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A equidade de gênero no direito público brasileiro: Desafios estruturais e o papel do estado na promoção de políticas públicas

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Agenda 15/10/2024 às 17:22

2. Políticas Públicas para a Equidade de Gênero no Brasil: Avanços, Desafios e Limites

A implementação de políticas públicas para a promoção da equidade de gênero no Brasil reflete um processo contínuo e complexo, permeado por avanços legislativos e institucionais, mas também por desafios significativos. As políticas de gênero visam não apenas corrigir as disparidades existentes entre homens e mulheres, mas também criar condições que garantam a igualdade substancial entre os gêneros, conforme estabelecido pela Constituição Federal de 1988 e pelos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW). Apesar das conquistas formais, as desigualdades de gênero continuam a se manifestar de maneira estrutural na sociedade brasileira, o que evidencia a necessidade de uma análise crítica e aprofundada das políticas públicas voltadas à equidade de gênero, seus impactos e limitações.

2.1 O Conceito de Políticas Públicas e sua Aplicação à Questão de Gênero

No âmbito das ciências sociais e do direito, o conceito de política pública pode ser definido como o conjunto de ações, diretrizes e intervenções do Estado que visam responder a determinadas demandas sociais, regulando comportamentos e promovendo a justiça social. Segundo o cientista político Thomas Dye, "política pública é tudo o que o governo decide fazer ou deixar de fazer" (DYE, 2008). Aplicando essa definição à questão de gênero, as políticas públicas voltadas para a promoção da equidade de gênero são todas aquelas iniciativas que buscam reduzir ou eliminar as desigualdades entre homens e mulheres, promovendo oportunidades iguais no âmbito econômico, social, político e jurídico.

No Brasil, as políticas de gênero assumiram especial relevância nas últimas décadas, impulsionadas tanto pela pressão dos movimentos feministas quanto pelas obrigações internacionais firmadas em convenções como a CEDAW. A partir da promulgação da Constituição de 1988, o Estado brasileiro passou a incorporar uma série de compromissos com a promoção dos direitos das mulheres, refletidos na criação de programas e ações afirmativas, na formulação de leis voltadas à proteção das mulheres, e na criação de instituições dedicadas à promoção da equidade de gênero, como a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), criada em 2003, e os diversos órgãos de igualdade racial e de direitos humanos.

A formulação de políticas públicas de gênero no Brasil, no entanto, enfrenta um contexto político e social que frequentemente oscila entre avanços e retrocessos. A execução dessas políticas depende da articulação entre diferentes níveis de governo (federal, estadual e municipal), da alocação de recursos financeiros e da continuidade dos projetos em diferentes administrações. Portanto, o impacto real das políticas públicas de gênero está sujeito a uma série de fatores, que incluem não apenas a legislação e os compromissos internacionais, mas também o contexto político e econômico do país.

2.2 O Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM) e a Institucionalização das Políticas de Gênero

Um marco fundamental na institucionalização das políticas públicas voltadas à promoção da equidade de gênero no Brasil foi a criação do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM), implementado pela primeira vez em 2004. O PNPM é o resultado de uma articulação entre o governo federal e movimentos feministas e de direitos humanos, com o objetivo de consolidar e coordenar ações intersetoriais que promovam a igualdade de gênero em diferentes áreas, como saúde, educação, trabalho e combate à violência.

O plano foi elaborado em um momento de grande mobilização social, fruto das conquistas dos movimentos feministas ao longo das décadas de 1980 e 1990. Ele reflete, em grande parte, as demandas desses movimentos por uma maior proteção dos direitos das mulheres, conforme destaca a socióloga Céli Pinto: "O PNPM surge como uma resposta institucional às pressões feministas e à necessidade de organizar de maneira mais coordenada as ações do governo em torno da questão de gênero" (PINTO, 2003).

O PNPM possui quatro grandes eixos de atuação:

Autonomia econômica e igualdade no mercado de trabalho: Visa à criação de políticas que garantam a participação plena das mulheres no mercado de trabalho, com igualdade salarial, acesso a cargos de liderança e proteção contra a discriminação no ambiente de trabalho.

Educação inclusiva e não sexista: O plano propõe a incorporação da perspectiva de gênero nos currículos escolares, além de promover campanhas de conscientização sobre a igualdade de gênero e a não discriminação nas escolas e universidades.

Saúde integral da mulher: Este eixo foca na promoção da saúde da mulher de maneira abrangente, garantindo o acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva, incluindo o planejamento familiar e o combate à mortalidade materna.

