O presente trabalho tem como intuito a análise do princípio da autonomia privada na contemporaneidade, demonstrando o autor deste artigo como o princípio, tão importante para uma ordem econômica baseada no livre mercado de forma saudável, é minado pelo dirigismo estatal envolto nos princípios de ordem pública, principalmente a boa-fé objetiva e a função social dos contratos, focando o escritor deste trabalho no Direito Econômico e Direito Civil, especificamente a parte contratual deste.
1. Introdução
Vê-se que a autonomia privada vigorava no Código Civil de 1916, com a hegemonia liberal no mundo, sendo o princípio basilar no mundo moderno aliado à força obrigatória dos contratos. Entretanto, com a vigência do Código Civil de 2002, houve uma mudança de paradigma principiológica, com a predominância dos princípios de ordem pública, principalmente (o foco deste artigo em questão, comparando os institutos) a boa-fé objetiva, com suas variantes, e a função social dos contratos.
A ordem liberal surge com a Revolução Francesa em 1789, com a derrocada do absolutismo monárquico, advinda do iluminismo, cuja filosofia liberal pregava o individualismo e, consequentemente, a democracia. Aquele define-se como a primazia do indivíduo sobre o coletivo, como a consideração do indivíduo como célula-núcleo da sociedade, esta formada por agregados de indivíduos que realizam um pacto, denominado por contrato social por filósofos como Locke e Rousseau, a fim saírem de um estado de natureza, pré-estatal, e ingressarem finalmente na ordem pública, surgindo, assim, o Estado.
Os princípios da democracia representativa e do Estado moderno, advindos do liberalismo da Revolução Francesa, são a legalidade (artigo 5°, II da Constituição Federal), da isonomia (artigo 5, caput da Constituição Federal), da liberdade lato sensu, englobando princípios como, por exemplo, a autonomia privada no Direito Privado, que será o foco deste artigo.
O mundo liberal capitalista. regido pela economia de livre mercado, prima pela liberdade. O livre mercado prima por este princípio e nas relações contratuais da era moderna, imperava a autonomia privada e a força obrigatória dos contratos. Entretanto, o Código Civil de 1916 foi revogado por um novo: o Código Civil de 2002. Este, no entanto, prima pelos princípios ligados à ordem pública, sendo eles a boa-fé (artigos 113 e 422 do Código Civil de 2002) e da função social dos contratos (artigo 421 do Código Civil de 2002).
Impera, diante disso, o dirigismo estatal nas relações privadas, no próprio Direito Civil brasileiro, o qual o autor questiona se há, efetivamente, liberdade! Diante do exposto, deve-se analisar em capítulos próprios os seguintes institutos: a autonomia privada; a boa-fé objetiva e suas ramificações; a função social dos contratos; a mitigação da autonomia privada em detrimento da boa-fé objetiva e da função social dos contratos. Ambos os conceitos abordados exprimem a opinião sincera do autor deste artigo, não sendo necessárias mais delongas.
2. O princípio da autonomia privada
Autonomia significa, de certa forma, independência ou liberdade. É a liberdade para escolher seu cônjuge, para negociar e, principalmente, contratar. O cidadão brasileiro tem liberdade para escolher, visto sua dignidade humana (artigo 1°, III da Constituição Federal) e sua ramificação: a autonomia, onde residir, com quem se casar e quem, quando, por quanto e como contratar os serviços de terceiros. Autonomia, portanto, é liberdade.
Analisado a etimologia da palavra autonomia, analisar-se-á o princípio da autonomia privada. Este é a liberdade de contratar e a liberdade para contratar (TARTUCE, 2023). Pode-se contratar quem quiser para prestar o serviço que quiser, sendo esta a liberdade de contratar. Entretanto, a liberdade para contratar é limitada pelos princípios de ordem pública, vide boa-fé e função social.
