário, o benefício das saídas temporárias surge como uma medida ressocializadora, visando proporcionar aos presos uma oportunidade de vínculo com a sociedade e com a família. Contudo, em que pese este benefício não abranger todos os tipos de condutas criminosas, devendo ser cumpridos requisitos rigorosos para a sua concessão, tal benesse é alvo de discussões acaloradas no Congresso Nacional e, consequentemente, na sociedade brasileira, que tem questionado sobre a sua eficácia quanto a ressocialização do preso e o déficit na segurança pública.

Como resposta à sociedade, foi elaborado o Projeto de Lei nº 2.253/2022, que propunha alterações na lei de Execução Penal para, além de outras mudanças, revogar as saídas temporárias dos presos. Não obstante, a temática tem como justificativa o “desconforto” gerado pela alta taxa de evasão dos presos e a reincidência, embora tal linha argumentativa, como será verificado, seja rigorosamente deficitária. Os prejuízos que sustentam a elaboração e aprovação do projeto, além de não se confirmarem, dentro de um sistema democrático, não podem ser norteados por argumentos subjetivos.

Nesse contexto, o objetivo deste artigo é promover a discussão sobre a temática proposta, por meio de uma minuciosa revisão bibliográfica, dados estatísticos e análise do Projeto de Lei nº 2.253/2022 e seu contexto, analisando a relação entre a benesse da saída temporária dos presos e o citado Projeto de Lei, tendo como fundamento o princípio da dignidade da pessoa humana na aplicação e efetivação da pena. Para tanto,será abordado as funções da pena e a precariedade do sistema penal brasileiro, perpassando por toda sua origem até os dias atuais. Após, será analisada a relevância da saída temporária para o processo de ressocialização do preso e, por fim, será examinado o Projeto de Lei nº 2.253/2022, que prevê a revogação da benesse tendo como embasamento a reincidência e o déficit da segurança pública.


2. DA FUNÇÃO DA PENA E A PRECARIEDADE DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

A pena é a consequência legal aplicada pelo Estado diante de um ilícito penal, compreendendo privação e limitação de direitos estabelecidos na legislação. Desse modo, possui como finalidade primordial a retribuição pelo crime cometido, a prevenção de futuras transgressões e a reinserção do indivíduo no meio social (Gonçalves, 2023).

Entretanto, embora o Estado tenha o poder/dever de aplicar determinada sanção ao indivíduo que, violando o sistema jurídico-penal, cometeu determinado delito, a pena deve ser proporcional ao crime e dentro dos limites estabelecidos pela Constituição Federal de 1988 e seus respectivos princípios regedores. Assim, a nossa Carta Magna de 1988 estabelece tanto as penas legais e aplicáveis, conforme dispõe o art. 5º, XLVI, quanto proíbe algumas formas de punição, visando a proteção do direito de todos os indivíduos por entender que todas as penas dispostas no art. 5º, XLVII, do mesmo compêndio de leis, ofendem, de forma ampla, o princípio da dignidade da pessoa humana, além de fugir de sua função (Greco, 2017).

Atualmente, tem-se debatido sobre as funções que devem ser atribuídas às penas. Estas, por sua vez, tem fins comuns e que não se excluem, quais sejam: retribuição e prevenção (Nucci, 2020). Tanto é que, o Código Penal, em seu art. 59, prevê que o juiz atendendo os requisitos necessários, deve estabelecer penas e regime de cumprimento suficientemente capazes à reprovação e à prevenção do delito. Desse modo, compreende-se que em nosso ordenamento jurídico penal prevalece a teoria mista, ou seja, aquela que sustenta a finalidade da pena com duas vertentes, punir e prevenir, conjugando a necessidade da reprovação com a prevenção, unindo, então, a teoria absoluta e a relativa da pena (Greco, 2017).

