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A nulidade de cláusulas abusivas pelo CDC: informativo 835 do STJ

Agenda 04/12/2024 às 17:15

Introdução: o presente ensaio versa a respeito do REsp 2159883/MG, do informativo de número 835 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no tocante à nulidade de cláusulas consideradas iníquas ou abusivas pelo rol exemplificativo do art. 51 da Lei 8.078/1990, junto dos princípios da força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda), a boa-fé objetiva e a função social dos contratos com efeitos inter partes. Objetivo: o objetivo é a análise legal e principiológica do julgado, ponderando o presente autor os princípios do pacta sunt servanda, da boa-fé objetiva e da função social dos contratos na ótica consumerista. Metodologia: o método utilizado pelo presente autor é a revisão de literatura, análise do Código de Defesa do Consumidor (CDC), incidente nas relações de consumo, e a análise do caso julgado pelo STJ advindo da primeira instância do TJMG. Resultados: os resultados apontam para a não resolução do contrato por revisão judicial, devido à força obrigatória dos contratos, mas não deixando de lado a boa-fé objetiva e a função social dos contratos, misteres princípios da nova ordem civil-constitucional e consumerista na defesa dos vulneráveis nas relações de consumo, mesmo as cíveis ou empresariais. Conclusão: conclui-se, portanto, que uma(s) cláusula(s) nula(s) de pleno direito não anulam o contrato por completo, porquanto deve ser ponderado os princípios da força obrigatória dos contratos e da preservação dos negócios jurídicos, da boa-fé objetiva nas relações de consumo e civis e da função social dos contratos com seus efeitos endógenos ou internos. Desse modo, o caso em questão não anulou o negócio jurídico, mas apenas anulou as cláusulas contratuais iníquas ou abusivas, dando o ministro relator do caso parcial provimento ao recurso em quesão.

Palavras-chave: cláusulas abusivas; boa-fé objetiva; função social dos contratos; força obrigatória dos contratos.


1. Introdução

O caso em questão publicado pelo STJ no DJe em 14/11/2024 versa a respeito de cláusulas consideradas iníquas ou abusivas em um contrato de empréstimo de um consumidor realizado com a Caixa Econômica Federal (CEF) com um refinanciamento do montante emprestado em prazos maiores após a quitação da dívida. O STJ entendeu, no caso em questão, que não cabe a extinção por revisão judicial do contrato, tendo em vista que nulidade de cláusulas abusivas não invalida o negócio jurídico, mas apenas aquelas, pelo princípio da conservação dos negócios jurídicos.

Dessa maneira, analisar-se-á no ensaio a seguir as normas do CDC que versam sobre contratos de consumo, respectivamente os artigos 46, 47, 48 e o rol exemplificativo do 51, os princípios contratuais básicos, como a boa-fé objetiva e seus ramos (venire contra factum proprium ad non potest, duty to mitgate de loss, supressio e surrectio, por exemplo), a função social dos contratos com sua eficácia interna, desse modo.


2. Princípios contratuais e as normas do CDC

O CDC é uma norma de princípios que visa defender, por ordem constitucional, os vulneráveis das relações de consumo, sendo eles os consumidores. O conceito de consumidor é aquele destinatário fático final, ou seja, que retira o produto da cadeia de produção e o utiliza para usufruto próprio, e destinatário fático econômico, não reintroduzindo o produto na cadeia produtiva com o intuito de auferir lucro. O fornecedor é aquele que realiza atividade econômica organizada com o fim de fazer circular bens ou serviços visando o lucro, ofertando seus produtos ou serviços no mercado consumidor.

Vistas essas breves definições de consumidor e fornecedor, vale destacar os princípios básicos do direito do consumidor no que tange aos contratos de consumo. Os princípios fundamentais são: a função social dos contratos e a boa-fé objetiva.