Enfrentamento à violência de gênero: O plano enfatiza a necessidade de políticas de prevenção e combate à violência contra as mulheres, fortalecendo a rede de atendimento e a criação de mecanismos de proteção, como as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs) e as Casas da Mulher Brasileira.

O PNPM foi revisado e atualizado em várias ocasiões, com a última versão abrangendo o período de 2013 a 2015. No entanto, sua implementação enfrentou desafios consideráveis, incluindo a falta de continuidade nas políticas de gênero entre diferentes administrações, a limitação de recursos financeiros e a ausência de uma rede sólida de monitoramento e avaliação das ações. A descontinuidade de políticas, especialmente em momentos de crises econômicas ou mudanças de governo, impacta diretamente a eficácia dessas iniciativas.

2.3 Políticas de Combate à Violência de Gênero: A Lei Maria da Penha e Outras Iniciativas

A violência contra as mulheres continua sendo uma das manifestações mais graves da desigualdade de gênero no Brasil. O Atlas da Violência 2021, divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), revela que o país ainda apresenta índices alarmantes de violência contra a mulher, com mais de 1.300 feminicídios registrados anualmente. Para enfrentar essa questão, uma das iniciativas mais relevantes foi a promulgação da Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006), considerada uma das legislações mais avançadas do mundo no combate à violência doméstica e familiar.

A Lei Maria da Penha estabelece medidas rigorosas para prevenir, punir e erradicar a violência doméstica e familiar contra a mulher, incluindo a criação de mecanismos legais para proteger as vítimas, como medidas protetivas de urgência, que proíbem os agressores de se aproximarem das vítimas, e a criação de juizados especializados em violência doméstica. De acordo com o artigo 2º da Lei, "toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhes asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social" (BRASIL, 2006).

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A promulgação da Lei Maria da Penha foi um avanço significativo no reconhecimento de que a violência de gênero é uma violação dos direitos humanos, mas sua implementação enfrenta obstáculos consideráveis. A falta de infraestrutura adequada, a escassez de recursos para a capacitação de profissionais da segurança pública e do judiciário, e a ausência de uma rede abrangente de apoio às vítimas são fatores que comprometem a efetividade da lei. Embora existam Casas da Mulher Brasileira em algumas capitais do país, esses centros de atendimento ainda são insuficientes para atender à demanda de mulheres vítimas de violência.

Além da Lei Maria da Penha, o Brasil também adotou outras políticas voltadas para o enfrentamento da violência de gênero, como a tipificação do feminicídio (Lei n. 13.104/2015), que introduziu no Código Penal o agravante de pena para homicídios motivados por discriminação de gênero. No entanto, o número de feminicídios permanece elevado, o que indica a necessidade de ações mais eficazes no campo da prevenção e proteção.

2.4 Políticas de Inclusão no Mercado de Trabalho: Desafios e Limitações

A participação das mulheres no mercado de trabalho é uma das áreas onde as desigualdades de gênero se manifestam de maneira mais visível. Embora a taxa de participação feminina no mercado de trabalho tenha aumentado nas últimas décadas, as mulheres continuam enfrentando dificuldades significativas para alcançar a equidade com os homens. Entre os principais desafios estão a desigualdade salarial, a segregação ocupacional e a falta de acesso a cargos de liderança.

De acordo com dados do IBGE de 2021, as mulheres ganham, em média, 77,7% do salário dos homens, mesmo quando ocupam funções similares e possuem o mesmo nível de qualificação. Essa disparidade salarial reflete a persistência de uma divisão sexual do trabalho que associa as mulheres a profissões tradicionalmente menos valorizadas e remuneradas, como o trabalho doméstico e o setor de serviços. Além disso, as mulheres representam apenas 37,4% dos cargos de liderança no Brasil, o que demonstra a sub-representação feminina em posições de poder e decisão no ambiente corporativo.

As políticas públicas voltadas para a inclusão das mulheres no mercado de trabalho têm focado, principalmente, na criação de incentivos para a contratação de mulheres, na promoção da equidade salarial e na oferta de qualificação profissional. Um exemplo é o programa Pronatec Mulher, que oferece cursos de capacitação profissional para mulheres em situação de vulnerabilidade, visando sua inserção no mercado de trabalho formal.

No entanto, essas políticas enfrentam desafios estruturais, como a sobrecarga das mulheres com o trabalho doméstico não remunerado, que limita sua disponibilidade para o trabalho formal. Estudos indicam que as mulheres brasileiras dedicam cerca de 21 horas semanais ao trabalho doméstico, em comparação com 11 horas dos homens. Essa dupla jornada de trabalho afeta diretamente a inserção das mulheres no mercado formal e a possibilidade de ascensão a cargos de liderança.

