RESUMO
Este artigo tem como objetivo analisar os impactos da pandemia de Covid-19 no orçamento público do Brasil. A pesquisa foi feita pelo procedimento de revisão bibliográfica de artigos, doutrinas e sites especializados. Analisamos nessa pesquisa o propósito do orçamento público federal, bem como as mudanças que se apresentam no orçamento em caso de calamidade pública. Também estudamos e apresentamos as Emendas Constitucionais n. 106/20 e n. 109/21, que foram implementadas em decorrência da pandemia para tentar conter os impactos da doença na economia brasileira. Essa pesquisa mostra que a atuação do Estado é de extrema importância para superar a crise e preservar a vida de inúmeros cidadãos.
1 INTRODUÇÃO
Os vírus da família “coronavírus” são responsáveis por causar doenças respiratórias e foram descobertos em 1937, eles atingem, especialmente, animais. Em dezembro de 2019, foi registrada uma nova variante desse vírus em Wuhan, China, o SARS-CoV-2, responsável pela pandemia enfrentada mundialmente. Segundo informações da Secretaria de Saúde de Minas Gerais, SARS é uma abreviação do inglês de uma síndrome denominada “Severe Acute Respiratory Syndrome”, traduzida para o português como Síndrome Respiratória Aguda Grave, tendo a dificuldade de respirar como seu principal sintoma; e CoV é uma abreviação de coronavírus.
O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom, declarou no dia 11 de março de 2020 que a Organização elevou ao estado de pandemia a contaminação pela Covid-19. Também foi decretado, em 18 de março de 2020, pelo Congresso Nacional, o estado de calamidade pública no país, isso significa que a capacidade de ação do poder público ficou seriamente comprometida, e, dessa maneira, o Governo Federal poderia aumentar gastos, liberar recursos, parcelar dívidas e tomar várias outras medidas a fim de enfrentar tal situação.
Uma doença é classificada como pandemia quando se propaga por uma grande área geográfica, afetando até mesmo diferentes continentes, ou seja, houve uma disseminação mundial; também verifica-se que há uma transmissão sustentada da doença. Tal termo é utilizado levando-se em conta somente o aspecto geográfico, não se considerando a gravidade da doença ou as suas consequência para a população.
O vírus é transmitido de pessoa para pessoa através da inalação de gotículas de saliva e de secreções respiratórias que ficam suspensas no ar quando a pessoa contaminada com o coronavírus tosse ou espirra. O tempo para que os primeiros sintomas apareçam é de 02 (dois) a 14 (quatorze) dias. Por isso, é tão importante que as medidas de prevenção (lavar as mãos com água e sabão, usar máscara, evitar aglomeração etc.) sejam adotadas por todos.
Até o dia 30 de abril de 2021, foram confirmados 14. 590. 678 (quatorze milhões, quinhentos e noventa mil e seiscentos e setenta e oito) de casos de Covid-19 e 401.186 (quatrocentos e um mil e cento e oitenta e seis) óbitos em decorrência da doença em todo o país. A respeito da vacinação no Brasil, até o fim de abril de 2021, mais de 41 (quarenta e um) milhões de doses da vacina contra o coronavírus foram aplicadas.
Os Governos de todo o mundo, buscando uma saída para amenizar os efeitos da doença, que causou muitos óbitos, adotaram o isolamento social como medida de segurança, bem como a quarentena, para a contenção da Covid-19. Mesmo com a adoção das medidas citadas anteriormente, em muitas cidades foi necessário o fechamento das atividades de comércio, serviços e indústrias e, até mesmo, a adoção do bloqueio total ou confinamento que impede a circulação de pessoas, mais conhecido como “lockdown”.
No entanto, o isolamento social traz consigo consequências econômicas, uma vez que as empresas estão impossibilitadas de produzirem ou prestarem seus serviços. O impacto na economia é inevitável e o mais alarmante, sob o ponto de vista econômico, é o que diz respeito ao fluxo de caixa e, consequentemente, à sobrevivência das empresas. Segundo dados do Mapa de Empresa do Ministério da Economia, estima-se que 1.044 milhão de empresas foram fechadas apenas no ano de 2020. Isto fez com que os países afetados pela pandemia adotassem medidas para combater tais efeitos econômicos da crise, como postergação e isenção de tributos, entre outras.
