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Legitimidade do poder de investigação criminal do Ministério Público brasileiro

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RESUMO

Demonstração da legitimidade do poder de investigação criminal pelo membro do Ministério Público na fase pré-processual, nos moldes do ordenamento jurídico brasileiro.

SUMÁRIO: Origem do Ministério Público e sua Consagração no Direito Brasileiro. Funções Institucionais do Ministério Público Brasileiro. Da Legitimidade da Investigação Criminal pelo Ministério Público. Dispensabilidade do Inquérito Policial. Princípio da Celeridade Processual. Princípio da Universalização da Investigação. Respaldo Constitucional e Legal da Investigação Criminal Pelo Ministério Público na Fase Pré- Processual. Conclusão. Referências.


MINISTÉRIO PÚBLICO BRASILEIRO

1. ORIGEM DO MINISTÉRIO PÚBLICO E SUA CONSAGRAÇÃO NO DIREITOBRASILEIRO

Para melhor compreensão da atuação do Ministério Público faz-se necessário um breve relato da sua evolução dentro da sociedade.

Alguns doutrinadores buscam a origem do Ministério Público já há cerca de quatro mil anos, no antigo Egito, onde um funcionário real possuía funções de castigar os rebeldes, reprimir os violentos e proteger os cidadãos pacíficos. Outros vêem sua origem em Roma, mas a maioria defende a sua procedência na França, sem se ater a antecedentes remotos.

Consta na história que em 1302 foi criado na França o Ministério Público, referindo-se aos procuradores do rei, e, em 1790, foi atribuída a vitaliciedade aos seus agentes por meio de um decreto.

A expressão “Parquet”, empregada ao se referir ao Ministério Público, decorre da tradição francesa, onde os procuradores do rei antes de adquirirem a condição de magistrados e de terem assento no estrado ao lado dos juízes, tinham inicialmente assento sobre o assoalho (parquet) da sala de audiências.

Na lição de Hugo Nigro Mazzilli:2

“Menciona-se que a Revolução Francesa teria estruturado mais adequadamenteo Ministério Público, enquanto instituição, ao conferir garantias a seusintegrantes; contudo, foram os textos napoleônicos que instituíram o MinistérioPúblico que a França veio a conhecer na atualidade”.

(...)

“Não deixa de ser interessante anotar que, na sua etimologia, a palavra“ministério” se prende ao vocábulo latino “manus” e dos derivados ministrar,ministro, administrar – daí a ligação inicial aos agentes do rei (les gens du roi),pois seriam a mão do rei (hoje, certamente, para manter a metáfora, a mão dalei).

No Brasil, apesar da Constituição Imperial de 1824 não ter feito referências ao Ministério Público, o Código de Processo Criminal de 1832 faz surgir o Ministério Público com uma rápida referência ao “promotor da ação penal”.

Desse tempo em diante, o Ministério Público sofreu constantes alterações nos textos constitucionais, sempre de forma a acompanhar a evolução do Direito, e principalmente as mudanças sociais.

Foi, porém, com o atual texto da Constituição de 1988 que o Ministério Público ganhou um novo perfil institucional. Foi colocado dentro do capítulo intitulado “Das Funções Essenciais à Justiça”, separado dos demais Poderes do Estado, e, consagrou-se como Instituição Constitucional fundamental do Estado Democrático de Direito, destacadamente no artigo 129, I da Constituição Federal.

Nesse sentido Hugo Nigro Mazzilli3:

