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A Defensoria Pública e a luta interminável em prol dos mais carentes

Agenda 13/04/2008 às 00:00

A pobreza de grande parcela da população brasileira não é novidade para ninguém. Vivemos diariamente essa situação e as ruas estão cheias de provas nesse sentido. Guardadores de carros, pedintes, assaltantes, rufiões e pessoas que vendem seu próprio corpo para se manter são cenários comuns em todos os grandes centros urbanos. Apenas para ilustrar, basta relembrarmos que, de acordo com dados do IPEA [01], existem mais de 81,6 milhões de pessoas pobres no Brasil. Desses, 56,9 milhões de brasileiros estão abaixo da linha de pobreza, ou seja, nem pobres podem ser considerados, por serem tão parcos seus recursos.É uma Argentina de indigentes. É uma grande economia excludente, um rico país miserável.

Cônscio dessa situação, o Constituinte originário previu, como substrato da nossa Carta Magna, o princípio da dignidade da pessoa humana, prevendo diversas garantias e remédios jurídicos para todos os cidadãos, de todas etnias, classes sociais ou crenças pessoais, inclusive para a grande parcela pobre do Brasil. Com especial atenção, intentou assegurar a plena igualdade de direitos, com a previsão, no art. 5º, LXXIV, da assistência jurídica integral e gratuita para todos os que não tiverem condições, a qual, conforme preconiza o art. 134, deve ser prestada pela Defensoria Pública, órgão essencial à Justiça.

A Defensoria Pública, moldada nesses contornos, possui a função institucional de assegurar, a todos aqueles que não possuem recursos financeiros, o acesso ao Judiciário, para a defesa de seus direitos. Ela é uma das faces dos modernos movimentos de acesso ao Judiciário nos países ocidentais, como preconizado por Mauro Cappelletti, traduzindo-se, mais precisamente, na primeira de três ondas renovatórias, a qual assegura a assistência judiciária gratuita a todos.

Da previsão constitucional, observamos que a maioria das pessoas acusadas criminalmente estão representadas pelas defensorias públicas estaduais e, de forma apenas supletiva, por órgãos de Assistência Judiciária, que fazem esse trabalho gratuitamente (universidades, OAB). Sem falar nas demandas que versam sobre pensão alimentícia, divórcio, execução de alimentos, em que o trabalho exercido pela Defensoria Pública é responsável pela maioria dos processos em trâmite na Justiça.

Contudo, aqui entram mais contradições. De acordo com dados fornecidos pelo Ministério da Justiça, presentes no 2º Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil, cerca de 60% dos municípios não possuem defensores públicos – em regra, são os municípios mais pobres, e os que mais possuem necessidade desse serviço. E, dos impostos pagos por cada um dos mais de 180 milhões de brasileiros, estima-se que R$ 85,50 são gastos para o sistema judiciário. Desse montante, apenas 3% são investidos na Defensoria Pública. Dados que, isoladamente considerados, mostram-se aterradores.

Voltemos, agora, ao Distrito Federal. A capital desta nação, antes de possuir o melhor aparato governamental possível, é um reflexo do Brasil e de suas idiossincrasias. Ou seja, em vários aspectos segue a sorte de muitos dos Estados brasileiros.

Apesar de possuir o maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil, Brasília está rodeada por invasões, loteamentos irregulares, barracos em áreas de proteção ambiental. Além dos próprios problemas, por ser a capital da nação com uma vasta população, há outros mais, oriundos do entorno do Distrito Federal, cidades pequenas que subsistem, em essência, pela existência de Brasília, fornecendo mão-de-obra e serviços para a capital e, em contra-mão, utilizando-se de seus serviços públicos. Inclusive de sua Defensoria Pública.

Neste momento, importante explicar que, por expressa previsão de sua Lei Orgânica (art. 114) e do Ato das Disposições Transitórias (art. 10), cabe ao Centro de Assistência Judiciária (CEAJUR) desempenhar o papel da Defensoria Pública do DF, enquanto não sobrevier lei complementar federal dispondo especificamente sobre ela. Ou seja, ele é a Defensoria Pública do Distrito Federal. Confundem-se, assim, CEAJUR e DPDF.

