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Migrantes, deslocados e refugiados no âmbito do direito internacional: o estatuto dos refugiados, o protocolo de 1967 e a política dos estados unidos

RESUMO

O artigo analisa as políticas dos EUA sobre refugiados, abordando o Estatuto dos Refugiados de 1951 e o Protocolo de 1967. Destaca as mudanças na abordagem dos EUA, desde a Guerra Fria até as políticas restritivas de Trump, e as tentativas de reversão durante o governo Biden, equilibrando obrigações internacionais e demandas internas.

Introdução

A questão dos migrantes, deslocados e refugiados tem assumido um papel central no direito internacional e nas políticas domésticas de muitos países, especialmente nos Estados Unidos. À medida que o mundo enfrenta crises humanitárias cada vez mais complexas — de conflitos armados a mudanças climáticas — o tratamento legal e humanitário desses grupos se torna uma questão de relevância crescente. O Estatuto dos Refugiados de 1951 e o Protocolo de 1967 são os pilares legais que definem as obrigações dos Estados para com os refugiados, mas sua implementação nos Estados Unidos reflete um equilíbrio entre compromissos internacionais e prioridades políticas internas.

Definições e Distinções

Migrantes e Refugiados

A distinção entre migrantes e refugiados é crucial no direito internacional. Enquanto os migrantes se deslocam voluntariamente, muitas vezes em busca de melhores condições de vida, os refugiados são forçados a fugir de seus países devido a perseguições, conflitos ou violência generalizada. Essa diferença é fundamental, pois os refugiados têm direito a uma proteção especial sob o Estatuto dos Refugiados de 1951, ao passo que os migrantes estão sujeitos às leis nacionais de imigração dos países de acolhimento.

Os refugiados são definidos pelo Estatuto dos Refugiados como pessoas que, devido a um fundado temor de perseguição com base em raça, religião, nacionalidade, pertencimento a um determinado grupo social ou opinião política, não podem ou não querem retornar ao seu país de origem. Esta definição cria uma distinção legal clara entre refugiados e outros grupos de migrantes.

Deslocados Internos

Os deslocados internos (IDPs) são indivíduos que foram forçados a deixar suas casas devido a conflitos, desastres naturais ou outras crises, mas que permanecem dentro das fronteiras de seu próprio país. Eles não estão cobertos pelo Estatuto dos Refugiados, mas têm direito à proteção sob o direito internacional dos direitos humanos. A crescente magnitude das crises de deslocamento interno tem levado à maior atenção internacional, embora ainda faltem instrumentos jurídicos robustos e específicos que protejam esses indivíduos.

O Estatuto dos Refugiados de 1951 e o Protocolo de 1967

Adotado após a Segunda Guerra Mundial, o Estatuto dos Refugiados de 1951 foi concebido para lidar com a crise de refugiados na Europa. Ele estabeleceu os direitos dos refugiados, como o direito de não serem devolvidos a um país onde suas vidas estariam em risco (o princípio de não devolução ou non-refoulement), e as obrigações dos Estados para com os refugiados, incluindo a garantia de direitos básicos, como acesso ao trabalho, à educação e à justiça.

No entanto, o Estatuto original limitava sua aplicabilidade a eventos ocorridos antes de 1951 e a refugiados dentro da Europa. O Protocolo de 1967 ampliou essa proteção ao remover as restrições temporais e geográficas, tornando as disposições do Estatuto aplicáveis a refugiados em todo o mundo.

A Política dos Estados Unidos sobre Refugiados

Os Estados Unidos têm uma longa história de acolhimento de refugiados, mas sua política em relação a essas populações é caracterizada por mudanças significativas ao longo do tempo. A Lei de Refugiados de 1980 alinhou a legislação dos EUA ao Protocolo de 1967, estabelecendo um programa formal de reassentamento e reafirmando o princípio de não devolução. O país tornou-se líder mundial no reassentamento de refugiados, acolhendo centenas de milhares de pessoas fugindo de perseguições e conflitos em todo o mundo.

Era da Guerra Fria

Durante a Guerra Fria, os Estados Unidos usaram sua política de refugiados como uma ferramenta de política externa. Refugiados de países comunistas, como Cuba, Vietnã e países do Bloco Soviético, eram frequentemente bem-vindos, pois sua aceitação servia como um símbolo da luta dos EUA contra o comunismo. Esses refugiados eram vistos não apenas como vítimas de regimes opressores, mas também como aliados ideológicos na Guerra Fria.