“A Opção do constituinte de 1988 foi, sem dúvida, conferir um elevado statusconstitucional ao Ministério Público, quase erigindo-o ao um quarto Poder:desvinculou a intuição dos Capítulos do Poder Legislativo, do Poder Executivo edo Poder Judiciário; fê-lo instituição permanente, essencial à prestaçãojurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, dos interessessociais e individuais indisponíveis e a do próprio regime democrático (art. 127,caput); cometeu à instituição zelar pelo efetivo respeito do Poderes Públicos edos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição,promovendo as medidas necessárias à sua garantia (art. 129, II); erigiu àcondição de crime de responsabilidade do presidente a República seus atos queatentem contra o livre exercício do Ministério Público, lado a lado como osPoderes de Estado ( art. 85, II); impediu a delegação legislativa em matériarelativa à organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, à carreira e àgarantia de seus membros (art. 68, § 1º, I); conferiu a seus agentes totaldesvinculação do funcionalismo comum, não só nas garantias para escolha deseu procurador-geral, como para independência de atuação (arts. 127, § 1º, e 128e parágrafos); concedeu à instituição autonomia funcional e administrativa, compossibilidade de prover diretamente seus cargos (art. 127, §§ 1º e 2º); conferiu-lhe iniciativa do processo legislativo, bem como da proposta orçamentária (arts.61, 127, §§ 2º e 3º, e 128, § 5º); em matéria atinente ao recebimento dos recursoscorrespondentes às suas dotações orçamentárias, assegurou ao MinistérioPúblico igual forma de tratamento que a conferida aos Poderes Legislativo e Judiciário (art. 168); assegurou a seus membros as mesmas garantias dosmagistrados (art. 128, § 5º, I); impondo-lhes iguais requisitos de ingresso nacarreira (art. 93, I, e 129, 3º) e idêntica forma de promoção e de aposentadoria(art. 93, II, e 129, § 4º), bem como semelhantes vedações (arts. 95, parágrafoúnico, e 128, §5º, II; conferiu-lhe privativamente na promoção da ação penalpública, ou seja, atribui-lhe parcela direta da soberania do Estado (art. 129, I);assegurou ao procurador-geral da República, par a par com os chefes de Poder,julgamento nos crimes de responsabilidade pelo Senado Federal (art. 52, I e II).

Nesse prisma, a Constituição de 1988 ao mesmo tempo em que reconheceu o Ministério Público como Instituição Constitucional fundamental do Estado Democrático de Direito, também criou mecanismos e lhe assegurou funções expressas para garantir-lhe o desenvolvimento do seu importante papel social.

Dessa forma, não se pode pretender restringir, ou distorcer, o rol das funções que lhe foram garantidas por nossa Carta Magna.

Como bem assinala Gregório Assagra de Almeida:4

“O Ministério Público, como Instituição, é cláusula pétrea. Como conseqüência, assuas atribuições e garantias constitucionais, as quais lhe dão dimensãoconstitucional e revelam o seu legítimo valor social, também estão inseridas comocláusulas pétreas ou superconstitucionais. Essas cláusulas compõem o núcleo deuma Constituição no Estado Democrático de Direito. Por isso, elas não podem sereliminadas nem restringidas. Todavia, elas podem ser ampliadas. As atribuições egarantias constitucionais do Ministério Público, situando-se no âmbito dascláusulas superconstitucionais, podem ser ampliadas, mas não restringidas oueliminadas da Constituição”.


2. FUNÇÕES INSTITUCIONAIS DO MINISTÉRIO PÚBLICO BRASILEIRO

As funções institucionais do Ministério Público brasileiro, como se pode inferir do texto Constitucional, são fundadas na proteção de um interesse social ou individual indisponível ou em um interesse difuso ou coletivo. A Constituição da República confiou ao Ministério Público o dever de proteção dos mais caros interesses da sociedade.

Essas funções encontram-se elencadas de forma exemplificativa no artigo 129 da Constituição da República. Diz-se “exemplificativa”, uma vez que tal artigo não é taxativo ao relacionar suas funções. Como se pode perceber, o próprio inciso IX desse artigo abre o leque, de forma bem clara, para que outras funções lhe sejam conferidas de acordo com sua finalidade.

Tendo em vista o objeto deste trabalho, é relevante salientar que ao Ministério Público foram atribuídas pela Constituição Federal funções institucionais que deverão ser exercidas ora com exclusividade e ora sem exclusividade.

Notadamente em seu art. 129, I, a Constituição atribuiu ao Ministério Público a promoção da ação penal pública de forma privativa, vetando, dessa forma, o seu exercício a quem não seja integrante da carreira, conforme descrito no § 2º desse mesmo artigo.