A título de exemplo, nos Estados Unidos, o Federal Reserve (banco central do país), além de reduzir as taxas de juros a quase zero e injetar liquidez no valor de US$700 milhões no mercado com a compra de títulos do tesouro e hipotecários, ainda retomou o programa de compra de dívida corporativa, que foi implementado pela primeira vez durante a Crise Financeira de 2008. O governo do Reino Unido garantiu empréstimos e suspendeu o pagamento de hipotecas para pessoas com dificuldades financeiras. O governo da Itália também suspendeu o pagamento de hipotecas, bem como promoveu auxílio financeiro às empresas afetadas, subsídios aos desempregados, e suspensão das obrigações fiscais para empresas e cidadãos e ainda proibiu demissões por um tempo determinado.
No Brasil, o Governo Federal prorrogou os prazos de recolhimento de impostos para as empresas, possibilitou o saque do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para os cidadãos, implementou o Auxílio Emergencial – benefício financeiro destinado aos trabalhadores informais, microempreendedores individuais, autônomos e desempregados para auxiliar no enfrentamento à crise causada pela pandemia -, reduziu a zero as alíquotas do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) sobre operações de crédito, promovendo ainda várias outras medidas.
Contudo, essas medidas colocam em risco a capacidade fiscal dos governos, já que de um lado há a redução de receitas oriundas de tributos; e de outro, o aumento de gastos sanitários e sociais. Ou seja, além da frustração de receitas provenientes da prorrogação e redução dos tributos, há um aumento de gastos com saúde, dado que há a urgência de aumentar a quantidade de leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva), testes ambulatoriais, compra de materiais e equipamentos, havendo também o pagamento do Auxílio Emergencial aos cidadãos brasileiros, entre outras despesas.
Porém, para atender essas novas e crescentes demandas, o Governo Federal precisa alterar seu orçamento. Isso se dá pois a pandemia gerou efeitos econômicos que precisaram ser administrados de forma a reduzir os impactos para a população. As medidas de isolamento social são, sim, essenciais para conter o avanço do coronavírus, mas, é importante salientar que também trazem inúmeros reflexos financeiros para todo o país. E, no caso de um país emergente como o Brasil, que sempre enfrentou muitos problemas e escassez na saúde pública, o equilíbrio orçamentário e financeiro pode ser uma meta difícil de alcançar, isto porque tem-se altas demandas e uma infraestrutura deficitária com recursos financeiro limitados. Momentos de crise como esse enfrentado pelo país, podem levar a um colapso financeiro, na saúde e em várias outras esferas.
Diante do exposto, é importante destacar que, neste artigo, iremos estudar e analisar os impactos no orçamento público federal em decorrência da pandemia de Covid-19, bem como o orçamento público em caso de calamidade pública. Também iremos discutir sobre as Emendas Constitucionais n. 106/2020 e n. 109/2021 que instituem regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações para enfrentamento de calamidade pública decorrente da pandemia, tais Emendas possuem vigência temporária, ou seja, ficarão automaticamente revogadas assim que for encerrado o estado de calamidade pública reconhecido pelo Congresso Nacional.
2 ORÇAMENTO PÚBLICO
A Constituição da Republica Federativa do Brasil, de 1988, em seu preâmbulo, bem como em todo o seu texto constitucional, determina que o Estado democrático brasileiro deve assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade, a justiça, além de garantir diversas outras determinações que visam o bem-estar social e desenvolvimento do país. Para que se cumpra o texto constitucional, é necessário a colaboração e o bom funcionamento de diversos âmbitos e pessoas, desde os responsáveis pela educação de crianças em uma escola no interior ao Presidente da República. Dessa forma, pode-se enxergar a sociedade como uma máquina, complexa e interligada, que depende do trabalho de todas as suas pequenas partes para que tenha um bom funcionamento do seu todo.