2.5 Desafios à Implementação das Políticas Públicas de Gênero

Apesar dos avanços institucionais e legislativos, a implementação das políticas públicas voltadas para a equidade de gênero no Brasil enfrenta desafios consideráveis. Entre os principais obstáculos estão:

Falta de continuidade nas políticas públicas: As mudanças de governo, especialmente em momentos de crises econômicas ou de transição política, frequentemente resultam em descontinuidade nas políticas de gênero. Programas como o PNPM e outras iniciativas voltadas para a equidade de gênero muitas vezes sofrem cortes de financiamento ou são despriorizados por novas administrações.

Insuficiência de recursos financeiros: A falta de investimentos adequados para a implementação de políticas de gênero compromete sua eficácia. Muitas delegacias especializadas no atendimento à mulher e programas de assistência a vítimas de violência doméstica carecem de infraestrutura adequada e de profissionais capacitados para atender à demanda.

Resistência cultural: A cultura patriarcal ainda vigente na sociedade brasileira representa um dos maiores entraves à plena implementação das políticas de gênero. Estereótipos de gênero profundamente enraizados limitam a participação das mulheres nos espaços de poder e dificultam a aceitação de políticas afirmativas que busquem promover a equidade de gênero.

Desigualdade regional: As disparidades regionais no Brasil também afetam a implementação das políticas públicas. Em regiões mais desenvolvidas, como o Sudeste, há uma maior concentração de recursos e infraestrutura voltados para a promoção da equidade de gênero, enquanto nas regiões Norte e Nordeste, onde a desigualdade social é mais acentuada, as políticas de gênero são menos efetivas.

2.6 Conclusão do Capítulo

As políticas públicas voltadas para a equidade de gênero no Brasil representam um avanço significativo na proteção dos direitos das mulheres e na promoção da igualdade. Contudo, sua implementação enfrenta uma série de desafios estruturais, econômicos e culturais que comprometem sua eficácia. A continuidade dessas políticas, a alocação de recursos adequados e o enfrentamento das resistências culturais são passos fundamentais para que o Brasil possa avançar na promoção de uma sociedade mais justa e igualitária.

A análise das políticas públicas de gênero revela que, apesar dos avanços institucionais, a equidade de gênero ainda não foi plenamente alcançada no Brasil. A transformação dessas desigualdades requer não apenas ações do Estado, mas também uma mudança cultural que valorize a igualdade de gênero como um princípio central do desenvolvimento social e econômico do país.


3. Desafios e Barreiras para a Equidade de Gênero no Brasil: Cultura Patriarcal, Sub-representação Política e Desigualdade Econômica

Apesar dos avanços institucionais e legislativos que o Brasil alcançou nas últimas décadas no que diz respeito à equidade de gênero, as desigualdades persistem em diversas áreas da vida pública e privada. No contexto de políticas públicas, há uma grande lacuna entre o que é previsto pela legislação e o que é efetivamente implementado. Isso se deve, em grande parte, aos desafios estruturais e culturais que limitam o avanço das políticas de gênero. Entre os principais entraves estão a cultura patriarcal, a sub-representação das mulheres nos espaços de poder e a desigualdade econômica de gênero. Este capítulo examina detalhadamente cada um desses desafios, buscando compreender as raízes da persistência das desigualdades de gênero no Brasil e as possíveis soluções para superá-las.

3.1 A Cultura Patriarcal e a Resistência à Equidade de Gênero

A cultura patriarcal, entendida como o sistema de organização social que privilegia os homens em detrimento das mulheres, é um dos maiores obstáculos à equidade de gênero no Brasil. Esse sistema está profundamente enraizado nas práticas sociais, econômicas e políticas do país, e influencia a forma como as pessoas percebem as diferenças de gênero e as atribuições de papéis sociais a homens e mulheres.

Segundo a socióloga Heleieth Saffioti, o patriarcado é "um sistema social que se reproduz pela naturalização das desigualdades entre os sexos, sendo as mulheres relegadas a uma posição de subordinação e os homens a uma posição de comando" (SAFFIOTI, 2004). Esse conceito reflete uma das maiores barreiras para a efetiva implementação de políticas públicas de equidade de gênero, uma vez que a ideia de superioridade masculina ainda é dominante em muitos setores da sociedade brasileira, o que se reflete na manutenção de normas e comportamentos que perpetuam a desigualdade.

