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As fundadas suspeitas para adentrar-se em casa de suspeito e o problema da legitimidade dos meios de prova

Agenda 18/09/2024 às 12:10

RESUMO: Este trabalho aborda o direito à inviolabilidade domiciliar e os critérios que permitem sua relativização no contexto do processo penal brasileiro, com foco na fundada suspeita e no flagrante delito. A Constituição Federal de 1988 garante a inviolabilidade do domicílio como um direito fundamental, mas admite exceções em casos de flagrante delito, desastre, socorro ou ordem judicial. O estudo explora os desafios de equilibrar a necessidade de segurança pública com o respeito aos direitos fundamentais, destacando a importância de indícios concretos para justificar a intervenção estatal. A análise baseia-se em doutrinas jurídicas e jurisprudências atualizadas, enfatizando as controvérsias em torno da aplicação da fundada suspeita e do flagrante delito. Além disso, discute a Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada, que postula a inadmissibilidade de provas derivadas de atos ilícitos. Conclui-se que o principal desafio do sistema jurídico é garantir a legitimidade das provas, sem comprometer as garantias constitucionais, e que a relativização da inviolabilidade domiciliar deve ser cuidadosamente regulada para evitar abusos e proteger os direitos individuais.

Palavras-chave: Inviolabilidade domiciliar, fundada suspeita, flagrante delito, processo penal, direitos fundamentais, provas ilícitas, Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada, segurança pública.

Introdução

A princípio, o direito à inviolabilidade domiciliar e os critérios que permitem a sua relativização, como a fundada suspeita e o flagrante delito, são temas centrais para o estudo do processo penal.

Ademais, a Constituição Federal de 1988, no artigo 5º, inciso XI, define a casa como um "asilo inviolável", resguardada de interferências, salvo em situações excepcionais. Dentre essas exceções, a mais debatida é a permissão de ingresso em domicílio sem mandado judicial, fundamentada na ocorrência de flagrante delito ou fundada suspeita.

No contexto jurídico brasileiro, o tema ganhou relevância à medida que a segurança pública passou a enfrentar o desafio de equilibrar a eficiência das investigações com o respeito aos direitos fundamentais. Diante disso, torna-se essencial examinar as condições nas quais a intervenção estatal na esfera privada é legítima, bem como discutir os riscos de abuso. Assim, a análise proposta aqui visa aprofundar essa questão, com base em artigos jurídicos sobre o tema.

Dessa forma, a Constituição Federal de 1988 estabelece o princípio da inviolabilidade do domicílio, protegendo o indivíduo contra intervenções arbitrárias do Estado. Esse direito, entretanto, não é absoluto, permitindo exceções, como em casos de flagrante delito, desastre, socorro ou determinação judicial.

Entende-se que a proteção à privacidade e à intimidade encontra respaldo em diversos tratados internacionais de direitos humanos, que também impõem limitações às ações estatais.

De outro lado, o conceito de fundada suspeita é relevante em contextos investigativos e de abordagem policial, sendo utilizado para justificar intervenções em propriedades privadas sem prévia autorização judicial.

Com efeito, o Código de Processo Penal, em seu art. 244, regulamenta a busca pessoal com base em fundada suspeita. Contudo, a interpretação desse conceito gera controvérsias, pois a definição muitas vezes é subjetiva e deixa margem para interpretações amplas pelos agentes de segurança pública (OLIVEIRA; VAZ, 2022, p. 118).

Conforme Evangelista e Jayme (2022), a evolução histórica da inviolabilidade domiciliar demonstra que o direito à privacidade sempre foi considerado fundamental, embora sua relativização tenha se tornado mais frequente com o aumento das demandas por segurança pública.

Nesse sentido, a proteção constitucional do domicílio deve ser interpretada de forma compatível com os desafios contemporâneos, garantindo que o combate ao crime não comprometa direitos fundamentais.

A doutrina também discute o conceito de flagrante delito, que, segundo o Código de Processo Penal, pode ocorrer tanto durante a prática do crime quanto em situações de perseguição.