De forma não exclusiva o Ministério Público exerce outras funções, dentre as quais está a ação civil pública, mas, tendo em vista o objeto desse trabalho (investigação criminal pelo membro do Ministério Público) pode-se citar, de maneira especial, às funções que lhe foram atribuídas nos artigos 129, inciso II, que Hugo Nigro Mazzilli5 nomeia como “função de defensor do povo” e inciso IX, quais sejam, respectivamente: 1) a de zelar pelo efetivo respeito do Poderes Públicos e dos Serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição Federal, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; e 2) a de exercer outras funções compatíveis com sua finalidade.

Veremos adiante, com maior clareza, que para o exercício dessas funções pode e deve a legislação infraconstitucional atribuir ao Ministério Público mecanismos para a efetividade dessas normas, uma vez que se tratam de normas constitucionais em branco, ou, “cláusulas ampliativas de atribuições”.

Nessa linha de raciocínio, demonstrar-se-á a seguir que, com supedâneo na Constituição Federal, no âmbito do Ministério Público Federal a Lei Complementar nº 75/93, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União, legitima o Ministério Público proceder a investigações criminais, bem como a Lei 8.625/93 reserva tais poderes ao membro do Parquet no âmbito do Ministério Público Estadual.


DA LEGITIMIDADE DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO

1. DISPENSABILIDADE DO INQUÉRITO POLICIAL.

Segundo nosso ordenamento jurídico, bem como jurisprudência, o inquérito policial é uma peça meramente informativa e apesar de ser necessária não é indispensável. Tem como finalidade trazer indícios necessários para que se possa dar início à ação penal.

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Dessa forma, a partir do momento em que o titular da ação penal, seja o Ministério Público na Ação penal Pública, seja o ofendido na Ação Penal Privada, tenha em mãos as informações necessárias à caracterização da justa causa para o oferecimento da denúncia, ou da queixa-crime, respectivamente, o inquérito policial se torna dispensável.

São fundamentos jurídicos de tal afirmativa os seguintes artigos do Código de Processo Penal6:

Artigo 12: “O inquérito policial acompanhará a denúncia ou queixa, sempre queservir de base a uma ou outra”

(...)

Artigo 39: “O direito de representação poderá ser exercido, pessoalmente ou porprocurador com poderes especiais, mediante declaração, escrita ou porprocurador com poderes especiais, mediante declaração, escrita ou oral, feita aojuiz, ao órgão do Ministério Público, ou à autoridade policial”.

(...)

§5º “O órgão do Ministério Público dispensará o inquérito, se com a representaçãoforem oferecidos elementos que o habilitem a promover a ação penal, e, nestecaso, oferecerá a denúncia no prazo de 15 (quinze) dias”.

Artigo 46: O prazo para oferecimento da denúncia, estando o réu preso, será de 5(cinco) dias, contado da data em que o órgão do Ministério Público receber osautos do inquérito policial, e de 15 (quinze) dias, se o réu estiver solto ouafiançado. No último caso, se houver devolução do inquérito à autoridade policial(art. 16), contar-se-á o prazo da data em que o órgão do Ministério Público recebernovamente os autos”.

(...)

§1º Quando o Ministério Público dispensar o inquérito policial, o prazo para ooferecimento da denúncia contar-se-á da data em que tiver recebido as peças deinformações ou a representação.

Tem-se, ainda, no artigo 27 do Código de Processo Penal que:

“Qualquer pessoa do povo poderá provocar a iniciativa do Ministério Público, noscasos em que caiba a ação pública, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobreo fato e a autoria e indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção”.

Ainda segundo jurisprudência do STJ7:

“I-A instauração de inquérito policial não é imprescindível à propositura da açãopenal pública, podendo o Ministério Público valer-se de outros elementos deprova para formar sua concição. II – Não há impedimento para que o agente doMinistério Público efetue a colheita de determinados depoimentos, quando, tendoconhecimento fático do indício de autoria e da materialidade do crime, tivernotícia, diretamente, de algum fato que merecesse ser elucidado”.

