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A (im)possibilidade de intimação pelas redes sociais.

Agenda 03/09/2024 às 17:22

Se o STF inova no formato de comunicação de seus atos processuais, resta aos juristas, aproveitando o forte (e inédito) precedente, também requerer a utilização deste meio junto aos demais órgãos do Poder Judiciário.

Conforme amplamente divulgado, o Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), intimou na nesta quarta-feira (28/08) o empresário Elon Musk, proprietário da rede social X (antigo “Twitter”), por meio de postagem1 no perfil oficial do Supremo Tribunal na mencionada rede social, para que indique, no prazo de 24 horas, representante legal da empresa no país.

O empresário é investigado nos autos do Inquérito 4957, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, que apura organização criminosa, suposto delito de obstrução à Justiça e incitação ao crime.

Afora o mérito do Inquérito, o que causou verdadeira surpresa e perplexidade, especialmente à comunidade jurídica, foi o meio de intimação da decisão, através de postagem em perfil oficial da rede social, noticiado amplamente pelo próprio STF em suas páginas2 e redes.

Isto porque, apesar do Código de Processo Civil3 prever expressamente possibilidade (e até mesmo a preferência) de intimações por “meio eletrônico”4, recentes decisões, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, alertavam quanto a ausência de previsão legal, firmando entendimento pela impossibilidade de comunicação dos atos processuais por redes sociais.

Neste sentido destaca-se decisão, publicada em agosto de 2023, da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), nos autos do REsp 2.026.925, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi:

“Atualmente, há inúmeras portarias, instruções normativas e regulamentações internas em diversas Comarcas e Tribunais brasileiros, com diferentes e desiguais procedimentos e requisitos de validade dos atos de comunicação eletrônicos, tudo a indicar que: (i) a legislação existente atualmente não disciplina a matéria; e (ii) é indispensável a edição de legislação federal que discipline a matéria, estabelecendo critérios, procedimentos e requisitos isonômicos e seguros para todos os jurisdicionados.

(...)

A comunicação de atos processuais, intimações e citações, por aplicativos de mensagens ou redes sociais, hoje, não possui nenhuma base ou autorização da legislação e não obedece às regras previstas na legislação atualmente existente para a prática dos referidos atos, de modo os atos processuais dessa forma comunicados são, em tese, nulos.

(...)

A identificação e a localização de uma parte com um perfil em rede social é uma tarefa extremamente complexa e incerta, pois devem ser consideradas a existência de homônimos, a existência de perfis falsos e a facilidade com que esses perfis podem ser criados, inclusive sem vínculo com dados básicos de identificação das pessoas, bem como a incerteza a respeito da entrega e efetivo recebimento do mandado de citação nos canais de mensagens criados pelas plataformas.”

Até então tinha-se o entendimento jurisprudencial pela impossibilidade de comunicação de atos processuais por redes sociais, bem como um apelo pela necessidade de uniformização de regras quanto ao uso de ferramentas tecnológicas, o que sugeria uma “redução” ou “restrição” dos meios eletrônicos utilizados pelo Poder Judiciário, dando primazia aos e-mails como “meios oficiais”.

Embora tenham sido citadas algumas dificuldades e riscos inerentes a uma suposta fragilidade de identificação do destinatário ou de ciência inequívoca do ato e seus termos, é sabido que alguns destes obstáculos podem ser facilmente superados, notadamente quando se tratam de perfis verificados (muitos com o símbolo de check azul que fica ao lado do nome da conta) e confirmações de visualização de mensagens das próprias redes, dentre outras formas de averiguação que qualquer “usuário médio” de uma rede social sabe utilizar.

Analisando o diploma legal, nota-se uma verdadeira predileção do Código de Processo Civil desta forma eletrônica de prática de atos e demais comunicações, citando expressamente a possibilidade dos “meios eletrônicos” em diversos de seus artigos, impondo inclusive penalidades severas para recusas, ocultação ou desconsideração, senão vejamos:

“Art. 193. Os atos processuais podem ser total ou parcialmente digitais, de forma a permitir que sejam produzidos, comunicados, armazenados e validados por meio eletrônico, na forma da lei.

(...)

Art. 246. A citação será feita preferencialmente por meio eletrônico, no prazo de até 2 (dois) dias úteis, contado da decisão que a determinar, por meio dos endereços eletrônicos indicados pelo citando no banco de dados do Poder Judiciário, conforme regulamento do Conselho Nacional de Justiça.

(...)

§ 1º- C Considera-se ato atentatório à dignidade da justiça, passível de multa de até 5% (cinco por cento) do valor da causa, deixar de confirmar no prazo legal, sem justa causa, o recebimento da citação recebida por meio eletrônico.

(...)

Art. 270. As intimações realizam-se, sempre que possível, por meio eletrônico, na forma da lei.

(...)

Art. 273. Se inviável a intimação por meio eletrônico e não houver na localidade publicação em órgão oficial, incumbirá ao escrivão ou chefe de secretaria intimar de todos os atos do processo os advogados das partes:

(...)

