Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Liberalismo e democracia: a falsa dicotomia

Agenda 07/12/2024 às 22:10

Liberalismo e democracia são como pai e filho: sem o primeiro, dificilmente haveria a segunda.

Muitos autores do Direito Constitucional e da ciência política brasileira acusam o liberalismo de ser inimigo da democracia. Todavia, não é procedente essa afirmação. Sem o liberalismo, os Direitos Fundamentais de primeira dimensão, os atinentes às liberdades individuais básicas, não existiriam. Também, sem a ideologia liberal, a democracia também não existiria. Escrevo este artigo com o fim de demonstrar por meio da revisão de literatura, critério lógico-dedutivo de pesquisa, que o liberalismo é o pai da democracia contemporânea, tanto que uma boa análise da filosofia e ciência política e da história constitucional do regime democrático bem demonstra a minha tese, principalmente no caso brasileiro, tão acusado é o liberalismo de ser uma ideologia nefasta que nada tem a ver com a democracia.

Liberalismo, pela própria etimologia da palavra, refere-se à liberdade. Sendo esta liberdade a de ir e vir, de crenças e cultos religiosos, de pensamento, opinião e intelectual (somente para citar alguns exemplos). Qual a origem do pensamento liberal, diante dessa definição dada por mim? Origina-se ele do iluminismo francês na Europa. O iluminismo, conhecido em uma época denominada de “século das luzes”, tem como ponto de partida o individualismo. De acordo com BOBBIO (2017, p. 67) "[...] O individualismo considera o Estado como um conjunto de indivíduos e como resultado da atividade deles e das relações por eles estabelecidas entre si." O ponto central do iluminismo é esse: a consideração de que a sociedade, coletivo, é formado por indivíduos que se agregam a fim de formá-la.

Desse modo, autores como John Locke e Montesquieu surgem como expoentes do pensamento liberal moderno. LOCKE (2014) diz que a sociedade pré-estatal é formada pelos seres humanos vivendo harmonicamente, porém, com o fim de garantir suas liberdades individuais que possuem nesse estado de natureza (denominado por ele dessa forma), eles criam por meio de um contrato social o Estado, garantidor das liberdades individuais e da propriedade privada. Vê-se, no pensamento Lockiano, que o cerne de seu pensamento é: o individualismo. A questão individualista segue o liberalismo como o cerne de sua tese acerca da sociedade, em um dos autores clássicos dessa ideologia.

A democracia moderna surge na Revolução Francesa, com a derrocada do regime absolutista monárquico. Nasce, dessa forma, o regime democrático, clamando o povo francês por liberdade, igualdade e fraternidade, porque "A independência individual é a primeira das necessidades modernas” (CONSTANT, 2019, p. 65). Nascendo da revolução na França, a democracia tem como características básicas o poder emanando do povo, a decisão majoritária no sistema de escolha dos representantes (no caso de uma democracia indireta ou representativa), o respeito às minorias perante a maioria e, por fim, resguardar o que BOBBIO (2009) chama de as “regras do jogo”.

Se a democracia nasce da Revolução francesa de 1789, qual a base filosófica dessa? O iluminismo! Tendo como base este o liberalismo! Autores jusnaturalistas liberais, como Montesquieu, Locke e Rousseau foram as bases do pensamento dos revolucionários franceses. Dessa forma, dizer que liberalismo e democracia são dicotômicos, é uma falsa dicotomia. Mas quais características liberalismo e democracia têm em comum? BOBBIO (2017, p. 67) afirma que "O nexo recíproco entre liberalismo e democracia é possível porque ambos têm um ponto de partida em comum: o indivíduo. Ambos repousam sobre uma concepção individualista da sociedade." O ponto de partida de ambos é o individualismo, a ideia de que a sociedade é formada por indivíduos que se agregam por meio de um contrato social, presente esta ideia em Locke, o autor citado no texto que escrevo. Ambos se retroalimentam. Não são antitéticos, pois:

"[...] Se é verdade que os direitos de liberdade foram, desde o início, a condição necessária para a direta aplicação das regras do jogo democrático, é igualmente verdadeiro que, em seguida, o desenvolvimento da democracia se tornou o principal instrumento para a defesa dos direitos de liberdade” (BOBBIO, 2017, p. 66).

