2 O Conselho de segurança
O Conselho de Segurança veio com a criação da ONU para poupar as gerações futuras do horror da guerra, de maneira ágil e eficaz, tornando-se o "principal órgão responsável pelas decisões finais quando o assunto é paz mundial". [23]
O órgão, de acordo com artigo 23 da Carta, é destinado à "manutenção da paz e da segurança internacionais e para os outros propósitos da Organização", agindo "de acordo com os Propósitos e Princípios das Nações Unidas." Especificamente, deve atentar-se à solução pacífica de controvérsias, ação relativa a ameaças a paz, rupturas da paz a atos de agressão, aos acordos regionais e ao sistema internacional de tutela.
Para isso, o Conselho pode utilizar de meios pacíficos ou não para solução de controvérsias, sendo este segundo a exceção apenas para os casos de ações militares de segurança coletiva sob o controle do Conselho de Segurança da ONU (arts. 39 a 48), legítima defesa (art. 51) ou libertação nacional.
Entretanto, nas palavras do Embaixador do Brasil em Londres, José Maurício Bustani, citando Paul Kennedy, o órgão sofreu clara influência das grandes potências do pós-Segunda Guerra:
"(...) o CS foi criado a partir de exigências das grandes potências. Prevaleceu a noção de que o mundo estaria dividido entre Estados "consumidores de segurança" e "provedores de segurança". Daí a distinção, na composição do CS, entre membros não-permanentes e membros permanentes. Buscou-se, ainda, assegurar a adesão das grandes potências à ONU, para não se repetir a malograda experiência da Liga das Nações." [24]
De qualquer maneira, "é o CS o órgão que concentra o poder do sistema multilateral de nações, o qual decide, entre outras coisas, o estabelecimento de embargos e sanções a países ou constituição de forças de intervenção militar, dentre outras questões. Apesar de sua legitimidade abalada pela guerra unilateral dos EUA, segue sendo o órgão central de poder do sistema; daí sua relevância." [25]
2.1 Membros
Como já dito, o Conselho é composto por dez membros rotativos, eleitos pela Assembléia Geral para mandatos de dois anos, além de cinco membros permanentes, quais sejam, EUA, China, Reino Unido, Rússia e França.
A escolha dos membros permanentes foi automática e óbvia, pois foram eles os países vencedores da Segunda Guerra Mundial. Já a China, foi elevada à potência por Washington, na tentativa de evitar o ressurgimento do Japão, derrotado na Guerra:
"De 1949 a 1971 a representação chinesa no CS foi ocupada por Taiwan e, depois, pela República Popular da China, o que reforçou a atuação do Terceiro Mundo, particularmente quando os países árabes ganharam mais força devido ao primeiro choque petrolífero (1973)." [26]
Assim, por lhe serem conferidas esse status, são altamente poderosas na sistematização da ONU, com poder supremo de vetar quaisquer resoluções que possam ir contra seus interesses. Isso traz desconforto e desconfiança aos outros membros não permanentes, que lutam para obter a mesma regalia desses países, mas sem lograr êxito algum:
"...iniciou-se a discussão sobre a ampliação do CS, pois a era do segundo pós-guerra encerrara-se, buscando-se integrar Alemanha e Japão, num movimento em que países em desenvolvimento como Brasil e Índia tentaram também obter assentos permanentes. A fase de indefinição nos rumos da Organização durou todos os anos 90, mas com as ações unilaterais do governo Bush, especialmente na crise do Iraque, a organização ganhou nova legitimidade, embora esteja enfraquecida." [27]
De qualquer maneira, todas as decisões têm que passar pelo crivo dos membros permanentes, que não aceitarão um novo membro tão facilmente. Além disso, uma composição mais equilibrada do Conselho de Segurança somente poderia ser alcançada através da intervenção da Assembléia Geral, que conta com todos os estados-membros, que possuem interesses antagônicos e raramente apoiarão um novo membro permanente sem possuir segundas intenções.
2.2.Veto
O artigo 27, § 3, da Carta das Nações Unidas preceitua o seguinte:
"3. As decisões do Conselho de Segurança, em todos os outros assuntos, serão tomadas pelo voto afirmativo de nove membros, inclusive os votos afirmativos de todos os membros permanentes, ficando estabelecido que, nas decisões previstas no Capítulo VI e no parágrafo 3 do Artigo 52, aquele que for parte em uma controvérsia se absterá de votar."
Isso quer dizer que a decisão sobre qualquer questão somente será aprovada se houver voto afirmativo de nove membros, sendo obrigatória a aceitação total dos membros permanentes. Dessa maneira, se algum desses membros votar "não", estará vetando, ou seja, impedindo a adoção de uma resolução. Já a abstenção, também possível, de um membro permanente não configura veto.