A teoria absoluta apregoa a tese do caráter retributivo da pena, visto que estabelece como finalidade a punição do agente infrator pelo mal causado à vítima e à sociedade. Já a teoria relativa, advoga para a tese do caráter preventivo da pena, que prevê a intimidação como objetivo principal, ou seja, de evitar que os delitos sejam cometidos, sendo dividida em: preventivo geral e preventivo especial (Gonçalves, 2023).

A prevenção geral baseia-se na intimidação dos cidadãos, no sentido de, ao tomarem ciência de que o cometimento de um ilícito penal levará a condenação, tenderão, por medo, a não realizar a mesma conduta (Estefam, 2023). Nesse mesmo sentido, Foucault (2008) argumenta que a certeza de ser punido é o que deve dissuadir o indivíduo do delito e não mais o terrível espetáculo, vez que o funcionamento exemplar da sanção altera os mecanismos.

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Já a prevenção especial, em síntese, refere-se a privação da liberdade propriamente dita, haja vista que evita que o agente transgressor cometa novos delitos enquanto cumpre sua pena em estabelecimento prisional, protegendo, assim, a sociedade (Estefam, 2023). Segundo Greco (2017), o que se evidencia na prevenção especial é o caráter ressocializador da pena, incentivando o infrator a refletir sobre o crime cometido enquanto encarcerado, ponderar suas consequências e, assim, desestimular a reincidência.

No entanto, é fato que embora a pena tenha todas essas funções, o seu local de cumprimento tem uma história marcada por diversos períodos até chegar ao sistema penal atual. Desses diversos períodos, destaca-se a reforma do Código Penal ocorrida em 1984, cujo objeto era alinhar a lei existente com os princípios doutrinários em vigor, inspirados no finalismo, com ênfase na ressocialização através do sistema progressivo de cumprimento da pena privativa de liberdade. Sendo assim, constata-se que a reforma penal, ao longo do tempo, tem sido impulsionada por exigências históricas, adaptando-se às transformações sociais e mudando certas regras de comportamento de acordo com a evolução social (Toledo apud Estefam, 2023). Logo, nota-se que a reforma do Direito penal buscou inspirar uma teoria que enfatiza o dever de punição com o objetivo inicial de prevenir e, em última instância, de ressocializar os condenados (Estefam, 2023).

Desse modo, no Direito moderno, a execução da pena transcende o prisma punitivo e retributivo pelo mal cometido. Passe-se a assumir um caráter ressocializador e restaurador do transgressor, objetivando, portanto, a sua reintegração no meio coletivo e social. Isso porque, o enfoque da punição não deve levar a exclusão do delinquente, mas sim a manutenção da sua integridade, para que o corpo social não sofra com desfalques em sua composição (Soares, 2013). Sendo assim, visando assegurar os direitos dos presos, dando-lhes condições mais dignas dentro do cárcere, surge a Lei de Execução Penal nº 7.210/1984.

Para Figueiredo Neto et al. (2009), a Lei de Execução Penal é importante para o Sistema Penal Brasileiro, pois vai além da aplicação da pena ao agente transgressor, tendo por finalidade a reabilitação do indivíduo. Corroborando com esse entendimento, Ribeiro (2013) sustenta que, na teoria, a Lei de Execução Penal dispõe preceitos que visam prevenir o crime e orientar o retorno do preso à sociedade, garantindo-lhes direito à assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa, conforme artigo 11, da referida lei.

Entretanto, as funções da pena, principalmente, a ressocializadora, não pode ser atendida numa instituição como a prisão. Isso porque, os centros de execução penal e as penitenciárias refletem as contradições presentes na sociedade. Em vez de corrigir comportamentos e fornecer condições para que o indivíduo volte a vida em sociedade, a pena privativa de liberdade estigmatiza os encarcerados, dificultando sua reintegração social (Mirabete; Fabbrini apud Bitencourt, 2004).

Nota-se, portanto, que somente a pena não é capaz de reintegrar o indivíduo ao meio social, sendo necessário a combinação de outros meios, como a benesse da saída temporária, para alcançar efeitos mais positivos frente a ressocialização do apenado (Figueiredo et al., 2009).

