Sumário: 1. Introdução. 2. Obrigatoriedade e dispensabilidade de licitação. 3. Conclusão. 4. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Em simples palavras, a licitação1 é um procedimento administrativo, que objetiva a melhor contratação para a Administração Pública (proposta mais vantajosa, não necessariamente mais barata), em benefício de uma coletividade (interesse público).
Entretanto, existe exceção à regra da licitação, havendo hipóteses de dispensa, elencadas na lei.
Nesse viés, em linhas breves, teceremos alguma reflexão acerca da obrigatoriedade ou da dispensabilidade de licitação para a contratação de instituições realizadoras de concursos públicos.
2. OBRIGATORIEDADE OU DISPENSABILIDADE DE LICITAÇÃO
A licitação, como dito, é a regra para a Administração Pública, porém, a Lei das Licitações traz duas hipóteses excepcionais para sua dispensa: a licitação dispensável e a licitação dispensada.
A licitação dispensável está prevista no artigo 75 da Lei das Licitações, sendo hipótese na qual a licitação seria juridicamente possível, porém, o administrador está autorizado, segundo critério de oportunidade e conveniência seu (ato discricionário), a dispensar sua realização.
A licitação dispensada está prevista no artigo 76, incisos I e II, da Lei das Licitações, sendo hipótese na qual a realização da licitação está dispensada, não sendo necessário que a administração realize o procedimento licitatório.
Feitas essas distinções aclaradoras, reflexionemos sobre a dispensabilidade de licitação, nos casos de contratação de instituição realizadora de concursos públicos, pois é tema de amplo debate, mormente, por se tratar de exceção.
Para Gisela Gondin Ramos2, “a licitação não é um fim em si mesmo, mas um mecanismo previsto em Lei para que se possa atingir o interesse público”, entendendo ela que “no caso específico da contratação de instituições especializadas na promoção e realização de Concursos, nem sempre o procedimento licitatório, em regra realizado sob modalidades concorrenciais que privilegiam o tipo menor preço, resultará na contratação da instituição com a melhor estrutura, experiência e capacidade para realizar processos seletivos que resultem no recrutamento dos melhores profissionais para a Administração Pública.”3
Nesse sentido, na vigência na Lei Federal n° 8.666/93 (antiga lei das licitações), a decisão proferida pelo Plenário do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) nos autos da Consulta n° 0006280-60.2013.2.00.0000, a respeito da matéria, com o efeito normativo geral previsto no parágrafo 2º do artigo 89 do Regimento Interno daquele órgão.4 –5
Contrariamente, outros entendem que a realização de procedimento licitatório tratar-se de exigência que deflui diretamente do texto constitucional6, não sendo vedada a realização de procedimento licitatório para a escolha de instituição realizadora de concursos público, sendo que as regras rígidas da Lei das Licitações contribuiriam para proteção do núcleo essencial do princípio constitucional da Moralidade7 na Administração Pública. Ademais, consideram que a dispensa do procedimento licitatório constitui exceção à regra do artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal, devendo, por isso, ser admitida nos estritos limites da lei, sendo que a regra do artigo 75, inciso XV, da Lei das Licitações, não serviria de fundamento para a contratação, por dispensa de licitação, de entidade para a realização de concurso público8.
3. CONCLUSÃO
Contudo, é certo que a contratação de realizadora de concursos deve ser vista com a devida cautela, porque, dependendo do caso, pode haver ilicitude ou desobediência à Lei das Licitações, pelo não enquadramento nas hipóteses do inciso XV do artigo 75 da Lei das Licitações.9
Por último, não se pretende afirmar aqui posição a prevalecer, quanto à dispensabilidade ou à obrigatoriedade de licitação, para a escolha de realizadora de concursos públicos, sendo que, no caso concreto, poderá ser demonstrado que o comando legal foi violado pelo Administrador, ao dispensar o procedimento licitatório, equivocadamente, ensejando, assim, o devido controle.10
4. REFERÊNCIAS
ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Resumo de Direito Administrativo Descomplicado.
NOTAS
1 Normas legais: Lei Federal n° 14.133/2021 e Lei Federal nº 8.987/95.
2 Gisela Gondin Ramos, advogada e ex-conselheira do Conselho Nacional de Justiça.
3 É discutível se deve ser feita ou não licitação para a contratação de instituição realizadora de concurso público para o ingresso na Magistratura e no serviço notarial e registral.
4 CONSULTA. INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 24, VIII, DA LEI Nº 8.666/93. INDAGAÇÃO SOBRE A POSSIBILIDADE DE OS TRIBUNAIS CONTRATAREM, POR DISPENSA DE LICITAÇÃO, ENTIDADES INTEGRANTES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, ESPECIALIZADAS NA ORGANIZAÇÃO DE CONCURSOS PÚBLICOS E CRIADAS PARA ESTE FIM ANTES DA LEI FEDERAL Nº 8.666/93, PELO PREÇO DE MERCADO.