Posto isso, a lei é clara ao definir os elementos que caracterizam o flagrante, mas os debates surgem quando há necessidade de relativizar a inviolabilidade domiciliar com base em suspeitas (EVANGELISTA; JAYME, 2022, p. 60).

Dessa forma, a interseção entre esses conceitos – fundada suspeita e flagrante delito – deve ser analisada com cautela para evitar interpretações arbitrárias que violam direitos.

Ademais, a simples suspeita não pode justificar tal invasão. Segundo Evangelista e Jayme (2022), o Supremo Tribunal Federal tem sido rigoroso ao analisar situações em que o ingresso domiciliar foi realizado com base em denúncias anônimas ou sem fundamentação adequada.

Por conseguinte, a análise dos elementos constitucionais que fundamentam a inviolabilidade do domicílio revela uma tensão contínua entre a necessidade de investigação criminal e a proteção de direitos individuais.

Nesse viés, a legislação e a jurisprudência buscam um equilíbrio, mas, na prática, a execução das normas muitas vezes resulta em abusos, especialmente em contextos de busca e apreensão domiciliar sem autorização prévia.

Para concluir, a discussão acerca da fundada suspeita e da inviolabilidade do domicílio envolve, de forma incontornável, a busca por um equilíbrio entre o direito à privacidade e a necessidade de garantir a segurança pública.

Assim, o desafio do sistema de justiça é garantir que a legitimidade dos meios de prova esteja em consonância com o respeito às garantias fundamentais.

Capítulo 2: Fundadas Suspeitas – Conceito, Fundamentação e Limites Jurídicos

Inicialmente, o conceito de fundada suspeita surge como um dos mais controversos no âmbito do direito processual penal. Sua importância reside no fato de que é a partir desse conceito que as autoridades podem justificar intervenções significativas na privacidade dos indivíduos, especialmente em casos de busca pessoal e invasão domiciliar.

Contudo, a subjetividade que permeia o termo abre espaço para a utilização indevida, resultando em excessos por parte dos agentes de segurança. Este capítulo busca definir e explorar os limites jurídicos da fundada suspeita, bem como seus critérios de aplicação.

De início, a fundada suspeita, segundo o art. 244 do Código de Processo Penal, é essencial para que a polícia justifique suas ações durante abordagens e buscas. No entanto, sua aplicação prática exige clareza e fundamentação robusta, para que os direitos fundamentais não sejam desrespeitados.

Nesse viés, o Código de Processo Penal define que a busca pessoal pode ser realizada sem mandado judicial quando houver fundada suspeita de que o abordado esteja em posse de objetos ilícitos, como armas ou drogas. No entanto, o termo "fundada suspeita" é frequentemente criticado por ser excessivamente vago e subjetivo, deixando a decisão nas mãos dos policiais que executam a abordagem (OLIVEIRA; VAZ, 2022, p. 120).

Esse aspecto subjetivo, apesar de importante para a flexibilidade nas operações policiais, também gera riscos, especialmente em um sistema marcado por desigualdades sociais e raciais.

Com efeito, a doutrina e a jurisprudência buscam esclarecer esse conceito, estabelecendo que a fundada suspeita deve ser baseada em indícios objetivos. Nucci argumenta que "a fundada suspeita não pode se basear apenas no 'tirocínio policial', ou seja, na experiência do agente, sem a presença de fatos concretos" (NUCCI, 2009, p. 120). A fundamentação concreta é essencial para assegurar que a atuação policial não viole direitos fundamentais sem uma justificativa adequada.

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Em sua análise, Evangelista e Jayme (2022) defendem que a fundada suspeita deve estar amparada em elementos fáticos e não apenas em percepções subjetivas. Isso porque a interpretação jurídica considera que as circunstâncias do caso concreto devem ser avaliadas para justificar uma abordagem.

Por exemplo, o nervosismo de um indivíduo ao avistar a polícia não pode, por si só, ser considerado motivo suficiente para uma busca pessoal. Assim, e necessário que haja um conjunto de elementos que sustentem a decisão de intervenção, como informações de inteligência ou denúncias fundamentadas.