A liberdade é um conceito fundamental do Estado contemporâneo, sendo adquirida do Estado liberal dos séculos XIX e XX, estatuídos nas Constituições mundiais como um Direito Fundamental. Direito este, segundo Karel Vasak, de primeira dimensão ou geração, abarcando as liberdades em sentido amplo (LENZA, 2021). Entra nisso a liberdade de contratar e a liberdade para contratar no Direito Civil Contratual, visto ser um princípio basilar, um Direito Fundamental positivado pela Magna Carta de 1988.
Entretanto, com a queda do liberalismo, vê-se a ascensão do Estado Social, este positivando os Direitos Fundamentais de segunda dimensão ou geração, os chamados direitos sociais. Com isso, tem-se a ascensão do dirigismo estatal e a supressão da economia de livre mercado no Brasil, pós-constituição de 1988, com o chamado Estado Democrático de Direito.
A economia passa a ser regida, no Direito Privado, pela intervenção do Estado nas relações privadas, suprimindo a liberdade em detrimento do social. Nos contratos civis, não imperam mais a liberdade para contratar, mas sim a boa-fé objetiva e a função social dos contratos. Estes, no entanto, não garantem de forma efetiva os Direitos Fundamentais de primeira geração ou dimensão, visto que para que se tenha uma economia saudável, é necessário ter liberdade para contratar e não apenas de contratar (se é que esta ainda é vigente). Liberdade esta sem a qual a economia de mercado que ampliou a população e produziu o maior número de riquezas já vistas mundialmente e jamais se viu maior produção de riquezas como no sistema de livrem mercado comparado a outros sistemas econômicos, nas palavras de MISES (2009).
3. A boa-fé objetiva
A boa-fé objetiva é um conceito basilar do Direito Civil Contemporâneo, visto que é um princípio que ascendeu muito em relação aos de ordem privada na vigência do Código Civil de 2002. Tem-se, dessa forma, o artigo 421 do Código Civil que diz:
Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019).
Ou seja, o Código Civil privilegia a boa-fé nas relações negociais e, portanto, a intervenção do Estado nas relações tipicamente privadas, no que Marx chama de "Sociedade Civil".
Adentrando melhor e mais profundamente neste princípio, há várias ramificações dele aplicáveis a casos concretos, como:
Venire contra factum proprium: não se pode contradizer uma atitude tomada anteriormente, vedando o comportamento contraditório;
Supressio: a supressão de um direito devido ao seu não exercício em um determinado tempo;
Surrectio: o surgimento de um direito devido a práticas costumeiras e os usos e costumes do lugar;
Tais ramificações são imprescindíveis no princípio da boa-fé objetiva, porquanto servem de aplicação prática, uma concreção do princípio, nos casos concretos.
Deve-se analisar, no entanto, como este princípio em questão afeta o comportamento dos indivíduos nas relações privadas, principalmente no âmbito contratual. Na visão do presente autor, a boa-fé objetiva é um importante princípio do Direito Civil contemporâneo, todavia necessita ele de ser dosado corretamente em aplicações práticas. Não se deve mitigar em demasia a aplicação da autonomia privada, pois deve-se, sim, ter a liberdade no contrato, tanto de contratar tanto para contratar – sendo esta mais mitigada pelo princípio em questão –, porque a liberdade, a busca dos indivíduos, nas palavras de Mises, pela vantagem, a interdependência saudável que abarca a economia de livre mercado, gerando – dessa maneira – produtividade que, para MANKIW (2019) é um princípio imprescindível da economia, porque é o que efetivamente gera riqueza na sociedade, dependem em sua grande parte da autonomia privada dos indivíduos.
4.O princípio da função social dos contratos
O princípio da função social dos contratos é o principal, o que mais gera a intervenção estatal numa economia que, em tese, deveria ser de livre mercado a fim de gerar maior riqueza para o seio social.
Este princípio, vale analisar, afirma que os contratos, sejam civis ou empresariais, devem ter uma função social, entendido esta como a afetação da sociedade gerando efeitos nesta e não apenas entre as partes dos contratos, devendo estes observarem normas de ordem pública e sociais.