Como se pode notar, o inquérito policial é sim necessário, como, por exemplo, em casos de homicídios, mas segundo nossa legislação e jurisprudência a ação penal pode prescindir do inquérito policial.

Ora, se nosso Código de Processo Penal dispensa, em alguns casos, o inquérito policial e ainda dá expressamente a “qualquer pessoa do povo” o poder para colher informações para provocar diretamente o Ministério Público, nos caso em que caiba ação pública, seria contra-senso dizer que o próprio Ministério Público não possa investigar diretamente as informações para a formação do seu convencimento.

Importante lembrar que negar ao membro do Parquet esse direito importaria negar à sociedade a defesa da ordem jurídica, uma vez que para o recebimento da denúncia é necessário que o Juiz de Direito se convença da justa causa, que vem a ser justamente a demonstração da materialidade do fato e dos indícios suficientes de autoria. Dessa forma, tem o Ministério Público o dever de investigar sob pena de restar prejudicada a ação penal.

Destarte, se a fase pré-processual não é desenvolvida com a eficácia necessária ao convencimento do Parquet e ao próprio convencimento do Juiz, na formação da justa causa, pode a ação penal nem mesmo chegar a existir, comprometendo, assim, a garantia da segurança pública.

De outra banda, deve-se levar em conta o constrangimento que uma investigação mal realizada, poderia causar ao acusado. Sobre tal questão Afrânio Silva Jardim8 leciona:

“o só ajuizamento da ação penal condenatória já seria suficiente para atingir oestado de dignidade do acusado, de modo a provocar graves repercussões naórbita de seu patrimônio moral, partilhado socialmente com a comunidade em quedesenvolve as suas atividades”

2. PRINCÍPIO DA CELERIDADE PROCESSUAL

Segundo inteligência do artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, “a todos, no âmbito criminal e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Ora, como é sabido e a própria criminologia já comprovou, a recrudescente criminalidade diante da escassez de meios e do despreparo que sofrem os policiais, é impraticável que se dê através desses agentes uma resposta a toda marginalidade.

Impossível, ainda, imaginar que esta resposta seja dada em tempo hábil a garantir o princípio da celeridade processual.

Essa é uma situação particularmente grave no direito brasileiro, há notícias de inquéritos que demoram até cinco anos, quando o prazo seria, em regra, de dez dias, quando preso o indiciado, e, de 30 dias quando o indiciado se encontra solto, com exceção da Lei de Tóxicos que prevê o prazo de 30 dias para o acusado preso e de 90 dias para o acusado solto. Mais grave se torna a situação quando falamos da prescrição pela pena aplicada antes do processo. A prescrição pela pena em concreto, entre o crime e o início do processo, a chamada prescrição retroativa. Logo, a demora do inquérito policial pode acarretar inclusive a extinção da punibilidade em concreto declarada pela prescrição.

Portanto, ao se conceber a figura de um Promotor de justiça imóvel, aguardando que o inquérito policial seja concluído, para só então decidir se serão requisitadas diligências, se vai decidir pelo arquivamento ou se propõe a ação penal, é ir contra o princípio da celeridade processual e contra todos os anseios de uma sociedade que clama por uma resposta da justiça.

3. PRINCÍPIO DA UNIVERSALIZAÇÃO DA INVESTIGAÇÃO.

Apesar da Constituição Federal, no seu artigo 144 ter atribuído às polícias judiciárias a investigação das infrações penais, não há se falar em exclusividade de tal tarefa às autoridades policiais. Nosso sistema Constitucional consagra o princípio da “universalização da investigação criminal”, ou seja, não pretendeu o Constituinte dar exclusividade somente às polícias para proceder à investigação criminal.