Evangelista e Jayme (2022) destacam que o uso abusivo desse recurso pode minar a confiança pública nas instituições de segurança e justiça.

A aplicação prática da fundada suspeita enfrenta desafios significativos. A necessidade de intervenção imediata em certas situações, como em flagrantes delitos, muitas vezes entra em conflito com a exigência de fundamentação robusta para a atuação policial.

De acordo com Oliveira e Vaz (2022), a legislação precisa de maior clareza sobre os critérios que configuram uma fundada suspeita, especialmente em casos que envolvem abordagens de rotina. Porquanto, sem uma regulamentação mais específica, o risco de abusos persiste, e os tribunais terão que continuar atuando para corrigir possíveis excessos.

Conclui-se que a análise do conceito de fundada suspeita também revela a importância de capacitar os agentes de segurança. Isso porque a aplicação correta dessa ferramenta jurídica depende, em grande parte, do treinamento adequado dos policiais, para que possam identificar e avaliar corretamente os indícios que justificam uma intervenção.

Ou seja, a fundada suspeita, enquanto conceito jurídico, desempenha um papel crucial na legitimação das abordagens policiais e nas buscas pessoais ou domiciliares.

No entanto, devido à sua natureza subjetiva, é essencial que o uso desse recurso seja regulado por parâmetros claros e objetivos, a fim de evitar abusos.

Logo, equilibrar a necessidade de intervenção policial com a proteção dos direitos fundamentais é o grande desafio enfrentado pelas autoridades, e qualquer falha nesse equilíbrio pode comprometer a legitimidade do processo penal.

Capítulo 3: Flagrante Delito – Definição, Aplicabilidade e Controvérsias Jurídicas

O flagrante delito é uma das exceções mais importantes ao direito à inviolabilidade domiciliar, permitindo a intervenção imediata da autoridade policial sem ordem judicial.

Regulamentado pelo Código de Processo Penal (CPP), o flagrante delito constitui um mecanismo fundamental para a manutenção da ordem pública, mas levanta questionamentos sobre sua aplicabilidade e limites, especialmente quando se trata de evitar abusos.

Este capítulo analisa o conceito, a aplicabilidade e as controvérsias em torno do flagrante delito à luz da doutrina e da jurisprudência brasileira.

A saber, o artigo 302 do CPP define que há flagrante delito quando o agente está cometendo a infração penal, acaba de cometê-la, é perseguido logo após o crime ou é encontrado com objetos que presumem a autoria da infração (BRASIL, 1941, art. 302).

Assim sendo, esse dispositivo legal é crucial para assegurar que as autoridades possam intervir rapidamente, sem a necessidade de um mandado judicial, em situações em que a infração está ocorrendo ou acabou de ocorrer.

No que se relaciona as infrações permanentes, como o tráfico de drogas, o flagrante se prolonga enquanto o crime está sendo praticado. O artigo 303 do CPP esclarece que “nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência” (BRASIL, 1941, art. 303).

Ademais, essa prerrogativa é amplamente utilizada em situações que envolvem crimes contínuos, mas também suscita debates sobre os critérios necessários para justificar a entrada em domicílios.

Como observa Ingo Wolfgang Sarlet e Jayme Weingartner Neto, eles discutem os limites da inviolabilidade do domicílio no contexto de flagrante delito, enfatizando que, conforme o artigo 5º, inciso LXI, da Constituição Federal, a prisão em flagrante permite o ingresso domiciliar sem a necessidade de autorização judicial, desde que presentes os requisitos legais, "a prisão em flagrante encontra-se disposta no artigo 5º, inciso LXI, da Constituição Federal, que admite o ingresso domiciliar nos casos de flagrante delito, dispensando autorização judicial"​.

No entanto, a aplicação do flagrante delito deve ser embasada em indícios claros e objetivos para evitar invasões arbitrárias de domicílios. Por sua vez, o artigo 244 do CPP menciona que a busca pessoal pode ser realizada em casos de fundada suspeita de que alguém esteja portando objetos ilícitos, mas essa suspeita deve estar fundamentada em elementos concretos (BRASIL, 1941, art. 244).

