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A dignidade da pessoa humana: o conceito e o conteúdo ou natureza

Agenda 12/12/2024 às 16:38

Muitos julgados do STF, recentes por sinal, apresentam um conceito basilar no Direito pátrio: a dignidade da pessoa humana. Julgados como o aborto em caso de fetos anencefálicos e a união estável para casais homossexuais, demonstram, claramente, a aplicabilidade desse princípio e sua natureza. Um dos principais autores a referir sobre tal princípio constitucional de ordem pública foi o eminente ministro do STF Luís Roberto Barroso, em ensaios, artigos e livros publicados pelo ilustre ministro.

A questão abordada pelo presente autor deste artigo é: qual a natureza da dignidade humana? Em cima da explicação e esclarecimento quanto à sua natureza, farei breves relatos de casos concretos brasileiros e analisarei a aplicação da dignidade humana no plano fático e jurídico.

A minha visão a respeito do tema é a de que a dignidade da pessoa humana, como era anteriormente, não é uma mera abstração, mas um princípio de ordem pública e hierarquia constitucional, ou seja, possui força normativa, devendo ser aplicada com maior frequência nos denominados casos difíceis – casos estes que há uma lacuna na lei – a fim de solucionar os litígios no plano jurídico, fático e com o intuito de pacificação jurisprudencial.

A dignidade da pessoa humana, no entanto e ao meu ver, não é um conceito abstrato, apesar de não ser tão aplicada da maneira como deveria. Ela possui três facetas, que serão explicadas mais adiante, junto com a sua conceituação – o que eu pretendo analisar no artigo em questão.


A dignidade da pessoa humana: conceito e natureza

A dignidade da pessoa humana é um princípio constitucional de ordem pública encontrada na Constituição Federal como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, no artigo seguinte:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III - a dignidade da pessoa humana (BRASIL, 1988);

Desse modo, vê-se que é um princípio com hierarquia constitucional e, também, a base principiológica para todos os outros – seja ele a igualdade formal ou material, privacidade, intimidade e à honra, de forma exemplificativa.

Todavia, deve-se conceituar o princípio em questão, visto que ele possui um forte teor abstrativo. O que é a dignidade humana e qual sua natureza? BARROSO (2022, p. 61) a conceitua da seguinte maneira: “Tendo suas raízes na ética, na filosofia moral, a dignidade humana é, em primeiro lugar, um valor, um conceito vinculado à moralidade, ao bem, à conduta correta e à vida boa.” Tal conceito explicitado pelo ministro do STF advém da constitucionalização do direito, que por sua vez veio do neoconstitucionalismo, tendo este base na filosofia pós-positivista de Ronald Dworkin e Robert Alexy. DWORKIN (2010) afirma que há dentro do ordenamento jurídico duas tipologias normativas: normas e princípios. Aquelas, são na aplicação direta no caso concreto ou não são aplicadas – Dworkin diz que as normas são aplicadas no “tudo ou nada” – enquanto que os princípios possuem uma carga valorativa e axiológica maior, utilizados para julgar os casos difíceis, por possuírem maior conteúdo moral. ALEXY (2014) diz que normas são divididas em: normas-regra e normas-princípio. Aquela, assim como na construção elaborada por Dworkin, aplicam-se no “tudo ou nada” também, mas esta é uma norma com um “mandado de otimização”. O que isso quer dizer? Quer dizer que ela possui cumprimento parcial, total ou não cumprimento – ou é cumprida inteiramente, ou mais, ou menos, seu cumprimento depende do caso concreto. Ante o exposto, vê-se que a dignidade da pessoa humana, com a filosofia pós-positivista e o neoconstitucionalismo, ganharam status de normas constitucionais e a sua verdadeira força normativa, nos termos de HESSE (1991). Então, podemos definir a dignidade humana, como conceito – atentem-se, não em sua natureza –, como um princípio constitucional atrelado aos valores defendidos pela Constituição Federal do Estado Democrático de Direito brasileiro.

Já vimos o conceito dado por mim acerca da dignidade da pessoa humana, agora resta ver sua natureza. A dignidade da pessoa humana vem da filosofia kantiana, que enuncia, explicando BARROSO (2018, p. 303) que

“A conduta ética consiste em agir inspirado por uma máxima que possa ser convertida em lei universal; todo homem é um fim em si mesmo, não devendo ser funcionalizado a projetos alheios; as pessoas humanas não têm preço nem podem ser substituídas, possuindo um valor absoluto, ao qual se dá o nome de dignidade.”

Então Kant diz que as pessoas humanas, excluindo os animais, possuem um valor intrínseco e são um fim em si mesmas. Ainda, deve-se analisar, no presente artigo, sobre o que Luís Roberto Barroso denomina como “o conteúdo mínimo da ideia de dignidade humana.” Divide o ministro da suprema corte em três tópicos: a) O valor intrínseco do ser humano; b) A autonomia de cada indivíduo; c) O valor comunitário. Explicarei cada um deles adiante.


