Com o advento da tecnologia digital, o acesso à informação legal e o gerenciamento de processos judiciais têm se tornado mais rápidos e eficientes. Plataformas digitais, sistemas de automação e inteligência artificial estão revolucionando a forma como advogados, juízes e partes envolvidas interagem com o sistema jurídico.
A era digital trouxe para o Direito grandes avanços e inovações, apresentando novos desafios para o campo jurídico. Tal proposição pode ser afirmada por Patrícia Peck Pinheiro, especialista em tecnologias jurídicas:
“(...) o Direito já não é resultado do pensamento solitário de um jurista, mas sim uma solução prática de planejamento e estratégia que só pode ser feita em equipe, num contato direto com as demandas e a própria evolução da sociedade. Essa solução deve ser capaz de adaptar-se a transformações cada vez mais rápidas e mudar também quando necessário. Toda mudança tecnológica é uma mudança social, comportamental, portanto jurídica.” (PINHEIRO, 2013, p. 26)
Com a IA, o Direito se redefine, oferecendo oportunidades para uma administração mais eficiente e acessível da justiça, mas também apresentando novos desafios que devem ser enfrentados com cuidado e responsabilidade. À medida que a tecnologia continua a avançar, o sistema jurídico precisa se adaptar e evoluir para garantir que a justiça permaneça eficaz, equitativa e segura.
Ademais, a era digital trouxe novas formas de resolução de conflitos, como as plataformas de resolução de litígios online, que oferecem métodos alternativos para a solução de disputas de maneira rápida e econômica. Esses avanços têm o potencial de democratizar o acesso à justiça, tornando-a mais acessível para um maior número de pessoas.
Nesse sentido, observa-se o gráfico abaixo com dados coletados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que compreenderam projetos de IA nos ramos de Justiça em 20232:
Fonte: Adaptado pela autora com base no painel da pesquisa sobre Inteligência Artificial do CNJ (2023)
A partir disso, entende-se que a IA está reformulando o Judiciário brasileiro, auxiliando na rapidez e eficiência no campo jurídico. A digitalização dos processos judiciais, por exemplo, permite uma tramitação mais ágil e transparente, reduzindo a burocracia e facilitando o acompanhamento dos casos. A gestão eletrônica de documentos e a utilização de softwares para análise jurídica proporcionam maior precisão e eficiência, permitindo que profissionais do Direito acessem e manipulem informações de forma mais dinâmica e estratégica.
Com efeito, nota-se esse cenário a partir do gráfico abaixo com dados coletados que apresentam atividades realizadas pelos projetos de IA nos tribunais em 20233:
Fonte: Adaptado pela autora com base no painel da pesquisa sobre Inteligência Artificial do CNJ (2023)
Nessa mesma linha, ressalta-se que além do Robô Victor do STF, que se destaca na busca por precedentes, diversos outros tribunais brasileiros têm incorporado tecnologias semelhantes para aprimorar suas operações. Um exemplo notável é o Robô "Judiciário Digital" desenvolvido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que automatiza a triagem e a classificação de processos. Esta IA utiliza técnicas de processamento de linguagem natural para categorizar casos com base em seu conteúdo, facilitando a distribuição eficiente de processos entre os juízes e agilizando o fluxo de trabalho. Outro caso relevante é o Robô "Sentença Automática" do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), que auxilia na redação de sentenças padrão e reduz a carga de trabalho dos magistrados ao gerar minutas com base em modelos predefinidos e informações do processo.
Esses avanços não se limitam apenas à automatização de tarefas repetitivas; eles também refletem uma tendência mais ampla de digitalização e inovação no sistema judiciário. O uso desses robôs visa não apenas aumentar a eficiência e a rapidez na tramitação de processos, mas também melhorar a precisão das decisões judiciais e garantir uma melhor gestão dos recursos judiciais.
No entanto, a transformação digital também apresenta desafios importantes. A crescente dependência da tecnologia levanta questões sobre a proteção de dados e a segurança da informação. A integridade e a confidencialidade das informações jurídicas são essenciais, e a ameaça de vazamentos ou ataques cibernéticos é uma preocupação constante. Além disso, a automação e o uso de algoritmos na tomada de decisões jurídicas devem ser cuidadosamente monitorados para garantir a imparcialidade e a justiça, evitando a reprodução de vieses e erros sistemáticos.