Sobre tal princípio leciona Valter Foleto Santin9:

“O princípio é da universalização da investigação em consonância com ademocracia participativa, a maior transparência dos atos administrativos, aampliação dos órgãos habilitados a investigar e a facilitação e ampliação deacesso ao Judiciário, princípios decorrentes do sistema constitucional atual. OReconhecimento do monopólio investigatório da polícia não se coaduna com osistema constitucional vigente, que prevê o poder investigatório das comissõesparlamentares de inquérito ( art. 58, § 3º, Constituição Federal), o exercício dasação penal e o poder de investigar do Ministério Público ( art. 129, I, III e VI , CF),o direito do povo de participar dos serviços de segurança pública ( art. 144, caput,CF), função na qual a investigação criminal se inclui ( art. 144, § 1º, I e § 4º, CF)”.

Não há na Constituição Federal nenhum dispositivo que se permita entender a exclusividade da investigação criminal pelas polícias, uma vez que o artigo 144 da Constituição Federal somente se refere à exclusividade em relação à atividade de “polícia judiciária” da União, apenas como forma de excluir a atuação das outras polícias civis.

Como se pode perceber por uma leitura mais acurada de todo o artigo, o Constituinte separa nitidamente a função de investigar infrações penais das funções de “polícia judiciária”, conforme §§ 1º, I e IV, e 4º do art. 144. Portanto, o Constituinte quis apenas organizar as atribuições das polícias, excluindo da Polícia Civil a atribuição para investigar os crimes que são da competência da Justiça Federal.

Fica claro, segundo artigo 144, caput, que a segurança pública como dever do Estado é direito e responsabilidade de todos, logo, o Ministério Público como órgão responsável pelo exercício eficiente da ação penal tem o dever de participar das investigações criminais e cuidar para que essa investigação seja realmente uma atividade de defesa da sociedade e de prevenção da criminalidade, pois, em verdade, participando da investigação criminal de perto, o membro do Ministério Público terá maior contato e proximidade com a realidade dos fatos, podendo, assim, obter um convencimento livre de influências para promover a ação penal. E, ao promover a ação penal o Ministério Público está compondo o sistema estatal de prevenção à criminalidade.

4. RESPALDO CONSTITUCIONAL E LEGAL DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO NA FASE PRÉ-PROCESSUAL.

Superada a questão da exclusividade das polícias na investigação criminal, passa-se à análise dos artigos 127 e 129 da nossa carta política, uma vez que são os maiores respaldos constitucionais a legitimar o membro do Parquet nas investigações criminais que precedem a ação penal.

O artigo 127, caput, traz como finalidade do Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Ora, com qual finalidade estaria atuando o membro do Ministério Público ao proceder uma investigação criminal, senão em busca da defesa da ordem pública, do regime democrático e, principalmente, na defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis?

É indubitável que a função de investigar do Ministério Público está intimamente ligada com a finalidade que lhe atribui o constituinte no artigo 127, caput, CF, notadamente no que se refere à defesa dos interesses sociais.

Um dos maiores problemas que assolam a sociedade é a falta de resposta do Estado à recrudescente criminalidade. Nesse prisma, ao proceder investigação criminal, portanto, o membro do Ministério Público está simplesmente cumprindo a finalidade de defender um interesse social consubstanciado na reparação da prática criminosa, conseqüentemente a reposição da ordem jurídica que foi infringida por essa prática.

Nesse sentido, Alexandre de Moraes10, leciona que o constituinte conferiu ao Ministério Público “funções de resguardo ao status constitucional do indivíduo”.

“o status positivo permite que o indivíduo exija do Estado a prestação de condutaspositivas, ou seja, reclame para si algo que o Estado estará obrigado a realizar.”. (...)

“Ao erigir o Ministério Público como garantidor e fiscalizador da separação depoderes e, conseqüentemente, dos mecanismos de controle estatais (CF, art129,II), o legislador constituinte conferiu à Instituição função de resguardar aostatus constitucional do cidadão, armando-o de funções, garantias e prerrogativasque possibilitassem o exercício daquelas e a defesa destes.