Embora o sistema prisional brasileiro tenha por finalidade a ressocialização, a precariedade do sistema é um óbice para o cumprimento de tal objetivo. A superlotação, falta de higiene, assistência médica e alimentação inadequada apontam para a falência do sistema, uma vez que além de ir contra os ditames da Lei de Execução Penal, causam revoltas e levam os encarcerados a se especializarem na prática de novos crimes (Ribeiro, 2013).

Atestando o entendimento supra, Figueiredo (2009), assevera que, as prisões, no Brasil, frequentemente são vistas como local inapropriado para a vida humana, visto que são caracterizadas pela superlotação, ambiente insalubre, falta de condições dignas de vida e ausência de aprendizado para o preso. Em razão disso, sentem-se desmotivados a se recuperarem e perdem o prazer de voltar para a vida quando retornam à sociedade, o que contribui para a permanência na prática de delitos. Diante do exposto, observa-se que o sistema prisional brasileiro é falho frente a sua função ressocializadora, uma vez que agrava a situação do preso dentro do cárcere e nega o direito a novas oportunidades na sociedade após o cumprimento da pena (Ribeiro, 2013).


3. A RELEVÂNCIA DA SAÍDA TEMPORÁRIA PARA O PROCESSO DE RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO

3.1. A Constituição de 1988 e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

Os princípios desempenham um papel fundamental no Direito Penal, uma vez que fornecem pilares éticos, morais e jurídicos que orientam a aplicação das leis. Assim, do Estado Democrático de Direito partem princípios reguladores dos mais diversos campos da atuação humana, dentre eles o campo penal. No campo penal o princípio da dignidade da pessoa humana direciona e molda todo o sistema, conferindo-lhe uma característica de direito penal mais democrático. Este princípio, amplo e abrangente, serve de base para uma série de outros princípios específicos relacionados à esfera criminal, dentre eles o da humanidade (Capez, 2023).

Consagrado na Constituição Federal de 1988, o princípio da humanidade é fundamental para garantir a proteção dos direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana dentro do sistema jurídico. Esse princípio, de acordo com a presidente do IDPB (Instituto de Direito Penal Brasileiro), Cristiane Dupret (2022), salvaguarda a inconstitucionalidade da criação de tipos penais ou aplicação de penas que tendem a violar a integridade física, psicológica ou moral de qualquer pessoa. Para Capez (2023), a criação de um tipo penal ou a imposição de pena que restrinja, irrelevantemente, direitos assegurados pela Constituição Federal de 1988, como a incolumidade física ou moral de alguém, resulta ser inconstitucional.

Por sua vez, a nível constitucional, o princípio em tela encontra-se disposto no artigo 5º, XLVII e XLIX, da Constituição Federal de 1988, que prevê:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XLVII - não haverá penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

b) de caráter perpétuo;

c) de trabalhos forçados;

d) de banimento;

e) cruéis;

XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;

Acrescente-se ainda o artigo 10 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, que estabelece: “toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa humana.”

A leitura dos preceitos aqui evidenciados aponta para a necessidade de o princípio da humanidade guiar todas as ações do Estado frente ao apenado, abrangendo não apenas a elaboração das leis e a execução das penas, mas também na aplicação das sanções administrativas e na ressocialização do preso. Entretanto, é fato que há uma enorme resistência da sociedade quanto a aceitação e aplicação integral do referido princípio, uma vez que todo delito gera na coletividade um sentimento de vingança, intrínseco a todo ser humano, principalmente a vítima e seus familiares, ao autor do crime (Prado et.al, 2011).

3.2. A Lei n° 7.210/1984 e a ressocialização do preso à luz do princípio da dignidade da pessoa humana

Por oportuno, agregue-se que o Direito de Execução Penal, no Brasil, instituído pela Lei 7.210/1984 (Lei de Execução Penal), como toda ciência, está fundamentado em princípios que, por terem sua atuação centrada na liberdade humana, são influenciados pelas garantias estabelecidas na constitucionalização dos direitos humanos, especialmente da contemplação da dignidade da pessoa humana e da humanidade, orientando, assim, toda a atuação do Estado na execução da pena (Prado et. al, 2011).