Com efeito, a ausência de tais indícios pode resultar em nulidade das provas obtidas. Como explicado por Sarlet e Weingartner Neto (2013), “a situação de flagrante foi percebida pelos agentes policiais, da perspectiva de quem está fora da casa” (p. 560).

Logo, esse ponto destaca a importância de os policiais terem uma visão clara e objetiva de que o crime está ocorrendo antes de invadirem o domicílio sem mandado. Isso garante que a entrada seja justificada por elementos visíveis, respeitando os direitos constitucionais e evitando abusos.

Ademais, a doutrina aponta que o uso do flagrante delito deve ser restrito às situações estritamente previstas em lei. Como observado por Ingo Wolfgang Sarlet e Jayme Weingartner Neto, a intervenção em domicílio deve ser justificada por "indícios concretos da prática do crime no local e no exato instante", e, na ausência desses indícios, a entrada sem autorização judicial será considerada ilegal, contaminando a prova obtida​.

Entende-se que a aplicação de tais preceitos visa proteger o direito constitucional à inviolabilidade domiciliar e evitar abusos de poder.

Nesse viés, o flagrante delito é uma ferramenta essencial no combate à criminalidade, especialmente em situações que requerem intervenção imediata. Contudo, sua aplicação deve ser cuidadosamente regulada para evitar abusos e violações de direitos fundamentais.

Por fim, a análise dos artigos 302, 303 e 244 do CPP destaca a necessidade de se basear em indícios claros e objetivos antes de justificar a invasão domiciliar (BRASIL, 1941). Proteger a inviolabilidade do domicílio, sem comprometer a eficácia da ação policial, continua sendo um dos principais desafios do sistema jurídico brasileiro (SARLET; WEINGARTNER NETO, 2013).

Capítulo 4: A Relativização da Inviolabilidade Domiciliar no Contexto da Segurança Pública

A inviolabilidade do domicílio é um dos direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal. Entretanto, esse direito não é absoluto.

Em situações excepcionais, como flagrante delito ou fundada suspeita, o Estado pode intervir no domicílio sem prévia autorização judicial.

Esse capítulo explora os limites da relativização da inviolabilidade domiciliar no contexto da segurança pública, discutindo até que ponto o Estado pode atuar sem comprometer os direitos fundamentais.

Consequentemente, a relativização da inviolabilidade domiciliar, especialmente no contexto de flagrante delito, encontra respaldo na Constituição e no Código de Processo Penal. Contudo, essa medida deve ser aplicada com cautela para evitar violações indevidas. Como destacado por Sarlet e Weingartner Neto (2013), “a casa é o asilo inviolável do indivíduo, nos termos do art. 5º, XI, da Constituição Federal”​.

Isso significa que, mesmo em situações de urgência, a proteção à privacidade deve ser considerada, garantindo que qualquer intervenção estatal seja pautada por critérios claros e objetivos.

Nesse sentido, Rafaela Voltapato e Alexander Perazo Nunes de Carvalho sublinham a importância do princípio da proporcionalidade. Para eles, a entrada em domicílios deve ser vista como a última medida possível: “A intervenção estatal no domicílio, sem mandado, só pode ser justificada em casos de extrema urgência, quando todas as outras opções tenham sido esgotadas” (VOLPATATO; CARVALHO, 2022, p. 237).

Assim, a relativização da inviolabilidade domiciliar deve sempre considerar o impacto que essa medida tem sobre os direitos fundamentais do indivíduo.

Ademais, a aplicação prática dessa relativização precisa ser regulamentada para evitar abusos. Eis que a interpretação da fundada suspeita, que também pode justificar a invasão de domicílio, é um exemplo de como a subjetividade pode afetar a ação policial. Sarlet e Weingartner Neto (2013) ressaltam que “a decisão judicial de validação de uma medida restritiva de direitos deve assegurar os mesmos padrões de exigência impostos à medida de autorização”​.

Dessa forma, mesmo em situações de urgência, é imprescindível que a atuação das autoridades seja pautada por indícios sólidos e verificáveis, garantindo a proteção do direito à privacidade.

