Resumo: O presente artigo visa explorar os caminhos para a descarbonização da economia azul brasileira sob a ótica do Direito de Energia, analisando regulamentações existentes no que tange ao potencial eólico offshore. A descarbonização no setor de energia através da energia eólica offshore possui um conjunto normativo de plena comunicação entre os diferentes órgãos públicos brasileiros, considerando as necessidades gerais infraestruturais e de transmissão do setor, possibilitando que empreendimentos possam tomar o risco positivo a partir da garantia da segurança infraestrutural devida, em busca de amplos ganhos ambientais. Pôde-se concluir preliminarmente que a energia eólica offshore representa uma oportunidade estratégica para a transição energética e a obtenção de benefícios ambientais significativos.
Palavras-chave: Descarbonização; Direito de Energia; Potencial eólico offshore.
INTRODUÇÃO
A necessidade de manutenção de uma matriz energética sustentável no Brasil torna o potencial da energia eólica offshore um tema de grande relevância, eis que engloba tanto o acesso à energia de forma ampla para a sociedade brasileira, assim como também implica em positivas mudanças socioeconômicas para a descarbonização da chamada “Economia Azul”.
Diante dos microssistemas jurídicos previstos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988), destaca-se que o Direito de Energia está englobado como campo de relação estreita com o Direito Ambiental e Climático, vide as temáticas de emergência e complexidade das mudanças de clima, o interesse econômico pela eficiência energética, e o cumprimento de diretrizes nacionais e transnacionais energéticas e ambientais.
O Direito de Energia também se comunica com outras áreas do conhecimento ligadas à tecnologia, diante das previsões normativas e regulamentares dotadas de profundo cunho técnico, a exemplo dos padrões internacionais da International Organization for Standardization (ISO) e a International Energy Agency (IEA), e os nacionais brasileiros pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
Vide as complexidades existentes, é cabível ao Direito, vide a atuação jurisprudencial, legislativa e das políticas executivas da administração pública, em prosseguir às normatizações e regulamentações necessárias para a efetivação do Direito de Energia, assim como evidenciar condutas, consideradas como boas práticas, já praticadas pelos atores públicos e particulares voltadas para a efetivação da descarbonização e emprego de medidas alternativas de baixo impacto ao meio ambiente, com foco no desenvolvimento sustentável.
Destaca-se, então, dentre os esforços praticados no Brasil para a efetivação do Direito de Energia, a efetivação de práticas voltadas para a chamada “Economia Azul”, planejamento em que o Estado Brasileiro, junto de outros atores particulares, aproveita as condições ecossistêmicas marinhas para aproveitamento de recursos naturais e promoção de práticas de desenvolvimento econômico em regularidade às normas vigentes.
Das práticas que já evidenciam a valorização da Economia Azul, este artigo expõe os esforços já praticados no território Brasileiro para a regulamentação de usinas de produção de energia eólica, localizadas afastadas da costa (offshore, termo a ser utilizado adiante) brasileira, como uma medida de transição energética e descarbonização.
A ECONOMIA AZUL E A VIABILIDADE PARA UTILIZAÇÃO DA ENERGIA EÓLICA
O termo Economia Azul foi alcunhado pela Marinha Brasileira para descrever um planejamento de utilização dos recursos marinhos, fazendo serem efetivados os princípios jurídicos de proteção ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o desenvolvimento econômico sustentável. Segundo Santos et al (2022)3, Economia Azul é “o uso sustentável dos recursos marinhos para o desenvolvimento econômico, melhoria do bem-estar social e geração de empregos, conservando a saúde dos ecossistemas oceânicos e costeiros”.
A materialização da economia azul no Brasil pode ocorrer através de diferentes frentes, como a exploração do potencial biotecnológico marinho e/ou prospecção mineral no oceano. A geração de energias renováveis offshore emerge como um dos vetores mais promissores, não apenas por promover a descarbonização, mas também devido ao cumprimento de papéis econômicos, sociais, ambientais e da própria efetivação das administrações pública e privada, diante de práticas já presentes no território brasileiro.
Como marco jurídico internacional, destaca-se que a Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar, ratificada no Brasil através do Decreto Federal 99.165/19904, prevê as atuações do Estado costeiro na Zona Econômica Exclusiva (ZEE), pelo seu artigo (art.) 56, item 1. Destaca-se que a potencialidade de energia eólica é uma das possibilidades de aproveitamento de recursos naturais pelos estados costeiros, assim sendo prevista pela principal norma internacional de Direito do Mar, um meio de utilização e valorização de recursos naturais, com a corroboração por instruções normativas de outros atores jurídicos que potencializam o desenvolvimento e permanência destas atividades.
Atualmente o Brasil conta com potencial energético voltado para a descarbonização e efetivação de normas, em cumprimento a previsões já abarcadas por organizações internacionais da União Europeia (UE) e a Organização das Nações Unidas (ONU). Internamente, destaca-se que a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME), assim como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e os dados fornecidos pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), trazem regulamentações e dados robustos sobre a temática, que comunicam termos técnicos entre as áreas de tecnologia e o direito.