O desenvolvimento da democracia se deu pelo liberalismo e isso não é mera opinião, mas, sim, um fato. Dessa forma, dificilmente a ideologia liberal sobreviveria sem as regras do jogo democrático, pois é esta que possibilita e assegura, num Estado Democrático de Direito, as liberdades civis e políticas conquistadas pelo liberalismo na Revolução Francesa. Como disse anteriormente, é uma retroalimentação entre o regime democrático e a ideologia liberal.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Os críticos do liberalismo dizem que ele, e principalmente o neoliberalismo, destrói as instituições democráticas e a soberania dos países ao pregar uma liberdade econômica irrestrita. Todavia, deve-se atentar para a diferença entre o liberalismo político e o liberalismo econômico. BOBBIO (2017) diz que o liberismo, sendo este o liberalismo econômico como é chamado na Itália (terra natal do filósofo e cientista político ora citado), é independente do liberalismo em sentido político, visto que este defende os direitos e garantias individuais, já o outro a liberdade econômica irrestritamente – sendo ambos independentes um do outro, podendo ser liberal sem ser liberista. Então, a crítica ao liberalismo cai por terra ao dizer que o liberalismo prega a venda de uma nação para os países desenvolvidos, visto que não levam em consideração essa diferença crucial.

Antiliberalismo, ainda, leva à tirania. De acordo com BOBBIO (2017, p. 66):

“Hoje somente os Estados nascidos das revoluções liberais são democráticos e somente os Estados democráticos protegem os direitos do homem: todos os Estados autoritários do mundo são simultaneamente antiliberais e antidemocráticos.”

Nenhum Estado que se diz antiliberal é, de fato, democrático, basta observar as grandes potências orientais que não têm nada de democráticas. O próprio regime fascista italiano, o qual Bobbio lutou ferrenhamente contra, autodeclarava-se antiliberal e antidemocrático.

Fato é que igualdade e liberdade são valores distintos e antitéticos, respectivamente democrático o primeiro e liberal o segundo. Explica BOBBIO (2017, p. 62):

"[...] liberdade e igualdade são valores antitéticos, no sentido de que não se pode realizar plenamente um sem que se limite fortemente o outro: uma sociedade liberal-liberista é inevitavelmente inigualitária, assim como usa sociedade igualitária é inevitavelmente iliberal. Libertarismo e igualitarismo fundam suas raízes em suas concepções do homem e da sociedade profundamente diversas: individualista, conflitualista e pluralista a liberal; totalizante, harmônica e monista a igualitária."

Porém, apesar dessa diferença axiológica entre o regime democrático e a ideologia liberal, é inegável que sem o grito do liberalismo contra o regime absolutista, a democracia não teria se originado e se proliferado pelo Ocidente. Por isso concordo com BOBBIO (2017, p. 68): " [...] A combinação entre liberalismo e democracia não somente é possível, como também necessária.”

Apesar das diferenças, é possível, mas é totalmente necessária essa combinação! Liberalismo e democracia são como pai e filho: sem o primeiro, dificilmente (talvez impossível) haveria a segunda.


Referências Bibliográficas

BOBBIO, N. Liberalismo e Democracia. 1 ed. São Paulo: Editora Edipro, 2017.

CONSTANT, B. A Liberdade dos Antigos Comparada à dos Modernos. 1 ed. São Paulo: Editora Edipro, 2019.

BOBBIO, N. O futuro da democracia. 18 ed. São Paulo: Editora Paz & Terra, 2009.

BOBBIO, N. Segundo tratado sobre o governo civil. 1 ed. São Paulo: Editora Edipro, 2014.

Sobre o autor
Erick Labanca Garcia

Graduando em Direito UNIFAGOC︎ e estagiário do PROCON Municipal de Ubá

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GARCIA, Erick Labanca. Liberalismo e democracia: a falsa dicotomia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7829, 7 dez. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/112047. Acesso em: 9 jan. 2025.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!