Neste sentido, destaca-se o que diz o item 16, da Exposição de motivos da Lei de Execução Penal:

16. A aplicação dos princípios e regras do Direito Processual Penal constitui corolário lógico da interação existente entre o direito de execução das penas e das medidas de segurança e os demais ramos do ordenamento jurídico, principalmente os que regulam em caráter fundamental ou complementar os problemas postos pela execução (original sem destaque).

Nota-se que a execução penal não possui princípios constitucionais próprios, haja vista que, na realidade, os princípios penais e processuais penais são comuns ao Direito de Execução Penal (Nucci, 2020). Portanto, em uma simples leitura da Lei nº 7.210/1984, observa-se que esta possui intrínseca relação com o princípio da dignidade da pessoa humana, tendo em vista que toda a atuação estatal frente a repressão e prevenção do crime encontra limites na dignidade humana e no tratamento probo que todo e qualquer indivíduo merece, em que pese tenha desrespeitado a lei (Gonçalves, 2023).

Pondera-se, então, que a Lei de Execução Penal (7.210/1984), à luz do princípio supracitado, representa um marco legislativo importante no contexto da ressocialização do preso no Brasil, haja vista que estabelece diretrizes e adota medidas necessárias para a correta execução das penas privativas de liberdade, bem como para ressocialização do apenado. Dessa forma, buscando dar efetividade ao segundo objetivo da execução penal, qual seja, reintegração social do apenado, conforme dispõe o art. 1º da Lei nº 7.210/84, estabeleceu-se a benesse da saída temporária.

A saída temporária, portanto, constitui um benefício no âmbito da execução penal voltado aos presos do regime semiaberto. O seu propósito primordial é proporcionar ao preso de bom comportamento uma maior proximidade com a família, garantir a oportunidade de acesso à educação e fomentar a reeducação, cultivando nos indivíduos um senso de responsabilidade que os habilite para uma possível transição ao regime aberto, ao mesmo tempo em que inaugura o processo de ressocialização (Nucci, 2020). Além disso, a concessão da saída temporária visa um maior vínculo afetivo com os familiares e a sociedade de forma geral para que o preso não esqueça da sua identidade como ser humano integrante de uma família, fazendo com que os seus pensamentos sobre si, seus próprios valores, estejam sempre elevados positivamente (Prado et.al, 2011).

Corroborando com o esse entendimento, Soares (2013) afirma que os benefícios penais visam principalmente a ressocialização do preso, funcionando também como um instrumento pedagógico durante a execução da pena. Dessa forma, enquanto o condenado cumpre sua pena e repara sua dívida com a sociedade, ele tem a oportunidade de usufruir desses benefícios, desde que demonstre uma intenção genuína de mudar seu comportamento e se reintegrar de forma adequada à sociedade, abandonando as condutas inadequadas do passado.

Desse modo, a saída temporária deve ser compreendida não apenas como um benefício momentâneo, mas sim como um “processo de autodisciplina em que o condenado se vê inserido como corresponsável de sua gradual reinserção no meio social” (Prado et.al, 2011, p. 143).

3.3. O benefício da saída temporária

Na fase de execução da sentença penal, os aspectos retributivos e aflitivos da pena ganham robustez, consolidando a materialização da pretensão punitiva do Estado diante do delito perpetrado contra o bem jurídico protegido pela norma penal. No entanto, o objetivo da execução penal não se limita apenas à aplicação da pena, vez que também deve propiciar ao condenado condições para o seu harmônico retorno à sociedade (Prado et.al, 2011).

Partindo deste pressuposto, no Brasil, a Lei de Execução Penal nº 7.210/84, foi criada, objetivando, de acordo com o seu artigo 1º “efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”. Dessa forma, observa-se que resta consagrado dentro do sistema penal pátrio a idéia de ressocialização do apenado como principal objetivo da pena, contrapondo o pensamento meramente retributivo (Nucci, 2020).