Nesse sentido, para que o Estado cumpra com seus deveres de garantir à população o posto na Constituição, é necessário que a população cumpra com o dever de contribuir com o Estado, havendo uma troca capaz de gerar tal satisfação. Ao fazer uma análise do ponto de vista financeiro, pode-se destacar inicialmente o imposto, que é um tributo obrigatório cobrado pelo governo. Sendo obrigatório, todas as pessoas devem pagá-lo, e é com a arrecadação desse tributo, contribuído pela população de todo o país, que as despesas administrativas do Estado são custeadas, ou seja, é com esse dinheiro que o governo tem que resolver os problemas da sociedade. Logo, é possível chegar à conclusão de que sem a cobrança de impostos, sem essa troca entre indivíduo e Estado, nenhum país no mundo conseguiria devolver serviços e benefícios à população.
Dito isso, é baseada nessa relação tributária que o Orçamento Público demonstra sua importância, sendo ele um documento que mostra quanto de impostos, taxas e contribuições o Governo recolhe, e quanto ele gasta em cada área. Qualquer ação do Estado necessariamente perpassa por reflexos financeiros, o que faz do orçamento o início e o fim de toda ação estatal, e diante de tamanha influência no âmbito financeiro nacional, o orçamento se tornou objeto de estudo e análise. O sistema democrático instituído no país tem sido de grande importância nesse sentido, pois possibilita maior transparência quanto a arrecadação e gastos, e quanto a inclusão do cidadão dentro do detalhamento desse processo, respeitando não apenas o patrimônio público e privado, mas o destino que se faz com o dinheiro que lhe é retirado. Dessa forma, o orçamento público é um instrumento de planejamento e execução das finanças públicas, mostrando duas coisas importantes: quanto o governo arrecada da sociedade, e como ele gasta esse dinheiro.
No passado, em seu conceito clássico: o orçamento era visto como a peça que traz previsão de receitas e autorização de despesas. Esse conceito se aproxima de uma concepção mais tradicional, em que a peça orçamentária era vista como uma mera peça contábil e financeira, que velava, sobretudo, para o equilíbrio entre as receitas e as despesas, sem se importar com os investimentos e o potencial crescimento que eventuais desequilíbrios orçamentários pudessem trazer. Era visto como tendo pouco conteúdo jurídico, sem preocupação com planejamento ou com direitos, e sem relação com a própria Constituição. Esse conceito evoluiu, o orçamento continua trazendo a expectativa de receitas e a fixação de despesas, mas não dá pra encará-lo somente como uma peça contábil.
O orçamento hoje tem um aspecto político, porque revela os desígnios sociais e regionais na distribuição de recursos, tem seu aspecto econômico, porque manifesta a atualidade econômica, é técnico, com cálculo de receitas e despesas, e por fim claro, tem o aspecto jurídico, por que atende normas constitucionais e legais. Assim, na atualidade, o conceito está intimamente ligado à previsão das Receitas e à fixação das Despesas Públicas. No Brasil, sua natureza jurídica é considerada como sendo de lei em sentido formal, apenas. Isso guarda relação com o caráter meramente autorizativo das despesas públicas ali previstas. Nessa linha, pode-se entender o orçamento público como uma lei que autoriza os gastos que o Governo pode realizar durante um período determinado de tempo, discriminando detalhadamente as obrigações que deva concretizar, com a previsão dos ingressos necessários para cobri-las. Considerada por alguns como “a lei materialmente mais importante do ordenamento jurídico logo abaixo da Constituição”
Com isso, é possível ver que o orçamento é uma lei, na verdade tem-se três leis orçamentárias, conforme dispõe o art. 165 da Constituição Federal, sendo o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA), cada qual com uma função. Inicialmente, deve-se ter em mente que para que seja possível um bom gerenciamento do governo, ou seja, para que seja possível o bom funcionamento de hospitais, escolas, limpeza das ruas, salários em dia, etc., é preciso definir prioridades. Por isso, antes de fazer o orçamento o governo prepara uma lei, chamada de Lei de Diretrizes Orçamentárias, ou seja, a LDO, que define o que é mais importante e como o governo deve montar e aplicar o orçamento a cada ano, sendo a responsável por adequar metas fiscais e financeiras de curto prazo. Tanto a LDO quanto o orçamento seguem um plano maior, que define o que o governante vai fazer durante seu mandato, o Plano Plurianual (PPA) que tem como principal função orientar o planejamento dos gastos à longo prazo. Por fim, embora existam três tipos de lei, só há um orçamento, contido na Lei Orçamentária Anual, também chamada de LOA, que é o orçamento propriamente dito, e autoriza os gastos em atividades específicas.