Incorporou-se em nosso ordenamento jurídico, portanto, a pacífica doutrinaconstitucional norte-americana sobre a teoria dos poderes implícitos – inherentpowers -, pela qual no exercício de sua missão constitucional enumerada, o órgãoexecutivo deveria dispor de todas as funções necessárias, ainda que implícitas,desde que não expressamente limitadas (Myers v. Estados Unidos – US 272 – 52,118), consagrando-se, dessa forma, e entre nós aplicável ao Ministério Público, oreconhecimento de competências genéricas implícitas que possibilitem o exercíciode sua missão constitucional, apenas sujeitas às proibições e limites estruturais daConstituição Federal.”.

Entre essas competências implícitas, parece-nos que não poderia ser afastado opoder investigatório criminal dos promotores e procuradores, para que, em casosque entenderem necessário, produzam as provas necessárias para combater,principalmente, a criminalidade organizada e a corrupção, não nos parecendorazoável o engessamento do órgão titular da ação penal, que, contrariamente aohistórico da Instituição, teria cerceado seus poderes implícitos essenciais para oexercício de suas funções constitucionais expressas.”.

O Constituinte ao especificar no artigo 129 de nossa Carta Magna as funções institucionais do Ministério Público não deixa dúvidas quanto a função investigativa em comento.

Dispõe o artigo 129 da Constituição Federal11:

São funções institucionais do Ministério Público:

I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos Serviços de relevânciapública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidasnecessárias a sua garantia; (grifou-se)

(...)

VI – expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência,requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da leicomplementar respectiva; (grigou-se)

VII – exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementarmencionada no artigo anterior; (grigou-se)

(...)

IX – exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis comsua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídicade entidades públicas. (grifou-se)

Quando o Constituinte atribuiu ao Ministério Público a exclusividade da ação penal pública, colocou nas mãos de seus membros a função de garantir ao cidadão o acesso ao Judiciário, direito assegurado pela Constituição Federal no artigo 5º, XXXV. Fundamenta-se tal raciocínio na justa causa que deve ser demonstrada na peça acusatória, sob conseqüência do não recebimento da denúncia pelo juiz. Não demonstrados na peça acusatória os indícios de autoria e a materialidade do fato a ação judicial não chegará a existir ficando, assim, prejudicado o direito de acesso à justiça.

Portanto, não pode o membro do Ministério público ficar inerte e dependente de outro órgão se as investigações criminais forem insuficientes para embasar a denúncia.

Da mesma forma, não pode o membro do Parquet ficar inerte e correr o risco de ver extinta a punibilidade em concreto em decorrência da prescrição pela demora do inquérito policial.

Enfim, para que não reste prejudicado o direito de acesso à justiça deve o membro do Ministério Público promover as medidas necessárias (nesse caso a investigação criminal direta) para garantia desse direito.

Note-se, ainda, que o inciso VI refere se a “procedimentos administrativos de sua competência”, ou seja, o constituinte não restringiu a instauração de procedimento administrativo somente à área civil e administrativa. Nada impede, portanto, que seja instaurado procedimento administrativo investigatório na esfera penal.

Nesse sentido Hugo Nigro Mazzilli12 ao se referir ao inciso VI ensina:

“Se os procedimentos administrativos a que se refere este inciso fossem apenasem matéria cível, teria bastado o inquérito civil de que cuida o inc. III. O inquéritocivil nada mais é que uma espécie de procedimento administrativo de atribuiçãoministerial. Mas o poder de requisitar informações e diligências não se exaure naesfera cível; atinge também a área destinada a investigações criminais”.

Quanto ao inciso VII, já decidiu E. Tribunal Regional Federal, da 4ª Região (RS)13:

“pode investigar fatos, poder que se inclui no mais amplo de fiscalizar a corretaexecução da lei” (...) “poder do órgão ministerial mais avulta quando osenvolvidos na infração penal são autoridades policiais, submetidas ao controleexterno do Ministério Público”

Note-se, ainda, que o inciso IX do artigo 129 se qualifica como uma “cláusula aberta”, ou, “cláusula ampliativa de atribuição” ao dispor que são funções do Ministério Público “exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade”. Portanto, é uma norma constitucional que se amolda impecavelmente ao artigo 127, caput, da Constituição Federal, que traz como finalidades do Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. E, como já foi visto, a investigação criminal está intimamente ligada às finalidades do Ministério Público.

