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O debate sobre a uberização do trabalho no Supremo Tribunal Federal: em busca de um equilíbrio entre inovação e direitos trabalhistas

Agenda 12/12/2024 às 17:45

Audiência pública no STF discute a relação entre motoristas de aplicativo e plataformas digitais, colocando em pauta a necessidade de regulamentação e a garantia de direitos.

Resumo: O Supremo Tribunal Federal realizou uma audiência pública para debater a possibilidade de reconhecimento de vínculo empregatício entre motoristas de aplicativo e empresas como a Uber. A discussão envolveu representantes da Justiça do Trabalho, advogados, pesquisadores, trabalhadores, representantes da Uber e especialistas em direito e economia, apresentando diferentes perspectivas sobre a necessidade de regulamentação do trabalho em plataformas digitais, buscando um equilíbrio entre a inovação tecnológica e a garantia de direitos trabalhistas.


1. A Atividade Preponderante das Plataformas Digitais de Transporte:

A discussão central sobre a natureza jurídica das plataformas digitais de transporte, como a Uber, reside na definição de sua atividade preponderante. Enquanto a empresa se autodenomina uma plataforma de tecnologia, conectando motoristas e passageiros, a argumentação contrária defende que sua atividade principal é a prestação de serviços de transporte.

Diversos argumentos sustentam a tese de que a Uber atua como prestadora de serviços de transporte. Primeiramente, a empresa define preços, rotas e critérios de avaliação, exercendo um controle significativo sobre a prestação do serviço. Além disso, a Uber detém o contato direto com os clientes, intermediando toda a transação e se beneficiando economicamente dela. A tecnologia, nesse contexto, figura como uma ferramenta para a execução do serviço de transporte, e não como o próprio negócio em si. A própria estratégia de marketing da Uber, voltada para a mobilidade urbana, reforça essa perspectiva.

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), em procedimento formal de enquadramento econômico, já constatou que a Uber não apenas fornece tecnologia, mas explora diretamente o serviço de transporte individual de passageiros. O registro da marca Uber junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) também a vincula à atividade de transporte, corroborando a tese de que a tecnologia é apenas o meio operacional para o exercício da atividade econômica preponderante: o transporte.


2. Os Critérios para Caracterização do Vínculo Empregatício:

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece os requisitos para a configuração do vínculo empregatício: pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação. A discussão no STF gira em torno da aplicação desses critérios ao caso dos motoristas de aplicativo.

A pessoalidade é inegável, pois o serviço é prestado pelo próprio motorista cadastrado na plataforma, utilizando sua identificação individual e impedido de delegar a tarefa a terceiros. A onerosidade também é evidente, já que o motorista recebe uma remuneração pela prestação do serviço.

A não eventualidade é um ponto mais controverso. Embora os motoristas tenham flexibilidade para escolher seus horários, a frequência com que se conectam à plataforma e a dependência econômica que muitos têm da atividade sugerem uma prestação de serviços contínua e não esporádica, atendendo aos fins do empreendimento econômico da empresa. A própria dinâmica da plataforma, com sistemas de pontuação, incentivos e penalidades, estimula a permanência online e a regularidade da prestação de serviços.

A subordinação, elemento crucial para a caracterização do vínculo empregatício, é o ponto mais debatido. A Uber argumenta que os motoristas são autônomos e têm liberdade para gerir seu trabalho. No entanto, a gestão algorítmica da plataforma, com controle de rotas, preços, taxas de aceitação e cancelamento de corridas, além de sistemas de avaliação e monitoramento por GPS, configura uma forma de subordinação estrutural, como apontado por alguns especialistas. Essa "subordinação algorítmica" impõe regras e restrições à autonomia do motorista, assemelhando-se ao poder diretivo do empregador tradicional.


3. O Impacto da Uberização na Economia e Sociedade:

A chegada das plataformas de transporte, como a Uber, gerou impactos significativos na economia e na sociedade, tanto positivos quanto negativos. A geração de renda para milhões de motoristas, muitos dos quais desempregados ou subempregados, é um dos principais benefícios apontados. A Uber argumenta que oferece flexibilidade e autonomia, permitindo que os motoristas conciliem o trabalho com outras atividades e complementem sua renda. Além disso, a plataforma expandiu o acesso à mobilidade urbana, principalmente para as classes C, D e E, oferecendo uma alternativa mais acessível aos táxis.