Segundo o artigo 421 do Código Civil de 2002:
Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)
Tal princípio, no entanto, é um forte mitigador da liberdade contratual, mais especificamente, da autonomia privada. Se o contrato, gerando também efeitos endógenos, deve respeitar, primeiramente, as normas de ordem pública, os princípios sociais do Código Civil, cabendo a intervenção estatal em quaisquer contratos que, em tese – quiçá de forma arbitrária pelo poder público –, infrinjam tais normas, como de fato há segurança jurídica para as partes efetivamente pactuarem livremente, respeitando os Direitos Fundamentais estatuídos na Magna Carta de 1988 de primeira geração ou dimensão, sem a intervenção do Estado economicamente?
Na visão do autor deste trabalho, tal intervencionismo estatal é prejudicial à economia, às liberdades básicas e principalmente contratuais, visto que o conceito de liberdade, para Murray Rothbard, é o seguinte postulado ético do princípio da não-agressão: desde que o indivíduo que participa da sociedade não infrinja juridicamente o direito de outro indivíduo, não causando – dentro do Direito Civil, por exemplo – danos, sejam eles materiais, estéticos ou mesmo morais, coletivos e difusos, não há que se falar em intervenção estatal. Confúcio, grande filósofo chinês, segue a mesma máxima: não faças com o outro o que não queres que faça contigo.
Para MISES (2017), somente é justa a intervenção estatal, como no Direito Penal (a exemplo, pois para o Direito Penal brasileiro, vigora o princípio da intervenção mínima.), em caso de infrações que geram danos ao outro, não sendo justa a intervenção do Estado, por gerar mais injustiças ao invés de gerar justiça, devendo o Estado zelar pela segurança do indivíduo a fim de que seja livre para percorrer sua felicidade.
KANT (2007), em seu excerto da metafísica dos costumes, afirma que a dignidade da pessoa humana (encontrada no artigo 1°, inciso III da Constituição Federal de 1988), postula-se, como um de seus fundamentos principais, na autonomia do indivíduo, porquanto este tem um valor intrínseco simplesmente por ser um ser humano, sendo, portanto, o indivíduo no corpo social livre para buscar a sua felicidade. Esta é a máxima Kantiana da dignidade humana e da autonomia do indivíduo enquanto um ser humano racional.
Portanto, apesar da intenção benéfica do legislador pátrio em se preocupar com o social em detrimento do individual, pelas evidências, teorias econômicas austríacas e os argumentos utilizados pelo autor dos grandes mestres da economia austríaca citados, inclina-se nos plano dos fatos – não de forma axiológica, mas sim no plano factual – que a maneira mais racional de se encarar a intervenção do Estado nas relações contratuais, é o Estado deixando de ser paternalista e interventor, com o fim de gerar maior segurança jurídica nas relações privadas.
Conclusão
Conclui o presente autor, portanto, que o princípio da autonomia privada deve resgatar sua força normativa ao invés de prosseguir no limbo da mitigação pelos preceitos de ordem pública, que obscurecem – a excessiva aplicação da boa-fé objetiva e da função social dos contratos –, tendo em vista que liberdade, sem autonomia privada, de fato é inexistente. Não há liberdade contratual se o Brasil possui um Estado assistencialista e paternalista que impede os indivíduos de tomarem prejuízos ou mesmo de lucrarem, pois a economia se guia pela máxima de lucros e perdas a fim da alocar os recursos humanos e materiais da forma mais produtiva possível com o fito de gerar riqueza, como diz MISES (2017).
Referências Bibliográficas
TARTUCE, F. Manual de Direito Civil: Volume Único. Rio de Janeiro: Editora Método, 2023.
MISES, L.V. O cálculo econômico em uma comunidade socialista. São Paulo: LVM Editora, 2017.
MISES, L.V. Liberalismo. São Paulo: LVM Editora, 2017.
MANKIW, N.G. Introdução à Economia. EUA: Editora Cengage, 2019.
KANT. I. Introdução à doutrina do Direito. São Paulo: Editora Edipro, 2007.
LENZA, P. Direito Constitucional esquematizado. São Paulo: Editora Saraiva, 2021.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 139, n. 8, p. 1-74, 11 jan. 2002.