Nesse sentido, tem-se que a prática jurídica também está se adaptando às novas realidades digitais. Advogados e profissionais do Direito precisam desenvolver competências tecnológicas para utilizar essas ferramentas de forma eficaz e ética. O papel do advogado está evoluindo, exigindo uma compreensão aprofundada das implicações tecnológicas e das novas formas de prática jurídica.
Os órgãos jurisdicionais, visando a resolução de litígios e a pacificação social, utilizam o processo como uma ferramenta para resolver conflitos e garantir a aplicação das normas jurídicas em casos específicos. A função jurisdicional é exercida pelo Estado, que tem a autoridade para aplicar o direito de forma a resolver disputas e proteger a ordem jurídica e a autoridade da lei. Dessa forma, com o objetivo de assegurar a segurança jurídica e promover a justiça, o processo deve assegurar que quem tem um direito não cumprido receba exatamente o que lhe é devido, como se esse direito não houvesse sido violado por outra parte.
Em síntese, a era digital está transformando o processo civil de forma profunda e abrangente, trazendo benefícios significativos em termos de eficiência e acessibilidade, mas também exigindo uma atenção cuidadosa às questões de segurança e ética. A evolução contínua da tecnologia exigirá do sistema jurídico uma adaptação constante para garantir que a justiça seja administrada de forma equitativa e eficaz no contexto digital.
A virtualização dos julgamentos não foi óbice para que as decisões colegiadas aumentassem: passaram de 13 mil para 18 mil. A outra face da moeda mostra que, das 105 mil ações julgadas, 87,6 mil foram decisões monocráticas (83%). Em 2022, o percentual ficou em 86%. Ou seja, ainda estamos falando de um tribunal altamente monocrático e que, quando se reúne, julga 99% das vezes em ambiente virtual.
Para os ministros, o Plenário Virtual é a única solução possível para o volume de casos que chegam ao Supremo. Foi sendo aprimorado ao longo dos últimos anos e hoje é considerado uma referência em termos de funcionalidades:
Nesse sentido, tem-se que o Victor é um robô em operação desde 2017 no Supremo Tribunal Federal para análise de temas de repercussão geral na triagem de recursos recebidos de todo país. O Victor surgiu pela necessidade de agilidade nos procedimentos do STF diante do cenário de congestionamento de processos do STF, que anualmente recebe cerca de 70 mil novos processos e aproximadamente 350 novos processos por dia para serem analisados e julgados.
O robô representa um avanço significativo na busca de precedentes do STF, proporcionando uma ferramenta que alia tecnologia à prática jurídica. Sua eficácia é notável em diversos aspectos, especialmente quando se considera a quantidade de informações disponíveis e a complexidade das jurisprudências. Ao automatizar a pesquisa de precedentes, Victor consegue economizar tempo e esforço para advogados e pesquisadores, permitindo que se concentrem em análises mais aprofundadas.
Um dos principais benefícios é a rapidez com que ele processa dados. Em um cenário jurídico em que decisões podem ter um impacto profundo e imediato, a capacidade de localizar precedentes relevantes em questão de segundos é extremamente valiosa.
Outro ponto a ser destacado é a precisão na busca. Victor é programado para identificar palavras-chave e relacionar conceitos jurídicos, o que aumenta as chances de encontrar decisões relevantes. Quando configurado corretamente, ele pode trazer à tona precedentes que, de outra forma, poderiam ser ignorados em uma pesquisa tradicional. Essa capacidade de cruzar informações é especialmente útil em casos complexos, onde a jurisprudência pode ser ampla e diversificada.
No entanto, a eficácia do robô Victor não é isenta de limitações. Um dos desafios é a interpretação de contextos legais que muitas vezes são sutis e complexos. O robô pode não captar nuances que um profissional experiente entenderia, o que pode resultar em omissões ou na seleção de precedentes que não se aplicam completamente ao caso em questão. Portanto, é fundamental que os usuários complementem as buscas automatizadas com uma análise crítica.
Por fim, a eficácia do robô Victor na busca de precedentes do STF se destaca, mas deve ser encarada como uma ferramenta que complementa, e não substitui, o trabalho humano. A interação entre a tecnologia e o conhecimento jurídico é essencial para garantir que os resultados obtidos sejam realmente úteis e aplicáveis. Assim, enquanto o robô facilita a pesquisa, a expertise dos profissionais do Direito continua a ser indispensável para a interpretação e aplicação das informações encontradas.
REFERÊNCIAS
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Notas
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