Art. 275. A intimação será feita por oficial de justiça quando frustrada a realização por meio eletrônico ou pelo correio.”

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Ao todo, são previstas no Código Processual aproximadamente 40 menções ao termo “meio eletrônico” na prática de diversos atos e comunicações, embora, conforme mencionado pelo jurista Carlos Gustavo Baptista Pereira5, o Código não especifique quais seriam estes meios eletrônicos:

“Notem, que a questão foi tratada pelo Código de Processo Civil atual, porém, sem esclarecer qual seria o "meio eletrônico" para realização dessas intimações, tampouco deixando claro qual seria o mecanismo para convalidar o recebimento dessas intimações, o que traz incertezas quanto ao recebimento ou não das mensagens eletrônicas por seus destinatários.”

Esta menção de forma genérica aos “meios eletrônicos”, ao nosso ver, deve ser interpretada de modo atemporal, sempre a favor da facilitação e da utilização dos diversos meios de comunicação postos à disposição da Justiça na atualidade, incluindo as redes sociais, que ultimamente tem funcionado como meios de comunicação mais efetivos de outros mais tradicionais (como cartas ou telefonemas, por exemplo).

Em rápida comparação, é evidente que, no mundo atual, comunicações de atos processuais através das redes sociais é muito mais efetiva que as famigeradas publicações de editais em imprensa oficial.

A ampliação do conceito do termo e consequentemente da possibilidade de comunicação através de diversos meios busca sempre garantir uma prestação jurisdicional efetiva, em respeito aos princípios da instrumentalidade das formas, economia processual e dignidade da pessoa humana.

Quando da elaboração da lei, é evidentemente que o legislador buscou, ao dispor do termo “meio eletrônico” de maneira abrangente, não especificar formatos “engessados”, que rapidamente se desatualizassem e excluíssem outras mais modernas e/ou eficazes. Restaria impossível atualizar os termos legais a medida dos avanços tecnológicos e seus meios de comunicação.

Não é novidade que se busque uma atuação mais ativa e criativa por parte da Administração Pública, valorizando a economicidade e a eficiência na prática de meios que produzam os mesmos resultados. Assim, qualquer interpretação no sentido de obstaculizar novos meios igualmente satisfatórios de promover a comunicação de atos processuais é totalmente desarrazoada e contrária aos princípios processuais fundamentais.

Considerando esta ampliação do termo “meios eletrônicos” e a utilização moderna das redes sociais como meio de comunicação oficial (vide redes sociais das diversas autoridades e órgãos públicos), por obviedade, devemos ressaltar que se presume “quase absolutamente” legal (e constitucional) os atos praticados pelo Supremo Tribunal Federal, órgão “Guardião da Constituição”.

Assim sendo, se o STF inova no formato de comunicação de seus atos processuais, resta aos juristas, aproveitando o forte (e inédito) precedente, também requerer a utilização deste meio junto aos demais órgãos do Poder Judiciário, especialmente quando do esgotamento de todos os meios tradicionais de localização de partes do processo, entendendo que o ato a ser praticado não desrespeita as formalidades legais (por exemplo do próprio Supremo Tribunal), porventura busque atingir o seu objetivo, não devendo se sobrepor a forma à efetiva ciência da comunicação do ato.


Notas

  1. Disponível em https://x.com/STF_oficial/status/1828932387117392265. Acesso em 28 ago 2024, às 22h04min.

  2. Disponível em https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/stf-intima-elon-musk-e-x-a-indicarem-representante-legal-em-ate-24-horas-sob-pena-de-suspensao-de-atividades-no-brasil/. Acesso em 28 ago 2024, às 22h03min

  3. BRASIL. LEI Nº 13.105, DE 16 de Março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm. Acesso em: 28 ago 2024.

  4. Art. 270. do Código de Processo Civil: As intimações realizam-se, sempre que possível, por meio eletrônico, na forma da lei.

  5. PEREIRA, Carlos Gustavo Baptista. “Da possibilidade de citação e intimação judicial por meio do aplicativo WhatsApp ou similares”, Disponível em https://www.migalhas.com.br/depeso/348311/citacao-e-intimacao-judicial-por-meio-do-whatsapp-ou-similares, Acesso em 28 ago 2024, às 22h50min.

Sobre o autor
Allan Cantalice de Oliveira

Tabelião de Notas e Protestos. Graduado em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa. Foi relator da Comissão de Ética da OAB/PB (2013-2016). Foi advogado, atuando principalmente no Direito Trabalhista e no Direito Público. Atuou na Procuradoria Geral do Município de João Pessoa/PB (2013-2016). Foi Chefe da ASSEJUR da Secretaria de Infraestrutura de João Pessoa/PB (2017-2018). Pós-graduado em Direito Processual e Material do Trabalho pela Escola da Magistratura do Trabalho - ESMAT - PB. Pós-graduado em Direito Imobiliário pela Universidade Cândido Mendes.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Allan Cantalice. A (im)possibilidade de intimação pelas redes sociais.: Se o Supremo Tribunal Federal pode, eu também posso?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7734, 3 set. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/110761. Acesso em: 22 nov. 2024.

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