O valor intrínseco de cada indivíduo:

O ministro BARROSO (2022, p. 76) diz que “O valor intrínseco é, no plano filosófico, o elemento ontológico da dignidade humana, ligado à natureza do ser. Corresponde ao conjunto de características que são inerentes e comuns a todos os seres humanos, e que lhes confere um status especial e superior no mundo, distinto do de outras espécies.” Dessa maneira, é a ideia kantiana que liga todos os seres humanos por características comuns, a racionalidade, e a ideia do ser humano ser um fim em si mesmo, não devendo ser instrumentalizado como coisa (res).

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BARROSO (2022, p. 77) diz ainda que “No plano jurídico, o valor intrínseco está na origem de um conjunto de direitos fundamentais.” Dentre esses direitos fundamentais, importante destacar o direito à vida e à liberdade em sentido amplo. Sem a natureza da dignidade humana, surgida na Revolução Francesa por meio da filosofia iluminista liberal, que originou a democracia, de acordo com GARCIA (2024), não se teria direitos humanos fundamentais, visto que a dignidade do ser humano estatuída na Constituição Federal brasileira é a base para todos os direitos fundamentais promulgados pela Carta Magna de 1988.

Autonomia do indivíduo

“A autonomia é o elemento ético da dignidade humana. É o fundamento do livre arbítrio dos indivíduos, que lhes permite buscar, da sua própria maneira, o ideal de viver bem e de ter uma vida boa” (BARROSO, 2022, p. 81). Conceitua o eminente constitucionalista dessa forma o elemento autônomo da dignidade humana. Liga-se esse elemento às liberdades básicas do ser humano e às liberdades políticas, pois “A autonomia, portanto, corresponde à capacidade de alguém tomar decisões e de fazer escolhas pessoais ao longo da vida, baseadas na sua própria concepção de bem, sem influências externas indevidas” (BARROSO, 2022, p. 82).

A autonomia é um elemento da dignidade humana imprescindível, tendo em vista que é um princípio basilar do Estado Democrático de Direito, oriundo do liberalismo político, que pregava os direitos fundamentais ligados às liberdades básicas – de acordo com GARCIA (2024). Sem esse elemento imprescindível, a máxima “busca pela felicidade” da Carta Norte-Americana de 1787, ancorada na autonomia da vontade, braço da dignidade humana, não seria possível de alcançar num Estado Democrático de Direito.

Valor comunitário

O valor comunitário é a limitação das liberdades individuais que, se exercidas com excesso e sem freios, podem prejudicar a coletividade, também mister à dignidade humana. BARROSO (2022, p. 88) reflete a respeito dizendo o seguinte: “A dignidade como valor comunitário enfatiza, portanto, o papel do Estado e da comunidade no estabelecimento de metas coletivas e de restrições sobre direitos e liberdades individuais em nome de certa concepção de vida boa.”

Decerto que a dignidade humana não é a liberdade desenfreada que pregam, por exemplo, os libertários, mas ela possui – dentro da ideologia pós-positivista – o chamado mínimo ético, uma junção de moralidade e axiologia com o plano de validade jurídica (ALEXY, 2014). Desse modo, não é a respeito apenas de liberdade individual que versa a dignidade humana, mas, também, como o bem-estar da coletividade, porquanto não adianta apenas defender ferrenhamente o indivíduo, todavia deve-se prezar também pelo bem-estar da coletividade.


Conclusão

Conclui-se, ante o exposto, que o conceito de dignidade da pessoa humana é um princípio de hierarquia constitucional e ordem pública, que possui uma carga moral e axiológica, que considera o ser humano como um fim em si mesmo, dotado de autonomia e não desconsiderando o valor coletivo em detrimento do individual, tendo em vista que não se deve prejudicar a vontade geral, como diz ROUSSEAU (2017), em detrimento do individualismo cego e radical.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALEXY, R. TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. 2. ed. São Paulo: Editora Malheiros editores, 2014.

BARROSO, L.R. O novo Direito Constitucional brasileiro: contribuições para a construção teórica e pratica da jurisdição constitucional no Brasil. 1 ed. Belo Horizonte: Editora Fórum Ltda, 2018.

BARROSO, L.R. A dignidade da pessoa humana no Direito Constitucional contemporâneo: a construção de um Conceito Jurídico à Luz da Jurisprudência Mundial. 1 ed. Belo Horizonte: Editora Fórum Ltda, 2022.

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2016]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ Constituiçao.htm. Acesso em: 8 dez. 2024.

DWORKIN, R. Levando os direitos a sério. 3 ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010.

GARCIA, Erick Labanca. Liberalismo e democracia: a falsa dicotomia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7829, 7 dez. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/112047. Acesso em: 8 dez. 2024.

HESSE, K. A força normativa da constituição. 1 ed. Sergio Antonio Fabris Editor: Porto Alegre, 1991.

ROUSSEAU, J.J. O Contrato Social: Princípios do Direito Político. 1 ed. São Paulo: Editora Edipro, 2017.

Sobre o autor
Erick Labanca Garcia

Graduando em Direito UNIFAGOC︎ e estagiário do PROCON Municipal de Ubá

Informações sobre o texto

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