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Condomínios e imposto de renda da pessoa física.

A ilegalidade do Ato Declaratório Interpretativo nº 2/2007 da Secretaria da Receita Federal

Agenda 08/04/2008 às 00:00

Em anos de exercício profissional direcionado ao Imposto de Renda das Pessoas Físicas, jamais li ou ouvi – quer nos jornais, quer na doutrina ou jurisprudência tributária, ou ainda nos cadernos de Perguntas e Respostas disponibilizados aos contribuintes pela Receita Federal do Brasil – a absurda exigência de a Pessoa Física oferecer à tributação do Imposto de Renda, de modo obrigatório e mensal, sob a égide do "Carnê Leão", os rendimentos recebidos pelo Condomínio Edilício, relativos a aluguéis de áreas comuns.

No entanto, a Receita Federal do Brasil, em Ato Declaratório Interpretativo n° 2, de 27 de março de 2007, assim dispôs;

"Artigo único – Na hipótese de locação de partes comuns do condomínio edilício, será observado o seguinte:

I – Os rendimentos decorrentes serão considerados auferidos pelos condôminos, na proporção da parcela que for atribuída a cada um, ainda que tais rendimentos sejam utilizados na composição do fundo de receitas do condomínio, na redução da contribuição condominial ou para qualquer outro fim;

II – O condômino estará sujeito ao cumprimento de todas as exigências tributárias cabíveis, relativamente aos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal (SRF), especialmente no que tange às normas contidas na legislação do imposto de renda referentes à tributação de rendimentos auferidos com a locação de imóveis."

Necessário esclarecer que a Lei Federal de nº 10.406/2002, que instituiu o Código Civil Brasileiro (CCB), passou a regular o instituto jurídico do Condomínio Edilício, nos artigos 1.331 e seguintes:

CAPÍTULO VII

- DO CONDOMÍNIO EDILÍCIO

Seção I

- Disposições Gerais

Art. 1.331. Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos.

§ 1º As partes suscetíveis de utilização independente, tais como apartamentos, escritórios, salas, lojas, sobrelojas ou abrigos para veículos, com as respectivas frações ideais no solo e nas outras partes comuns, sujeitam-se a propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietários.

§ 2º O solo, a estrutura do prédio, o telhado, a rede geral de distribuição de água, esgoto, gás e eletricidade, a calefação e refrigeração centrais, e as demais partes comuns, inclusive o acesso ao logradouro público, são utilizados em comum pelos condôminos, não podendo ser alienados separadamente, ou divididos.

§ 3º A cada unidade imobiliária caberá, como parte inseparável, uma fração ideal no solo e nas outras partes comuns, que será identificada em forma decimal ou ordinária no instrumento de instituição do condomínio.

§ 4º Nenhuma unidade imobiliária pode ser privada do acesso ao logradouro público.

§ 5º O terraço de cobertura é parte comum, salvo disposição contrária da escritura de constituição do condomínio.

O condomínio edilício se caracteriza, assim, pela apresentação de uma propriedade comum ao lado de uma propriedade privativa.

Segundo Eduardo Cambia a expressão condomínio edilício "...tem causado divergência na doutrina, já que este termo não era conhecido no direito brasileiro, ao contrário, por exemplo, da expressão "condomínio horizontal" (utilizada por Caio Mário da Silva Pereira), ou ainda "condomínio especial" ou "condomínio em edifício". Porém, conforme a Exposição de Motivos do Projeto de Código Civil, tal condomínio se constitui, objetivamente, como resultado do ato de edificação, sendo, por tais motivos, denominado de "edilício". Conforme a Exposição de Motivos do Projeto de Código Civil, esta palavra vem do latim aedilici, que não se refere apenas a edil, mas também às suas atribuições, entre as quais sobreleva a de fiscalizar construções públicas e particulares..." [01]

Na doutrina de Carlos Roberto Gonçalves "cada condômino é titular, com exclusividade, da unidade autônoma (apartamento, escritório, sala, loja, sobreloja, garagem) e titular das partes ideais das áreas comuns (terreno, estrutura do prédio, telhado, rede geral de distribuição de água, esgoto, gás e eletricidade, calefação e refrigeração centrais, corredores de acesso às unidades autônomas e ao logradouro público etc.) [02],

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Para Salvo Venosa, "O condomínio edilício tem personalidade anômala, pois compra, vende, empresta, presta serviços, emprega, recolhe tributos etc., além de poder ser proprietário de unidades autônomas, lojas no térreo ou garagens, bem como locar lojas ou estacionamento no condomínio e auferir renda. Com efeito, o condomínio age tal qual uma pessoa jurídica, embora entre os condôminos não haja affectio societatis.