O único problema é que os países-membros permanentes, na maioria das vezes, utilizam-se do veto para alcançar interesses particulares ou fazer aflorar mágoas do passado.
A Rússia, por exemplo, já utilizou do veto para confrontar os Estados Unidos durante a Guerra Fria e a China sempre se opõe a qualquer resolução em favor do Japão.
Ao se apresentar uma resolução ao Conselho de Segurança, o presidente do Conselho primeiramente pergunta quem está a favor e os membros levantam a mão, se aprovarem. Somente então vem a pergunta de quem está contra e quem se abstém. Nesse sistema de voto aberto, abre-se vasta margem à manobras políticas dos membros permanentes.
Exemplo curioso vem da França, que vetou a invasão dos Estados Unidos ao Iraque, demonstrando ser contra a Guerra, mas mudou de opinião posteriormente, ao dar voto negativo quando a ONU tentou punir o país por ter desobedecido a suas ordens. Isso ocorreu devido à ameaça dos Estados Unidos em não deixar a França participar dos dividendos obtidos no Iraque, além de um possível "boicote às escuras" aos produtos franceses.
Historicamente, a maioria dos vetos franceses se somou aos dos Estados Unidos e Reino Unido, os países de maior influência tanto na ONU como no mundo atual. A Rússia é a recordista em vetos, contando com 122 ocasiões em que deu voto negativo. Já a China foi a que menos vetou, em somente cinco ocasiões, como por exemplo, em 1997, ao impedir o envio de observadores à Guatemala para verificar o suposto fim da guerra que lá ocorria.
Com tais jogos políticos, várias tentativas de punição têm sido proibidas pelos votos de alguns dos membros permanentes do Conselho de Segurança, deixando a idéia de que ninguém é obrigado a cumprir as determinações do órgão, pois nada ocorrerá em retaliação. Quando Israel bombardeou um posto de observação da própria ONU, em julho de 2006, não houve nenhuma punição, exatamente porque os Estados Unidos, como membro permanente, vetou a resolução, pois apóia o país.
Interessante também atentar ao fato de que todos os países membros permanentes, juntamente com a Alemanha, estão entre os recordistas em exportação de armas, no período entre 1993 e 1997, demonstrando que uma guerra não seria mau negócio para eles, economicamente falando. [28]
Segundo o professor da USP, Fábio Konder Comparato:
"A ONU não é um órgão supranacional, por isso está limitada pela soberania dos Estados, que nem sempre possuem compatibilidade cultural e ideológica ou interesses comuns para gerar o consenso necessário a uma ação coletiva...Durante seus primeiros quarenta anos, os conflitos eram numerosos, mas o uso do veto fez com os mecanismos que permitiam o uso da força para cessar com as disputas internacionais ficassem congelados". [29]
Contudo, é fácil entender a sistematização dos votos se observarmos a história. No momento em que a ONU foi criada, o mundo passava por graves transformações e havia a urgência em impedir que os países derrotados pela Segunda Guerra pudessem se reerguer e proceder à novos conflitos. Por isso, criou-se a obrigação de que os membros permanentes aprovassem unanimemente cada resolução, impossibilitando que os outros membros fizessem alianças que pudessem prejudicar a paz mundial.
Após todos os "conchavos" e manobras políticas, é notória a necessidade de mudança, pois atualmente, de acordo com João Cláudio Garcia:
"a ONU finge que suas ações têm algum efeito, enquanto Jerusalém, por exemplo, decide com os Estados Unidos até quando o conflito vai durar, apesar do extermínio de civis. Enfraquecida e desrespeitada dessa forma, a Organização das Nações Unidas perde moral para fazer cumprir suas determinações em outros impasses, como o programa nuclear iraniano". [30]
2.3 O Brasil na ONU
O Brasil faz parte da ONU desde sua criação, sendo um dos 51 países fundadores. Com o passar dos anos, sua participação ficou cada vez mais significativa, tendo participado, inclusive, do Conselho de Segurança como membro não-permanente, por nove mandatos, tornando-se o país que mais foi eleito desde a criação do órgão. [31]
Vendo a hegemonia dos membros permanentes sobre o Conselho de Segurança, pelo poder do veto, o país iniciou uma campanha para ampliação desses membros, após o fim da Guerra do Golfo em 1991, primando pela inclusão de países considerados líderes regionais, como Índia, Alemanha, Nigéria, África do Sul e o próprio Brasil.
O movimento foi intensificado após a Guerra Fria e tomou mais força e adesões quando os Estados Unidos invadiu o Iraque e não sofreu nenhuma sanção por ter desrespeitado as ordens das Nações Unidas.