A função social dos contratos encontra-se implícita em diversas normas do CDC. Devido às alterações significativas nas relações de consumo, como as revoluções industriais, a indústria de massa, fordismo, taylorismo e diversas mudanças, a título de exemplo, formou-se uma nova classe de agentes econômicos: os consumidores, que já foram definidos acima. A antiga ordem constitucional brasileira e o código civil de 1916 eram de princípios liberais, defendendo os direitos patrimoniais dos indivíduos. No entanto, com o advento da Constituição de 1988 e do Código Civil de 2002, houve mudança drásticas das relações público-privadas, visto que o neoconstitucionalismo revolucionou o Direito Privado com a publicização. Dessa maneira, princípios que antes não eram consagrados na antiga ordem jurídica brasileira, como a função social dos contratos, emergiram com a Constituição Federal brasileira e com o Código Civil de 2002, gerando uma nova ordem público-privada. Como bem leciona TARTUCE e NEVES (2024, p. 299): "Não se pode aceitar o contrato da maneira como antes era consagrado; a sociedade mudou, vivemos sob o domínio do capital, e com isso deve mudar a maneira de ver e analisar os pactos, sobretudo os contratos de consumo."

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Sem delongas e considerações excessivas, a função social dos contratos é um princípio, primeiramente, de ordem pública, ou seja, princípio este de Direito Público Constitucional! Por isso, vale salientar que

"pelo princípio da função social do contrato, deve-se interpretar e visualizar o contrato de acordo com o meio que o cerca. O contrato não pode ser mais concebido como uma bolha que envolve as partes, ou uma corrente que as aprisiona. Trazendo um sentido de libertação negocial, a função social dos contratos funciona como uma agulha , forte e contundente, que fura a bolha; como uma chave que abre as correntes" (TARTUCE e NEVES, 2024, p. 299).

A função social dos contratos prevê, desse modo, que os contratos têm uma função social, mitigando, dessa maneira, o princípio da autonomia privada e da força obrigatória dos contratos, pois ele não é apenas a avença entre duas partes, todavia envolve também o meio social que o cerca. Está presente esse princípio no seguinte artigo do CDC:

Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor (BRASIL, 1990).

É uma forma de proteger o consumidor vulnerável (art. 4, I do CDC) por meio da boa-fé (art. 4, III do CDC) e da função social dos contratos.

Já a boa-fé objetiva é um princípio que veio com o novo Código Civil de 2002 e também com o CDC, estando presente no seguinte artigo da Lei 8.078/1990:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995):

III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal ), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores; (BRASIL, 1990).

Tal princípio tem duas facetas: subjetiva e objetiva. Esta última prevê a probidade e lealdade durante a relação de consumo, tanto na fase pré-contratual quanto na pós-contratual. A primeira prevê se o participante da relação está de boa-fé internamente, não agindo na maldade. Ainda, tem a boa-fé subprincípios que são imprescindíveis à hermenêutica das relações de consumo:

Todos esses princípios são imprescindíveis na defesa do consumidor, pois são de ordem pública, desse modo, tem de ser respeitados em detrimento dos princípios de ordem privada (não retirando a importância destes últimos). Desse modo, a autonomia privada, tão valorizada pela antiga ordem jurídico-privada liberal, foi mitigada em detrimento dos princípios sociais, porquanto os vulneráveis passaram a ser defendidos legalmente e constitucionalmente, coisa que antes não acontecia, porquanto o que se pretendia defender pelo antigo ordenamento jurídico era a isonomia formal (na ordem atual é defendida também a isonomia material) e os direitos patrimoniais. Todavia, com o advento da CF/1988, a pessoa humana ganhou dignidade, resguardando os direitos personalíssimos dos indivíduos na nova ordem jurídica, com o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1°, III da CF/1988), fundamento da República Federativa do Brasil.