Neste compasso, sinaliza a jurisprudência:

TRF3-065216) PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. CONDOMÍNIO EDILÍCIO. AUSÊNCIA DE DOCUMENTOS COMPROVADORES DA SITUAÇÃO DE PRECARIEDADE FINANCEIRA. AGRAVO IMPROVIDO.

I - O condomínio edilício, a despeito de não ser dotado de personalidade jurídica, é ente dotado de capacidade processual, ou seja, está apto a figurar como parte em uma relação jurídica processual, nos termos do art. 12, IX, do CPC.

II - A Lei nº 1.060/50 não restringe a concessão de assistência judiciária apenas aos entes dotados de personalidade. Pelo contrário, o benefício deve atender a qualquer parte processual qualificada como necessitada, nos termos do parágrafo único do art. 2º, tenha ela personalidade ou não.

III - Portanto, nada obsta a que o benefício da Assistência Judiciária Gratuita venha a atender o condomínio edilício que figura como parte necessitada em um processo.

IV - Por não se tratar de pessoa física, não se opera em relação ao condomínio a presunção relativa de pobreza do art. 4º, § 1º da Lei nº 1.060/50. Assim, para que receba a Assistência Judiciária Gratuita seja concedida, não basta que o condomínio a requeira mediante simples declaração de pobreza na inicial. É necessário que este comprove a sua impossibilidade financeira para arcar com os custos do processo.

V - Não há que se falar em justa causa para concessão dos benefícios da justiça gratuita, pois ausente prova cabal que demonstre a impossibilidade do agravante de arcar com os encargos decorrentes da demanda.

VI - Agravo improvido.

(Agravo de Instrumento nº 155042/MS (2002.03.00.018607-2), 2ª Turma do TRF da 3ª Região, Rel. Cecília Mello. j. 19.09.2006, unânime, DJU 06.10.2006). [03]

Referido ato de caráter eminentemente administrativo emanado da Receita Federal carrega consigo a visão literal e equivocada da inexistência de personalidade jurídica tributária, fiscal e trabalhista para os Condomínios Edílicios, pretendendo assim alcançar as receitas auferidas pelo condomínio, na pessoa física de seus proprietários mediante a aplicação da tabela progressiva.

Ocorre que os rendimentos de aluguéis de partes comuns dos condomínios configuram receitas do condomínio, que por sua vez não realizam distribuição qualquer às pessoas físicas. Sendo os condomínios edilícios equiparados à pessoa jurídica, pra fins tributários, trabalhistas e previdenciários, inclusive pelo que dispõe o artigo 11 da IN n.º 748 de 28 de junho de 2007, não há que se pretender transformar os proprietários de partes autônomas em sujeitos passivos da obrigação tributária criada pelo malfadado Ato declaratório interpretativo.

Ademais, referido Ato não tem o condão legal de criar obrigação não contemplada em lei, e inexiste norma jurídica explicitada neste sentido. Não é permitido pelo ordenamento jurídico pátrio ampliar os conceitos e normas criando interpretações extensivas para a Lei Tributária, posto que vedado pela Constituição Federal e pelo Código Tributário Nacional. Melhor dito, o ato Interpretativo não tem nenhuma eficácia coativa. Ele apenas interpreta a lei, e neste caso de modo totalmente equivocado e ilegal.

No entanto, a prevalecer a tese exposta no referido ato administrativo emanado da Receita Federal no sentido de que pode interpretar a lei extensivamente para criar hipóteses de incidência nela não prevista, o imposto de renda será devido na pessoa física de cada condômino, com base na tabela progressiva, nos últimos cinco anos, tributados na forma de "Carne-Leão", que não admite parcelamento.

A ilegalidade do referido Ato Interpretativo ainda não foi objeto de debate no Poder Judiciário, que certamente ao enfrentá-la não há de chancelar tamanha voracidade tributária.


Notas

01 Algumas Inovações e Críticas ao Livro dos "Direitos das Coisas" no novo Código Civil, Juris Plenum, Edição 98, Janeiro de 2008

02 Direito Civil Brasileiro, volume V: direito das coisas, São Paulo, Editora Saraiva, 2006, p. 370

03 Juris Plenum, Edição 98, Janeiro de 2008

Sobre a autora
Jane de Oliveira Lapa

advogada, especialista em Regulação, pós-graduada em Direito Tributário e em Psiquiatria Aplicada ao Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LAPA, Jane Oliveira. Condomínios e imposto de renda da pessoa física.: A ilegalidade do Ato Declaratório Interpretativo nº 2/2007 da Secretaria da Receita Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1742, 8 abr. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11130. Acesso em: 24 nov. 2024.

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