Feitas tais considerações, verificamos que o trabalho exercido pelos Defensores Públicos do DF aos mais necessitados é primoroso. O reduzido número de defensores (200), quando comparado ao de Juízes (279) e de Promotores de Justiça (346), não constituiu óbice para que, em 2007, a DPDF promovesse cerca de 288.444 atendimentos, atuando em mais de 225.926 processos e sendo responsável por mais de 70% dos processos que tramitam nos fóruns do DF, especialmente na área de família, em que o percentual aumenta para 90%.

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Esses números se devem, em essência, pelo comprometimento fiel à Constituição e às leis vigentes por esses servidores do público, já que, em contrapartida, os problemas institucionais são vários. A Defensoria do Distrito Federal não possui, até hoje, quadro auxiliar de funcionários e seus estagiários não recebem qualquer incentivo, como, por exemplo, bolsa-auxílio. Essa situação perdura há mais de 20 anos, já que o CEAJUR foi criado em 1987. Em virtude disso, ações simples e emergenciais, como petição de alimentos, divórcios e cautelares, em determinados núcleos de atendimento, demoram cerca de 4 (quatro) meses para serem ajuizadas.

Os problemas tendem a evoluir, pois, do reduzido número quadro de defensores, há 42 cargos que continuam vagos, apesar dos vários candidatos aprovados em concurso público e de o orçamento anual do Distrito Federal garantir a nomeação de todos esses potenciais defensores públicos. Assombrosas, sem dúvida, tais constatações.

De outra ponta, a nomeação dos defensores teria impacto orçamentário inferior a 0,14% da receita corrente líquida do Distrito Federal, conforme consta na Lei Orçamentária Anual de 2008 [02]. Um impacto mínimo, monetariamente falando, mas que atenderia a uma população gigantesca de assistidos pela Defensoria Pública. Em uma simples ponderação de interesses, veríamos, facilmente, quão prejudicados restam outros argumentos contrários à imediata completude do quadro.

Ademais, não existe qualquer óbice legal, já que, de acordo com o Relatório de Gestão Fiscal [03], o DF gasta, atualmente, 36,70% de sua receita corrente líquida com servidores distritais, o que está bem abaixo do limite prudencial da Lei de Responsabilidade Fiscal de 46,55% da receita corrente líquida (art. 22, parágrafo único).

É imprescindível a sensibilização do governo para o atual quadro emergencial da parcela menos favorecida de nossa sociedade. Não há justificativas plausíveis para a mora em se completar o atual quadro de defensores, já que há orçamento autorizando as contratações, há concurso público, com candidatos aprovados, e não existem empecilhos legais às nomeações. Somente assim, com a atuação positiva dos dirigentes governamentais em prol da população carente, podem ser concretizados os preceitos constitucionais e, quiçá, pretender, algum dia futuro, a diminuição de todas as mazelas dos que estão alijados do desenvolvimento social.


Notas

01.Dados obtidos do endereço eletrônico: http://www.ipea.gov.br.

02.A LOA foi publicada no DODF de 31.12.2007, Suplemento-A. O impacto orçamentário consta, expressamente, na página 143.

03.O Relatório de Gestão Fiscal foi publicado no Diário Oficial do DF, em 17.03.2008, Seção I, p. 3.

Sobre o autor
Alberto Carvalho Amaral

Defensor Público do Distrito Federal. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Pós-graduado em Ciências Penais, pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UniSUL). Pesquisador do Grupo Sociedade, Controle Penal e Sistema de Justiça, da Faculdade de Direito, da Universidade de Brasília (UnB).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMARAL, Alberto Carvalho. A Defensoria Pública e a luta interminável em prol dos mais carentes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1747, 13 abr. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11150. Acesso em: 25 nov. 2024.

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