Em conclusão, deve-se ter em mente que o orçamento é uma lei. Lei especial, com conteúdo definido na Constituição, destinada a regular as ações públicas quanto a aplicação dos recursos públicos. É lei que tem nos agentes públicos seus principais destinatários e, através de problemas inseridos na sociedade, além de buscando o bem-estar social, traça o plano de trabalho para um exercício financeiro. A elaboração do orçamento é vista como resultado de diversos matizes, que variam de país para país, época para época, e com foco nas necessidades exigidas no momento do seu planejamento, visando atingir seus objetivos. Enfim, o perfil de cada nação determinará as prioridades orçamentárias, que, regra geral, dizem respeito aos direitos de todos, considerados coletivamente, e não com os direitos de cada indivíduo concretamente.
2. 1 Orçamento Público em caso de calamidade pública
O Estado busca sempre manter o equilíbrio orçamentário, estabelecendo metas que podem e devem ser cumpridas, posto que esse equilíbrio é essencial para que se atinja o bem estar social, seu objetivo primário. Contudo, manter esse equilíbrio não constitui tarefa fácil, desequilíbrios orçamentários acontecem vez ou outra, seja por incompetência na organização do orçamento público, ao estabelecer metas que superam o valor de arrecadação, seja por razões exteriores que estão fora do controle do Estado, e de qualquer outra pessoa. Assim, muitas são as razões que levam ao déficit orçamentário, e ao desequilíbrio financeiro das contas governamentais, sendo necessárias medidas cautelares e paliativas para reverterem tais problemas sempre que estes se apresentarem.
Nesse contexto, a ocorrência de desastres, naturais ou provocados, constitui grandes danos à comunidade, que podem se restringir ao campo material, com perdas de imóveis e bens, ou até ameaçar a vida dos indivíduos inseridos nesse estado de caos. Com isso, ao enfrentar tais ocorrências, uma das medidas estabelecidas com o intuito de abrandar os danos é a declaração do estado de calamidade pública, medida decretada por governantes em situações reconhecidamente anormais que exigem urgência na resposta do Estado. Cabe destacar a exigência de pelo menos dois entre três tipos de danos, para que se possa caracterizar a calamidade, sendo eles danos humanos, materiais ou ambientais.
Quanto a responsabilidade de decretar o estado de calamidade pública, essa tarefa recai, no Brasil, às esferas estadual e municipal, ou seja, cabe aos governadores e prefeitos, quanto a esfera federal, cabe ao presidente apenas os chamados de estados de exceção, sendo eles o estado de defesa e o estado de sítio. É importante ressaltar que estado de calamidade pública difere de estado de emergência, segundo a lei trata-se de uma questão de intensidade. Logo, a calamidade é decretada apenas nos casos mais graves, quando a capacidade do poder público agir fica seriamente comprometida e o estado, ou município, necessita da ajuda do governo federal, situação essa que requer mais atenção e cuidado. Por outro lado, a situação de emergência refere-se a danos menores, que comprometem apenas parcialmente a capacidade de resposta do poder público, e apesar de também dependerem da ajuda do Governo Federal, essa dependência ocorre em uma escala menor. Usualmente essa diferenciação fica a cargo da visão do governante no caso concreto, já que é difícil definir essa diferença de intensidade de forma geral.
O estado de calamidade pública, naturalmente, tem impacto direto no orçamento público, uma vez que as medidas tomadas pelo Estado para controle do problema dependem, em sua maioria, de recursos financeiros. Para que esses recursos sejam disponibilizados, o que alterará as destinações já estabelecidas para o orçamento, é necessária a previsão e autorização pela lei. Com isso, além das normas de planejamento e execução, o orçamento público submete-se aos parâmetros constitucionais e à Lei de Responsabilidade Fiscal, conhecida como LRF (Lei complementar nº 101, de 04 de maio de 2000), que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências.