A naturalização de estereótipos de gênero, como a visão das mulheres como principais responsáveis pelas atividades domésticas e pela criação dos filhos, é um reflexo direto dessa cultura patriarcal. Essa visão não só limita as oportunidades das mulheres no mercado de trabalho, mas também interfere no desenho de políticas públicas. Mesmo com leis que promovem a igualdade formal entre homens e mulheres, como a Lei nº 9.029/1995, que proíbe discriminação no ambiente de trabalho com base em sexo, a cultura patriarcal dificulta a efetivação dessas normas. A segregação ocupacional e a desigualdade salarial persistem, em parte, porque muitas dessas normas enfrentam resistência cultural, dificultando sua implementação e fiscalização.

Além disso, a cultura patriarcal também influencia as percepções sobre o papel das mulheres na política, limitando sua participação nos espaços de poder. Em muitos casos, as mulheres que ingressam na vida pública enfrentam preconceitos que as retratam como menos capacitadas para cargos de liderança, o que desestimula sua participação ativa e limita a eficácia das cotas para candidaturas femininas.

3.2 A Sub-representação das Mulheres nos Espaços de Poder

A sub-representação das mulheres nos espaços de poder é uma questão central para o avanço da equidade de gênero no Brasil. Embora a Constituição de 1988 e outros marcos legais garantam formalmente a igualdade de gênero, as mulheres continuam a ocupar uma parcela extremamente pequena dos cargos de poder político e econômico no país.

No Congresso Nacional, por exemplo, as mulheres ocupam apenas cerca de 15% das cadeiras (dados de 2021), uma taxa que coloca o Brasil entre os países com menor representação feminina na política da América Latina, atrás de nações como Argentina, Bolívia e México, onde as mulheres têm uma participação muito mais significativa. Esse cenário de sub-representação é agravado pela própria estrutura dos partidos políticos brasileiros, que muitas vezes não promovem a participação feminina de maneira eficaz, apesar da legislação eleitoral que exige uma cota mínima de 30% de candidaturas para mulheres (Lei nº 9.504/1997).

O fenômeno das "candidaturas laranjas", no qual partidos políticos inscrevem candidaturas femininas apenas para cumprir as exigências legais, sem oferecer recursos ou apoio real às candidatas, é uma prova de que as cotas eleitorais, embora importantes, não são suficientes para garantir a efetiva participação feminina nos espaços de poder. As mulheres candidatas frequentemente enfrentam desafios financeiros, de mobilização e de visibilidade dentro dos partidos, o que limita suas chances de serem eleitas.

Essa sub-representação também se reflete nas empresas e no setor privado, onde as mulheres continuam sendo minoria em cargos de liderança. De acordo com dados do IBGE, as mulheres ocupam apenas 37,4% dos cargos de gerência no Brasil, e essa proporção é ainda menor nos conselhos de administração das grandes empresas. A presença reduzida de mulheres em posições de liderança reflete as barreiras culturais e institucionais que elas enfrentam para ascender nas hierarquias corporativas, além de perpetuar a desigualdade econômica entre os gêneros.

A ausência de mulheres em cargos de poder não apenas limita suas oportunidades, mas também tem um impacto negativo na formulação de políticas públicas. Políticas que atendem às necessidades específicas das mulheres, como aquelas voltadas para saúde reprodutiva, combate à violência de gênero e igualdade no mercado de trabalho, tendem a ser negligenciadas em ambientes dominados por homens. Como resultado, as demandas das mulheres muitas vezes não são adequadamente representadas no processo de tomada de decisões.

3.3 A Desigualdade Econômica e as Políticas de Inclusão

Outro obstáculo crítico para a equidade de gênero no Brasil é a desigualdade econômica entre homens e mulheres. As mulheres não só recebem salários mais baixos que os homens, mas também enfrentam barreiras sistêmicas que limitam sua capacidade de alcançar cargos mais bem remunerados e de liderança.

De acordo com um relatório do Fórum Econômico Mundial de 2020, o Brasil ocupa a 92ª posição em termos de igualdade salarial entre homens e mulheres, o que reflete a dificuldade do país em promover uma verdadeira equidade econômica de gênero. A diferença salarial média entre homens e mulheres é de 22,4%, e esse percentual é ainda maior entre as mulheres negras, que enfrentam tanto a discriminação de gênero quanto o racismo.

Uma das principais causas dessa desigualdade é a divisão sexual do trabalho, que atribui às mulheres a maior parte das responsabilidades domésticas e de cuidado com os filhos. Estudos mostram que as mulheres brasileiras dedicam, em média, 10 horas a mais por semana ao trabalho doméstico do que os homens, o que limita sua disponibilidade para o trabalho remunerado e afeta diretamente suas oportunidades de crescimento profissional.