Por outro lado, a uberização também é associada à precarização do trabalho. A ausência de direitos trabalhistas básicos, como férias remuneradas, 13º salário e seguro-desemprego, deixa os motoristas vulneráveis. A instabilidade financeira, a longa jornada de trabalho necessária para obter uma renda mínima e a pressão por metas e avaliações impactam a saúde física e mental dos motoristas. A falta de recolhimento previdenciário, apontada por diversas pesquisas, também é um problema grave, comprometendo a segurança social dos trabalhadores.

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Além disso, a segurança dos motoristas é uma preocupação constante. A exposição à violência urbana, os riscos de acidentes de trânsito e a falta de assistência em caso de emergência são fatores que contribuem para a vulnerabilidade dessa categoria. A Uber, embora afirme investir em tecnologia e recursos para aumentar a segurança, ainda enfrenta desafios para garantir a proteção dos seus motoristas.


4. A Experiência Internacional na Regulamentação do Trabalho em Plataformas:

A discussão sobre a regulamentação do trabalho em plataformas digitais não é exclusiva do Brasil. Diversos países têm se debruçado sobre o tema, buscando soluções para equilibrar a inovação tecnológica com a garantia de direitos trabalhistas. A experiência internacional oferece exemplos e perspectivas que podem contribuir para o debate no STF.

Em Portugal, o artigo 12-A do Código do Trabalho estabelece presunções legais para o reconhecimento do vínculo empregatício em plataformas digitais, considerando fatores como a definição de preços pela plataforma, o controle da prestação do serviço por meios tecnológicos e a restrição à autonomia do trabalhador. Na Espanha, o Tribunal Supremo reconheceu a existência de vínculo empregatício entre entregadores e a plataforma Glovo, baseando-se na subordinação e dependência econômica dos trabalhadores. No Reino Unido, a Suprema Corte também decidiu a favor do reconhecimento do vínculo empregatício de motoristas da Uber, considerando a gestão e o controle exercidos pela empresa sobre a prestação do serviço.

A União Europeia, por sua vez, publicou a Diretiva 2021/523, que estabelece presunções relativas de vínculo empregatício para trabalhadores em plataformas digitais, visando garantir maior proteção e transparência nas relações de trabalho. A diretiva considera critérios como o controle da remuneração pela plataforma, a supervisão do trabalho por meios eletrônicos e a restrição à liberdade do trabalhador para organizar seu tempo de trabalho.

Essas experiências internacionais demonstram a crescente tendência de reconhecer a vulnerabilidade dos trabalhadores em plataformas digitais e a necessidade de garantir seus direitos trabalhistas. As decisões judiciais e as iniciativas legislativas em outros países podem servir como referência para o STF na construção de uma solução adequada à realidade brasileira.


5. A Necessidade de Regulamentação e os Direitos Fundamentais dos Trabalhadores:

O debate sobre a uberização do trabalho coloca em pauta a necessidade de regulamentação para garantir os direitos fundamentais dos trabalhadores em plataformas digitais. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 7º, assegura um conjunto de direitos aos trabalhadores, como salário mínimo, férias remuneradas, 13º salário, repouso semanal remunerado, seguro-desemprego, entre outros. A questão central é se esses direitos devem ser estendidos aos motoristas de aplicativo, considerados por muitos como trabalhadores em situação de vulnerabilidade.

A falta de regulamentação expõe os motoristas a condições precárias de trabalho, com longas jornadas, baixa remuneração, ausência de proteção social e riscos à saúde e segurança. A autonomia e flexibilidade alardeadas pelas plataformas, muitas vezes, se traduzem em insegurança e instabilidade, com os motoristas sujeitos a algoritmos e sistemas de avaliação que controlam sua atividade e restringindo sua liberdade.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT), por meio da Recomendação 198, orienta os países a adotarem medidas para proteger os trabalhadores em plataformas digitais, prevenindo fraudes que visem ocultar a condição de empregado. A Agenda 2030 da ONU, com seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), também reforça a importância de promover o trabalho decente, com remuneração justa, condições de trabalho seguras e proteção social.

A regulamentação do trabalho em plataformas digitais não se trata apenas de garantir direitos trabalhistas, mas também de promover a justiça social, reduzir as desigualdades e construir uma sociedade mais justa e solidária. A decisão do STF nesse caso terá impacto significativo no futuro do trabalho no Brasil, definindo os rumos da relação entre plataformas digitais e trabalhadores. A expectativa é que a Corte considere a realidade e as necessidades dos motoristas, buscando um equilíbrio entre a inovação tecnológica e a garantia de direitos fundamentais.

Sobre o autor
Diego Vieira Dias

Funcionário Público, ex-advogado e eterno estudante...

Informações sobre o texto

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