Logo, com a intenção de cumprir com tal desígnio e, em consonância com o princípio da humanidade e do sistema progressivo, o legislador instituiu a saída temporária, visando estímulo aos presos de bom comportamento e que estão comprometidos com o processo de ressocialização (Prado et.al, 2011). As saídas temporárias, conceitualmente, de acordo com o consignado no item 129 da exposição de motivos da Lei de Execução Penal, “consistem na autorização para sair do estabelecimento para, sem vigilância direta, visitar a família, frequentar cursos na Comarca da execução e participar de atividades que concorram para o retorno ao convívio social”.

Para Mirabete (2004), as saídas temporárias visam incentivar o apenado a atentar a boa conduta e, sobretudo, fazer com que ele aprofunde o seu sentido de responsabilidade por si mesmo, tendo um impacto benéfico na sua psicologia. Nota-se, então, que as saídas temporárias enquadram-se no rol dos direitos dos presos, vez que são incluídas como mecanismos que permitem o restabelecimento progressivo do contato com seus familiares e com o mundo exterior durante o cumprimento da pena privativa de liberdade. Esses mecanismos, por sua vez, envolvem atividades voltadas para a formação moral, ética e profissional do detento, visando sua reintegração social gradual (Marcão, 2023).

Embora seja um direito público subjetivo, a saída temporária não é inerente a todo e qualquer apenado, haja vista que para sua concessão se faz necessário o preenchimento de requisitos objetivos e subjetivos existentes na lei (Maia; Gomes; 2021). Neste sentido, de acordo com o art. 122, da Lei de Execução Penal nº 7.210/1984, o primeiro requisito a ser cumprido pelo preso, visando deslocar-se temporariamente da prisão, é estar cumprido a pena em regime semiaberto1.

Vejamos a íntegra do artigo:

Art. 122. Os condenados que cumprem pena em regime semi-aberto poderão obter autorização para saída temporária do estabelecimento, sem vigilância direta, nos seguintes casos:

I - visita à família;

II - freqüência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução;

III - participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social.(grifo nosso)

Os demais requisitos a serem cumpridos estão dispostos no art. 123, da Lei de Execução Penal e, por sua vez, encontram-se relacionados à prisão stricto sensu. São eles: a) Comportamento adequado; b) Cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena, se o condenado for primário, e 1/4 (um quarto), se reincidente; e c) Compatibilidade do benefício com os objetivos da pena. O comportamento adequado deve ser entendido como ausência de sanções disciplinares ao preso, aliada ao seu comprometimento visível com o processo de reintegração social. É fundamental que o indivíduo não apenas apresente um bom comportamento durante o período carcerário, mas também que demonstre senso de responsabilidade e disciplina (Mirabete, 2004; Prado et.al, 2011).

Nos casos de cumprimento de 1/6 (um sexto) da pena, caso o indivíduo seja primário e de bons antecedentes e, por uma situação adversa, venha a cometer um delito, somente poderá postular pela saída temporária após 1 ano de cumprimento da pena. Por outro lado, se o indivíduo reincidente estava cumprindo pena no regime fechado e, em razão do sistema de progressão de regime, foi transferido para o semiaberto, terá o benefício da saída temporária concedido imediatamente. Tal fato ocorre porque o apenado teve tempo suficiente para mostrar seu bom comportamento e aderência às regras do regime penal mais restritivo, tanto que esse desempenho foi fundamental para sua transferência para o regime semiaberto (Nucci, 2020).

À vista disso, torna-se importante ressaltar que o período exigido inclui o tempo em que o condenado cumpriu pena no regime fechado. Esse entendimento está estabelecido de forma clara no Superior Tribunal de Justiça, conforme a Súmula 40, a qual estipula que: "Para a obtenção de benefícios como saída temporária e trabalho externo, é considerado o tempo de cumprimento da pena em regime fechado".