Como se vê, mesmo que não houvesse a lei infraconstitucional regulamentando, tais artigos deixam claro que a legitimação do Parquet para proceder diretamente investigações criminais tem assento constitucional.

No entanto, o poder de investigação do Ministério Público ainda encontra respaldo na lei nº 8.625/93, Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, conforme muito bem disposto na ADI 3318 que versa sobre a investigação criminal pelo ministério Público:

“pelo comando do art. 129, inciso VI, da Constituição Federal, o art. 26, inciso I,letras “a” e “b”, da Lei nº 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público)prevê a expedição de notificações para colher depoimentos ou esclarecimentos,bem como a requisição de informações, exames periciais e documentos deautoridades e órgãos públicos”

A legitimação para investigação criminal é confirmada, ainda, no âmbito do Ministério Público Federal, pela Lei Complementar nº 75/93, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União nos seguintes termos:

Art. 7º Incumbe ao Ministério Público da União, sempre que necessário aoexercício de suas funções institucionais:

I - instaurar inquérito civil e outros procedimentos administrativos correlatos;(grifou-se)

II - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial ede inquérito policial militar, podendo acompanhá-los e apresentar provas; (grifou-se)

III - requisitar à autoridade competente a instauração de procedimentosadministrativos, ressalvados os de natureza disciplinar, podendo acompanhá-los eproduzir provas. (Grifou-se)

Art. 8º Para o exercício de suas atribuições, o Ministério Público da Uniãopoderá, nos procedimentos de sua competência: (grifou-se)

I - notificar testemunhas e requisitar sua condução coercitiva, no caso deausência injustificada;

II - requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades daAdministração Pública direta ou indireta;

III - requisitar da Administração Pública serviços temporários de seusservidores e meios materiais necessários para a realização de atividadesespecíficas;

IV - requisitar informações e documentos a entidades privadas;

V - realizar inspeções e diligências investigatórias ; (grifou-se)

VI - ter livre acesso a qualquer local público ou privado, respeitadas asnormas constitucionais pertinentes à inviolabilidade do domicílio;

VII - expedir notificações e intimações necessárias aos procedimentos einquéritos que instaurar;

VIII - ter acesso incondicional a qualquer banco de dados de caráter públicoou relativo a serviço de relevância pública;

IX - requisitar o auxílio de força policial.

§ 1º O membro do Ministério Público será civil e criminalmente responsávelpelo uso indevido das informações e documentos que requisitar; a ação penal, nahipótese, poderá ser proposta também pelo ofendido, subsidiariamente, na formada lei processual penal.

§ 2º Nenhuma autoridade poderá opor ao Ministério Público, sob qualquerpretexto, a exceção de sigilo, sem prejuízo da subsistência do caráter sigiloso dainformação, do registro, do dado ou do documento que lhe seja fornecido.

§ 3º A falta injustificada e o retardamento indevido do cumprimento dasrequisições do Ministério Público implicarão a responsabilidade de quem lhe dercausa.

§ 4º As correspondências, notificações, requisições e intimações do MinistérioPúblico quando tiverem como destinatário o Presidente da República, o Vice-Presidente da República, membro do Congresso Nacional, Ministro do SupremoTribunal Federal, Ministro de Estado, Ministro de Tribunal Superior, Ministro doTribunal de Contas da União ou chefe de missão diplomática de caráterpermanente serão encaminhadas e levadas a efeito pelo Procurador-Geral daRepública ou outro órgão do Ministério Público a quem essa atribuição sejadelegada, cabendo às autoridades mencionadas fixar data, hora e local em quepuderem ser ouvidas, se for o caso.

§ 5º As requisições do Ministério Público serão feitas fixando-se prazorazoável de até dez dias úteis para atendimento, prorrogável mediante solicitaçãojustificada.