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Pós-11 de Setembro e a Era do Terrorismo

Após os ataques de 11 de setembro de 2001, a política de refugiados dos Estados Unidos começou a se concentrar cada vez mais na segurança nacional. Leis e regulamentos foram adotados para garantir que os refugiados não representassem uma ameaça à segurança do país. Esse foco na segurança se intensificou durante o governo de Donald Trump (2017-2021), quando o número de refugiados admitidos nos EUA foi drasticamente reduzido.

A administração Trump adotou uma série de políticas restritivas, como o "Muslim Ban", que proibia a entrada de cidadãos de vários países de maioria muçulmana, e reduziu o limite anual de reassentamento de refugiados para níveis historicamente baixos. O foco do governo estava em aumentar a segurança nas fronteiras e limitar o acesso a sistemas de asilo e reassentamento, sob o argumento de proteger os interesses de segurança nacional.

A Política de Refugiados sob Joe Biden

Com a eleição de Joe Biden em 2020, houve uma mudança significativa no tom e na substância da política de refugiados dos Estados Unidos. O presidente Biden prometeu reverter muitas das políticas restritivas de seu antecessor e aumentar o limite de reassentamento de refugiados. Em 2021, Biden aumentou o teto anual de refugiados para 62.500, e prometeu elevar esse número para 125.000 no ano seguinte.

No entanto, apesar dessas promessas, a implementação dessas políticas tem enfrentado desafios, incluindo a burocracia herdada e a pressão política interna. A pandemia de COVID-19 também complicou o reassentamento de refugiados, com restrições de viagem e recursos limitados dificultando os esforços de acolhimento.

O Papel dos Estados Unidos no Sistema Internacional de Refugiados

Como uma das maiores economias do mundo e um ator importante nas questões internacionais, os Estados Unidos têm um papel significativo no sistema internacional de proteção a refugiados. Além de reassentar refugiados em seu próprio território, os Estados Unidos também fornecem financiamento e apoio para agências internacionais, como o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR).

A política de refugiados dos EUA não apenas afeta diretamente aqueles que buscam proteção, mas também influencia a forma como outros países abordam as questões de migração e asilo. Durante a administração Trump, por exemplo, outros países seguiram o exemplo dos Estados Unidos e implementaram políticas mais restritivas. Por outro lado, as políticas de Biden buscam restaurar o papel dos EUA como um líder global na proteção de refugiados, incentivando outros países a adotarem abordagens mais abertas e humanitárias.

Desafios Futuros

Embora os Estados Unidos tenham uma longa tradição de reassentamento de refugiados, o futuro dessa política enfrenta desafios significativos. A crise climática, por exemplo, está gerando novas formas de deslocamento que ainda não são abordadas pelo sistema de proteção internacional existente. Os chamados "refugiados climáticos" não se enquadram na definição legal de refugiado estabelecida pelo Estatuto de 1951, o que cria lacunas de proteção.

Além disso, as divisões políticas internas nos Estados Unidos continuam a moldar a política de refugiados. Mesmo com um governo mais favorável ao reassentamento, as pressões domésticas, como preocupações com a segurança e a economia, continuam a influenciar as decisões políticas.

Conclusão

O papel dos Estados Unidos na política internacional de refugiados é fundamental, tanto como líder no reassentamento quanto como um modelo para outros países. No entanto, o equilíbrio entre suas obrigações internacionais e suas prioridades domésticas resulta em uma política que oscila entre abertura e restrição, dependendo das circunstâncias políticas e econômicas.

O Estatuto dos Refugiados de 1951 e o Protocolo de 1967 fornecem o arcabouço legal necessário para a proteção de refugiados, mas sua aplicação depende do comprometimento contínuo dos Estados, incluindo os Estados Unidos, com os princípios humanitários subjacentes. À medida que o mundo enfrenta novos desafios, como as mudanças climáticas e os deslocamentos em massa, a política de refugiados dos EUA precisará se adaptar para continuar a fornecer proteção eficaz a essas populações vulneráveis.

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Sobre o autor
Victor Lázaro Ulhoa Florêncio de Morais

Advogado. Ex-defensor Público do Estado de Goiás. Ex- Auditor de controle externo do Tribunal de Contas do Estado de Goiás. Pós graduado em Direito Internacional

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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