Com efeito, a compatibilidade do benefício com os objetivos da pena possui intrínseca relação com o processo de ressocialização do apenado, uma vez que o juiz da execução penal ao conceder a saída temporária, não pode estabelecer seu posicionamento e fundamento de autorização apenas nos requisitos objetivos, isto é, no tempo mínimo de cumprimento da pena. Deve-se analisar, portanto, o requisito subjetivo, ou seja, se a concessão do benefício trará efeitos positivos quanto a reinserção social do apenado ou se este deseja apenas utilizar-se do benefício para voltar a delinquir (Prado et.al., 2011).

Contudo, da mesma forma que há concessão, também há revogação. Sendo assim, as causas de revogação do benefício da saída temporária estão previstas no rol do artigo 125, da Lei de Execução Penal nº 7.210/1984, que dispõe:

Art. 125. O benefício será automaticamente revogado quando o condenado praticar fato definido como crime doloso, for punido por falta grave, desatender as condições impostas na autorização ou revelar baixo grau de aproveitamento do curso.

Parágrafo único. A recuperação do direito à saída temporária dependerá da absolvição no processo penal, do cancelamento da punição disciplinar ou da demonstração do merecimento do condenado.

Apesar de ser inegável a importância do respeito aos princípios constitucionais, quando a norma penal determina que haverá a revogação automática do benefício da saída temporária, não há o que se falar em violação do princípio da ampla defesa e do contraditório. Isso porque, a própria lei prevê possibilidades de restabelecimento do benefício, afastando qualquer tipo de ameaça ao direito do apenado (Marcão, 2023).

Na sequência, o artigo citado considera a prática de crime doloso e a punição por falta grave como motivos suficientes para a revogação automática do benefício da saída temporária, sendo certo que, nos termos do artigo 18, I, da mesma norma, haverá regressão de regime (do semiaberto para o fechado), não cabendo mais a saída temporária, haja vista ser incompatível com o regime para o qual o transgressor regrediu. Além disso, quando o apenado desatender as condições impostas na autorização ou revelar baixo grau de aproveitamento do curso, também ocorrerá revogação, uma vez que nesses casos torna-se evidente que a finalidade crucial da concessão do benefício não está sendo atingida, razão pela qual revela-se antagônico a manutenção da benesse (Marcão, 2023).

Sobre os autores
EDUARDA OLIVEIRA DE FREITAS

Graduanda em Direito pela Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim︎.

Leonardo Roza Tonetto

Mestrando em Políticas Sociais pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) - CAPES 6; Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES); Pós-Graduado em Direito Constitucional pelo grupo Damásio Educacional; Pós-graduando em Prática Penal pelo Damásio Educacional com módulo internacional em Temas Avançados em Direito Público e Privado pelo INIEC - Instituto Internacional de Educação Continuada e Universidade de Santiago de Compostela - Espanha; Graduado em Direito pela FDCI; Professor de Direito Constitucional da Faculdade Multivix - Núcleo de Cachoeiro de Itapemirim; Professor da disciplina de Ciência Política e Teoria Geral do Estado da Faculdade de Venda Nova do Imigrante (FAVENI) e de Direito Público e Privado, Direito Empresarial, Ética e Economia Política da Faculdade de Ciências Contábeis e Administrativas de Cachoeiro de Itapemirim (FACCACI); Advogado inscrito nos quadros da OAB/ES; Membro Consultor da Comissão Federal de Educação Jurídica do Conselho Federal da OAB; Membro titular da comissão de Direitos Sociais da OAB/ES. Tem experiência na área das Ciências Sociais, com ênfase no Direito, especialmente no Direito Público, Constitucional e Penal, atuando e pesquisando principalmente os seguintes temas: teorias étinico-raciais, racismo estrutural, história e memória racial, colonialismo, pós-colonialismo e seletividade penal.︎

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, EDUARDA OLIVEIRA FREITAS; TONETTO, Leonardo Roza. As saídas temporárias e a ressocialização do preso.: Uma análise do Projeto de Lei nº 2.253/2022. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7774, 13 out. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/110566. Acesso em: 24 nov. 2024.

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