Desse modo, a relativização da inviolabilidade domiciliar no contexto da segurança pública é uma questão delicada que exige um equilíbrio entre a necessidade de intervenção do Estado e a proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos.

Entende-se que a atuação do Estado deve ser sempre pautada pelo princípio da proporcionalidade, garantindo que as medidas restritivas sejam aplicadas apenas em situações de extrema necessidade, respeitando a dignidade e a privacidade dos indivíduos.

Capítulo 5 – O problema da Legitimidade dos Meios de Prova

O capítulo "Problema da Legitimidade dos Meios de Prova" aborda a questão da aceitação ou rejeição de provas no direito processual penal, com foco nas consequências de se obter evidências por meios ilícitos.

A admissibilidade de provas ilícitas ou derivadas de atos ilegais é central para a proteção dos direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal, criando tensões entre a necessidade de repressão criminal e o respeito ao devido processo legal.

Este capítulo explora esses dilemas éticos e jurídicos a partir das contribuições de Emerson Silva Barbosa e Lucia Sulene.

Inicialmente, a Constituição Federal do Brasil, em seu artigo 5º, inciso LVI, determina que provas obtidas por meios ilícitos são inadmissíveis. Essa regra busca assegurar que a obtenção de provas respeite os limites legais e constitucionais, protegendo o direito à privacidade e à inviolabilidade domiciliar.

Como observa Lucia Sulene, "não é admissível que o Estado, no exercício do seu poder punitivo, utilize-se de métodos que violam direitos fundamentais, como a privacidade e a inviolabilidade domiciliar, para obter provas, sob pena de comprometer todo o processo" (SULENE, 2023, p. 24).

Contudo, a realidade prática muitas vezes desafia essa norma, especialmente em casos em que a linha entre legalidade e ilegalidade na obtenção de provas é tênue.

Por sua vez, Emerson Silva Barbosa destaca que "o direito à prova é um direito fundamental do acusado, mas esse direito não pode ser exercido de maneira absoluta, devendo estar submetido a limitações éticas e legais que garantam a integridade do processo" (BARBOSA, 2023, p. 15). Isso implica que as autoridades devem sempre se pautar pela legalidade ao coletar provas, sob risco de comprometer a legitimidade do processo penal.

Ademais, um dos maiores desafios surge na aplicação da Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada. Vale dizer, essa teoria estabelece que provas derivadas de uma prova ilícita também devem ser consideradas inadmissíveis, já que estão contaminadas pela origem ilegal.

Como argumenta Barbosa, "a teoria visa a evitar que o Estado se beneficie de suas próprias ilegalidades, impedindo que provas derivadas de atos ilícitos sejam aceitas em juízo" (BARBOSA, 2023, p. 20). Nesse contexto, a aplicação dessa teoria é vital para garantir que o processo penal não seja construído sobre fundamentos ilegítimos.

No entanto, a questão se torna ainda mais complexa em casos de invasão domiciliar sem mandado judicial. Como Sulene ressalta, "o STF tem reiterado que, em casos de crimes permanentes, como o tráfico de drogas, a entrada em domicílio sem mandado só pode ser justificada se houver indícios concretos de que o crime está sendo praticado naquele momento" (SULENE, 2023, p. 35). Qualquer prova obtida sem o cumprimento dessas condições é considerada ilícita, e, conforme a Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada, todas as provas subsequentes também seriam invalidadas.

Ainda mais, a subjetividade envolvida na avaliação de denúncias anônimas é outro ponto de controvérsia. Barbosa observa que "a subjetividade envolvida na avaliação dessas denúncias frequentemente leva a abusos por parte das autoridades, que acabam utilizando a denúncia anônima como único fundamento para ações invasivas" (BARBOSA, 2023, p. 30).

Isso mostra a necessidade de regulamentação clara sobre a utilização de denúncias anônimas no processo penal, garantindo que essas ações sejam sempre baseadas em evidências objetivas.