Art. 65. Na ocorrência de calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional, no caso da União, ou pelas Assembleias Legislativas, na hipótese dos Estados e Municípios, enquanto perdurar a situação:
[...]
§ 1º [...]
I - serão dispensados os limites, condições e demais restrições aplicáveis à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como sua verificação, para: (Incluído pela Lei Complementar nº 173, de 2020)
[...]
III - serão afastadas as condições e as vedações previstas nos arts. 14, 16 e 17 desta Lei Complementar, desde que o incentivo ou benefício e a criação ou o aumento da despesa sejam destinados ao combate à calamidade pública. (Incluído pela Lei Complementar nº 173, de 2020) [...]
I - aplicar-se-á exclusivamente: (Incluído pela Lei Complementar nº 173, de 2020)
a) às unidades da Federação atingidas e localizadas no território em que for reconhecido o estado de calamidade pública pelo Congresso Nacional e enquanto perdurar o referido estado de calamidade; (Incluído pela Lei Complementar nº 173, de 2020)
b) aos atos de gestão orçamentária e financeira necessários ao atendimento de despesas relacionadas ao cumprimento do decreto legislativo; (Incluído pela Lei Complementar nº 173, de 2020)
II - não afasta as disposições relativas a transparência, controle e fiscalização. (Incluído pela Lei Complementar nº 173, de 2020)
[...]. (BRASIL, 2000, art. 65, Lei de Responsabilidade Fiscal)
Quanto aos parâmetros constitucionais, a Constituição Federal de 1988 estatuiu, com a redação dada pela EC n. 109/21, regras próprias para vigorarem apenas no período de enfrentamento da calamidade pública. Com isso, pode-se dizer que há um regime extraordinário de calamidade em seu texto constitucional, que dialoga com o orçamento de guerra (EC n. 106/20) e com a LRF. Vejamos a redação do art. 167-B da Constituição:
Art. 167-B. Durante a vigência de estado de calamidade pública de âmbito nacional, decretado pelo Congresso Nacional por iniciativa privativa do Presidente da República, a União deve adotar regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações para atender às necessidades dele decorrentes, somente naquilo em que a urgência for incompatível com o regime regular, nos termos definidos nos arts. 167-C, 167-D, 167-E, 167-F e 167-G desta Constituição. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 109, de 2021). (BRASIL. 1988, art. 167-B, Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF).
Com isso, é perceptível a possibilidade de flexibilização de diversas normas do direito, não apenas financeiro, mas também tributário e administrativo, no sentido de ajustá-las, da melhor forma possível, a situação excepcional existente. Ademais, tendo em vista as muitas hipóteses possíveis de calamidade pública, difícil se torna a tarefa da Constituição de versar sobre as diversas medidas cabíveis, fato que a levou a atribuir a lei complementar a possibilidade de definir outras suspensões, dispensas e afastamentos aplicáveis na vigência do estado incomum a ser combatido.
Nesse cenário, a pandemia da Covid-19 assumiu grande proporção em solo brasileiro, exigindo que medidas para sua contenção fossem tomadas de forma imediata pelo Estado, a fim de refrear seu avanço sobre a população brasileira. Com isso, no dia 18 de março de 2020, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto do governo que estabelecia o estado de calamidade pública, o Decreto Legislativo nº 6 de 2020, que previa a continuidade de seus efeitos até o dia 31 de dezembro do mesmo ano. Essa medida, aprovada pelo Senado, acarretava, entre outras coisas, no rompimento do teto de gastos, além de permitir que o Executivo gastasse mais do que o previsto e desobedecesse às metas fiscais, a fim de custear ações de combate a pandemia. Em síntese, tal medida afasta a responsabilidade pelo não atingimento da meta fiscal e, concomitantemente, confere ao governo federal o amparo jurídico para a promoção de políticas públicas de enfrentamento da crise econômica derivada da covid-19.