Seu próprio arranjo político permitiria ou ao menos não seria empecilho a sua entrada como membro permanente, pois a Constituição Federal de 1988 foi elaborada de acordo com as diretrizes das Nações Unidas, com valores democráticos e humanistas, além dos princípios de não-intervenção, autodeterminação dos povos, defesa da paz, igualdade, solução pacífica de conflitos e cooperação entre os povos.
Com a notícia de uma possível mudança no poder mundial, que poderia levar o Brasil a um lugar de destaque, o Brasil iniciou uma verdadeira cruzada em busca de apoio para uma eventual cadeira permanente. Várias visitas já foram feitas à China, na tentativa de conseguir uma parceira estratégica, além da Rússia e de países africanos, tendo inclusive perdoado dívidas de regimes autoritários na intenção de angariar defensores. [32]
O Brasil também vem tentando mostrar sua influência em assuntos mundiais, como quando foi declarado pelo Ministro das Relações Exteriores Celso Amorim, que o Brasil, como membro ou não do Conselho de Segurança, tinha obrigação de reunir os membros da ONU para tentar encontrar uma solução pacífica ao conflito no Iraque. Foi enviado, na época, um pedido ao Iraque, para que o mesmo cumprisse todas as exigências da ONU, a fim de demonstrar boa-fé, para manutenção da paz na região. [33]
Ainda na tentativa de arrebanhar aliados e buscar ser um membro permanente, o Brasil criou o G4, juntamente com Alemanha, Índia e Japão. Contudo, em agosto de 2005, China e Estados Unidos entraram em acordo para bloquear a proposta do grupo, obviamente porque o primeiro é contra a entrada do Japão e o segundo, contra a Alemanha.
Apesar do apoio de França e Reino Unido, a Argentina está contra o Brasil, o Paquistão se opõe a Índia, a Coréia do Sul vai contra o Japão e a Itália não quer a Alemanha como membro permanente. Com tantos obstáculos, culminando na saída do Japão em janeiro de 2006, as possibilidades de sucesso do G4 são quase nulas [34], mas seu raciocínio é lógico:
"O G4 (...) argumenta que essa estrutura de poder corresponde a uma fotografia antiga, do pós-II Guerra. O mundo mudou, dizem, há uma série de outras potências com funções regionais muito importantes, e a ONU deve acompanhar essa evolução e democratizar suas estruturas de funcionamento. O mais difícil talvez seja encontrar o consenso sobre quem participaria dessa nova correlação de poder, caso a ampliação fosse aceita". [35]
Discute-se ainda qual seria a importância da inclusão do Brasil como membro permanente, pois isso provavelmente acarretaria em maiores gastos com segurança e comprometimento internacional às causas de certos países. Citando Christian Lohbauer, membro do Grupo de Análise de Conjuntura Internacional da USP:
"Fazer parte do Conselho de Segurança implica tomar decisões políticas complicadas. Adoção de sanções e autorização de intervenções militares são atribuições do Conselho. A tradição não-intervencionista, low-profile e negociadora do Brasil nas tensões que marcaram o mundo nos últimos 50 anos teria de mudar. (...)Fazer parte do Conselho também implica gastos maiores para a manutenção de forças de paz e de recursos para a própria manutenção da burocracia da ONU. (...)Finalmente, fazer parte do Conselho significa assumir uma liderança latino-americana que não possui imediata aceitação em muitos países da América Latina. México e Argentina certamente não se veriam confortáveis representados pelo Brasil em eventual novo Conselho". [36]
Dentre os defensores do Brasil por uma cadeira permanente na ONU, temos os aspectos geográficos e econômicos, pois é apenas automático que um país dessa magnitude seja membro permanente, no que diz respeito a PIB, população, tamanho e política externa.
Além disso, o país pode contribuir para desconcentrar o poder e equilibrar a representatividade no Conselho de Segurança, pois é um país em desenvolvimento que possui alta influência na América Latina, principalmente quando o assunto é MERCOSUL, num multilateralismo na solução de controvérsias entre as nações.
É claro que a cadeira permanente proporcionaria ao Brasil mais influência e força, principalmente diante do MERCOSUL. Contudo, deve-se discutir se o país realmente representaria toda a América do Sul se fosse inserido no Conselho de Segurança, pois o continente possui uma gama imensa de diversidades culturais e políticas.
De qualquer forma, a possibilidade de inclusão do Brasil como membro permanente está longe de ser concretizada, pois não há sequer certeza de que a questão será levada a Assembléia Geral, mas é notória a impossibilidade de deixar o Conselho de Segurança nos moldes em que se encontra, nos "atropelos das grandes potências que deslegitimem os interesses coletivos em nome de seus interesses individuais, travestidos em pretextos nobres". [37]