Além disso, é importante diferenciar entre provas ilícitas e ilegítimas. Enquanto as primeiras são obtidas mediante violação de normas constitucionais, as segundas referem-se àquelas que, embora legalmente obtidas, foram mal conduzidas em termos processuais.

Como Barbosa aponta, "a distinção entre ilicitude e ilegitimidade é crucial para a compreensão dos limites da admissibilidade das provas, pois nem toda irregularidade no processo de obtenção de provas leva à sua inadmissibilidade" (BARBOSA, 2023, p. 40). Isso reforça a importância de critérios claros na avaliação das provas no processo penal.

Conclui-se que a discussão sobre a legitimidade dos meios de prova no direito processual penal brasileiro está profundamente enraizada na proteção dos direitos fundamentais e no respeito ao devido processo legal.

Assim, a inadmissibilidade de provas ilícitas, consagrada na Constituição, serve como uma salvaguarda contra abusos estatais e a manipulação de evidências no processo penal. Por sua vez, a Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada desempenha um papel central ao garantir que qualquer prova derivada de uma ilegalidade inicial também seja excluída do processo.

Conforme destacam Emerson Silva Barbosa e Lucia Sulene, ainda há muito a ser feito para implementar plenamente esses princípios na prática jurídica. Logo, a subjetividade envolvida na avaliação de denúncias anônimas e a falta de regulamentação específica sobre provas derivadas de fontes ilícitas são obstáculos que precisam ser superados.

Para avançar, o sistema de justiça penal brasileiro deve continuar evoluindo, aplicando rigorosamente as normas e princípios constitucionais, de modo a garantir que a verdade processual seja obtida de maneira legítima e justa.

Em última instância, a legitimidade dos meios de prova não se trata apenas de uma questão de eficiência investigativa, mas de respeito à dignidade humana e aos direitos fundamentais. Em suma, o equilíbrio entre a repressão criminal e a proteção dos direitos individuais deve sempre ser preservado, garantindo a legitimidade do processo penal em todas as suas fases.

Considerações Finais

A análise da inviolabilidade domiciliar e sua relativização no processo penal brasileiro reflete o contínuo desafio de equilibrar a proteção dos direitos fundamentais com a eficácia das ações de segurança pública.

A princípio, a Constituição Federal de 1988 estabelece que o domicílio é inviolável, mas admite exceções em situações específicas, como flagrante delito e fundada suspeita. No entanto, a aplicação prática dessas exceções, conforme destacam diversos autores, exige cautela para evitar abusos e garantir o respeito aos direitos individuais.

Desse modo, de acordo com Evangelista e Jayme (2022), a evolução do conceito de inviolabilidade domiciliar está diretamente ligada ao aumento das demandas por segurança pública, o que torna mais frequente a relativização desse direito.

Contudo, a doutrina a concorda que essa relativização deve ser limitada e aplicada apenas quando houver indícios concretos que justifiquem a intervenção.

De outro lado, Oliveira e Vaz (2022) apontam que o conceito de fundada suspeita é especialmente controverso, pois sua subjetividade pode abrir margem para interpretações amplas e abusos por parte das autoridades policiais. Assim, é essencial que essa suspeita seja embasada em fatos objetivos, evitando que a experiência do policial, sem suporte em provas, seja a única justificativa para a invasão de domicílios.

Nesse sentido, Nucci (2009) adverte que a atuação policial não pode se basear unicamente no "tirocínio policial", ou seja, na intuição ou experiência dos agentes, sem a devida fundamentação concreta. Essa postura visa assegurar que a intervenção estatal não viole direitos fundamentais e que o uso da força seja sempre respaldado por critérios claros e objetivos.

Isso é particularmente relevante em situações de flagrante delito, onde o artigo 302 do Código de Processo Penal exige que a intervenção ocorra apenas quando o crime está sendo praticado ou logo após sua ocorrência, garantindo que a ação policial seja legítima.

A discussão em torno da legitimidade das provas obtidas por meios ilícitos também é central nesse contexto. Sulene (2023) ressalta que o uso de provas derivadas de invasão de domicílio sem mandado judicial é considerado ilícito e, conforme a Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada, todas as provas subsequentes também devem ser invalidadas.