As políticas públicas voltadas para a inclusão das mulheres no mercado de trabalho, como as ações afirmativas para inserção no setor formal, enfrentam limitações estruturais, especialmente no que se refere à falta de suporte social adequado, como creches públicas e políticas de licença parental equilibradas. A licença-maternidade de 120 dias garantida pela Constituição é um avanço, mas as políticas de conciliação entre trabalho e vida familiar ainda são insuficientes para aliviar a sobrecarga das mulheres.

Além disso, programas como o Pronatec Mulher, que busca capacitar mulheres para o mercado de trabalho, têm alcance limitado e não conseguem atender às necessidades específicas de mulheres em situação de maior vulnerabilidade, como aquelas que vivem em regiões rurais ou periféricas, onde a exclusão econômica e social é mais acentuada. A falta de políticas públicas abrangentes e articuladas para enfrentar a desigualdade econômica de gênero perpetua as disparidades salariais e impede o avanço da equidade no Brasil.

3.4 Propostas para Superar os Desafios da Equidade de Gênero

Para enfrentar os desafios impostos pela cultura patriarcal, sub-representação política e desigualdade econômica, é necessário que o Estado brasileiro adote uma abordagem mais robusta e integrada. Algumas das propostas para avançar nessa agenda incluem:

Fortalecimento das políticas afirmativas de gênero: Ampliar as cotas para mulheres nos espaços de poder político e econômico, garantindo que essas cotas sejam efetivamente aplicadas e acompanhadas por medidas de apoio, como financiamento de campanhas e formação política.

Desenvolvimento de políticas de conciliação entre trabalho e vida familiar: Criar políticas públicas que promovam a divisão equilibrada das responsabilidades familiares, como o aumento da licença-paternidade e a criação de creches públicas acessíveis em todas as regiões.

Aperfeiçoamento das políticas de combate à violência de gênero: Expandir a rede de proteção para mulheres vítimas de violência, fortalecendo as Casas da Mulher Brasileira e aumentando o número de Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs) em regiões mais vulneráveis.

Educação inclusiva e antissexista: Reformar o currículo escolar para incluir a educação em direitos humanos e igualdade de gênero desde os primeiros anos de ensino, promovendo uma mudança cultural que desafie os estereótipos de gênero desde cedo.

Maior investimento em políticas de inclusão econômica: Aumentar os investimentos em programas de capacitação profissional para mulheres, especialmente em áreas tecnológicas e de ciência, além de promover a equidade salarial com mecanismos de fiscalização mais rígidos e políticas de incentivo à contratação de mulheres em setores estratégicos.


Conclusão

A análise dos desafios para a promoção da equidade de gênero no Brasil revela a complexidade de um problema que é, ao mesmo tempo, estrutural e cultural. Embora o país tenha avançado em termos de legislação e criação de políticas públicas voltadas para a promoção da igualdade de gênero, ainda há muito a ser feito para que esses avanços se traduzam em mudanças efetivas na vida das mulheres brasileiras.

A cultura patriarcal profundamente enraizada na sociedade, a sub-representação das mulheres nos espaços de poder e a persistente desigualdade econômica são barreiras significativas que limitam a implementação de políticas públicas de equidade de gênero. Superar esses desafios exige um esforço contínuo, que não pode ser limitado à criação de leis, mas deve ser acompanhado por uma mudança cultural que valorize a igualdade como um valor central.

As políticas públicas de gênero no Brasil precisam ser fortalecidas e expandidas, com uma abordagem que leve em consideração as múltiplas dimensões da desigualdade, desde a violência doméstica até a desigualdade no mercado de trabalho. O Estado, ao lado da sociedade civil, tem um papel fundamental na promoção dessa agenda, garantindo que os direitos das mulheres sejam efetivamente protegidos e promovidos.

Como bem disse Simone de Beauvoir, "não se nasce mulher, torna-se mulher". A luta pela equidade de gênero no Brasil exige não apenas que as mulheres tenham direitos iguais garantidos em lei, mas que a sociedade se transforme para acolher a diversidade e a igualdade em todas as suas formas, permitindo que as mulheres ocupem plenamente seus espaços na vida política, econômica e social.


Referências

BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1967.

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PINTO, Céli Regina Jardim. Feminismo, gênero e Estado. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2003.

SAFFIOTI, Heleieth I. B. Gênero, patriarcado e violência. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004.

Sobre a autora
Helena Figueiredo

Advogada (UCAM). Mestranda em Política Social (UFF). Especialização em Direito Previdenciário (CBPJUR/OAB). Sempre em busca do melhor benefício previdenciário. Contato: (021) 99794-2067

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