Consulta conhecida e respondida no sentido de ser possível aos Tribunais contratarem órgãos ou entidades integrantes da Administração Pública de qualquer esfera administrativa, com fundamento no artigo 24, VIII, da Lei Federal nº 8.666/93, desde que: a) não sejam empresas públicas ou sociedades de economia mista que exerçam atividades econômicas; b) tenham como finalidade específica a prestação de serviços para as pessoas de direito público; c) os serviços oferecidos pela Contratada tenham nexo com o objeto do contrato - organização de concursos; d) tenham sido criadas antes da vigência da Lei nº 8.666/93; e e) o preço por elas apresentado seja compatível com a média daqueles praticados pelo mercado, devendo, para tanto, ser realizada pesquisa prévia de preços para justificar a dispensa. CNJ – CONS – Consulta - 0006280-60.2013.2.00.0000 - Rel. MARIA CRISTINA IRIGOYEN PEDUZZI - 180ª Sessão - j. 02/12/2013).
5 A decisão do Conselho Nacional de Justiça contou com o voto da então Conselheira Gisela Gondin Ramos.
6 Normas constitucionais: art. 22, inc. XXVII; art. 37, inc. XXI; art. 173, par. 1º, inc. III; art. 175, caput.
7 Artigo 37, caput, CF.
8 Nessa linha, já se manifestou o Plenário do Conselho Nacional de Justiça:
EMENTA: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO. CONCURSO PUBLICO SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS. CONTRATAÇÃO DE ENTIDADE PARA REALIZAÇÃO DO CERTAME. DISPENSA DE LICITAÇÃO. ART. 24, XIII, DA LEI 8.666/93. PRECEDENTE DO TCU. ILEGALIDADE.. VIABILIDADE DE COMPETIÇÃO ENTRE INSTITUIÇÕES ESPECIALIZADAS NA REALIZAÇÃO DE CONCURSOS PÚBLICOS.
1. Pretensão de desconstituição dos atos que ensejaram a dispensa de licitação e a contratação direta do Instituto de Estudo Superiores do Extremo Sul – IESES pelo Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão – TJ/MA, para a realização do concurso de ingresso nas atividades notariais e de registro no Estado.
2. A regra do artigo 24, XIII da Lei nº 8.666/93 não serve de fundamento para a contratação, com dispensa de licitação, de entidade para a realização de concurso público. A realização de concurso público para delegação de atividades notariais e de registro não está inserida nas finalidades indicadas na norma, relativas à pesquisa, ao ensino, ao desenvolvimento institucional ou à recuperação social do preso.
3. É viável a licitação para contratação de instituição visando a realização do concurso público. Há no mercado diversas instituições com vasta experiência e dotadas de notória aptidão para a realização de concursos públicos, algumas delas vinculadas a entidades públicas.
4. A legalidade da remuneração de instituição contratada mediante recebimento das taxas de inscrição também já foi reconhecida pelo Tribunal de Contas da União (AC-2149-28/06-2).
5. As circunstâncias do caso, especialmente quanto ao estágio do concurso já em andamento, recomendam a manutenção da contratação e do certame correspondente, para preservação da situação dos candidatos que já se submeteram à primeira fase.
6. Improcedência do pedido. (PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO N° 0001444-15.2011.2.00.0000 – 130ª Sessão Ordinária).
9 Para contratação de instituição brasileira que tenha por finalidade estatutária apoiar, captar e executar atividades de ensino, pesquisa, extensão, desenvolvimento institucional, científico e tecnológico e estímulo à inovação, inclusive para gerir administrativa e financeiramente essas atividades, ou para contratação de instituição dedicada à recuperação social da pessoa presa, desde que o contratado tenha inquestionável reputação ética e profissional e não tenha fins lucrativos (art. 75, inc. XV, Lei Federal n° 14.133/2021).
10 Nesse sentido, por ocasião do julgamento do Procedimento de Controle Administrativo n° 0001765-16.2012.2.00.0000, o Egrégio Conselho Nacional de Justiça, em acórdão da lavra do Conselheiro Relator José Guilherme Vasi Werner, considerou ilegal a contratação direta, feita pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, por dispensa de licitação, de instituição para a realização de concurso público para o preenchimento de cargos de Oficial de Justiça Avaliador, porquanto não se enquadrar nas hipóteses do inciso XIII do artigo 24 da Lei nº 8.666/1993 (antiga lei das licitações).