Nesse sentido, isso visa impedir que o Estado se beneficie de atos ilegais, protegendo o processo penal de abusos e garantindo que os direitos fundamentais dos acusados sejam respeitados. Assim, a jurisprudência brasileira tem reiterado que a simples denúncia anônima, sem outros indícios objetivos, não pode justificar a invasão de domicílio, como apontado por Emerson Silva Barbosa (2023).

Ademais, a complexidade da questão aumenta quando se considera a distinção entre provas ilícitas e ilegítimas. Enquanto as primeiras são obtidas por meio de violação direta das normas constitucionais, as segundas referem-se a provas que, embora obtidas de maneira legal, não seguem os trâmites processuais corretos. Barbosa (2023) destaca que essa distinção é crucial para garantir a integridade do processo penal, sendo necessário que o sistema jurídico estabeleça critérios claros para a avaliação dessas provas, a fim de evitar injustiças.

Em suma, a análise da inviolabilidade domiciliar e da legitimidade dos meios de prova evidencia a necessidade de uma abordagem rigorosa e criteriosa na aplicação das exceções ao direito de privacidade.

Por sua vez, os textos acadêmicos pesquisados enfatizam que as intervenções estatais na esfera privada devem estar sempre fundamentadas em indícios concretos e em conformidade com as garantias constitucionais.

Cita a Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada que desempenha um papel fundamental ao impedir que o Estado se beneficie de suas próprias ilegalidades, assegurando que as provas obtidas de maneira ilícita ou derivadas de atos ilegais sejam excluídas do processo penal.

Dessa forma, o sistema de justiça brasileiro deve continuar a evoluir no sentido de promover um equilíbrio entre a necessidade de combater o crime e a proteção dos direitos individuais, garantindo que as intervenções estatais sejam sempre legítimas e proporcionais.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 13 out. 1941. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm. Acesso em: 17 set. 2024.

EVANGELISTA, Marcus; JAYME, Rafael. A inviolabilidade domiciliar no direito brasileiro: Fundamentos constitucionais e limites jurídicos. Revista de Direito Constitucional, São Paulo, v. 5, n. 2, p. 60-80, 2022.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

OLIVEIRA, Francisco; VAZ, Joana. A relativização da inviolabilidade domiciliar no processo penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 10, n. 3, p. 118-130, 2022.

SARLET, Ingo Wolfgang; WEINGARTNER NETO, Jayme. A inviolabilidade do domicílio e seus limites: o caso do flagrante delito. Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 14, n. 14, p. 544-562, 2013.

VOLPATATO, Rafaela; CARVALHO, Alexander Perazo Nunes de. Direito processual penal e os limites da atuação estatal em invasões domiciliares. Revista de Estudos Criminais, Rio de Janeiro, v. 9, n. 4, p. 230-240, 2022.

SULENE, Lucia Suelene Ramos de Souza. Análise jurisprudencial das nulidades em invasão domiciliar e prisão em flagrante à luz do entendimento do Tribunal de Justiça da Bahia. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, São Paulo, v. 9, n. 4, abr. 2023. Disponível em: https://doi.org/10.51891/rease.v9i4.9310. Acesso em: 17 set. 2024.

BARBOSA, Emerson Silva. Vista dos Limites Constitucionais Relativos à Prova na Investigação Criminal. Revista de Direito Constitucional, São Paulo, 2023. Disponível em: <link>. Acesso em: 17 set. 2024.

Sobre o autor
Fillipe Matos

Advogado, Bacharel em Direito, Esp. em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) . Com vasta experiência em casos envolvendo tráfico de drogas, associação para o tráfico, organização criminosa e Tribunal do Júri. Atuando no estado de São Luís, MA, oferece atendimentos personalizados nas cidades de Laguna, Criciúma e Tubarão, Santa Catarina. Comprometido com a justiça, a missão é garantir que cada defesa seja conduzida com excelência técnica e estratégica. "A busca pela verdade e pela justiça começa com uma defesa sólida e fundamentada."

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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