NORMAS BRASILEIRAS VOLTADAS PARA A REGULAMENTAÇÃO DO POTENCIAL EÓLICO OFFSHORE
Atualmente, a Resolução Normativa ANEEL 1.071/20235 estabelece os requisitos e procedimentos necessários à obtenção de outorga de autorização e alteração da capacidade instalada de centrais geradoras Eólicas, Fotovoltaicas, Termelétricas, Híbridas e outras fontes alternativas, bem como à associação de centrais geradoras que contemplem essas tecnologias de geração, e à comunicação de implantação de centrais geradoras com capacidade instalada reduzida. A resolução traz o conceito da Central Geradora Eólica (EOL), também considerada como Usina Eólica, sendo conceituada como a instalação de produção de energia elétrica a partir do aproveitamento da energia cinética do vento. Ao se expandir o conceito EOL, extrai-se que a Portaria MME nº 21/2008 traz a definição de parque eólico em seu art. 6º-A, § 1º6:
Art. 6º-A. Os empreendedores com projetos de geração eólica deverão atender as condições para Cadastramento e Habilitação Técnica estabelecidas no art. 5º e, também, aos seguintes requisitos:
§ 1º Fica definido como parque eólico o conjunto de aerogeradores interligados eletricamente, situados nas áreas circulares com raio de até dez quilômetros em torno das torres de medição anemométrica, no caso de terrenos de superfície plana com rugosidade homogênea, e com raio de até seis quilômetros, no caso de terrenos complexos, identificados os aerogeradores e as torres de medição por suas coordenadas UTM (Universal Transversa de Mercator), sujeita à validação da EPE a definição do raio quanto à adequação com a topografia.
Dentre as interações entre as EOLs e os parques eólicos, o IBAMA se figura como o órgão ambiental responsável pelo licenciamento ambiental ocorrido no território offshore brasileiro. Especificamente à energia eólica de superfície em ambiente marítimo, destaca-a que Estação transformadora, estrutura de conexão entre os geradores eólicos e as linhas de transmissão de energia elétrica, deve estar em devida conformidade com as Normas da Autoridade Marítima (NORMAM) para Obras e Atividades afins em águas sob Jurisdição Brasileira, atreladas especificamente à NORMAM-303/DPC7.
Tem-se, pela NORMAM-303/DPC, em sua definição 1.30, a previsão do parque eólico marítimo, considerado como a área marítima onde são autorizadas instalações de plataformas individuais com aerogeradores, destinados a transformar energia eólica em energia elétrica. Da composição do parque eólico marítimo, destaca-se que o conjunto engloba as estruturas de equipamentos de gerador eólico, estação transformadora, estrutura periférica significativa e o prisma. As normas da NORMAM-303/DPC, diante do teor técnico empregado, são essenciais para a condução da instalação de infraestruturas de energias eólicas offshore, pois trazem os procedimentos regulares de instalação de parque eólico marítimo.
Destaca-se que em plena comunicação entre parâmetros nacionais e internacionais, o próprio IBAMA dispõe de documento que aborda o Estudo de Avaliação de Impactos de Complexos Eólicos Offshore, conforme mapeamento de modelos decisórios ambientais aplicados na Europa para empreendimentos eólicos offshore8.
Além das normas da Autoridade Marítima, com procedimentos de análise para instalação de infraestruturas e seguranças necessárias para a efetivação das normativas ambientais e técnicas em sentido amplo, o Estudo de Avaliação de Impactos de Complexos Eólicos Offshore9 também evidencia a nível econômico o ganho ambiental da utilização da energia eólica, que já em 2019 representava 9% da matriz elétrica nacional, estando prevista de expansão para 12% da capacidade instalada no país até 2027, com acréscimo de 10 Gigawatt (GW).
Do potencial eólico offshore, diante da necessidade de regulamentação do setor energético, o IBAMA em atuação ao lado de atores privados e também da expressiva atuação da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vem adotando novas definições, baseadas nas atuações de geração onshore, referentes aos modelos de contratação, necessidade de licença ambiental para outorga, certificação de produção de energia, acesso ao sistema de transmissão, responsabilidades inerentes, reforços infraestruturais e investimentos em outros setores conexos, plano específico para desenvolvimento da fonte eólica e a competência para declaração de cessão ou livre dispor das áreas10.
Tais parâmetros são perceptíveis também em comunicação à transparência de dados fornecida pelo IBAMA, conforme o Mapa de Usinas Eólicas Offshore de 04 de abril de 202411. Os projetos em aberto demonstram as atuações e potenciais voltados para a energia eólica offshore, em que empreendimentos públicos e privados estão com foco na energia renovável e dispostos ao desenvolvimento sustentável.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As normas técnicas e jurídicas atualmente em vigor no Brasil fornecem um suporte adequado para a instalação de parques eólicos marítimos, evidenciando uma cooperação entre o IBAMA, a Marinha Brasileira e os agentes privados interessados. No entanto, para que o país possa aproveitar plenamente seu potencial no setor, é necessário aprimorar a articulação entre as diferentes esferas de governo e incentivar investimentos em infraestrutura. Dessa forma, as atuais normas brasileiras estão dotadas de caminhos para a descarbonização de um aprofundamento no Direito Ambiental brasileiro pela ótica das competências da União para as tratativas administrativas.
Não se olvida que a busca por uma efetiva descarbonização encontra desafios tal qual processos gerais de desenvolvimento de novas tecnologias. Contudo, à evidência de práticas que já estão sendo realizadas, em um processo de tentativas e incentivos para bons resultados, apoia na popularização e possibilidade da devida manutenção destes processos, considerando os ganhos ambientais, sociais e econômicos a partir da tomada positiva de riscos.
REFERÊNCIAS
AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA (ANEEL). Resolução Normativa ANEEL nº 1.071, de 29 de agosto de 2023. Estabelece os requisitos e procedimentos necessários à obtenção de outorga de autorização e alteração da capacidade instalada de centrais geradoras Eólicas, Fotovoltaicas, Termelétricas, Híbridas e outras fontes alternativas, bem como à associação de centrais geradoras que contemplem essas tecnologias de geração, e à comunicação de implantação de centrais geradoras com capacidade instalada reduzida. Disponível em: https://atosoficiais.com.br/aneel/resolucao-normativa-n-1071-2023-. Acesso em: 11 out. 2024.
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Notas
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