Diante do exposto, fica claro que a Constituição ao atribuir ao Ministério Público a titularidade exclusiva da ação penal pública, bem como várias outras funções compatíveis com sua finalidade, e ante a clareza dos dispositivos da legislação infraconstitucional que veio regulamentar o texto Constitucional, não se pode negar ao órgão titular da ação penal pública o poder de ele mesmo investigar diretamente as infrações penais, pois o poder de investigação do Ministério Público é inerente às funções institucionais conferidas pela Carta Política em matéria criminal.

Nesse sentido, decidiu o STJ no HC 101674/BA14:

“O Ministério Público tem legitimidade para instaurar procedimento investigatóriocom o fim de apurar eventual prática de ilícito penal. Consoante a Súmula234/STJ, a participação de membro do Parquet, na fase investigatória criminal,não acarreta o seu impedimento ou a sua suspeição para o oferecimento dadenúncia”.

E, recentemente, maio de 2024, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu parâmetros para que o Ministério Público instaure procedimentos investigativos por iniciativa própria. O tema foi debatido no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 2943, 3309 e 3318, apresentadas para questionar regras do Estatuto do Ministério Público da União (Lei Complementar 75/1993), da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei 8.625/1993) e da Lei Orgânica do Ministério Público de Minas Gerais que autorizam o MP a realizar investigações criminais.

“Decisão: (Julgamento conjunto das ADIs 2.943, 3.309 e 3.318) O Tribunal, porunanimidade, conheceu da ADI 2.943 e, em parte, das ADIs 3.309 e 3.318. Pormaioria, na parte conhecida, julgou-as parcialmente procedentes para darinterpretação conforme na linha das seguintes teses de julgamento: “1. OMinistério Público dispõe de atribuição concorrente para promover, por autoridadeprópria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde querespeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou aqualquer pessoa sob investigação do Estado. Devem ser observadas sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, asprerrogativas profissionais da advocacia, sem prejuízo da possibilidade dopermanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados(Súmula Vinculante 14), praticados pelos membros dessa Instituição (tema 184);2. A realização de investigações criminais pelo Ministério Público tem porexigência: (i) comunicação imediata ao juiz competente sobre a instauração e oencerramento de procedimento investigatório, com o devido registro e distribuição;(ii) observância dos mesmos prazos e regramentos previstos para conclusão deinquéritos policiais; (iii) necessidade de autorização judicial para eventuaisprorrogações de prazo, sendo vedadas renovações desproporcionais ouimotivadas; iv) distribuição por dependência ao Juízo que primeiro conhecer dePIC ou inquérito policial a fim de buscar evitar, tanto quanto possível, a duplicidadede investigações; v) aplicação do artigo 18 do Código de Processo Penal ao PIC(Procedimento Investigatório Criminal) instaurado pelo Ministério Público; 3. Deveser assegurado o cumprimento da determinação contida nos itens 18 e 189 daSentença no Caso Honorato e Outros versus Brasil, de 27 de novembro de 2023,da Corte Interamericana de Direitos Humanos - CIDH, no sentido de reconhecerque o Estado deve garantir ao Ministério Público, para o fim de exercer a funçãode controle externo da polícia, recursos econômicos e humanos necessários parainvestigar as mortes de civis cometidas por policiais civis ou militares; 4. Ainstauração de procedimento investigatório pelo Ministério Público deverá sermotivada sempre que houver suspeita de envolvimento de agentes dos órgãos desegurança pública na prática de infrações penais ou sempre que mortes ouferimentos graves ocorram em virtude da utilização de armas de fogo por essesmesmos agentes. Havendo representação ao Ministério Público, a não instauraçãodo procedimento investigatório deverá ser sempre motivada; 5. Nas investigaçõesde natureza penal, o Ministério Público pode requisitar a realização de períciastécnicas, cujos peritos deverão gozar de plena autonomia funcional, técnica ecientífica na realização dos laudos”. Tudo nos termos do voto conjunto do MinistroEdson Fachin (Relator) e Gilmar Mendes, vencidos os Ministros Flávio Dino,Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso (Presidente) apenas quanto àredação do item 2.(iii) das teses. Plenário, 2.5.2024.”

Sobre a autora
Maria de Lourdes Costa e Silva de Almeira

Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH)

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