O REsp 2159883/MG, a aplicação do CDC e seus princípios

Veja-se a ementa do caso abordado pelo presente autor:

RECURSO ESPECIAL. CIVIL E CONSUMIDOR. CONTRATO BANCÁRIO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE E INDENIZATÓRIA. 1. COMPRA DE DÍVIDA COM "TROCO". DESPROPORCIONALIDADE DAS PRESTAÇÕES. RECONHECIMENTO. DESEQUILIBRIO CONTRATUAL. ABUSIVIDADE AFASTADA. PRESERVAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO. RESTABELECIMENTO DO CONTRATO PRIMITIVO. INADMISSIBILIDADE, POR SE TRATAR DE RELAÇÃO EXTINTA E ENVOLVER FINANCEIRA QUE NÃO FIGURA COMO PARTE NO PROCESSO. RECONDUÇÃO DO CONSUMIDOR À MESMA SITUAÇÃO ECONÔMICA QUE SE ENCONTRAVA ANTES DO CONTRATO ABUSIVO. NECESSIDADE. 2. DANOS MORAIS. ADMISSIBILIDADE. SITUAÇÃO PECULIAR E EXCEPCIONAL EM QUE A DESPROPORCIONALIDADE FOI EXCESSIVA. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
1. O reconhecimento da abusividade deve resultar apenas na redução das obrigações iníquas assumidas pelo consumidor de modo a reconduzi-lo à mesma situação econômica (e não jurídica) em que se encontrava antes do contrato excessivamente oneroso.
2. Não se mostra processualmente viável restabelecer o contrato de empréstimo firmado anteriormente, pois a instituição financeira não pode ser condenada a reassumir uma relação jurídica extinta pela compra pela compra da dívida, além de não fazer parte deste processo.
3. Não obstante seja possível o decote das abusividades constatas no negócio jurídico, sem a sua extinção, forçoso reconhecer que o caso concreto traz peculiaridades próprias e excepcionais aptas a ensejar a condenação por danos morais.
4. Quanto ao valor da indenização, esta Corte Superior, à vista da ausência de critério legal para a sua quantificação, assentou a necessidade de observância dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
5. Recurso especial parcialmente provido.
(REsp n. 2.159.883/MG, relatora Ministra Nancy Andrighi, relator para acórdão Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 5/11/2024, DJe de 14/11/2024.)

Entendeu o Superior Tribunal de Justiça para o provimento parcial do recurso especial acima, pois as nulidades de cláusulas iníquas ou abusivas ficam adstritas por si mesmas e não viciam o negócio jurídico, visto que este possui proteção legal de preservação.

Entretanto, o presente autor discorda da posição do STJ, visto que os princípios em questão, abordados ao longo do texto, como a boa-fé e a função social dos contratos são de ordem pública! Além disso, os contratos mudaram, como disse Flávio Tartuce citado pelo presente autor no texto, e a Constituição Federal brasileira deve propiciar a defesa dos vulneráveis negociais, os consumidores, em juízo, visto sua condição de vulnerabilidade. Também, sobre a revisão contratual, o CDC não adota a teoria da imprevisão por onerosidade excessiva, afastando esta no âmbito consumerista, visto que o simples fato de gerar onerosidade excessiva para o consumidor, mesmo não sendo casos de caso fortuito ou força maior, gera revisão judicial do contrato.


Conclusão

Conclui-se, ante o exposto, que a decisão do STJ tem uma boa posição e sólida, mas discorda o presente autor, visto que não atende integralmente os princípios básicos do CDC, como proteção contra cláusulas abusivas e práticas abusivas, como gerar vantagem manifestamente excessiva contra o consumidor (art. 39, V).


Referências bibliográficas

TARTUCE, F. e NEVES, D.A.A. Manual de Direito do Consumidor: Direito Material e Processual. 13 ed. São Paulo: Editora Método, 2024.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 04 de dezembro de 2024.

Código de Defesa do Consumidor. Decreto Presidencial nº 2.181, de 20 de março de 1997, Brasília, DF, 1997. Disponível em: L8078compilado. Acesso em: 4 de dezembro de 2024.

Sobre o autor
Erick Labanca Garcia

Graduando em Direito UNIFAGOC︎ e estagiário do PROCON Municipal de Ubá

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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