Outrossim, os reflexos da pandemia da covid-19 são notáveis na economia, tanto em âmbito mundial quanto em nacional. No Brasil, o planejamento estabelecido para o orçamento público anual sofreu notáveis e drásticas mudanças, o desempenho econômico previsto para o ano teve de ser modificado para se adaptar a situação calamitosa, e as projeções feitas para 2020 foram prejudicadas. A título de exemplo tem-se o impacto sobre as finanças públicas do governo federal, que tinha o orçamento anual aprovado com prévia de déficit fiscal de R$ 124,1 bilhões de reais, aludida meta, contudo, foi superada, no acumulado de 2020 houve déficit primário de R$ 831 bilhões de reais, frente a um déficit de R$ 95,1 bilhões em 2019 (valores nominais).
Tais números são resultados de diversos fatores, propiciados pela continuação da pandemia no Brasil, entre eles a queda de arrecadação, derivada da retração da atividade macroeconômica interna e externa, e a indispensável, e contínua, revisão e majoração das despesas projetadas, com o intuito de suprir a demanda excepcional por gastos na área da saúde e de suporte a empresas e trabalhadores atingidos pela paralisação da economia. A instituição do estado de calamidade pública autorizou a alocação de novas despesas não projetadas para o orçamento de 2020, dentre elas, gastos com infraestrutura médico-hospitalar, insumos e equipamentos, sobretudo respiradores mecânicos, além de transferência de renda temporária para trabalhadores que perderam seus empregos ou que tiveram suas atividades informais afetadas pela propagação do vírus.
Entretanto, o fim do ano de 2020 constituiu também o fim da vigência do decreto de calamidade pública, aprovado pelo Congresso Nacional em 20 de março. Em contrapartida, o fim do decreto desse estado não consistiu no fim da pandemia, que no inicio do ano de 2021, no Brasil, foi marcada pelo aumento considerável de casos de contágio pelo coronavírus, e suas novas variantes. Logo, se torna visível a necessidade de estabelecimento de nova medida, posto que seu fim reduz os recursos disponíveis para financiar políticas de assistência social, ações emergenciais na saúde e no setor produtivo. Além disso, outras iniciativas que estavam atreladas ao prazo de vigência do estado de calamidade também perderam sua eficácia.
Dito isso, frente as incertezas do cenário epidemiológico no país, dos notáveis reflexos de seu impacto na economia, e aumento no número de infectados pelo coronavírus, o que gera o agravamento do caos no nas unidades de saúde dos estados e municípios, nove governadores optaram por prorrogar o estado de calamidade pública em seus estados. Na ocasião, decidiram pela prorrogação os estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Pernambuco, Piauí, Roraima, Paraná, Rondônia, Tocantins e o Distrito Federal. Tais decretos, em sua maioria, foram estendidos até o meio do ano, e visavam permitir aos gestores a aplicação de medidas que aumentavam gastos sem que houvessem limitações nas regras fiscais, podendo realocar recursos de outras áreas na saúde.
Por fim, os governadores pressionaram o governo federal para que o decreto de calamidade fosse prorrogado, por meio de medida provisória, buscando agilizar a compra e validação de vacinas. Todavia, tal medida que permitiria a imunização da população e propiciaria a lenta reabertura do espaço público e convívio social, como foi visto em diversos países pelo mundo, que com uma boa gestão e governo optaram pelas medidas certas de prevenção e cuidado, e então de combate ao vírus, pareceram distante da realidade brasileira, posto que, à época de elaboração desse artigo, não havia nenhum posicionamento oficial do governo de Jair Bolsonaro sobre o assunto.
Logo, diante da não manifestação do Palácio do Planalto, coube aos senadores apresentarem projetos de lei com o objetivo de atenuar os resultados preocupantes da pandemia, dentre eles o retorno do pagamento do auxílio emergencial e novo decreto de estado de calamidade pública. Posto que, mesmo que tenha tivesse inicio o processo de vacinação, ainda não há perspectivas para imunização em massa da população, e diante da decisão do governo de esperar para tomar decisões que afetam todo o âmbito nacional, são necessárias todas e quaisquer medidas capazes de atenuarem esse cenário, já que a epidemia não dispõe de mesma linha temporal para seguir causando mais mortes.